Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 135/2024-T
Data da decisão: 2024-10-09   Outros 
Valor do pedido: € 27.939,78
Tema: Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR). Competência do Tribunal e legitimidade ativa do contribuinte de facto. Facto tributário e prova do efetivo pagamento do imposto pelo contribuinte de facto.
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Sumário

A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, tem a natureza de imposto e os inerentes atos tributários de liquidação são suscetíveis de apreciação em processo arbitral tributário.

A liquidações efetuadas no âmbito dessa Lei sofrem do vício de ilegalidade abstrata, atenta a respetiva desconformidade com a Diretiva 2008/118/CE do Conselho de 16 de dezembro de 2008 (Despacho do TJUE de 7 de fevereiro de 2022, Processo C-460-21).

O ónus da prova da efetiva repercussão económica e do pagamento da CSR pelos adquirentes de combustíveis e contribuintes de facto é um facto positivo, não sendo suficiente a justificação da ocorrência da repercussão desse imposto, mediante juízos presuntivos ou declaração genérica, sem efetuar a demonstração dos factos através de elementos de prova, objetivos e rigorosos, que identifiquem a efetiva repercussão, parcial ou total, e o exato montante do imposto pago.

 

Decisão arbitral

O árbitro signatário, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para o presente Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:

I – Relatório

“A..., LDA” (doravante designada por Requerente), pessoa coletiva com o NIPC..., com sede à ..., ..., ...-... ...– Mealhada, vem apresentar pedido de pronuncia e constituição de Tribunal arbitral, em que é parte a “Autoridade Tributária e Aduaneira” (AT), (doravante designada por “Requerida” ou “AT”), ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, (RJAT), com as alterações subsequentes, em conjugação com os artigos 1.º e 2.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

Esse pedido é apresentado na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de Revisão Oficiosa, apresentado em 05/07/2023, junto da Alfândega de Aveiro, relativo a atos de liquidação de Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) no período compreendido entre janeiro de 2019 a dezembro de 2022, praticadas pela AT e cujo encargo tributário alega ter sido repercutido na Requerente pelos seus fornecedores de combustível durante aquele iter temporal, aquando da “(…) aquisição de 196892,49 Litros de Gasóleo à B..., SA, e de 5.4817,22 Litros de Gasóleo à C..., LDA; pelos quais suportou um total de Eur. 27.939,78 (vinte e sete mil, novecentos e trinta e nove euros e setenta e oito cêntimos) a título de C.S.R.”.

Subsequentemente, a Requerente alega que:

- “Atos tributários com os quais a Autora não se conformava (nem conforma), considerando que, pelos motivos adiantados naquele pedido e que, infra, renovará, tais atos tributários enfermavam (e enfermam) de erro sobre os pressupostos de direito,

- Razão pela qual pretende a respetiva anulação nos termos do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), com as demais consequências legais.”.

Na tramitação do presente processo foram praticados os principais atos processuais seguintes:

Em 2024-01-31, foi apresentado o referido pedido arbitral.

Em 2024-02-20, a Requerida vem solicitar a identificação dos atos de liquidação cuja legalidade a Requerente pretende ver sindicada, entendendo-se que o termo inicial do prazo para o exercício da faculdade prevista no artigo 13º do RJAT só ocorre após a notificação, à AT, da identificação, em concreto, do(s) ato(s) de liquidação cuja ilegalidade é suscitada. Na mesma data é proferido despacho pelo Presidente do CAAD a submeter esse requerimento à apreciação do Tribunal a constituir, por ser o órgão competente para a sua apreciação.

Em 2024-04-10, por despacho do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, foi constituído o Tribunal arbitral singular, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação em vigor (RJAT).

Em 2024-04-12, foi exarado o Despacho arbitral previsto no artigo 17.º do RJAT.

Em 2024-05-14, em cumprimento do referido despacho, a Requerida apresenta resposta em que suscita diversas exceções.

Em 2024-05-17, foi proferido despacho ao abrigo do art.º 18.º do RJAT e a Requerente notificada para se pronunciar, querendo, sobre as exceções invocadas pela Requerida na resposta.

Em 2024-06-04, a Requerente apresenta requerimento sobre as exceções apresentadas pela Requerida.

Em 2024-06-12, a Requerida apresenta requerimento, maxime, sobre os elementos de prova apresentados pela Requerente.

II - Saneamento

O Tribunal Arbitral singular encontra-se regularmente constituído.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária.

O processo não padece de vícios que o invalidem e não existem incidentes que importe resolver.

O pedido, os elementos de prova, os requerimentos, o PA, as exceções e os argumentos apresentados na resposta são apreciadas pelo Tribunal mais adiante.

III – Da posição das partes

  1.  Da Requerente

A Requerente apresenta Pedido arbitral na sequência do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa de alegados atos de liquidação de CSR (não identificados) praticados pela AT, considerando a Requerente a existência de atos de repercussão da CSR que entende estarem consubstanciados e suportados, essencialmente, nas faturas referentes ao combustível rodoviário adquirido às duas empresas fornecedores suprarreferidas.

Em suma, no período compreendido entre janeiro de 2019 a dezembro de 2022, a Requerente alega ter adquirido combustível às referidas empresas fornecedoras e ter suportado a título de CSR, a quantia global de € 27.939,78.

Subsequentemente, apresentou pedido de Revisão Oficiosa, por erro imputável aos serviços, suscitando a revisão dos atos tributários de CSR e, consequentemente, dos atos de repercussão daquele imposto na sua esfera, ao abrigo do artigo 78.º da LGT.

