SUMÁRIO:
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A interpretação do Tribunal de Justiça sobre o direito da União Europeia é vinculativa para os órgãos jurisdicionais nacionais, com a necessária desaplicação do direito interno em caso de desconformidade.
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A legislação portuguesa de IRC, ao tributar por retenção na fonte dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a OIC não residentes, ao mesmo tempo que permite aos OIC equiparáveis constituídos ao abrigo da legislação nacional beneficiar, em idêntica situação, de isenção dessa retenção na fonte, não é compatível com o direito da União Europeia, por violação da liberdade fundamental de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE, conforme resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça no processo C-545/19, Allianz GI, com Acórdão de 17.03.2022 e, mais recentemente, do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência pelo Pleno da 2.ª Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 28 de setembro de 2023 e prolatado no processo n.º 93/19.7BALBS.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Professor Doutor Victor Calvete, Dr. David Oliveira Silva Nunes Fernandes e Dr.ª Sofia Ricardo Borges, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 20-02-2024, decidiram o seguinte:
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RELATÓRIO
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A... LIMITED COMPANY, organismo de investimento coletivo constituído de acordo com o direito irlandês, com o número de contribuinte ..., com sede em..., ..., Irlanda (o Requerente), apresentou pedido de pronúncia arbitral, pugnando pela anulação de ato de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa apresentado, pela anulação dos atos tributários de retenção na fonte de IRC referentes a dividendos auferidos em 2019, 2020, 2021 e 2022, pelo reconhecimento do direito à restituição da quantia de EUR 261.972,75 (duzentos e sessenta e um mil novecentos e setenta e dois euros e setenta e cinco cêntimos) e pela condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas de arbitragem.
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É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por «AT» ou simplesmente «Requerida»).
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O presente tribunal arbitral foi constituído no dia 20 de fevereiro de 2024.
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Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º, nºs 1 e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), a Requerida foi notificada, em 21 de fevereiro de 2024, para, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar resposta e solicitar prova adicional, bem como para remeter cópia do processo administrativo.
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No dia 5 de abril de 2024, a Requerida apresentou a sua resposta, pugnando pela procedência de uma exceção dilatória de incompetência do tribunal arbitral e, a final, pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente.
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No dia 15 de maio 2024 foi prolatado despacho no sentido de (i) fixar um prazo de 15 dias para resposta à exceção invocada pela Requerida e (ii) dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, porquanto não foi requerida a audição de s, tendo as partes sido notificadas em conformidade, na mesma data.
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No dia 5 de junho de 2024, o Requerente exerceu o contraditório face à exceção invocada pela Requerida, pugnando pela respetiva improcedência.
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No dia 16 de junho de 2024, foi prolatado despacho no sentido de prorrogar, por dois meses, o prazo previsto no artigo 21.º, n.º 1, do RJAT, na medida em que se verificou a mudança de relator.
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POSIÇÃO DAS PARTES
No âmbito do pedido de pronúncia arbitral, o Requerente pugnou, essencialmente, pelo seguinte entendimento:
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Sendo o Requerente um organismo de investimento coletivo (“OIC”) com residência fiscal na Irlanda, foi sujeito em Portugal, entre 2019 e 2022, a retenção na fonte em sede de IRC, à taxa de 25%, relativamente a rendimentos que lhe foram colocados à disposição – mais concretamente, dividendos distribuídos por entidades domiciliadas em Portugal;
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O valor global das retenções efetuadas naquele período, deduzido dos montantes reembolsados ao abrigo da convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e Irlanda, ascende a EUR 261.972,75 (duzentos e sessenta e um mil novecentos e setenta e dois euros e setenta e cinco cêntimos);
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No dia 17.03.2022 foi conhecido o veredito do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) no processo que correu termos sob o n.º C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN), no qual o TJUE se pronunciou, de acordo com a pretensão do Requerente no processo, sobre o regime português de tributação de dividendos auferidos por OIC, em sentido da procedência do que ora vem peticionado;
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O regime previsto nos artigos 94.º, n.º 1, alínea c), 94.º, n.º 3, alínea b), 94.º, n.º 4, e 87.º, n.º 4, todos do CIRC, ao prever que os rendimentos obtidos em Portugal por OIC não residentes estão sujeitos a retenção na fonte liberatória em sede de IRC a uma taxa de 25% (enquanto se prevê uma isenção de tributação aplicável, nos termos do artigo 22.º do EBF, a dividendos auferidos por OIC residentes) não é compatível com o princípio da livre circulação de capitais, tal como resulta expresso e inequívoco da decisão do TJUE;
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A decisão do TJUE no referido processo implica a necessária procedência do pedido de revisão oficiosa anteriormente apresentado e, bem assim, do presente pedido de pronúncia arbitral, uma vez que a questão a dirimir é materialmente igual;
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Da matéria de facto carreada para os autos e do quadro normativo interno vigente resulta inquestionável que existe uma diferença de tratamento conferida pela legislação fiscal portuguesa, entre os OIC residentes e os OIC não residentes, na tributação de dividendos de fonte portuguesa;
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Esta diferença de tratamento consubstancia-se no diferente tratamento fiscal que é conferido aos rendimentos obtidos em Portugal por OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa – que estão isentos de imposto – e aos rendimentos obtidos em Portugal por OIC não constituídos ao abrigo da lei portuguesa – que estão sujeitos a retenção na fonte liberatória de IRC a uma taxa de 25%;
