SUMÁRIO:
É inimpugnável o acto de liquidação que apenas incorpora correcções à matéria colectável aceites pelo sujeito passivo na sequência de reunião de regularização feita ao abrigo do disposto nos artigos 58.º e 58.º-A, n.º 6 do RCPITA.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Fernando Miranda Ferreira e Manuel Lopes da Silva Faustino, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A..., S.A., titular do número de identificação de pessoa colectiva ..., com sede na ..., n.º ..., ..., ...-... ..., Caldas da Rainha (“Requerente”), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 5.º e alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), tendo em vista declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) n.º 2023..., referente ao ano de 2021, e da demonstração de acerto de contas n.º 2023... .
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 11 de Dezembro de 2023 e automaticamente notificado à Requerida.
3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 31 de Janeiro de 2024, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
4. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 20 de Fevereiro de 2024.
5. Tendo sido devidamente notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua resposta e juntou aos autos o processo administrativo, em 5 de Abril de 2024, tendo-se defendido por impugnação e suscitado incidente de verificação do valor da causa.
6. Em 9 de Abril de 2024, foi proferido despacho arbitral a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT. Nesse despacho, foram ainda as partes notificadas para, querendo, apresentarem alegações escritas, possibilitando-se nessa sede a pronúncia da Requerente sobre o incidente de verificação do valor da causa suscitado pela Requerida.
7. Em 19 de Agosto de 2024, foi proferido despacho arbitral a notificar as partes para juntarem aos autos prova da data do registo de notificação do acto de liquidação n.º 2023..., bem como a prorrogar por dois meses o prazo de arbitragem nos termos e para os efeitos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT. A Requerida e a Requerente responderam ao mencionado despacho, respectivamente, em 20 e 28 de Agosto de 2024.
8. Em 27 de Agosto de 2024, foi proferido despacho arbitral a notificar as partes para esclarecerem nos autos se o acto de liquidação n.º 2023... objecto de contestação, apenas concretizou as correcções visadas no acordo de regularização previsto nos artigos 58.º e 58.º-A do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”) ou, pelo contrário, se aquele acto de liquidação também versou as demais correcções feitas pela AT e não aceites pela Requerente, nomeadamente em sede de Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”). Apenas a Requerente apresentou resposta ao despacho, o que fez em 5 de Setembro de 2024.
II. OBJECTO DO PROCESSO E POSIÇÃO DAS PARTES
9. Através do presente processo arbitral a Requerente pretende sindicar a legalidade da liquidação adicional de IRC n.º 2023..., referente ao período de tributação de 2021, na concreta parte que concretizou as correcções feitas pela inspecção tributária quanto aos montantes deduzidos por aplicação do benefício fiscal RFAI.
10. A Requerente concluiu o pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) com a formulação do seguinte pedido:
“Nestes termos, e nos demais de direito que V.ª Exas. doutamente suprirão, requer-se que se dignem a julgar totalmente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por fundado e provado, e, em consequência, que se dignem a declarar e a ordenar a anulação da liquidação adicional de IRC ora impugnada, relativa ao exercício de 2021, nos termos supra, condenando a AT a rever os atos tributários que se encontrem numa relação de prejudicialidade ou de dependência com o ato tributário em crise, designadamente os respeitantes a exercícios anteriores, e a restabelecer a situação que existiria se o ato tributário em crise não tivesse sido praticado, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT.”.
11. Vejamos em concreto cada um dos vícios suscitados e respectivas posições das partes.
§1 – Da ilegalidade do procedimento inspectivo por falta de extensão aos períodos de tributação de 2018, 2019 e 2020
12. A Requerente argumenta que a liquidação de IRC é ilegal porque os serviços de inspecção tributária (“SIT”) fizeram correcções à dotação do benefício do RFAI referente os anos de 2018 a 2020, apesar de nunca ter sido proferido despacho fundamentado a ampliar a extensão da inspecção, conforme exigido pelo artigo 15.º do RCPITA, sendo que a extensão inicial apenas abrangia o ano de 2021.
13. Em sentido oposto, defendeu a AT que os SIT não corrigiram a dotação já deduzida pela Requerente em períodos anteriores, mas apenas (e parcialmente) a dotação que transitou como saldo e foi deduzida no ano de 2021, inexistindo assim violação da extensão do procedimento inspectivo.