Em síntese, a Requerente alega que a CSR não observa a Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008 (doravante, “Diretiva 2008/118/CE”), e subsequentemente, os referidos atos tributários padecem de ilegalidade, pelo que tem o direito a ser ressarcida dos montantes de imposto que pagou aquando da aquisição do combustível, na qualidade de contribuinte de facto lesado.

Que o TJUE já se pronunciou, expressa e especificamente, sobre esta matéria na sequência do pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia («TFUE»), pelo Tribunal constituído no âmbito do processo arbitral n.º 564/2020-T que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), bem como invoca decisões arbitrais nesse sentido.

Acrescenta, ainda, que existindo a obrigação de desaplicação das referidas normas internas por desconformidade com o direito da União Europeia, verifica‐se, consequentemente, erro imputável aos serviços para efeitos do disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

Que para além do reembolso do imposto indevidamente liquidado, requer que, sendo julgado procedente o presente pedido, lhe sejam pagos, nos termos dos artigos 43.º e 100.º, ambos da LGT, os respetivos juros indemnizatórios por pagamento indevido da prestação tributária, a contar da data do pagamento indevido, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.

Em suma, a Requerente reclama o imposto (CSR) indevidamente liquidado aos SP e por si pago no montante total de € 27.939,78, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.

A Requerente apura esse montante com o fundamento no regime legal, referindo que: “O valor da contribuição é, desde 2015, de Eur. 87,00 (oitenta e sete euros) por cada 1000L para a gasolina, de Eur. 111,00 (cento e onze euros) por cada 1000L para gasóleo rodoviário e de Eur. 123,00 (cento e vinte e três euros) por cada 1000KG de GPL Auto.”.

A Requerente apura a CSR e apresenta os respetivos montantes através de quadros com a identificação das aquisições realizadas e alegando que entre “Janeiro de 2019 a Dezembro de 2022, a Autora suportou um total de Eur. 21.855,07 (vinte e um mil, oitocentos e cinquenta e cinco euros e sete cêntimos) a título de C.S.R., por parte da Fornecedora B..., SA.,”. (…) suportou um total de Eur. 6.084,71 (seis mil e oitenta e quatro euros e setenta e um cêntimos) a título de C.S.R., por parte da Fornecedora C..., Lda., (…)”.

Segundo a Requerente, as referidas fornecedoras de combustível repercutiram a CSR nos fornecimentos e preço do combustível, o que pretende demonstrar, através dos seguintes elementos de prova:

  • pedido de revisão oficiosa e respetivo comprovativo de envio/aviso de receção (documentos 1 e 2),
  • duplicados das faturas de compra (doc. 3)
  • informação da gasolineira C... sobre a fórmula de cálculo do preço de venda ao consumidor final do combustível (doc. 4)
  • informação Sobre Produtos Comercializados Portugal Continental, disponibilizada pela C... (doc. 5),
  • Análise da DECO (doc. 6),
  • Análise ao Setor dos Combustíveis Líquidos Rodoviários em Portugal Continental da Autoridade da Concorrência (doc. 7);
  • Declaração da “B..., S.A”  (doc. 8);
  • Declaração da “C..., Lda” (doc. 9).

Termos em que a Requerente pretende que o Tribunal decida:

“A // Declarar a ilegalidade das normas dos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º da Lei n. 55/2007, de 31 de Agosto, nas redacções vigentes em 2018/2019, com o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, e recusar a sua aplicação;

 B // Anular as liquidações de CSR subjacentes às facturas indicadas nos artigos 104 e 105 desta peça, emitidas pela B..., SA e pela C..., Lda. bem como os actos de repercussão consubstanciados em cada uma destas facturas;”

C // Condenar a Administração Tributária a proceder ao reembolso das quantias indevidamente pagas, melhor discriminadas nos artigos 104 e 105 desta peça relativas à repercussão do valor da CSR feito à Autora, no valor total de Eur. 27.939,78 (vinte e sete mil, novecentos e trinta e nove euros e setenta e oito cêntimos), condenando-se, em consequência, a Administração Tributária a pagar-lhe essa quantia;

 D // Condenar a Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios que devem ser contados, relativamente a cada pagamento, desde a data em que foi efectuado, até integral reembolso à Autora, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

  1. Da Requerida

A Requerida, inicialmente, apresenta requerimento a solicitar a identificação dos atos de liquidação de CSR e, subsequentemente, na resposta ao pedido,  vem apresentar extenso articulado, suscitando, preliminarmente, as exceções identificadas a seguir. Apresentou ainda requerimento a contestar os elementos de prova juntos ao processo, em especial, as “declarações” (docs 8 e 9) emitidas pelas empresas fornecedoras.

2.1. Por exceção alega, em síntese, o seguinte:

a)- A incompetência do Tribunal

A Requerida invoca que nos termos do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, confrontado com o disposto no artigo 2.º do RJAT, apenas serão arbitráveis pretensões relativas a impostos cuja administração esteja cometida à AT.

Que se tratando a CSR de uma contribuição e não de um imposto, as matérias sobre a CSR encontram-se, assim, excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal.

Que o artigo 4.º da LGT onde o legislador definiu, no seu n.º 1, quais os tributos enquadrados na noção de “imposto”, atribuindo, no n.º 3 do mesmo preceito, essa qualidade a determinadas contribuições especiais, no qual, contudo, não se inclui a CSR.