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Um tratamento desfavorável por um Estados-Membros dos dividendos pagos a entidades não residentes face ao tratamento favorável reservado aos dividendos pagos às entidades aí residentes é inequivocamente suscetível de dissuadir as entidades não residentes de realizarem investimentos nesse EM e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”);
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Impõe-se aferir se a legislação, ao prever tratamentos diferenciados, diz respeito a (i) situações objetivamente comparáveis e (ii) se não se pode justificar por qualquer razão imperiosa de interesse geral;
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Só após estas duas verificações é possível concluir, em termos definitivos, que está em causa uma discriminação proibida pelo artigo 65.º do TFUE;
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A comparabilidade é aferida apenas tendo em consideração a extensão ou não da soberania tributária de um Estado aos contribuintes residentes num outro Estado, sendo irrelevante a eventual incidência de outros impostos, taxas ou tributos incidentes sobre os investimentos efetuados pelos OIC;
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A diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis;
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No que respeita à justificação da existência de legislação interna restritiva, nomeadamente para assegurar a coerência do regime fiscal, haverá que averiguar se existia alguma vantagem fiscal suscetível de compensar o tratamento desfavorável concedido a determinados contribuintes;
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As razões que se prendem com a coerência do regime fiscal só podem ser invocadas quando existe uma relação direta entre o benefício fiscal concedido a um contribuinte e uma cobrança fiscal compensatória ao mesmo contribuinte;
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O TJUE expressamente negou a justificação pela coerência fiscal por inexistência do referido nexo direto, com fundamento no facto de estarem em causa tributos diferentes e contribuintes diferentes;
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O regime interno conexo com a distinção entre OIC residentes e OIC não residentes é incompatível com o Direito da União Europeia;
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A consequência jurídica do princípio do primado do Direito da União Europeia é a não aplicação, em caso de conflito entre leis, das disposições internas contrárias à disposição comunitária bem como a proibição da introdução de disposições de direito interno contrárias à legislação comunitária.
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Ou seja, o dever de anulação dos atos tributários ora sindicados decorre diretamente do reconhecimento expresso por parte do TJUE do carácter ilegal do regime fiscal em vigor até à presente data.
Por seu turno, a Requerida contestou, alegando fundamentalmente o seguinte na resposta apresentada:
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No entender da Requerida, deverá ser julgada procedente uma exceção dilatória de incompetência material do tribunal arbitral, na exata medida em que o Requerente solicita, pela primeira vez, a apreciação das retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário sem que tenha desencadeado procedimento de reclamação graciosa nos termos do disposto no artigo 132.º do CPPT;
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O procedimento de revisão oficiosa não pode substituir a reclamação graciosa prevista no artigo 132.º do CPPT;
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Donde, não tendo o pedido de anulação das retenções sido precedido, em prazo, de reclamação graciosa necessária, o tribunal arbitral carece de competência para apreciar a legalidade das mesmas, ainda que o Requerente tenha apresentado um pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 anos;
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Tal situação impõe-se por força dos princípios constitucionais do Estado de Direito e da separação de poderes, bem como da legalidade, como corolário do princípio da indisponibilidade do crédito tributário;
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Adicionalmente, a Requerida alega não ter sido responsável pelas retenções, nem tão pouco ter sobre as mesmas emitido qualquer pronúncia quanto à respetiva legalidade;
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Na medida em que se verifica o indeferimento tácito do pedido de revisão do ato tributário, a Requerida não tomou posição expressa sobre a existência de erro imputável aos serviços, e compulsado o pedido de revisão oficiosa apresentado, não se retira do mesmo que o Requerente tenha invocado erro de direito imputável à Requerida, ou que, tendo-o invocado, o comprove invocando, designadamente, que as retenções na fonte se deveram a orientações ou instruções da mesma;
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Antes pelo contrário, retira-se do pedido de pronúncia arbitral apresentado que as retenções na fonte terão sido feitas em conformidade com a lei e que o cumprimento desta importa, no entender do Requerente, uma restrição discriminatória ao princípio da livre circulação de capitais, contrária ao disposto no artigo 63º do TFUE;
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No caso da revisão dos atos tributários ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, o pedido terá que ser apresentado no prazo da reclamação administrativa, sendo de quatro anos quando a iniciativa cabe à Requerida, com fundamento em erro imputável aos serviços;
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Sempre que o contribuinte opte pelo pedido de revisão, não tem quatro anos para o fazer, mas o prazo da reclamação graciosa;
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Quando não tenha havido erro imputável aos serviços na liquidação, preclude, com o decurso do prazo de reclamação, o direito de o contribuinte obter a seu favor a revisão do ato de liquidação;
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O Tribunal Arbitral terá de analisar os pressupostos de aplicação do mecanismo da revisão oficiosa, uma vez que o Requerente não prova a existência de qualquer erro de direito, imputável à Requerida que justificasse a revisão da liquidação;
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No presente pedido de pronúncia arbitral foi submetida à apreciação do Tribunal Arbitral uma questão relativa ao controle dos pressupostos de aplicação do art. 78º da LGT;
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O Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o artigo 78.º da LGT e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de revisão foram, ou não, bem aplicados pela Requerida.