§2 – Dos investimentos de substituição
14. No PPA defendeu a Requerente que os investimentos feitos na aquisição dos equipamento visados pelos SIT (polishing machine – máquina de polir por vibração; máquina de abrir alvéolos berger type; máquina de afiar final RSP 1B1S1P1L berger; robô IBR 24000; rebarbadora; empilhadores eléctricos linde; computador e cisco sb switch) eram efectivamente investimentos iniciais para efeitos do RFAI. Segundo a Requerente, estes equipamentos não foram adquiridos com mero propósito de substituição de equipamentos pré-existentes, mas sim com o objectivo de aumentar a capacidade produtiva já instalada e a eficiência do processo produtivo, bem como para permitir o fabrico de novos produtos.
15. Na resposta, a Requerida invocou em conformidade com a fundamentação do RIT (“Relatório de Inspecção Tributária”) que as aquisições feitas pela Requerente visaram substituir os equipamentos já existentes, quer pelo desgaste, quer pela necessidade de adquirir equipamentos com maior capacidade para servir os fins a que os anteriores se destinavam. No entender da Requerida, os investimentos elegíveis para efeitos de RFAI têm de ser investimentos iniciais e conduzir a um incremento da capacidade instalada da empresa, o que não aconteceu com os equipamentos adquiridos pela Requerente que apenas permitiram melhoramentos pontuais da produtividade e eficiência, o que significa que foram investimentos absolutamente normais dentro do exercício de exploração corrente de uma empresa.
§3 – Do novo Pavilhão
16. Quanto a este ponto alegou a Requerente que era ilegal a correcção feita pelos SIT quanto ao investimento feito no novo pavilhão, que apesar de ter inicialmente como propósito a criação de uma zona de refeições, zona de casa de banho/balneários e, eventualmente, a possibilidade de criação de uma cozinha para os funcionários, como forma de dar resposta ao aumento da produção e do número de funcionários, acabou por ser afecto a armazenamento de produtos, matérias-primas, entre outros. Assim, o seu custo de construção era elegível para efeitos do RFAI. Subsidiariamente, invocou que os referidos encargos tinham pelo menos de ser aceites como elegíveis em 50% do respectivo valor, já que esta percentagem do pavilhão era utilizada como edifício fabril.
17. Na resposta sublinhou a Requerida que foi a própria Requerente a atribuir na sua contabilidade a denominação “pavilhão social” e este edifício, para além de na visita efectuada pelos SIT no decurso do procedimento ter-se verificado a existência de um pavilhão social e não de um armazém afecto à actividade produtiva.
18. Ainda em relação ao pavilhão, invocou a Requerente que era ilegal a desconsideração dos custos com a aquisição do terreno onde foi construído o novo pavilhão do âmbito do RFAI. De acordo com a Requerente, a aquisição do prédio urbano em causa e a demolição da construção existente foram essenciais para construir o pavilhão, de tal modo que o investimento em causa esteve directamente conexo com o aumento da capacidade produtiva. Assim, como o prédio foi adquirido com um terreno e um imóvel, defendeu ser elegível para efeitos do RFAI, pelo menos, a quota parte do montante afecta ao imóvel, correspondente a € 54.000 (75% x Euro 72.000), por força do disposto no n.º 3, do artigo 10.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro.
19. Em sentido oposto, retorquiu a Requerida que o imóvel em causa foi adquirido pela Requerente no ano de 2018 e que em 25 de Setembro de 2023 – data em que foi emitida a respectiva Caderneta Predial junta ao pedido de pronúncia arbitral e que é posterior ao termo do procedimento inspectivo –, o mesmo continuava a ser constituído por uma casa de habitação, e não um edifício fabril. Acresce, no entender da Requerida, que o referido imóvel foi adquirido em estado de uso, com a sua consequente exclusão do RFAI, e que mesmo que as construções nele existentes tivessem sido demolidas, o respectivo terreno para construção também estaria excluído das aquisições elegíveis para efeitos do RFAI.
§4 – Dos limites máximos aplicáveis aos auxílios estatais com finalidade regional
20. Invocou também a Requerente a ilegalidade das correcções ao nível dos investimentos efectuados e considerados para efeitos do RFAI, relativamente aos quais existiram outros apoios do Estado por via da contratualização de subsídios. Em concreto, afirmou a Requerente que relativamente ao projecto n.º 444860, financiado no âmbito da medida “SI Inovação Produtiva”, deveria ter sido considerado o montante total do investimento realizado que ascendeu a € 2.085.508,01. Assim, por aplicação das máximas expressas em equivalente de subvenção bruta conforme mapa de auxílios com finalidade regional 2022-2027, a taxa correspondente ao auxílio financeiro não reembolsável era de 22,50%. O que significa que a taxa a considerar para efeitos do cálculo do RFAI relativamente ao investimento considerado no âmbito do projecto corresponde a, pelo menos, 12,5%, ao invés de apenas 5,97% tal como defendido pelos SIT.
