SUMÁRIO:
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Os serviços prestados a uma entidade gestora de OIC por entidades terceiras SP de IVA não beneficiam da isenção prevista na alínea g) do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA.
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As quantias debitadas e recebidas pela entidade gestora dos Patrimónios Autónomos que são os OIC está isenta de IVA.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Prof. Doutor Vasco António Branco Guimarães, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral singular, constituído em 19-04-2024, decide o seguinte:
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Relatório
A...- SOCIEDADE GESTORA DE ORGANISMOS DE INVESTIMENTO COLETIVO, S.A., (doravante abreviadamente designada por “Requerente”), com o número de identificação fiscal n.º ... e sede na ..., ...-..., ...-... Lisboa vem, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos n.os 1 e 2 do artigo 10.º, ambos do Decreto Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, veio requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL para se pronunciar sobre a (i)legalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, datada de 7 de novembro de 2023, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) no âmbito do processo n.º ...2023..., junta, para todos os efeitos legais, como Documento 1, apresentada pela Requerente com vista à contestação dos atos tributários de (auto)liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) efetuados pelas entidades que prestaram à Requerente serviços de administração e gestão de fundos de investimento, durante o período compreendido entre janeiro de 2021 e junho de 2023, concretizados através da submissão das Declarações Periódicas referentes a tais períodos, pelas entidades prestadoras dos referidos serviços, no âmbito dos quais a Requerente suportou um montante de IVA superior ao legalmente devido e, por conseguinte procedeu ao pagamento de imposto em excesso no montante de € 57.895,44, nos termos e com os fundamentos que expõe, com vista à declaração de ilegalidade e anulação dos seguintes atos tributários:
a) Anular parcialmente os atos tributários de autoliquidação de IVA relativos aos períodos de tributação compreendidos entre janeiro de 2021 e junho de 2023, concretizados através da apresentação das Declarações Periódicas referentes a tais períodos pelas referidas entidades prestadoras de serviços de software informático e consultoria informática, serviços de tesouraria, faturação, contabilidade, auditoria e revisão legal de contas, no montante
total de € 57.895,44.;
b) Anular a respetiva decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa sub judice, porque manifestamente ilegal;
c) Condenar a AT à restituição à Requerente do valor do IVA pago em excesso aos seus prestadores e refletido nas supra referidas declarações periódicas de imposto, no montante global de € 57.895,44.;
d) Condenar a AT a pagar à Requerente os juros indemnizatórios legalmente devidos, por estarem preenchidos os pressupostos do artigo 43.º da LGT.
Termina solicitando ao Tribunal:
a. deve o presente pedido de constituição de tribunal arbitral tributário e de pronúncia arbitral em matéria tributária ser recebido e, a final, considerado procedente, por provado, com a consequente declaração de ilegalidade e anulação dos atos acima identificados.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira na data de 12-02-2024.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral os acima referidos, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 12-02-2024 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 19-04-2024.
A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou resposta.
Por despacho de 25-09-2024, foi dado prazo para alegações marcadas com prazo de dez dias e simultâneas.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:
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A Requerente é uma sociedade anónima, tendo iniciado a sua atividade a 7 de agosto de 2019 e encontra-se registada na Comissão dos Mercados dos Valores Mobiliários (“CMVM”) como intermediário financeiro autorizado.
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A Requerente é uma sociedade anónima inscrita como Sujeito Passivo normal em IVA.
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No contexto da sua atividade de gestão e administração dos mencionados organismos, nomeadamente de investimento mobiliário, a Requerente externalizou parte dos serviços necessários assim descritos:
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Serviços de software informático e consultoria informática;
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Serviços de tesouraria, faturação, contabilidade, auditoria e revisão legal de contas.
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Prestação de serviços de software informático e consultoria informática
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Serviços de software informático e consultoria informática são prestados pelos seguintes fornecedores:
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B..., S.A.;
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C..., Lda.;
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D..., S.A.;
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E..., S.A.;
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F..., Lda.;
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G... Ltd.;
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H... B.V.;
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I...;
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J..., Inc.;
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K... L.P;
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L..., Inc.;
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M....
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Aquelas empresas afiguram-se especializadas na prestação de serviços de software e consultoria informática tendo em vista a otimização dos processos operacionais referentes aos ativos que integram a carteira dos organismos sob gestão da Requerente.
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A contratação desses serviços visa a otimização da melhor prossecução do objeto prosseguido pelos mesmos, na sua vertente prática, bem como no seu acompanhamento e resolução de eventuais problemas técnicos relacionados com os softwares utilizados pela Requerente e pelos Fundos sob a sua gestão.
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No quadro da gestão dos Fundos de Investimento, as várias entidades supra elencadas direcionam os seus serviços nas múltiplas tarefas que incorporam a gestão operacional destes organismos, bem como a relação com os seus participantes, tratamento e processamento de dados e, bem assim, soluções no que concerne a otimização de todas as tarefas subjacentes à atividade dos referidos organismos em nome e por conta da Requerente.
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Deste modo, os serviços prestados pelas referidas entidades à Requerente passam também pelo apoio técnico na gestão operacional e valorização dos ativos, especialmente mobiliários, que compõem a carteira dos organismos geridos pela Requerente, na sua componente prática e relacional, bem como na sua vertente orçamental.
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Assim, no quadro da gestão e administração dos fundos de investimento, que é responsabilidade da Requerente prestam os seguintes serviços:
i) Planeamento da estratégia dos sistemas e tecnologias de informação;
ii) Apoio na melhoria da eficiência dos processos, disponibilidade e qualidade da informação;
iiii) Planeamento dos sistemas e infraestruturas necessários ao para suporte dos objetivos estratégicos;
iv) Gestão da estrutura informática ao nível de equipamentos e aplicações;
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Garantia da operacionalidade dos sistemas (administração e gestão de dados, segurança e suporte geral da organização);
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Gestão dos acessos à infraestrutura informática, entre outros.