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Toda esta argumentação conduz à verificação de uma exceção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
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O direito internacional admite que, em matéria de impostos diretos, as relações entre residentes e não residentes não são comparáveis, pois apresentam diferenças objetivas do ponto de vista do rendimento, da capacidade contributiva e da situação familiar ou pessoal;
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A situação dos residentes e dos não residentes não é, por regra, comparável e que a discriminação só acontece quando estamos perante a aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou de uma mesma regra a situações distintas;
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Atendendo a que é o Estado de residência que dispõe de toda a informação necessária para aferir um correto enquadramento contributivo e da sua capacidade contributiva global, a situação de um residente é, com certeza, distinta da de um não residente;
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O princípio da não discriminação atende à necessidade de conferir tratamento igual ao que é igual e diferente àquilo que é diferente, na medida dessa diferença;
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No caso em apreço, as alegadas diferenças de tratamento encontram-se plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português;
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O Decreto-Lei nº 7/2015, de 13 de janeiro, veio proceder à reforma do regime de tributação dos OIC, ficando estes sujeitos passivos de IRC excluídos na determinação do seu lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais valias, referidos nos artigos 5º, 8º e 10º do CIRS, conforme prevê o nº 3 do artigo 22º do EBF a que acresce a isenção das derramas municipal e estadual, conforme nº 6 da mencionada norma legal;
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Paralela a esta opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre o ativo global líquido dos OIC;
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Ou seja, optou-se por uma tributação na esfera do Imposto do Selo tendo sido aditada, à TGIS, a Verba 29, de que resulta uma tributação, por cada trimestre, à taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos;
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Esta reforma na tributação veio apenas a incidir sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, dela ficando excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira;
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No presente caso, não parece estarmos em presença de situações objetivamente comparáveis;
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E ainda que o Fundo não consiga recuperar o imposto retido na fonte em Portugal no seu estado de residência, também não está demonstrado que o imposto não recuperado pelo Fundo não possa vir a ser recuperado pelos investidores;
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A administração tributária não pode deixar de aplicar as normas legais que a vinculam, porquanto está a mesma adstrita ao princípio da legalidade positivada;
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A administração tributária tem que considerar que no processo de elaboração das normas em questão o legislador doméstico terá tido em atenção todo o ordenamento jurídico, quer nacional quer internacional, pelo que essas normas devem respeitar os mesmos, sendo certo, também, que não cabe à administração tributária a sindicância das normas no que concerne à sua adequação relativamente ao Direito da União Europeia;
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A liberdade de circulação de capitais implica a proibição de discriminação entre capitais do Estado-Membro e capitais provenientes de fora, sendo que os Estados-Membros podem regular em alguma medida a circulação de capitais, mas não podem discriminar;
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Quando se trata de densificar conceitualmente o âmbito normativo da liberdade de circulação de capitais observa-se a inexistência de uma definição deste conceito;
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O artigo 63.º do TFUE visa assegurar a liberalização da circulação de capitais dentro do mercado interno europeu e entre este e países terceiros, portanto, proíbe qualquer restrição ou discriminação que resulte do tratamento fiscal diferenciado concedido pelas disposições da lei nacional a entidades de Estados-membros ou de países terceiros que crie condições financeiras mais desfavoráveis a estes últimos e seja suscetível de os dissuadir de investir em Portugal;
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Não pode afirmar-se que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pelo Requerente;
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A jurisprudência do TJUE não autoriza o intérprete a extrair a conclusão, em abstrato, de que a mera existência de uma retenção na fonte de IRC incidindo apenas sobre os dividendos pagos por uma sociedade residente a um Fundo de Investimento estabelecido noutro Estado-Membro constitui por si só uma restrição à livre circulação dos fluxos de capital no espaço europeu, sem que seja feita uma apreciação global do regime fiscal aplicável aos Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos em Portugal;
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Para avaliar se a legislação nacional aplicável aos OIC constituídos e estabelecidos em Portugal é discriminatória relativamente ao tratamento dos fundos de investimentos de outros Estados-Membros, não basta olhar apenas o n.º 10 do artigo 22.º do EBF, pois, mesmo quando o que é sindicado é a tributação incidente sobre os dividendos pagos por uma sociedade residente a um fundo de investimento estabelecido na Irlanda impõe-se levar em conta todos os ónus fiscais incidentes sobre tais rendimentos e sobre os ativos (in casu, ações) que lhe dão origem;
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O que existe é uma aparência de discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, mas, a que não corresponde uma discriminação em substância, conforme supra referido;
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O Requerente ao analisar a desconformidade da legislação nacional com o artigo 63.º do TFUE, centra-se exclusivamente nos n.ºs 1 e 3 do artigo 22.º do EBF, que estabelece a isenção de retenção na fonte, o que revela uma visão parcial do regime de tributável aplicável aos OIC abrangidos por este dispositivo legal;
