Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 140/2024-T
Data da decisão: 2024-10-07  IRS  
Valor do pedido: € 287,52
Tema: IRS: Revogação do acto que é objecto do pedido de pronúncia arbitral; inutilidade superveniente da lide; responsabilidade pelas custas.
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SUMÁRIO:

 

I. A revogação do acto tributário que é objecto do pedido de pronúncia arbitral, mesmo após o decurso do prazo estabelecido pelo art.º 13.º do RJAT, e já depois da constituição do tribunal arbitral, importa a inutilidade superveniente da lide se a pretensão do requerente tiver sido integralmente satisfeita com a dita revogação.

 

II. É, nesse caso, a Requerida responsável pelas respectivas custas.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

  1. Relatório

 

 

A - Geral

 

 

  1. A..., LDA., com sede na Rua ..., n.º..., ...-... Vila Nova de Gaia, com o número único de matrícula e de pessoa colectiva ... (de ora em diante designada “Requerente”), apresentou no dia 31.01.2024 um pedido de constituição de tribunal arbitral singular em matéria tributária, que foi aceite, visando, a declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2023..., de 21.04.2023, apresentada pela Requerente contra a guia de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (de ora em diante “IRS”)  de 2022, com o n.º ... de 28.03.2023 no valor total de € 230,00 (duzentos e trinta euros), como adiante melhor se verá.

 

  1. Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (de ora em diante, “RJAT”), o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro o signatário, não tendo as partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído a 10.04.2024.

 

  1. No dia 11.04.2024 foi notificado o dirigente máximo dos serviços da Requerida para remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo que pudesse existir e, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.

 

  1. Por email dirigido ao CAAD no dia 18.04.2024, notificado no dia seguinte, a Requerida informou os autos de que o acto havia sido revogado por despacho da Senhora Subdiretora Geral, datado de 12.04.2024.

 

B – Posição da Requerente

 

  1. A 02.12.2022, foi emitida a guia n.º ..., no valor de € 452,50 (quatrocentos e cinquenta e dois euros e cinquenta cêntimos) para pagamento da retenção de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) referente às faturas-recibos n.º 145, emitida a 02.12.2022, no valor de € 230,00 (duzentos e trinta euros); n.º R A...01R/4 emitida a 30.01.2023, no valor de € 145,00 (cento e quarenta e cinco euros) e n.º R A...1R/5 emitida a 30.01.2023, no valor de € 77,50 (setenta e sete euros e cinquenta cêntimos).

 

  1. A referida guia foi paga no dia 17.02.2023.

 

  1. A guia referida em 1.6., como se disse, tomou em consideração a fatura-recibo n.º 145, de 02.12.2022, no valor de € 230,00 (duzentos e trinta euros), que deveria ter sido declarada numa outra guia, por se tratar de fatura de mês e ano diferentes das outras duas faturas.

 

  1. Detetado o erro e depois de contactados telefonicamente os serviços informativos da AT, foi indicada a solução de ser emitida nova guia de retenção de IRS no valor dos € 230,00 (duzentos e trinta euros), referente à retenção efetuada na fatura-recibo nº 145, de 02.12.2022, que foi efetivamente emitida (guia n.º ...).

 

  1. A Requerente não pagou o montante constante da guia n.º..., pelo facto de já ter feito o pagamento do respetivo montante no âmbito do pagamento da guia n.º....

 

  1. No dia 14.04.2023, o portal da AT referia que a Requerente tinha uma dívida no montante de €230,00 (duzentos e trinta euros), o que a impedia de dispor de uma certidão de não dívida, de que carecia.

 

  1. A 21.04.2023, a Requerente requereu no e-balcão a anulação da guia n.º..., por já estar o valor de € 230,00 pago quando promoveu o pagamento dos montantes considerados na guia nº... .

 

  1. A AT, também pelo e-balcão transmitiu que o exposto iria ser “tratado como procedimento de reclamação graciosa”.

 

  1. A 24.04.2023, a Requerente recebeu citação postal com o n.º de processo ...2023..., para efetuar o pagamento da quantia de € 251,02 (duzentos e cinquenta e um euros e dois cêntimos).

 

  1. Contactados telefonicamente os serviços de informações da AT, foi transmitido à Requerente que não pagasse porque iria ser feita a respetiva compensação.

 

  1. Sucede que, precisando de obter uma certidão de não dívida, a Requerente, no dia 15.06.2023 viu-se na necessidade de efetuar o pagamento de € 287,52 (duzentos e oitenta e sete euros e cinquenta e dois cêntimos), referente à Execução fiscal – processo ...2023... .

 

  1. A 16.10.2023, via CTT, a Requerente recebeu a notificação do indeferimento do Processo de Reclamação Graciosa.   

 

  1. Não há dúvidas de que foi efetuado um pagamento duplicado da referida retenção na fonte de € 230,00 (duzentos e trinta euros), razão por que tem a Requerente direito a reaver a quantia de € 287,52 (duzentos e oitenta e sete euros e cinquenta e dois cêntimos), acrescida de juros compensatórios desde a data de pagamento.