21. Por sua vez, defendeu a AT que por referência ao período de 2021, os SIT não promoveram qualquer correcção resultante da violação dos limites máximos aplicáveis aos auxílios estatais com finalidade regional, referentes aos saldos a reportar do RFAI, inexistindo assim na liquidação controvertida qualquer expressão desta questão.
§5 – Dos encargos com a reparação e conservação capitalizados no imobilizado
22. Alegou por fim a Requerente no pedido de pronúncia arbitral a ilegalidade da desconsideração pelos SIT de diversas aquisições de equipamentos como gastos do período, que foram requalificados como activos fixos tangíveis em obediência ao disposto na NCRF 7. Para a Requerente, os investimentos em causa respeitam a actualizações necessárias e complementares, e não meramente acessórias, para que os demais investimentos sejam viáveis e assim se encontrem reunidas todas as condições necessárias para o aumento da capacidade pretendida, bem como para que os investimentos não se tornem obsoletos pela incapacidade de estruturas complementares, permitindo satisfazer as necessidades dos novos métodos produtivos. Por considerar que se trata de bens adquiridos em estado novo que não correspondem a nenhuma subalínea do artigo 22.º, n.º 2, alínea a) do Código Fiscal do Investimento, defendeu que deveria ter sido considerado o correspondente montante na dotação do RFAI do exercício de 2021.
23. Em sentido oposto, veio defender a AT que foi a Requerente que classificou as referidas despesas como respeitantes a “conservação e reparação de equipamentos”, de tal modo que era esta que tinha o ónus de demonstrar a que projecto de investimento estariam associados tais equipamentos e em que medida visaram contribuir para o aumento da capacidade instalada do estabelecimento já existente, o que não foi feito.
III. SANEAMENTO
24. O Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT e nos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. O processo não enferma de nulidades.
25. O incidente de verificação do valor da causa suscitado pela Requerida será apreciado em sede de fixação do valor do processo. Haverá ainda que apreciar, oficiosamente, a competência material do Tribunal Arbitral para conhecer dos pedidos, bem como a inimpugnabilidade do acto de liquidação contestado, o que será feito a título preliminar na matéria de direito, logo após a apreciação da matéria de facto.
IV. MATÉRIA DE FACTO
§1 – Factos provados
26. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma sociedade de direito português que desenvolve a sua actividade na indústria da cutelaria, designadamente no fabrico e produção de artigos de cutelarias tais como facas, espátulas e outros bens de similar categoria – cfr. doc. 3 junto com o PPA e artigo 10.º do PPA;
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Em sede de IRC a Requerente está sujeita ao regime geral de determinação do lucro tributável e em sede de IVA está enquadrada no regime normal de tributação de periodicidade mensal – cfr. doc. 3 junto com o PPA e artigos 10.º e 11.º do PPA;
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Entre 2018 e 2021, a Requerente adquiriu activos que considerou elegíveis para efeitos do RFAI, conforme detalhado no seguinte quadro:
– cfr. doc. 3 junto com o PPA e artigo 36.º do PPA;
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No período de tributação de 2021, a Requerente declarou um resultado tributável em sede de IRC no montante de € 1.514.244,76 – cfr. docs. 1 e 3 juntos com o PPA;
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No período de tributação de 2021, a Requerente declarou a seguinte dotação, deduções e saldos em reporte referentes ao benefício fiscal do RFAI:
– cfr. doc. 3 junto com o PPA e artigo 30.º do PPA;
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No decorrer do ano de 2023, a Requerente foi sujeita a uma inspecção em sede de IVA e de IRC, relativamente ao período de tributação de 2021, que tramitou sob o n.º OI20220... – cfr. doc. 3 junto com o PPA e artigos 13 e 14.º do PPA;
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Em 9 de Junho de 2023, a Requerente foi notificada para exercer o direito de audição prévia relativamente ao Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, o qual foi exercido em 6 de Julho de 2023 – cfr. doc. 4 junto com o PPA e artigo 17.º do PPA;
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Em 6 de Julho de 2023, foi assinado entre a Requerente e a AT um documento de regularização da situação tributária, ao abrigo do disposto nos artigos 58.º e 58.º-A do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”), com o seguinte teor:
“Na sequência do requerimento de regularização da situação tributária apresentado pelo sujeito passivo A..., S.A., NIF ..., em 06-07-2023, após a notificação para o exercício do direito de audição do Projeto de Relatório de Inspeção, relativo à ordem de serviço OI2022..., foi realizada a respetiva reunião com a finalidade de definir os exatos termos em que a regularização das correções apuradas no âmbito do procedimento de inspeção se deve concretizar, designadamente, a indicação das obrigações declarativas a cumprir pela entidade inspecionada.