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Se o Requerente tivesse sido constituído ao abrigo da legislação nacional não teria incidido qualquer retenção na fonte em sede de IRC sobre os dividendos auferidos, mas poderia ter incidido a tributação autónoma, à taxa de 23%, e, eventualmente, o imposto do selo previsto na Verba 29 da TGIS;
Em sede de contraditório face à exceção invocada pela Requerida na resposta apresentada, explanou a Requerente os seguintes argumentos, que ora se sintetiza:
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A exceção de incompetência do tribunal arbitral deverá ser julgada improcedente, desde logo na medida em que os atos de retenção na fonte se encontram expressamente previstos no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT;
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Por outro lado, a alínea a) do artigo 2.º da Portaria 112-A/2011, de 22 de março, alude a pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenha sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do CPPT;
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Entende a Requerente que o objeto do processo arbitral será sempre o ato de liquidação, relevando os atos de segundo e terceiro grau apenas para fixação do termo inicial do prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral;
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Os tribunais arbitrais são competentes nos casos em que a declaração de ilegalidade dos atos previstos na alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º do RJAT é efetuada através da declaração de ilegalidade de atos de segundo grau, o que abrange também casos em que o ato de segundo grau corresponde ao indeferimento do pedido de revisão do ato tributário;
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Acresce que para a Requerente não está em causa saber se o Tribunal Arbitral tem, ou não, competência para apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o artigo 78.º da LGT e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de revisão foram, ou não, bem aplicados pela Requerida.
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E, em qualquer caso, o indeferimento tácito comporta em si mesmo uma tomada de posição sobre a alegada ilegalidade, razão pela qual comporta os mesmos efeitos que decorreriam de um indeferimento expresso.
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SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. O processo não enferma de nulidades. A cumulação de pedidos é admitida, nos termos conjugados do disposto n.º 1 do artigo 3.º do RJAT e nos artigos 71.º e 103.º, n.º 1, do CPPT.
No que concerne à exceção dilatória de incompetência material invocada pela Requerida, proceder-se-á infra à correspondente apreciação e decisão da mesma, enquanto questão prévia face às demais.
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FACTOS PROVADOS
Consideram-se provados, com relevo para a decisão dos presentes autos, os seguintes factos:
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O Requerente é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal irlandês, uma entidade jurídica de direito irlandês, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Irlanda, constituída sob a forma contratual e não societária, correspondendo, simultaneamente, a uma sociedade aberta de investimento de capital variável e com responsabilidade limitada e a um fundo de fundos com responsabilidade segregada entre fundos;
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O Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país (cfr. documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
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Nos anos de 2019 a 2022 o Requerente era detentor de participações sociais nas seguintes sociedades residentes em Portugal: B... SGPS, C... SGPS, D..., E... SGPS, F... S.A. e G... (cfr. documento n.º 2 e n.º 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, bem como pp.35 a 155 do processo administrativo);
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Nos referidos anos, o Requerente, na qualidade de acionista destas sociedades residentes em Portugal, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal (cfr. pp.35 a 155 do processo administrativo);
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Os dividendos recebidos no decorrer dos anos de anos de 2019 a 2022, foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25%, prevista no n.º 4 do artigo 87.º do Código do IRC (cfr. documento n.º 2 e n.º 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, bem como pp.35 a 155 do processo administrativo);
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O Requerente efetuou pedidos de reembolso do imposto retido na fonte em excesso face à taxa prevista no Acordo para Evitar a Dupla Tributação (“ADT”) celebrado entre Portugal e a Irlanda (correspondente a 10%, pois a taxa prevista no ADT para os dividendos é de 15%), através da entrega do formulário Modelo 21 RFI (facto não impugnado pela Requerida, sendo que, em face do teor da alegação, se deve o mesmo considerar aceite, tanto mais que a Requerida poderia confirmá-lo ou infirmá-lo por consulta à sua base de dados);
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Entre 2019 e 2022, o Requerente recebeu dividendos e suportou em Portugal IRC por retenção na fonte, no montante total a seguir discriminado (cfr. documento n.º 2 e n.º 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, bem como pp.35 a 155 do processo administrativo e posição assumida pela Requerida, que não impugnou esta factualidade):
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No dia 8 de maio de 2024 o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa para apreciação da legalidade dos referidos atos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2019 a 2022, no qual solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal (cfr. documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, bem como o processo administrativo);
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Não foi proferida decisão expressa pela Requerida face ao pedido de revisão do ato tributário apresentado pelo Requerente (cfr. posição da Requerida quanto a este facto no âmbito da resposta apresentada).
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FACTOS NÃO PROVADOS E FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Inexistem factos alegados e não provados com relevância para decisão da causa.
A convicção quanto aos factos considerados provados decorre dos documentos juntos aos autos pelo Requerente, e indicados quanto a cada facto, bem como do processo administrativo instrutor junto aos autos pela Requerida.