Que, em suma, a CSR encontra-se excluída da arbitragem tributária por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição, não se encontra verificada a arbitrabilidade do thema decidendum.

A Requerida acrescenta que se pretende a apreciação da legalidade do regime jurídico da CSR, pedido de declaração de ilegalidade dos atos de repercussão e liquidação de CSR, não obstante o fundamento da sua desconformidade face ao direito europeu, a Requerente vem questionar todo o regime jurídico desta contribuição e que a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação.

Alega, ainda, que se fosse considerada a competência do tribunal arbitral para a apreciação da ilegalidade dos atos de liquidação de ISP/CSR, nunca poderia o tribunal arbitral pronunciar-se sobre atos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos dos atos de liquidação de ISP/CSR, que não são atos tributários e que, para mais, não correspondem a uma repercussão legal, mas a uma repercussão meramente económica ou de facto.

Conclui, a Requerida, que: “Estamos perante uma exceção dilatória nos termos do vertido no n.º 1 do artigo 576.º e alínea a) do artigo 577.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ao presente processo por via da al. e), n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa.”.

b)- A ilegitimidade processual

A Requerida invoca que apenas os sujeitos passivos (SP) que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago (cfr. n.º 2 do artigo 15.º do CIEC).

Que aos SP são emitidas as respetivas liquidações de imposto, apenas estes podendo identificar tais atos de liquidação e solicitar, em caso de erro, a sua revisão, com vista ao reembolso dos montantes cobrados (artigos 15.º e 16.º do CIEC).

Que não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do CIEC, não têm legitimidade para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral, pois não integram a relação tributária relativa à liquidação originada pela DIC.

Alega, ainda, que a Requerente carece de legitimidade por, ao contrário do que alega, estar fora do âmbito de aplicação da al. a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, preceito que prevê que os repercutidos legais embora são sendo sujeitos passivos, têm legitimidade para reclamar, recorrer, impugnar e formular pedido arbitral.

Conclui, que a Requerida que: “(…)inexistindo efetiva titularidade do direito de que se arrogam, carece a Requerente de legitimidade processual, o que consubstancia uma exceção dilatória, nos termos do vertido nos artigos 576.º, nº 1 e nº 2, 577.º, al. e) e 578.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo, consequentemente, a Requerida ser absolvida da instância. (…) Carece a Requerente de legitimidade substantiva, o que consubstancia uma exceção perentória nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 576.º n.º1 e n.º3 e 579.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º1 al. e) do RJAT, devendo a Requerida ser absolvida do pedido.”.

c)- A ineptidão da petição inicial

A Requerida alega que o pedido arbitral não respeita os pressupostos legais de aceitação do requerimento/petição inicial, por violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, requisito essencial à aceitação do pedido, dispondo expressamente a alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, que do pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral.

Que a Requerente formula um pedido de anulação de liquidações que não identifica, mediante a mera impugnação de alegadas repercussões, sem sequer identificar o nexo entre estas e aquelas, assente na ideia errada de que vigora para a CSR um regime de repercussão legal e de que, a referida repercussão (que como já se viu é meramente económica) possa ser presumida.

Que se verifica a exceção de ineptidão da petição inicial, na medida em que “(…)o pedido arbitral não identifica qualquer ato tributário, violando o requisito da al. b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, o que determina a nulidade de todo o processo, e, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, dá lugar à absolvição da instância, cf. n.º 1 do artigo 186.º, n.ºs 1 e 2 do artigo 576.º, al. b) do artigo 577.º e al. b) n.º 1 do artigo 278.º, todos do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT(…)”.

Acresce, a Requerida, que o pedido é inepto em razão da “ininteligibilidade do pedido e de contradição entre este e a causa de pedir”.

Alega ainda que a “Requerente assumiu não ter comprovado a liquidação, mas alega ter a condição de mera repercutida, invocando também que, dada a existência de uma “repercussão legal” e de uma relação “causal” entre a liquidação e a repercussão, apresentando, nessa sede, apenas faturas que documentavam as transações, instando a AT a fazer prova das respetivas liquidações.”

Assim, a Requerida alega que: “(…) verifica-se a exceção de ineptidão da petição inicial, na medida em que o pedido arbitral não identifica qualquer ato tributário, violando o requisito da al. b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, o que determina a nulidade de todo o processo, e, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, dá lugar à absolvição da instância, conforme artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. b) e 278.º, nº 1, al. b), do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º do RJAT, devendo, consequentemente, determinar-se a nulidade de todo o processo e a absolvição da Requerida da instância.”.

A Requerida, em conclusão, afirma: “Por tudo o exposto, verifica-se a exceção de ineptidão da petição inicial, na medida em que o pedido arbitral não identifica qualquer ato tributário, violando o requisito da al. b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, o que determina a nulidade de todo o processo, e, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, dá lugar à absolvição da instância, conforme artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. b) e 278.º, nº 1, al. b), do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º do RJAT, devendo, consequentemente, determinar-se a nulidade de todo o processo e a absolvição da Requerida da instância.”.

d)- A caducidade do direito de ação

A Requerida alega que a falta de identificação dos atos de liquidação em discussão impede a aferição da tempestividade dos pedidos de revisão oficiosa das liquidações formulados pela Requerente.