Tendo por referência as correções apuradas no projeto de relatório, fixam-se os exatos termos em que a regularização pretendida se vai concretizar, conforme se discrimina nos documentos anexos, que ficam a fazer parte integrante deste documento.
Para a concretização da regularização deve a entidade inspecionada proceder ao cumprimento voluntário das obrigações constantes no presente documento, no prazo de 15 dias após a realização desta reunião, conforme o disposto no n.º 4 do artigo 58.º-A do RCPITA.
Caso não proceda à regularização nos termos definidos no presente documento, deste facto será efetuada menção no Relatório Final de Inspeção.
A assinatura deste documento e a confirmação da regularização voluntária no prazo indicado, preclude o direito de sindicar a legalidade das correções objeto do presente documento, nos termos do n.º 6 do artigo 58.º-A do RCPITA.
O direito à redução das coimas depende da regularização da situação tributária nos termos e prazos referidos anteriormente. Em caso de regularização da situação tributária, o sujeito passivo beneficiará da redução da coima, de 50% ou de 40% do mínimo legal, conforme se trate de regularização total ou parcial, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 30.º ou do n.º 3 do artigo 32.º A do RGIT” – cfr. doc. 3 junto com o PPA;
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No seguimento da reunião de regularização da situação tributária prevista nos artigos 58.º e 58.º-A do RCPITA, a Requerente apresentou declaração de rendimentos de IRC Modelo 22, na qual procedeu a regularizações aritméticas à matéria tributável de IRC no montante de € 37.823,74, com o consequente apuramento de um resultado tributável corrigido de € 1.552.068,50, conforme detalhado nas seguintes tabelas:
– cfr. doc. 3 junto com o PPA e artigos 24.º e 200.º do PPA;
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No seguimento da reunião de regularização da situação tributária prevista nos artigos 58.º e 58.º-A do RCPITA, a Requerente procedeu à regularização da correcção em sede de derrama estadual no valor de € 1.134,72 – cfr. doc. 3 junto com o PPA e artigos 24.º e 200.º do PPA;
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Em 3 de Agosto de 2023, foi emitido o Relatório Final de Inspecção Tributária, que efectuou correcções em sede de IRC no montante de € 231.563,84, conforme detalhado na seguinte tabela:
– cfr. doc. 3 junto com o PPA e artigos 14.º e 23.º do PPA;
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A Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2023..., de 25 de Julho de 2023, referente ao período de tributação de 2021, com o seguinte teor e fundamentação:
“Fundamentação
Apuramento proveniente de liquidação de IRC decorrente da regularização efetuada nos termos do artigo 58.º-A, do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), no procedimento de Inspeção credenciado pela ordem de serviço n.º OI2022... .
Notificação
Fica notificado(a) da liquidação do IRC relativa ao período acima identificado, conforme nota demonstrativa.
Pode reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 137.º do Código do IRC e 70.º e 102.º do CPPT, com a limitação prevista no n.º 6 do artigo 58.º-A, do RCPITA.
A presente notificação considera-se efetuada no décimo quinto (15.º) dia posterior ao primeiro dia útil seguinte ao registo da sua disponibilização.” – cfr. doc. 1 junto com o PPA e artigo 47.º do PPA;
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A Requerente foi notificada da demonstração de acerto de contas de IRC com o número 2023..., de 26 de Julho de 2023, com o valor total a pagar de € 189,12 e data-limite de pagamento em 12 de Setembro de 2023 – cfr. doc. 2 junto com o PPA e artigo 47.º do PPA;
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Em 8 de Setembro de 2023, a Requerente pagou o imposto constante da demonstração de acerto de contas de IRC referida na alínea anterior – cfr. doc. 6 junto com o PPA e artigo 48.º do PPA;
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Em 6 de Dezembro de 2023, a Requerente apresentou o pedido de constituição de arbitral que deu origem aos presentes autos.
§2 – Factos não provados
27. Analisada a prova produzida nos presentes autos, não se deu como provado que na sequência do procedimento inspectivo que tramitou sob o n.º OI2022..., foi emitida uma nova liquidação adicional de IRC, em 7 de Dezembro de 2023, identificada com o n.º 2023 ... e notificada à Requerente em 9 de Dezembro de 2023, que não faz qualquer menção às importâncias corrigidas.