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DA EXCEÇÃO DILATÓRIA DE INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL
Conforme decorre da síntese da posição das partes, a Requerida invocou uma exceção dilatória correspondente à incompetência material deste tribunal para conhecer do pedido aduzido pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral apresentado. Vejamos.
De uma perspetiva lógica, importará começar por considerar o exato pedido formulado, a final, pelo Requerente, cujo teor se transcreve integralmente:
“Nestes termos e nos melhores de direito, solicita-se respeitosamente a V. Exas. que se se dignem conceder provimento ao presente pedido de pronúncia arbitral, determinando, em consequência:
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A anulação do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa previamente apresentada pelo ora Requerente;
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Em virtude da procedência do pedido acima, a anulação dos atos tributários de retenção na fonte de IRC ora sindicados por vício de violação de lei, em concreto por violação do Direito Comunitário e da CRP, nos termos acima melhor expostos;
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O reconhecimento do direito do Requerente à restituição da quantia de EUR 261.972,75, relativa a retenções na fonte de IRC suportadas em Portugal sobre dividendos distribuídos nos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022, ao abrigo do disposto nos artigos 94.º do CIRC e 22.º do EBF, tudo com as demais consequências legais, mormente o reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT;
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Com a procedência dos pedidos formulados supra, a condenação da Autoridade Tributária no pagamento das custas de arbitragem.”.
No que concerne à aferição da competência dos tribunais arbitrais constituídos junto do Centro de Arbitragem Administrativa, é particularmente relevante, por basilar, a norma contida no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, que ora se transcreve:
“Artigo 2.º
Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável
1 – A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais;”
Igualmente relevante é, efetivamente, o teor da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em particular a disposição plasmada no seu artigo 2.º:
“Artigo 2.º
Objeto da vinculação
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com exceção das seguintes:
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Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
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Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
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Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação;
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Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.
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Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.
No entender deste tribunal, não estamos perante um caso de reclamação graciosa obrigatória, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 131.º, aplicável ex vi n.º 6 do artigo 132.º do CIRS. Os temas controvertidos prendem-se exclusivamente com matéria de direito e as retenções na fonte contestadas foram efetuadas de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária.
Em todo o caso, a questão submetida à apreciação deste tribunal não é nova, tendo sido suscitada em diversos autos arbitrais. Acompanha-se, nesta sede, o sentido decisório que pugna pela improcedência da exceção, vertido, nomeadamente, nas decisões proferidas nos autos 501/2022-T, 638/2023, 924/2023-T, 940/2023-T, entre outros.
Particularmente relevante é também a decisão proferida no âmbito dos autos 124/2018-T, da qual se transcreve segmento relevante, ao qual se adere por ter plena aplicabilidade nos presentes autos:
“No que respeita à competência dos Tribunais Arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD, foi decidido, entre outros, no Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 124/2018-T, conforme o extrato que, com a devida vénia, se transcreve:
«A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).
Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária foi vinculada àquela jurisdição pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».
Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.
Na alínea a) do artigo 2.º desta Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se expressamente do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».
A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles artigos 131.º a 133.º do CPPT, para que cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (artigo 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do artigo 132.º do mesmo Código), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efectuada.
(…)
Assim, importa, antes de mais, esclarecer se a declaração de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão do ato tributário, previstos no artigo 78.º da LGT, se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD pelo artigo 2.º do RJAT.
Na verdade, neste artigo 2.º não se faz qualquer referência expressa a estes actos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os «pedidos de revisão de atos tributários» e «os atos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação».
No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado diretamente um ato de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de atos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um ato de segundo grau, que confirme um ato de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.
A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos atos aí indicados é efetuada através da declaração de ilegalidade de atos de segundo grau, que são o objeto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais.
(…)
Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o ato de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do ato tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efetuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa.
(…)
Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de atos de autoliquidação e retenção na fonte e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do acto tributário em vez da reclamação graciosa.
Por isso, é de concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência aos artigos 131.º a 133.º do CPPT, disseram imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de atos dos tipos referidos, acabaram por incluir referência aos artigos 131.º a 133.º que não esgotam as possibilidades de apreciação administrativa desses atos.
(…)
Por isso, para além da proibição geral de interpretações limitadas à letra da lei que consta do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, no específico caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 há uma especial razão para não se justificar grande entusiasmo por uma interpretação literal, que é o facto e a redação daquela norma ser manifestamente defeituosa.
Para além disso, assegurando a revisão do ato tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de atos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.
E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adotada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).
Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do ato tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.º 3 do artigo 9.º para a viabilidade da adoção da interpretação que consagre a solução mais acertada.
É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas e adjetivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a atos de retenção na fonte que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.
(…)
Improcede, assim, esta exceção de incompetência, derivada de não ter sido apresentada reclamação graciosa dos atos de retenção na fonte.”