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Neste contexto, e considerando que as entidades que prestam os referidos serviços de software e consultoria informática cobram à Requerente uma remuneração por tais serviços, a Requerente incorre em custos relacionados com a gestão dos Fundos de Investimento Mobiliário geridos por si.
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Ora, tendo as entidades enquadrado a prestação dos referidos serviços, enquanto uma operação sujeita a IVA e dele não isenta, as mesmas emitiram as faturas com a respetiva liquidação de imposto à Requerente, durante os anos 2021, 2022 e 2023 à taxa normal de 23%.
2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto.
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos e declarações prestadas pela Requerente e os que constam do processo administrativo.
Não se retiram outros factos relevantes dos articulados por serem citações de textos legais, acórdãos ou posições de parte sem conteúdo fáctico.
Ficam prejudicadas as questões elencadas não dadas como provadas ou as que são de análise supérflua pela resposta dada à matéria de facto.
3. Matéria de direito
As questões de mérito que são objeto deste processo são:
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Saber se o IVA dos serviços de terceiros prestados à entidade gestora dos OIC beneficiam da isenção concedida á entidade gestora, aqui requerente
3.1. Posições das Partes.
A Requerente defende o seguinte, em suma:
- Que adquiriu os serviços aos prestadores de serviços e que os pagou com IVA a 23%. Este pagamento é indevido porque beneficia da isenção da Requerente adquirente destes serviços por serem atos de gestão dos OIC.
A Requerida:
- Não tomou posição porque não exerceu atempadamente o seu direito à Resposta previsto no artigo 13.ºdo RJAT. No entanto, exerceu o contraditório e tomou posição nas Alegações pugnando pela posição da improcedência do pedido com base na ilegitimidade da Requerente e não existência de «gestão» nos atos contratados pela Requerente a terceiros que, em consequência, não podem estar isentos de IVA ao abrigo do artigo 9.º do CIVA.
3.2. Apreciação da questão.
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Questão prévia:
O não exercício do direito à Resposta pela Requerida previsto no artigo 13.º do RJAT não tem consequências cominatórias devendo o Árbitro retirar do Processo Administrativo – onde se inclui a Reclamação Graciosa - os elementos que considere relevantes para a boa decisão da causa.
Assim fizemos tendo tomado boa nota que a Requerente é uma sociedade anónima inscrita no regime normal de IVA.
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Da questão em análise:
O IVA – enquanto imposto sobre o consumo – funciona bem desde que cada um dos entes sujeito aos seus direitos e deveres os cumpra atempadamente e de forma prescrita na lei.
Recordando o que resulta da norma de incidência subjetiva existem três tipos de entidades em IVA, cada uma com poderes deveres diferenciados:
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Os Sujeitos Passivos;
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Os Sujeitos Passivos isentos;
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Os consumidores finais.
Na mecânica de aplicação do IVA os primeiros (SP) estão obrigados a emitir faturas com IVA no que vendem e têm direito a deduzir o IVA recebido nessas faturas na sua conta 24 onde deverão estar contabilizadas as quantias evidenciadas como IVA das aquisições de bens e serviços feitas.
Os SP isentos adquirem serviços e bens com IVA mas não podem deduzi-lo porque a isso se opõe a norma em vigor – cfr. artigos 19.º, 20.º e 21º do CIVA.
Estar isento em IVA sendo SP significa ser equiparado ao consumidor final.
O consumidor final suporta o encargo do imposto inserido no preço do bem ou serviço e não pode deduzir.
Em IVA tem sempre de haver um pagador do imposto que, em regra, é o consumidor final e, algumas vezes, o SP isento.
A Requerente deve cumprir o poder/dever de pagar faturas com IVA dos bens e serviços que adquire a terceiros, mas não pode debitar/creditar com IVA nos serviços de gestão que presta aos OIC por estarem o abrigo de isenção - alínea g) do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA - que não admite renúncia.
Ora, a entidade gestora de um Fundo é a face visível de um património autónomo que gere as poupanças de milhares de depositantes. A ideia que é possível diluir a responsabilidade do gestor por todos os prestadores de serviços que com ele interagem e não têm no seu objeto social o escopo de gestão dos OIC, é perturbadora e ilegal.
Os prestadores de serviços limitam-se a prestar serviços da sua especialidade, i.e. contabilidade, informática, direito, conselho, auditoria sem que isso os vincule aos direitos e deveres, riscos ou opções dos gestores de fundos OIC.
Os débitos previstos contratualmente que os OIC pagam à Requerente não têm IVA porque estão isentos. De igual forma os serviços prestados por terceiros à entidade gestora dos OIC estão sujeitos a IVA porque são prestados por SP em regime normal.
As isenções não são delegáveis em terceiros porque são situações únicas e de exceção previstas na lei para os casos tipificados não podendo ser extensíveis.
Esta posição foi assumida de forma correta na resposta à reclamação graciosa.
Não merece, em consequência, censura a recusa do pedido da reclamação graciosa efetuada pela Requerida.
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Decisão.
Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, determinando a validade do indeferimento da reclamação graciosa e a manutenção das liquidações impugnadas de IVA por não merecerem censura, nada mais sendo devido.
Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 57.895,44 (cinquenta e sete mil, oitocentos e noventa e cinco mil euro e quarenta e quatro cêntimos), nos termos do artigo 97.º -A, n.º 1, alínea a do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas: Vai a Requerente condenada em custas por ter decaído, sendo o seu montante fixado em 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euro).
Lisboa, 16 de outubro de 2024
O Árbitro
(Prof. Doutor Vasco António Branco Guimarães)