§3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto
28. O Tribunal Arbitral tem o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não tendo de se pronunciar quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
29. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
30. Os factos dados como provados e não provados resultaram da análise da prova produzida no presente processo, designadamente da prova documental junta aos autos pela Requerente e do processo administrativo junto aos autos pela Requerida, que foram apreciados pelo Tribunal Arbitral de acordo com o princípio da livre apreciação dos factos e tendo presente a ausência de contestação especificada pelas partes, conforme decorre do artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e do artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
31. Quanto aos factos julgados como não provados, regista-se que não foi produzida nenhuma prova nos autos, por qualquer uma das partes, que permitisse a este Tribunal Arbitral diferente valoração sobre a respectiva adesão à realidade.
V. MATÉRIA DE DIREITO
V.1. Questões prévias – saneamento
§1 – Da (in)competência material
32. A competência material do Tribunal Arbitral é um pressuposto processual cujo conhecimento precede o de qualquer outra matéria, conforme decorre do artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”) aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT. Apesar de a Requerida não ter invocado a incompetência material do Tribunal Arbitral, está em causa uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, que cumpre aqui apreciar, por força do disposto no artigo 16.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT e nos artigos 96.º, alínea a) e 97.º, n.º 1, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT, respectivamente.
33. No pedido de pronúncia arbitral a Requerente peticionou, por um lado, a “anulação da liquidação adicional de IRC ora impugnada, relativa ao exercício de 2021” e, por outro lado, a “condena[ção] [d]a AT a rever os atos tributários que se encontrem numa relação de prejudicialidade ou de dependência com o ato tributário em crise, designadamente os respeitantes a exercícios anteriores”.
34. Ora, quanto ao primeiro daqueles pedidos, não existem dúvidas da subsunção ao âmbito de competência material que consta do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. Ainda que imperfeitamente expresso, o que a Requerente pretende é a “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos”, sendo a sua anulação a necessária consequência decorrente da eventual procedência deste pedido.
35. O mesmo já não sucede quanto ao pedido de condenação da Requerida a rever outros actos que não o acto de liquidação de IRC contestado nos presentes autos e que com este estivessem numa relação de prejudicialidade ou de dependência, designadamente os actos tributários referentes ao RFAI dos períodos de tributação anteriores a 2021.
36. O contencioso tributário é um contencioso de plena jurisdição que confere aos particulares uma tutela jurisdicional efectiva quanto a todas as lesões de direitos e interesses legalmente protegidos em matéria tributária. Ainda assim, esta plena jurisdição é “mitigada”, porquanto reconhece limitações no que respeita aos poderes condenatórios e substitutivos que assistem aos Tribunais.
37. No que em concreto respeita ao domínio da impugnação judicial e da arbitragem tributária que lhe é alternativa, o contencioso tributário continua a ser de mera legalidade e anulação, visando-se apenas a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos concretos actos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, com as limitações introduzidas pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
38. Em sede condenatória, apenas assistem aos Tribunais Arbitrais poderes para determinar o reembolso do imposto indevidamente pago, o pagamento de juros indemnizatórios ou o pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, enquanto expressões da restituição da situação que existiria se os actos declarados ilegais não tivessem sido praticados, prevista na alínea b), do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT. O pedido condenatório formulado pela Requerente não se subsume a nenhum destes casos, assemelhando-se, pelo contrário, a um pedido de intimação para um comportamento (condenação à prática de acto devido) excluído do escopo material da arbitragem tributária.
39. A eventual existência de outras operações que a AT tenha de praticar para restabelecer a situação que existiria se o acto tributário em crise não tivesse sido praticado – para além da anulação da liquidação em si considerada, do reembolso do imposto e do pagamento de eventuais juros ou indemnizações acima referidas –, em resultado de uma eventual procedência do pedido de pronúncia arbitral, é questão a ser apreciada em sede de execução de julgados e não em sede de instância arbitral onde a legalidade dos actos respeitantes a exercícios anteriores não é sequer objecto de impugnação.
40. Em face do exposto, declara-se o presente Tribunal Arbitral materialmente incompetente para conhecer do pedido de condenação da Requerida a rever os actos tributários que se encontrem numa relação de prejudicialidade ou de dependência com o acto tributário em crise, designadamente os respeitantes a exercícios anteriores, absolvendo-se a Requerida dessa parte da instância arbitral nos termos dos artigos 576.º n.ºs 1 e 2 e 577.º alínea a) do Código de Processo Civil (“CPC”) aplicáveis ex vi artigo 29.º n.º 1 alínea e) do RJAT.