Ao exposto acresce, ainda, que a jurisprudência nacional tem vindo a reconhecer que “[m]esmo depois do decurso dos prazos de reclamação graciosa e de impugnação judicial, a Administração Tributária tem o dever de revogar actos de liquidação de tributos que sejam ilegais, nas condições e com os limites temporais referidos no art. 78.º da L.G.T.” e, por outro lado, que “[a] formulação de pedido de revisão oficiosa do acto tributário pode ter lugar relativamente a actos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do artº 132.º do CPPT, pois esta é necessária apenas para efeitos de dedução de impugnação judicial (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 9 de novembro de 2022, proferido no âmbito dos autos 087/22.5BEAVR). Acresce que “[o] meio procedimental de revisão do acto tributário não pode ser considerado como um meio excepcional para reagir contra as consequências de um acto de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do acto de liquidação).”. Este entendimento encontrava já respaldo no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 12 de julho de 2006, proferido no âmbito dos autos 0402/06.
Por tudo quanto se expôs, julga-se improcedente a exceção dilatória de incompetência material do tribunal invocada pela Requerida.
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DO PEDIDO ANULATÓRIO ADUZIDO PELO REQUERENTE
O thema decidendum nos presentes autos foi já objeto de decisões arbitrais e judiciais de sentido diverso, o que atesta a respetiva natureza controversa. Essencialmente, as balizas normativas que delimitam a temática são as seguintes:
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Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 22.º do EBF, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, «[s]ão tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional»;
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Por força do disposto no n.º 3 do artigo 22.º do EBF, igualmente na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, «[p]ara efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.»
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Dispõe o artigo 87.º, n.º 4, do CIRC que «[t]ratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25% (…)»;
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O n.º 1 do artigo 63.º do TFUE estatui que «[n]o âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.»;
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Por seu turno, a alínea a) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE determina que a antedita norma não prejudica o direito de os Estados-Membros «[a]plicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido»;
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O n.º 3 do artigo 65.º do TFUE prevê que «[a]s medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.».
Está, pois, em causa aferir da compatibilidade entre as citadas normas do TFUE e as citadas normas do EBF e do CIRC, tendo presente o princípio do primado do Direito da União Europeia sobre as normas internas dos Estados-Membros. Importa assinalar, com relevância para o caso, que foi proferido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência pelo Pleno da 2.ª Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 28 de setembro de 2023 e prolatado no processo n.º 93/19.7BALBS. Relativamente ao mesmo, e considerando o caso subjacente aos presentes autos, considera-se particularmente relevante o seguinte excerto:
«Em sede de conhecimento do mérito do presente recurso compete a este Tribunal aferir da compatibilidade entre os normativos nacionais que isentam de tributação, na cédula de IRC, os dividendos pagos por entidades com sede em Portugal a OIC com sede neste país, constituídos e a operar de acordo com a legislação portuguesa, mais tributando, por retenção na fonte a título definitivo, os dividendos distribuídos por entidades residentes a OIC com sede em outro Estado Membro da União Europeia, no caso, a Alemanha e, portanto, não constituídos de acordo com a legislação nacional, com as disposições do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), especialmente, com o seu artº.63, normativo que consagra a liberdade de circulação de capitais.
A necessidade de o Direito Europeu ser aplicado de modo uniforme em todo o território da União não se compadece com a aplicação discrepante das suas normas pelos diferentes Estados-Membros. Como o próprio Tribunal de Justiça salientou logo nos primeiros anos da sua actuação, o reenvio tende a assegurar a aplicação do Direito Comunitário, abrindo ao Juiz nacional um meio de eliminar as dificuldades que poderia trazer a exigência de atribuir ao Direito Europeu o seu pleno efeito, no quadro dos sistemas jurisdicionais dos mesmos Estados-Membros.
Recorde-se que o direito europeu, originário ou derivado, vigora directamente na ordem jurídica interna portuguesa e a aplicação do mesmo está balizada pelos princípios do primado, da aplicabilidade directa e do efeito directo (cfr.artº.8, nº.4, da C.R.Portuguesa; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/06/2020, rec.688/11.7BECBR; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/05/2023, rec.998/12.6BELRS; João Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos, Manual de Direito Comunitário, 5ª. Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.405 e seg.; Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, 2ª. Edição, Almedina, 2018, pág.540 e seg.; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.264 e seg.).
Por força dos citados princípios da aplicabilidade directa e do primado, qualquer parte num litígio pode invocar em juízo, em apoio da sua pretensão, uma disposição comunitária e, se necessário for, solicitar a desaplicação de norma nacional com ela incompatível.
No caso "sub iudice", está em causa a apreciação de normas de direito interno (cfr.v.g. artºs.22, do E.B.F.) e a sua compatibilidade com a liberdade de circulação de capitais, estatuída no artº.63, do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
O citado artº.63, do TFUE, normativo que consagra o Princípio da Liberdade de Circulação de Capitais, tanto entre Estados-Membros da UE, como entre estes e Países Terceiros, tem como antecedente o artº.67, do TCE.