Que estando a Requerida vinculada ao princípio da legalidade e tendo efetuado as liquidações em estrita observância dos normativos legais em vigor à data dos factos, não existe qualquer erro imputável aos serviços.

Entende a Requerida que “(…) no âmbito dos IEC, os pedidos de reembolso apresentados nas alfândegas devem ser apreciados à luz do disposto nos artigos 15.º a 20.º do CIEC, sendo pacífico que o regime específico aí previsto é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação.” .

Que acresce o facto de “(…) a Requerente não ser sujeito passivo de ISP/CSR e ao facto de não lograr provar o pagamento dos respetivos valores, em 30-06-2023, já teria terminado o prazo de 3 (três) anos, previsto no nº 3 do artigo 15.º do CIEC para requerer o reembolso do alegado valor pago com base na alegada repercussão económica de CSR (…)”.

A Requerida, em conclusão, considera verificada a caducidade do alegado direito de ação por parte da Requerente e, ainda que assim não se entenda “(…) sempre consubstanciará uma exceção dilatória por assim ser qualificada especialmente nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 89.º n.º1, 2 e 4 al. k) do CPTA, devendo, nessa medida, ser a Requerida absolvida do pedido ou da instância.”.

2.2- Por impugnação

Por impugnação a Requerida, alega, em síntese, o seguinte:

Que a Requerente não faz prova do que alega, designadamente que pagou e suportou integralmente o encargo do pagamento da CSR por repercussão.

Que não aceita e impugna o vertido nos artigos 2.º a 5.º, 93.º e 99.º a 108.º do Pedido arbitral, coloca em causa e não considera provada a alegada repercussão da CSR, devendo funcionar plenamente as regras sobre o ónus da prova.

Que de acordo com o artigo 344.º do Código Civil (inversão do ónus da prova), as regras do ónus da prova (previstas nos artigos 342.º e 343.º) só se invertem quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei o determine ou quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, situações que não se verificam no caso em concreto.

Que a Requerida não pode “fazer prova de que não houve repercussão, isto é, fazer prova de facto negativo, configura uma exigência de prova diabólica, a qual é inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade, da tutela jurisdicional efetiva e do processo equitativo, preceituados nos artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, e do direito ao contraditório e à ampla defesa.”.

A Requerente impugna para todos os efeitos legais a eficácia e valor probatório das declarações emitidas pelas fornecedoras - v.g.: docs 8 e 9 juntos com o pedido.

Que “a Requerente afirma no ponto 101.º do pedido que as suas fornecedoras foram as entidades que, alegadamente, introduziram no consumo os combustíveis que viera mais tarde a adquirir. Acontece que, para tal ser sucedido, teriam que ter entregue as declarações de introdução no consumo (e-DIC) dos produtos petrolíferos que deram origem a atos de liquidação de ISP/CSR e entregue ao estado os respetivos valores apurados, sem, todavia, identificar quaisquer liquidações de ISP/CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira com base nas DIC alegadamente submetidas pelas suas fornecedoras.”

A Requerida observa, ainda, “(…) que não se compreende a alusão, por parte da requerente, nos artigos 141.º e 144.º do pedido arbitral à D..., S.A. enquanto entidade fornecedora de combustíveis, quando nos artigos anteriores em que faz referência às suas fornecedoras, designadamente nos artigos 3.º, 100.º, 103.º, 104.º e 105.º, tal entidade nunca é mencionada.”.

A requerida “Impugna-se, igualmente, o teor das faturas anexas ao pedido arbitral, porquanto não consubstanciam prova dos factos alegados pela Requerente.”.

Que “As faturas anexas ao pedido arbitral não fazem prova do alegado pagamento pois não consubstanciam fatura-recibo, nem recibo, nem nota de crédito, nem a conjugação de documentos (contabilísticos ou outros), que permitam comprovar o pagamento dos montantes alegados pela Requerente.”.

A Requerida alega, em suma, que a Requerente teria de fazer prova sobre o alegado facto de ter adquirido e pago combustível e, consequentemente, ter suportado integralmente o encargo do pagamento da CSR que as fornecedoras de combustível, alegadamente, pagaram a montante e repercutiram, no mesmo exato valor, do preço pago pela Requerente.

Refere, ainda, que a Requerente não identifica quaisquer liquidações de ISP/CSR praticadas com base em Declarações de Introdução no Consumo (DIC), que alegadamente possam ter sido processadas/submetidas pelos SP do imposto.

Entende a Requerida, ainda, que em momento algum o TJUE considera ilegal a CSR. Não existindo qualquer decisão judicial nacional transitada em julgado que declare a CSR ilegal. Não estando o ordenamento jurídico português em contradição ou antinomia com o Direito da União Europeia. Inexistindo uma desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva Europeia acima referida, porquanto inexiste qualquer decisão judicial transitada em julgado que assim o declare.

Que a agiu em conformidade com a legislação nacional e europeia em vigor, não se verificando no caso em apreço qualquer tipo de erro imputável aos serviços.

Quanto a juros indemnizatórios, no essencial, a Requerida alega que no caso concreto o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 30-06-2023, em tese, só haveria lugar, em sintonia com a jurisprudência citada, ao pagamento de juros indemnizatórios um ano após a apresentação daquele pedido, face ao estabelecido na alínea c), do n.º 3, do artigo 43.º da LGT.