§3 – Da inimpugnabilidade do acto de liquidação
41. A possibilidade de sindicar a legalidade de actos de liquidação perante os Tribunais Arbitrais depende, também, da respectiva impugnabilidade, cuja não verificação consiste numa excepção dilatória insuprível, que conduz à absolvição da Requerida da instância e que não permite a renovação desta. Pese embora a Requerida não tenha invocado a inimpugnabilidade do acto de liquidação de IRC contestado, está em causa um pressuposto processual de conhecimento oficioso, que cumpre aqui apreciar, por força do disposto no artigo 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, alínea i) do CPTA aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.
42. Resulta da alínea f) do elenco dos factos provados, que a Requerente foi objecto de um procedimento de inspecção tributária, referente ao IVA e IRC do exercício de 2021, que tramitou sob a ordem de serviço n.º OI2022... . Na sequência desse procedimento foram propostas pela AT um conjunto de correcções, que foram parcialmente aceites e regularizadas pela Requerente em resultado de reunião de regularização efectuada ao abrigo do disposto nos artigos 58.º e 58.º-A do RCPITA, conforme consta das alíneas h), i) e j) do elenco dos factos provados.
43. Em concreto, aceitou a Requerente correcções em sede de derrama estadual no montante de € 1.134,72 e em sede de IRC no montante de € 37.823,74, o que implicou o apuramento de um resultado tributável corrigido de € 1.552.068,50. Em virtude da aceitação destas correcções, foi a Requerente objecto do acto de liquidação de IRC n.º 2023..., de 25 de Julho de 2023, referente ao período de tributação de 2021, cujo detalhe consta da alínea l) do elenco dos factos provados.
44. Da análise da mencionada liquidação de IRC é possível confirmar que a importância da matéria colectável não isenta (linha n.º 1) foi corrigida de € 1.514.244,76 para € 1.522.068,50, correspondendo o diferencial de € 37.823,74, exactamente, à importância que a Requerente declarou aceitar e voluntariamente regularizou no âmbito do procedimento de inspecção tributária.
45. Resulta ainda da análise da referida liquidação de IRC que o montante de benefícios fiscais apurados (linha n.º 12) foi corrigido de € 317.418,73 para € 326.496,44, ou seja, para um valor superior. O que significa que a liquidação objecto dos presentes autos não evidencia as correcções feitas pelos SIT quanto ao benefício fiscal RFAI no montante de € 231.563,84, mencionadas na alínea k) do elenco dos factos provados.
46. Existe, portanto, uma divergência entre o objecto processual projectado e o real e efectivo objecto processual, que é conformado pelo acto de liquidação de IRC n.º 2023..., que não incorpora as correcções ao RFAI contestadas pela Requerente, mas tão só as correcções por esta aceites na sequência de regularização feita nos termos dos artigos 58.º e 58.º-A do RCPITA. Significa isto que o acto de liquidação de IRC aqui contestado não é impugnável, por força da preclusão cominada pelo n.º 6, do artigo 58.º-A, do RCPITA.
47. Em resposta a despacho arbitral que deu a possibilidade à Requerente de se pronunciar sobre a potencial inimpugnabilidade do acto de liquidação, veio esta afirmar que em 9 de Dezembro de 2023 foi notificada de um segundo acto de liquidação adicional de IRC com o n.º 2023..., que não especificou as correcções que incluiu. Nesse requerimento, veio ainda a Requerente referir o seguinte:
“Neste contexto, deve concluir-se que a Requerente identificou corretamente o objeto do pedido de pronúncia arbitral e que a demonstração de liquidação de IRC com o número 2023 ..., de 26-07-2023, versa também sobre as demais correções feitas pela AT e não aceites pela Requerente (…) requerendo‑se desde já, em caso de procedência da presente ação, também a anulação da liquidação de IRC identificada com o número 2023..., emitida em 07-12-2023.
(…) Caso assim não se entenda, o que apenas por mera hipótese se admite, requer-se que seja considerado, como objeto do pedido de pronúncia arbitral apresentado, a liquidação de IRC identificada com o número 2023..., emitida em 07-12-2023, e, em consequência, que seja declarada e ordenada a sua respetiva anulação.”.
48. Da alegação da Requerente, analisada à luz do princípio pro actione, resulta um pedido de alteração objectiva da instância por ampliação do objecto, de modo a estender os efeitos do pedido inicial ao acto de liquidação de IRC n.º 2023 ... que, alegadamente, poderá ter concretizado as correcções ao RFAI não aceites no procedimento inspectivo e não abrangidas pelo acordo de regularização e consequente preclusão do direito de impugnação.
49. Sem prejuízo de a Requerente não ter sequer logrado provar a existência do acto de liquidação de IRC n.º 2023..., que nunca foi sequer junto aos autos, certo é que não se verificam os pressupostos de alteração objectiva da instância por ampliação do objecto.