Ora, para aferir se existe, ou não, uma situação de discriminação é necessário determinar, desde logo, se as duas situações são, ou não, comparáveis. Depois, partindo do princípio que, de facto existe comparabilidade entre as duas situações, impõe-se verificar se diferentes regras se aplicam a situações comparáveis, ou se as mesmas regras se aplicam a situações diferentes, dado que ambos os casos podem levar a uma discriminação no que diz respeito às liberdades económicas fundamentais (cfr.v.g. acórdão Kerckhaert e Morres, do T.J.U.E., de 14/11/2006, Processo C-513/04, § 19; João Sérgio Ribeiro, Direito Fiscal da União Europeia, Tributação Direta, Almedina, 2018, pág.74). Mais, como regra, a condição de residente não é comparável com a de não residente, sendo este facto geral veiculado pelas decisões do Tribunal de Justiça Europeu. Contudo, em muitos casos, tendo como referência, nomeadamente, o elemento teleológico da disposição de direito interno, o Tribunal de Justiça Europeu entendeu que residentes e não residentes podem estar em situações comparáveis. Esta tendência foi iniciada com o caso Avoir Fiscal (cfr.acórdão Avoir Fiscal, do T.J.C.E., de 28/01/1986, Processo 270/83, § 20; João Sérgio Ribeiro, ob.cit., pág.74 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, deve considerar-se decisivo, para efeitos de comparabilidade, o facto de a lei portuguesa diferenciar expressamente, para efeitos de retenção na fonte, entre fundos de investimento residentes e não residentes, que não a situação fiscal, mais ou menos vantajosa, que os fundos não residentes possam gozar nos respectivos Estados da residência ou ainda a situação fiscal individual dos seus investidores. Do ponto de vista do Estado-Membro que se considere, fundos residentes e não residentes estão numa situação comparável se ambos estão sujeitos à mesma tributação. Como sublinhou o TJUE no caso Santander Asset Management, quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OIC beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação (cfr.acórdão Santander Asset Management SGIIC, do T.J.U.E., de 10/05/2012, Processo C-338/11 e apensos, § 28).
Chamando, agora, à colação o acórdão do TJUE de 17/03/2022, processo C-545/19 (cfr.fls.225 a 235-verso do processo físico), relativo a pedido de decisão prejudicial, suscitado no âmbito do processo arbitral 93/2019-T, cujos intervenientes processuais são os mesmos deste processo e que originou a suspensão da instância nos presentes autos, do mesmo se podem retirar as seguintes conclusões, com interesse para a decisão do mérito deste recurso:
a)Perante o órgão jurisdicional de reenvio, a A...-Fonds AEVN alega que, nos anos de 2015 e 2016, os OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa estavam sujeitos a um regime fiscal mais favorável do que aquele a que foi sujeita em Portugal, na medida em que, relativamente aos dividendos pagos por sociedades estabelecidas em Portugal, esses organismos estavam isentos, ao abrigo do artigo 22.°, n.° 3, do EBF, do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas. A A...-Fonds AEVN considera que, sendo tributada à taxa de 25 % sobre os dividendos que lhe são pagos por sociedades estabelecidas em Portugal, é objeto de um tratamento discriminatório proibido pelo artigo 18.° TFUE, bem como de uma restrição à liberdade de circulação de capitais proibida pelo artigo 63.° TFUE. (§ 17);
b)Uma vez que a legislação nacional em causa no processo principal tem, assim, por objeto o tratamento fiscal de dividendos recebidos pelos OIC, deve considerar-se que a situação em causa no processo principal é abrangida pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais (§ 33);
c)Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa. (§ 57);
d)um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este Estado-Membro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontra-se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (§ 69);
e) Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes. Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis. (§ 73 e 74);
f) No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado-Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados-Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (§ 83);
g) Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção. (§ 85).
Em consequência, o TJUE expressa a seguinte declaração final:
O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
Nestes termos, concluindo-se pela incompatibilidade do artº.22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 7/2015, de 13/01 (a aplicável ao caso "sub iudice"), com o disposto no artº.63, do TFUE, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia, impõe-se a não aplicação do referido normativo nacional, de onde se deve concluir que a decisão arbitral recorrida não poderá manter-se, dado enfermar de erro de julgamento de direito, determinante da sua anulação, mais sendo a posição adoptada na decisão arbitral fundamento a que se encontra em conformidade com o direito e jurisprudência, europeus.
Ora, a argumentação supra expendida, a que se adere integralmente por remissão, é também aplicável ao caso dos autos. Como tal, aquela fundamentação é aqui aplicável na sua totalidade, pois que nenhuma das circunstâncias do presente caso, nomeadamente o concreto país de residência do Requerente (Irlanda), tem o condão de conduzir a decisão de sentido diferente. De facto, perscruta-se e não se identifica qualquer elemento que, por um lado, coloque o Requerente numa situação objetivamente não comparável com um organismo de investimento coletivo residente em Portugal e, por outro, que pudesse porventura justificar – em função de interesses gerais atendíveis – o tratamento diferenciado, subsistindo, pois, a inadmissível arbitrariedade da distinção entre organismos de investimento coletivos residentes e organismos de investimento coletivo não residentes.