 

C – Posição da Requerida

 

  1. Por email dirigido ao CAAD no dia 18.04.2024, a Requerida informou os autos de que o acto tributário objecto mediato do pedido de pronúncia arbitral havia sido revogado por despacho da Senhora Subdiretora Geral, datado de 12.04.2024.

 

D – Conclusão do Relatório e Saneamento

 

  1. O tribunal arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.

 

  1. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, estão regularmente representadas, não padecendo o processo de qualquer nulidade.

 

  1. Inutilidade superveniente da lide

 

O artigo 13.º, n.º 1 do RJAT prescreve o seguinte:

 

“Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º”

 

A Requerida tomou conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral em data não posterior ao dia 06.02.2024, dispondo, nos termos do preceito acabado de transcrever, de 30 dias (úteis) para proceder à revogação do acto tributário cuja ilegalidade foi suscitada. Sucede que só em momento posterior ao da constituição do tribunal arbitral (que ocorreu a 10.04.2024), a Requerida revogou o acto tributário controvertido. Certo é que apenas depois da constituição do tribunal arbitral essa revogação teve lugar (por despacho de 12.04.2024) e só no dia 18.04.2024 foi essa revogação levada ao conhecimento do CAAD e do tribunal.

 

Como é evidente, a Requerida poderá, para além do prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, proceder à revogação do acto tributário[1]. Dessa revogação têm de extrair-se todos os efeitos processuais e jurídico-tributários que ela implica, nomeadamente no que se refere à restituição das quantias exigidas pelo acto revogado, caso hajam sido pagas, e, bem assim, se se justificar, ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

Por força da revogação do acto tributário, deixa de haver objecto do litígio, devendo ser tida por extinta a instância quanto ao pedido formulado pela Requerente, nos termos do disposto nos artigos 277.º, alínea e) e 611.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT[2].

 

Com o pedido de pronúncia arbitral, recorde-se, a Requerente pugnava pela declaração de ilegalidade do acto de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2023..., de 21.04.2023 apresentada contra a guia de retenção na fonte de IRS 2022 n.º ... de 28.03.2023. no valor de € 230,00.

 

No que se refere ao juros indemnizatórios, diga-se que a alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º do RJAT dispõe que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está de harmonia com o previsto no art.º 100.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.

 

Não se ignora que a autorização legislativa concedida ao Governo pelo art.º 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, na base da qual foi aprovado o RJAT, determina que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária. Ainda que as alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT fundem a competência dos tribunais arbitrais em “declarações de ilegalidade”, parece razoável o entendimento segundo o qual se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo certo que nos processos de impugnação judicial, para além da anulação de actos tributários, podem ser apreciados pedidos de indemnização, desde logo relativos a juros indemnizatórios.

 

Com efeito, o princípio da cognoscibilidade dos pedidos de indemnização, em reclamação graciosa ou em processo judicial, justifica-se sempre que o dano que se pretende ver ressarcido resulte de facto imputável à Administração Tributária e Aduaneira. Aliás, nos termos do n.º 5 do art.º 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento Tributário”, o que remete para as manifestações desse princípio que encontramos no n.º 1 do art.º 43.º da LGT e no art.º 61.º do CPPT.

 

Assim, justifica-se a apreciação do pedido de pagamento de juros indemnizatórios feito pela Requerente.

 

São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Considera-se erro imputável aos serviços aquele que não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos, de facto ou de direito, que não sejam da responsabilidade do contribuinte. Ora, resulta claro que o pagamento cujo reembolso se pede não deveria ter ocorrido, não havendo, pois dúvida ter havido, para estes efeitos, erro imputável aos serviços. 

 

Estando provado que a Requerente pagou prestação tributária que lhe foi, por erro imputável aos serviços, exigida, tem ela direito não apenas ao reembolso do que pagou indevidamente, € 287,52 (duzentos e oitenta e sete euros e cinquenta e dois cêntimos), mas ainda a perceber juros indemnizatórios contados desde a data do seu pagamento.

 

 

  1. Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

 

  1. Declarar extinta a instância arbitral por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e) do CPC, aplicável ex vi o artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT;

 

  1. Condenar a Requerida a reembolsar à Requerente a quantia de € 287,52 (duzentos e oitenta e sete euros e cinquenta e dois cêntimos), acrescida de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados da data do seu pagamento até integral reembolso;

 

  1. Condenar a Requerida nas custas.

 

  1. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no n.º 4 do art.º 299.º e no n.º 2 do art.º 306.º, ambos do CPC, no art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 287,52 (duzentos e oitenta e sete euros e cinquenta e dois cêntimos).

 

  1. Custas

 

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 5 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 306,00 (trezentos e seis euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar, como se disse, integralmente pela Requerida.

 

 

Lisboa, 7 de Outubro de 2024

 

 

 

O Árbitro

 

 

 

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(Nuno Pombo)

 

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e com a grafia anterior ao dito Acordo Ortográfico de 1990.

 

 



[1] Veja-se, p. ex., a decisão prolatada no âmbito do Processo n.º 491/2022-T, com ampla referência a decisões que acompanham este juízo.

[2] V. CARLA CASTELO TRINDADE, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – anotado, Almedina, 2016, pág. 337.