Termos em que a Requerida entende dever:

- “Ser extinta a instância arbitral, e absolvida da mesma a Requerida, face à verificação da exceção da incompetência em razão da matéria, e/ou da exceção da ilegitimidade processual, e/ou da exceção de ineptidão da petição inicial/pedido arbitral;

- Caso assim não se entenda, ser a Requerida absolvida do pedido, face à verificação da exceção de caducidade do direito de ação, e/ou da exceção de falta de legitimidade substantiva;

- Ou, caso assim não se entenda, ser o pedido de pronúncia arbitral julgado totalmente improcedente, por infundado e não provado.”

IV – Matéria de facto

No apreciação e decisão do processo considera-se que na questão a dirimir a matéria de facto deve constar de prova documental, clara e inequívoca, sobre os SP do imposto, a repercussão e efetivo  pagamento do imposto pelo contribuinte de facto, maxime, consumidor final.

Acresce que no domínio das transações de combustível e pagamento de impostos associados, as respetivas operações e transações económico tributárias, por força da lei, necessitam ser documentadas e, subsequentemente, ser provadas por registos contabilísticos e financeiros, quitação e/ou documentos escritos.

Termos em que a prova testemunhal não aduz os elementos de prova documental legalmente exigidos, pelo que essa prova indireta não é indispensável para a comprovação dos factos alegados e para a convicção do Tribunal.

Igualmente, informações e declarações com conteúdo geral não versam sobre as operações económicas e os correspondentes factos tributários identificados e que objetivamente se pretendem sindicar.

Finalmente, como pretendia a Requerente, carrear para o processo documentos não identificados e não mensuráveis sobre outros procedimentos e processos,  atenta contra os princípios da celeridade e da economia processual, não constituindo prova direta sobre as operações comerciais, os factos tributários objeto do presente PPA.

O Tribunal Arbitral, com relevo para a decisão, atento o alegado pelas partes e a prova junta (docs 1 a 9 com a Petição Inicial (PI) e Proc. Administrativo), considera provado o seguinte:

  • no período compreendido entre janeiro de 2019 e dezembro de 2022, a Requerente adquiriu combustível a dois fornecedores: 196.892,49 litros de gasóleo à empresa revendedora “B..., SA”, pelo montante de € 225.631,39 (após descontos) a que acresceu IVA no valor de 51.895,23 e de 5.4817,22 litros de gasóleo à empresa  “C..., LDA”, pelo montante de € 61.569,61 (após descontos) a que acresceu IVA no valor de 14.161,04;
  • em 2023-07-03, a Requerente apresentou pedido de Revisão Oficiosa junto da Alfândega de Aveiro;
  • o indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, a qual, em tempo, apresentou o presente pedido arbitral.

O Tribunal, em face das alegações e dos elementos de prova identificados, não considera provado:

  • a repercussão (parcial ou total) do imposto (CSR) pelos fornecedores da empresa “B..., SA”, o seu pagamento e a subsequente repercussão (parcial ou total) no preço do combustível adquirido pela Requerente e o seu pagamento;
  • A repercussão da CSR (parcial ou total) pela “C...” no preço do combustível adquirido pela Requerente e o seu pagamento;
  • A repercussão (parcial ou total) da CSR, pelas duas empresas fornecedoras, no preço final do combustível adquirido pela Requerente, entre abril de 2019 e dezembro de 2022, no exato montante € 27.939,78, bem como o pagamento desse imposto no âmbito das operações e inerentes factos tributários identificados pela Requerente.

1. Motivação da decisão da matéria de facto

O Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada e com relevância para a decisão – Cf. n.º 2, do art.º 123.º do CPPT e n.º 3 do art.º 607.º do CPC, aplicável, ex vi, al. a) e e) do n.º 1, do art.º 29.º do RJAT.

A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada, para além do reconhecimento de factos não controvertidos pelas partes, resultou da análise crítica dos documentos juntos aos autos com o pedido de pronúncia arbitral, da resposta da Requerida e dos demais requerimentos e documentos juntos e constantes do processo, como indicado em relação aos factos julgados como provados.

Quanto aos factos dados como não provados, trata-se de matéria que foi alegada pela Requerente e contestada pela Requerida, em que aquela pretende provar a repercussão e o pagamento da CSR, através das faturas emitidas pelas empresas fornecedoras (doc. 3) que documentam aquisições de combustíveis entre 2019 e dezembro de 2022, mediante a presunção da sua repercussão no preço e, ainda, mediante a junção de “declarações” emitidas em termos genéricos, por parte das empresas fornecedoras (docs 8 e 9).

Acresce a apresentação de outros documentos (docs 4 a 7), de caracter enquadrador e geral sobre o setor dos combustíveis, os quais não estão diretamente relacionados com as operações comerciais e os factos tributários, em concreto, invocados pela Requerente.

Consideram-se que os factos alegados (repercussão total e pagamento da CSR) e juridicamente relevantes não se apresentam documentados e provados, nem integram a previsão das normas de incidência do imposto.

Para fazer a prova da repercussão e pagamento, a Requerente limita-se a juntar ao pedido arbitral aqueles suportes documentais, os quais não evidenciam de forma clara e objetiva a repercussão da CSR no preço de venda, nada permitindo concluir se ouve lugar a repercussão do imposto no preço dos combustíveis, nem qual foi o montante efetivamente repercutido e pago, se a totalidade ou apenas parte.