Ficou demonstrado nos presentes autos que o Requerente é um organismo de investimento coletivo, constituído ao abrigo do ordenamento jurídico irlandês e que opera de acordo com as regras do mesmo, que auferiu rendimentos de capitais (dividendos) de fonte portuguesa, tendo sido tributado, em função dos mesmos, em sede de retenção na fonte de IRC à taxa de 25% (depois reduzido para 15% por via da aplicação ulterior da Convenção com a Irlanda para Evitar a Dupla Tributação). Sendo certo que rendimentos de natureza idêntica, auferidos por organismos de investimento coletivo residentes em Portugal, não concorreriam para o apuramento do rendimento tributável destes em sede de IRC.
Neste sentido, ancorando-nos no sentido e teor da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo no âmbito dos autos supra referidos, bem como da jurisprudência do TJUE ali identificada e citada, bem como noutras decisões de sentido idêntico (tais como a proferida no processo n.º 11/2023-T e 12/2023-T e 577/2023-T), e considerando a necessidade de aplicação uniforme do direito, por força do disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil, julga-se procedente o pedido aduzido pelo Requerente, declarando-se a ilegalidade dos atos tributários controvertidos e anulando-se os mesmos (bem como, por inerência, o ato de indeferimento tácito subjacente ao procedimento de revisão do ato tributário apresentada pelo Requerente).
Acresce, por último, que o sentido decisório prevalente em casos semelhantes é idêntico ao que ora se decide, como sucedeu, nomeadamente, nos processos 992/2023-T, 1003/2023-T, 60/2024-T, 303/2024-T e 310/2024-T, entre outros.
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DECISÃO
Termos em que o Tribunal decide:
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Julgar improcedente a exceção dilatória de incompetência do Tribunal Arbitral arguida pela Requerida.
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Anular o ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente.
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Declarar ilegais e anular os atos tributários de retenção na fonte de IRC, com caráter liberatório, identificados nos presentes autos, conexos com rendimentos de capitais de fonte doméstica, auferidos pelo Requerente entre 2019 e 2022, no montante agregado de EUR 261.972,75 (duzentos e sessenta e um mil novecentos e setenta e dois euros e setenta e cinco cêntimos);
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Condenar a Requerida no pagamento à Requerente do imposto indevidamente retido na fonte, correspondente aos atos tributários referidos no parágrafo anterior, no montante de EUR 261.972,75 (duzentos e sessenta e um mil novecentos e setenta e dois euros e setenta e cinco cêntimos);
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Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.
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VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de EUR 261.972,75 (duzentos e sessenta e um mil novecentos e setenta e dois euros e setenta e cinco cêntimos), valor indicado pelo Requerente e sem oposição da Requerida.
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CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em EUR 4.896,00 (quatro mil oitocentos e noventa e seis euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 23 de outubro de 2024
Os árbitros
(Professor Doutor Victor Calvete, com voto de vencido, nos termos da declaração junta a final)
(Dr. David Oliveira Silva Nunes Fernandes, relator por vencimento)
(Dr.ª Sofia Ricardo Borges)
Declaração de voto:
Fiquei vencido quanto ao conhecimento da parte do pedido arbitral que dependia estritamente da verificação dos requisitos do pedido de revisão oficiosa (RO) – porque, como se escreveu na decisão do Processo n.º 124/2018-T, “sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa [é] perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa”. Porém, no presente caso (parece que não naquele) parte do pedido abrangia actos de retenção na fonte que estavam fora do horizonte temporal da reclamação graciosa e que, portanto, só poderiam ser reabertos se a AT os pudesse alterar através de uma RO (fosse ela desencadeada motu proprio ou a pedido). Sucede que, com base no fundamento invocado – desconformidade da lei interna com o Direito da União – não poderia fazê-lo (nem numa circunstância nem na outra): se a desconformidade era da lei, nenhuma reavaliação que a AT pudesse eventualmente fazer dos actos de retenção na fonte podia levar a que se lhe pudesse imputar qualquer erro (como o STA também muito bem decidiu – ainda que apenas a propósito da condenação da AT em juros e no quadro de uma desconformidade da lei aplicada com a Constituição –, no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 30 de Janeiro 2019, proferido no âmbito de recurso para Uniformização de Jurisprudência - Proc. 0564/18.2BALSB: “não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da CRP e art. 55.º da LGT)”).
Uma vez que a jurisdição da União e a nacional reconhecem que é a lei aplicada pela AT que é desconforme com o artigo 63.º do TFUE, a responsabilidade é do legislador e está sujeita ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas (anexo à Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro).
Demais, face à bifurcação da utilização ou do processo de impugnação judicial ou da acção administrativa especial em função do conteúdo do acto em crise, teria de se concluir que a RO que foi pedida à AT não só não comportou (por ser um acto silente) como – que é o que interessa, como se notou na decisão intercalar do Processo n.º 951/2023-T – nunca poderia comportar a apreciação da legalidade dos actos de retenção na fonte. Ora se não podia comportar tal apreciação (por a invocada desconformidade não estar no plano da relação dos actos com a lei, mas sim no plano da lei com o Direito da União) seria necessário, nessa parte, recorrer a uma acção administrativa especial.
Victor Calvete