50. Prevê-se no artigo 63.º, n.º 1 do CPTA aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT que “[a]té ao encerramento da discussão em primeira instância, o objeto do processo pode ser ampliado à impugnação de atos que venham a surgir no âmbito ou na sequência do procedimento em que o ato impugnado se insere, assim como à formulação de novas pretensões que com aquela possam ser cumuladas”.
51. Ora, mesmo que os actos de liquidação de IRC n.ºs 2023 ... é que estão em causa actos emanados em distintos e autónomos procedimentos de liquidação, que são autónomos e não se confundem entre si.
52. Nos termos do artigo 61.º, n.º 1 do RCPITA, os actos de inspecção consideram-se concluídos na data de notificação da nota de diligência emitida pelo funcionário incumbido do procedimento, após o qual é elaborado e notificado o relatório final de inspecção tributária, que conclui o procedimento inspectivo. Em resultado deste procedimento, podem ser instaurados diferentes e autónomos procedimentos de liquidação, com vista a materializar as correcções propostas no relatório de inspecção tributária, conquanto se respeite o prazo de caducidade para o efeito e os limites decorrentes do instituto da duplicação de colecta.
53. No presente caso, ficou provado que ocorreu um procedimento de liquidação decorrente de regularizações voluntárias pela Requerente, do qual resultou o acto tributário n.º 2023 ... aqui contestado. Alegadamente, terá ocorrido um outro procedimento de liquidação, no qual a AT terá efectuado as correcções constantes do RIT e não aceites pela Requerente, do qual supostamente resultou o acto tributário n.º 2023... . Verifica-se, portanto, que o segundo acto de liquidação não foi emitido no âmbito ou na sequência do procedimento de liquidação em que o acto inicialmente impugnado pela Requerente se insere.
54. Não demonstrou, portanto, a Requerente, de forma expressa, concreta e fundamentada, em articulado próprio para o efeito, a pretendida extensão do pedido de pronúncia arbitral, razão pela qual não se consideram verificados os pressupostos de que dependia a ampliação objectiva da instância previstos no artigo 63.º, n.º 4 do CPTA (veja-se a este respeito, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0473/11.6BEALM, proferido em 10 de Março de 2021).
55. Refira-se, por fim, que não assiste razão à Requerente, quando procura afastar a inimpugnabilidade do acto de liquidação com base na menção que consta da fundamentação do mesmo à possibilidade de “reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 137.º do Código do IRC e 70.º e 102.º do CPPT, com a limitação prevista no n.º 6 do artigo 58.º-A, do RCPITA.”. (negrito nosso)
56. Desde logo, pode dar-se o caso de o acto em causa não ser impugnável quanto ao concreto teor das correcções aceites e regularizadas pelo sujeito passivo e, ainda assim, serem‑lhe imputáveis um conjunto de outros vícios, designadamente formais, que o ferem de ilegalidade.
57. Para além disso, convém relembrar que os actos de liquidação, ao serem emitidos em procedimentos de massa, conhecem limitações associadas à impraticabilidade da sua individualização minuciosa ao caso concreto. Tais limitações justificam a utilização de fórmulas genéricas e abrangentes como a aqui utilizada, competindo ao destinatário a respectiva interpretação que, em caso de obscuridade e incompreensibilidade, podem ser objecto de aclaração a requerimento do destinatário ao abrigo do disposto no artigo 37.º, n.º 1 do CPPT.
58. Ora, não só a Requerente não recorreu ao mecanismo do artigo 37.º, n.º 1 do CPPT, como demonstra ter perfeitamente conhecimento da cominação de preclusão resultante do disposto no artigo 58.º-A, n.º 6 do RCPITA. Com efeito, a consequência de inimpugnabilidade era conhecida – ou pelo menos, e seguramente, cognoscível – pela Requerente, que apresentou o requerimento de regularização e que foi alertada no documento de regularização do efeito preclusivo que lhe estava associado bem como dos benefícios associados ao pagamento voluntário das coimas. Por conseguinte, a menção que é feita na liquidação contestada à “limitação prevista no n.º 6 do artigo 58.º-A, do RCPITA” não era um facto novo e desconhecido com o qual a Requerente foi surpreendida, cabendo-lhe actuar diligentemente no sentido de aferir se o acto de que foi notificada concretizou ou não as correcções não aceites no procedimento inspectivo e cuja legalidade pretendia contestar.