Estamos perante operações económicas, factos e atos tributários, estes factos jurídicos exigem prova documental diretamente com eles relacionada que demonstrem e comprovem, de forma inequívoca, o efetivo pagamento da CSR (no todo ou em parte) pela Requerente, sendo os efeitos jurídicos declarados pelo Tribunal em função dos factos provados e do direito aplicável.

As faturas de aquisição de combustível (doc. 3) apenas comprovam os respetivos atos comerciais e, no domínio tributário, suportam o tratamento contabilístico e fiscal do IVA, mas nada especificam sobre a CSR.

A Requerente como elementos de prova apresentou as faturas emitidas pelas empresas fornecedoras, as quais especificam três parcelas: o "preço sem IVA", "descontos" e "valor IVA", desconhecendo-se as diferentes componentes que permitem aferir se a CSR integra o preço, ou seja, se foi, total ou parcialmente, repercutida na Requerente pelas empresas fornecedoras e se no exato valor do imposto por aquelas empresas inicialmente suportado.

Acresce que faturas apresentadas pela Requerente contêm uma parcela com a designação "desconto", sem descritivo da respetiva natureza e conteúdo, elemento que pode indiciar igualmente a inexistência de repercussão da CSR, pelo menos total,  como pretende a Requerente, pelo que faltam elementos objetivos e suficientes que permitam esclarecer os termos da referida relação contratual e tratamento comercial e fiscal da CSR, ou seja, sobre a efetiva repercussão fiscal no âmbito desses operações comerciais relativas ao fornecimento de combustíveis pelos fornecedores (B... e C...) à Requerente.

Observa-se, ainda, que as “declarações” emitidas pelas empresas fornecedoras não reúnem os requisitos formais que permitam aferir o seu conteúdo, nem a qualidade, nem a identidade do seu signatário, maxime, a respetiva legitimidade de declarar e representar os SP( os poderes para a prática do ato), apresentam-se como meros documentos internos, desacompanhados de quaisquer elementos de prova sobre o respetivo conteúdo, pelo que não são documentos suficientes, nem idóneos como documentos de prova, quer da repercussão, quer do valor da CSR paga – cf. STA, Proc. n.º 018/2015.

Os restantes documentos juntos revestem natureza geral e abstrata, de livre apreciação pelo tribunal, os quais não apresentam suficiente valor probatório, formal e material, quanto à efetiva repercussão (parcial ou total) do imposto relativamente a cada uma das aquisições realizadas pela Requerente, nem documentam o respetivo pagamento do imposto.

Acresce que a “declaração” emitida pela fornecedora e SP do imposto “C...”, para além das insuficiências de forma e conteúdo, adensa ainda mais a falta de objetividade e rigor sobre os termos em que foi efetuada a repercussão de CSR, por quem foi realizada e o quantum (parcial ou total) desse imposto no preço final do combustível adquirido pela Requerente, porquanto declara o seguinte:

- “ a) Nos casos em que atuou na qualidade de sujeito passivo da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), submeteu as correspondentes declarações de introdução no consumo e pagou o correspondente tributo às taxas legais aplicáveis à data de ocorrência dos factos tributários. Essas operações consistiram na alienação de 15.053 litros de gasóleos rodoviários, a que corresponde a CSR no valor de 1.671 Euros. (…) b) Nos casos em que não atuou como sujeito passivo da CSR, alienou 47.047 litros de gasóleos rodoviários, a que corresponde um valor de CSR de 5.222 Euros. Valor esse, que integrou o custo das existências vendidas, juntamente com o preço de aquisição dos produtos e demais encargos, tendo sido recuperado, no todo em parte, nas subsequentes transmissões onerosas à A..., LDA.”.

Ora, a “C...” declara operações comerciais e montantes divergentes daqueles que são apresentados pela Requerente, quer nas operações diretamente realizadas entre as partes, onde não identifica suportes comercias ou contabilísticos, nem as correspondentes DICs, quer em transações comerciais através de intermediários/revendedores, os quais não identifica, nem esclarece os montantes repercutidos, pagos e por quem, afirmando superficialmente: “(…) tendo sido recuperado no todo ou em parte (…)”.

A repercussão da CSR nos consumidores de combustíveis constitui uma repercussão económica ou de facto, não uma repercussão legal que, inclusive, tenha de integrar o conteúdo dos documentos de quitação, como acontece no caso de transmissões sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado (IVA), como confirma o próprio conteúdo das faturas de suporte às operações/aquisições em causa.

As faturas não corporizam atos de repercussão de CSR, apenas titulam operações de compra e venda de combustíveis, não existe um ato tributário (de repercussão) autónomo do(s) ato(s) de liquidação de ISP/CSR, este necessariamente documentado pelas respetivas DICs, maxime, tratando-se de transações comerciais realizadas pelos intermediários na cadeia de revenda de combustíveis adquiridos pela Requerente.

A repercussão, económica ou de facto, quando se verifica, consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um SP para um terceiro, este alheio à relação jurídica tributária, sendo o repercutido um "contribuinte de facto", por contraposição ao SP "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento da CSR.

Termos em que se releva, oportuno, fazer a distinção entre a repercussão obrigatória ou legal, a qual encontra consagração, como referido, em sede de IVA, por contraposição à repercussão voluntária (económica/de facto) como ocorre no domínio da CSR, sendo que esta última pode, ou não, verificar-se consoante a conformação da relação comercial entre as partes, pelo que não se pode presumir nem inferir a transferência, maxime integral, da carga tributária de CSR no contexto de uma relação comercial entre empresas privadas no âmbito de operações de venda ou revenda de combustível.

