Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 579/2024-T
Data da decisão: 2024-10-10  IRS  
Valor do pedido: € 1.833,03
Tema: IRS – Inutilidade Superveniente da Lide
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Sumário:

 

Verifica-se a inutilidade superveniente da lide e a consequente extinção da instância se a Requerente obteve a plena satisfação do seu pedido em virtude da revogação pela AT,  após a constituição do Tribunal Arbitral, do ato de liquidação que havia impugnado.

 

A Árbitra Rita Guerra Alves, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide no seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. A Requerente A..., pessoa coletiva n.º..., com sede na residente em ..., ..., ..., Reino Unido, veio requerer a constituição do presente Tribunal Arbitral para impugnar a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), 2023... e nº 2024..., relativos aos anos de 2021 e 2022., no montante global de € 1.833, 03 (mil oitocentos e trinta e três euros e três cêntimos),  e o despacho de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa n.º ...2023... apresentada contra aquelas liquidações.
  2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 24 de abril de 2024 pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
  3. A Requerente não exerceu o direito à designação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitra.
  4. Nesse seguimento, em 17 de junho de 2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.
  5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral singular ficou constituído em 2 de abril de 2024.
  6. Em 8 de julho de 2024, o Tribunal proferiu despacho tendo em vista a notificação do dirigente máximo do serviço da AT para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional.
  7. A Requerida, em 18 de setembro de 2024, apresentou resposta, peticionando a inutilidade superveniente da lide, em virtude de ter dado satisfação às pretensões da Requerente na pendência do presente processo arbitral, por ter sido revogado o ato impugnados nos autos.
  8. Em 27 de setembro 2024, a Requerente informou os autos não se opor à inutilidade superveniente da lide preconizada pela Requerida, devendo dar-se por extinto o processo arbitral, com devolução das custas pagas pela Requerente, e serem-lhe pagos os competentes juros indemnizatórios nos termos legais.

 

II – SANEAMENTO

 

  1. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º, e 5.º, todos do RJAT.
  2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
  3. O processo não enferma de nulidades.

 

III – DO MÉRITO

 

III.1. MATÉRIA DE FACTO

III.1.1. Factos provados

 

  1. Com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

a)  Em 24 de abril de 2024, a AT foi notificada, por e-mail, da apresentação do pedido de pronúncia arbitral;

b)  Em 5 de julho de 2024, o Tribunal Arbitral ficou constituído;

c)  Em 15 de setembro de 2024, foi revogado o acto de liquidação objeto do presente processo por despacho proferido pela Subdiretora-geral;

d)  A AT deu conhecimento aos autos, em 18 de setembro de 2024, da revogação do ato tributário, juntamente com a sua Resposta.

 

III.1.2. Factos não provados

 

  1. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

  1. Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”) e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Assim sendo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre da aplicação conjugada do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

III.2.1. Da inutilidade superveniente da lide

 

  1. Como atrás referido, o ato de liquidação de IRS e juros compensatórios objeto da ação arbitral foi anulado pela Requerida, na pendência da instância, pelo que a sua finalidade se esgotou. 
  2. A respeito da inutilidade superveniente da lide pronunciou-se já o Supremo Tribunal Administrativo em Acórdão de 30 de julho de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 0875/14, no qual referiu que “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.
  3. É também este o sentido que a doutrina tem conferido ao conceito em análise, referindo LEBRE DE FREITAS, RUI PINTO e JOÃO REDINHA, em Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.a edição, Coimbra Editora, 2008, p. 555, que “(...) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.
  4. Ora, conforme resulta da matéria de facto provada nos presentes autos, o ato tributário impugnado pela Requerente foi revogado pela AT na pendência da instância, o que implica a inutilidade e impossibilidade deste Tribunal se pronunciar sobre o pedido sujeito a apreciação, i.e., declarar a ilegalidade e determinar a consequente anulação de um ato que já se encontra suprimido da ordem jurídica.
  5. Em face do exposto, entende este Tribunal que se verifica a inutilidade superveniente da lide, devendo ser julgada extinta a instância, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

IV - Juros indemnizatórios

  1. O Requerente pede a condenação da Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
  2. A interpretação do deferimento total da pretensão do Requerente, não pode deixar de abranger o pedido inteiro, completo, i.e., no seu conjunto: anulação do imposto mais juros, sob pena de aniquilação do sentido útil do emprego do adjetivo “total”.
  3. Em síntese, conclui-se que o ato praticado pela Subdiretora Geral, em 15 de Setembro de 2024, é um ato decisório que determinou a eliminação jurídica do ato de liquidação de IRS objeto desta ação arbitral, implicando, de igual forma, o deferimento da pretensão de juros indemnizatórios.
  4. Nos termos do art. 24.º, n.º 5, do RJAT, “…é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, tal implicando o pagamento de juros indemnizatórios segundo os arts. 43.º, n.º 1, da LGT, e 61.º, n.º 5, do CPPT.
  5. Tendo havido revogação da liquidação pela Requerida há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios a seu cargo, contados desde a data do pagamento do imposto até à data do efetivo e integral pagamento (art.º 61.º, n.ºs 2.ºa 5, do CPPTRIB), à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.ºdo artigo 43.º da LGT.

 

 

IV – DECISÃO

 

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Singular:

a) Julgar extinta a instância por impossibilidade/inutilidade superveniente da lide;

b) Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento do imposto até à data do efetivo e integral pagamento nos termos dos n.ºs 2.º a 5.º do artigo 61.º do CPPT, à taxa legal determinada nos termos do disposto no n.º 4.º do artigo 43.º da LGT.

c) Condenar a Requerida nas custas do processo, por ter dado causa à ação arbitral.

 

 

V – VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 1.833, 03 (mil oitocentos e trinta e três euros e três cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI – CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 306.00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, já que foi esta que deu causa à presente ação, ao ter procedido à anulação da liquidação de IRS e juros compensatórios inerentes, referentes ao período de tributação de 2021 e 2022, apenas após a constituição do Tribunal Arbitral, nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, 536.º, n.º 3 do CPC (ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT), e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

Notifique-se.

Lisboa, 10 de Outubro de 2024

A Árbitra

 

Rita Guerra Alves