59. Em face de tudo o exposto, julga o presente Tribunal Arbitral procedente a excepção dilatória de inimpugnabilidade do acto de liquidação de IRC contestado, absolvendo-se consequentemente a Requerida da instância, em conformidade com o disposto nos artigos 58.º‑A, n.º 6 do RCPITA e 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, alínea i) do CPTA aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) do RJAT.
60. Em virtude do sentido decisório fica prejudicado, porque inútil, o conhecimento das demais questões suscitadas no processo.
V. DECISÃO
61. Termos em que se decide:
-
Julgar procedente a excepção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido de condenação da Requerida a rever os actos tributários que se encontrem numa relação de prejudicialidade ou de dependência com o acto tributário impugnado, designadamente os respeitantes a exercícios anteriores, absolvendo-se consequentemente a Requerida desta parte da instância, nos termos acima descritos;
-
Julgar procedente a excepção dilatória de inimpugnabilidade do acto de liquidação de IRC n.º 2023 ..., absolvendo-se consequentemente a Requerida da instância, nos termos acima descritos;
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Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
VI. VALOR DO PROCESSO
62. A Requerida suscitou na sua resposta incidente de verificação do valor da causa, por considerar que foi indevidamente incluído no montante de € 232.698,56 a quantia referente à derrama estadual de € 1.134,72, requerendo a fixação do valor económico do pedido em € 231.563,84.
63. Ora, conforme resulta da matéria de facto assente, em concreto do facto provado na alínea j) supra, a Requerente aceitou no decurso do procedimento inspectivo a correcção referente à derrama estadual, na quantia de € 1.134,72. Tal correcção não foi incluída pela Requerente no objecto de impugnação, que foi conformado pela Requerente no sentido de apenas incluir as correcções feitas em relação ao apuramento do benefício fiscal RFAI, no valor de € 231.563,84.
64. Neste sentido, tem razão a Requerida, fixando-se em € 231.563,84 o valor da causa, por ser esse o montante correspondente à utilidade económica do pedido, em conformidade com o disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VII. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 4.284,00, a suportar pela Requerente, que deu causa ao processo e nele ficou vencida, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 21 de Outubro de 2024
Os árbitros,
Carla Castelo Trindade
(Presidente e relatora por vencimento)
Fernando Miranda Ferreira
(Adjunto, com declaração)
Manuel Lopes da Silva Faustino
(Adjunto)
Não acompanho o sentido da decisão - na exata medida em que foi julgada procedente a excepção dilatória de inimpugnabilidade do acto de liquidação de IRC n.º 2023..., absolvendo-se, consequentemente, a Requerida da instância – porquanto, resumidamente, entendo:
Não há evidência nos autos, bem pelo contrário, que tal liquidação apenas tivesse concretizado, (ou sequer concretize), as correcções aceites no âmbito do procedimento inspectivo. Pelo que, em caso algum, na situação concreta, a consideração dos artigos 58.º e 58.º-A, n.º 6 do RCPITA, poderá ter a preclusão que foi aplicada.
E, assim, sendo, a verdade é que foi produzido e notificado um - definitivo - acto tributário de liquidação que produz efeitos jurídico-tributários, pelo que, sempre, terá de ser sindicável.
Estão em causa, factos que têm a ver com um procedimento de verificação/concessão de benefícios fiscais, o que equivale por dizer que o efeito jurídico decorrente desse procedimento se projecta nas liquidações de imposto dos anos em causa.
Logo, uma vez que esse benefício se insere no procedimento de liquidação, este terá de ser impugnável para que o contribuinte, querendo, possa atacar a sua eventual ilegalidade baseada na desconsideração ou a errada consideração daquele, que, logicamente, vicia o ato final.
Nessa razão, os factos contidos no âmbito do procedimento de “revogação/alteração” do benefício fiscal, são factos subjacentes ao acto tributário de liquidação, que foi contestado, e, em minha opinião, deveria ser apreciado nos presentes autos.
Acresce que, naturalmente, este Tribunal, não tem absolutamente nada a ver com a (eventual), liquidação posterior, referida na Resposta da AT.
Primeiro, porque, tem referencial data, posterior á entrada do RI. Em rigor, não sabemos, sequer, se existe, e em que termos foi notificada e recebida. (A AT podia e deveria ter esclarecido, tendo, porém, optado por não responder à notificação, para o efeito).
Depois, porque isso é um problema, entre o contribuinte e AT, que terá/poderá ser apreciado noutra(s) sede(s). Nunca, no processo que nos ocupa.
Não teria, pois, considerado procedente a excepção dilatória de inimpugnabilidade do acto de liquidação de IRC n.º 2023 ..., com a consequente, não absolvição da Requerida da instância, como foi julgado.