Assim, as faturas emitidas pelas empresas fornecedoras e as “declarações” genéricas juntas aos autos não contêm os elementos formais e materiais objetivos e indispensáveis à exata comprovação da efetiva repercussão, montante e pagamento da CSR no período em causa, pelo que não são suportes suficientes para comprovarem os factos e os inerentes atos tributários, como antes referido.

Acresce que as “declaração” genérica emitida pelo fornecedor de combustível “C...”, atenta a qualidade de SP do imposto, poderia ser acompanhada de elementos de prova dirigidos a precisar e conformar o teor dessa declaração e a provar a efetiva repercussão de CSR no âmbito das vendas de combustível à Requerente, designadamente a demostração do tratamento contabilístico e fiscal das faturas e as respetivas DICS. Porém, apenas afirma uma possibilidade e aduz um elemento de incerteza inultrapassável sobre a repercussão e o montante de imposto pago com a seguinte afirmação: “(…) tendo sido recuperado no todo ou em parte (…)” e que “A C..., LDA apresentou pedidos de revisão oficiosa e impugnações judiciais destinadas à recuperação dessa CSR.”

Assim, estamos perante uma declaração de falta de prova sobre o montante da CSR repercutida e do valor efetivamente pago. Acresce que os eventuais pedidos em relação aos mesmos factos e atos tributários por essa empresa apenas são legítimos em caso de inexistência de repercussão do imposto nos respetivos clientes, sob pena desse pedido integrar uma situação de enriquecimento sem causa, o que reforça as rigorosas exigências de prova sobre a repercussão da CSR (no todo ou em parte) e o respetivo quantum de imposto foi repercutido e pago.

Em suma, sobre as operações em apreço, a insuficiência da prova diretamente relacionada com os factos e atos tributários ocorridos e as inconsistências dos documentos apresentados são manifestas.

No caso concreto, não fica demonstrada, quer a repercussão e montante da CSR no revendedor e fornecedor de combustíveis “B...” (a montante), quer a subsequentemente e alegada repercussão de CSR na Requerente (a jusante), bem como o seu montante e o respetivo pagamento do imposto.

Assim, sublinha-se, que atenta a natureza da repercussão (económica) e a livre conformação dos preços e das relações comerciais, não se pode presumir nem inferir que entre os diferentes operadores económicos e na cadeia de revenda de combustíveis, à empresa fornecedora foi repercutida a CSR a montante e, que essa  empresa, subsequentemente, repercutiu (parte ou a totalidade do imposto - CSR) no preço final dos combustíveis adquiridos pela Requerida, nem que foi esta que suportou a CSR inicialmente entregue ao Estado pelo SP, mediante a sua repercussão no preço ao longo da cadeia de consumo e aqui se apresenta como consumidor final (contribuinte de facto) efetivamente lesado.

Dos autos não constam, igualmente, quaisquer elementos que permitam aferir a emissão de Declarações de Introdução no Consumo (DICs), maxime, por parte da empresa revendedora “B...” e se esta reveste a natureza de SP do imposto, antes na sua “declaração” (doc. 8) apresenta-se como empresa revendedora.

A Requerente tenta inferir e presumir uma repercussão do imposto pelo SP das relações jurídico-tributárias relativas aos atos comerciais (factos tributários) subsequentes invocados, designadamente os valores apurados de CSR pela Requerida e não documentados, bem como a sua correlação com as correspondentes atos tributários e respetivas liquidações DICs submetidas pelos efetivos SP no início da cadeia dos atos comerciais praticados posteriormente por diferentes intervenientes/revendedores.

A prova de um facto positivo e do pagamento de CSR (em parte ou na totalidade) mediante a repercussão económica/fiscal desse imposto e do seu efetivo pagamento impende sobre quem a invoca – a Requerente -, por forma a comprovar a qualidade de contribuinte de facto (lesado) no âmbito da relação jurídico-tributária da CSR, bem como o exato montante, certo e exigível, do imposto indevidamente pago.

Porém, a Requerente, como referido, apresenta apenas as faturas sem discriminação ou demais elementos que permitam aferir a formação do preço final dos combustíveis adquiridos e acompanhados de “declaração” emitida em termos genéricos pelas empresas fornecedoras, suportes com as manifestas inconsistências e as insuficiências formais e materiais suprarreferidas.

Atenta a natureza da CSR, existe a possibilidade ou não da sua repercussão no preço final dos combustíveis e o seu efetivo e integral pagamento pelo contribuinte de facto e consumidor final lesado, esta factualidade não se pode presumir, competindo à Requerente fazer a prova plena dos factos constitutivos do direito alegado.

Assim, à míngua de outros elementos probatórios, que não foram sequer invocados pela Requerente, resta concluir pela não demonstração documentada, de forma clara e inequívoca, da efetiva e integral repercussão da CSR no preço dos combustíveis adquiridos entre 2019 e dezembro de 2022, especificamente determinar o quantum do imposto objeto de repercussão e o efetivo pagamento do montante global, certo e exigível, de € 27.939,78, valor este que foi calculado pela Requerente sem demonstração documental e sem a respetiva confirmação pelas empresas fornecedoras nas declarações emitidas .

V – Do mérito – fundamentação de direito

A Requerente no âmbito das operações comerciais de aquisição de combustíveis, manifestou a sua discordância com os atos tributários inerentes à liquidação de CSR alegadamente incluída no preço dos combustíveis adquiridos, inicialmente perante a Requerida e, face ao indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, apresentou pedido de pronúncia arbitral perante a CAAD, como exposto supra.

A Requerida na reposta veio apresentar defesa por exceção e impugnar o pedido, desde logo, invocar as exceções supracitadas em III,  ponto 2.1. supra, as quais serão apreciadas a seguir.

1.- Das exceções

a) Sobre a incompetência do Tribunal Arbitral

O Tribunal de Justiça da União Europeia, em Despacho proferido a 7 de fevereiro de 2022, sobre o Processo C‑460/21, conclui que a CSR foi criada com uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita (imposto), não lhe estando subjacente qualquer “motivo específico” de política ambiental, energética ou social, dando-se por reproduzidos os demais argumentos sobre a ilegalidade desse tributo.

No âmbito da CSR estamos perante uma questão jurídica relacionada com a apreciação da legalidade dos atos tributários e respetiva legalidade dos inerentes atos de liquidação desse imposto, criado pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto. Tributo esse entendido como em desconformidade com o Direito da União Europeia, nomeadamente, com o n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16/12/2008, tendo por base o entendimento sufragado pelo referido Despacho proferido pelo TJUE em 07/02/2022, no Proc. C-460/21.

Sobre a CSR e as respetivas taxas, verifica-se que possuem valor fixo, estabelecido na Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, incidindo sobre os litros do produto transacionado/introduzido no consumo e não sobre o valor da transação, reforçando a sua natureza de imposto específico, uma vez que possui um valor fixo, independente do nível de preço.

Da conjugação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT ( norma que atribui aos tribunais arbitrais a competência para a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos), com o n.º 2 do artigo 3.º da LGT (norma que identifica como tributos os impostos e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas), resulta a conclusão de que a competência material dos tribunais arbitrais compreende a declaração de ilegalidade dos atos inerentes ou decorrentes da liquidação de tributos.

Por outro lado, a disposição do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, ao declarar que a AT se vincula à jurisdição dos tribunais arbitrais que tenham por objeto a apreciação das “pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida”.

Impõe-se concluir que todos os factos e atos tributários indispensáveis e inerentes à liquidação de qualquer imposto (no caso a CSR e como sucede com os atos de liquidação objeto da presente ação) são arbitráveis, nos termos dos artigos 2.º da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de março e do art.º 2.º do RJAT.

Observa-se anterior Decisão e respetiva fundamentação, a qual concluiu, em síntese, que: “não procede a alegada exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral em virtude da natureza do tributo, uma vez que a competência dos tribunais arbitrais abrange a apreciação das pretensões dos sujeitos passivos referentes a qualquer espécie de tributo, nos termos do art.º 2.º do RJAT; e também não se verifica a falta de vinculação prévia da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais no presente processo, por força do art.º 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que limita essa vinculação prévia às “pretensões relativas a impostos” (…) Nos termos do corpo do art.º 99.º do CPPT, “constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade”, entendendo-se que aqui se inclui a ilegalidade abstrata da liquidação (CAAD, Proc. nº 104/2017-T e Proc. 304/2022-T.

Nesse sentido, refere-se posição doutrinal: “[h]á (…) fundamentos que são invocáveis tanto como fundamento de oposição à execução fiscal como de impugnação judicial. Estão nestas condições a (…) ilegalidade abstrata da liquidação, por a ilegalidade não residir no ato que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas residir na própria lei cuja aplicação é feita. Cabem aqui os casos de normas que violam regras de hierarquia superior como as normas constitucionais ou de direito comunitário ou internacional vigente em Portugal (…) ou leis de valor reforçado (…) ou mesmo normas legislativas de direito ordinário quando é feita aplicação de normas regulamentares. A ilegalidade é abstrata porque, afetando a própria lei, não depende do ato que faz a sua aplicação em concreto. Estando prevista como fundamento de oposição à execução fiscal, esta ilegalidade abstrata constitui também um vício de violação de lei, pois a liquidação terá feito aplicação de uma norma que não é válida à face de uma regra de hierarquia superior” - cf. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª edição, 2011, p. 709.

Acresce referir que se integram no “conceito de ilegalidade abstrata todos os casos de atos que aplicam normas que violam regras de hierarquia superior, designadamente, além das normas constitucionais, as de direito comunitário ou internacional vigente em Portugal” - cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09-04-2014, proferido no processo n.º 076/14.

Acresce que, tendo-se pretendido criar, por via de lei, um regime de arbitragem em matéria tributária suficientemente amplo de modo que o recurso aos Tribunais arbitrais constituísse uma real alternativa aos tribunais tributários (quer na vinculação da AT, quer na apreciação da legalidade dos factos e dos atos tributários subjacentes e que sustentam o próprio ato de liquidação), os Tribunais arbitrais são competentes para se pronunciarem sobre respetiva legalidade – cf. al. a) n.º 1, art.º 2.º e art.º 4.º, ambos do RJAT.

Porem, a Requerente, a final, pede que ao Tribunal para “Declarar a ilegalidade das normas dos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º da Lei n. 55/2007, de 31 de Agosto, nas redacções vigentes em 2018/2019, com o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008 (…)”.

Desde logo, precisa-se que as competências do Tribunal arbitral consistem na apreciação e eventual “declaração de ilegalidade de actos tributários (…)” – cf. art. 2.º do RJAT.

A Requerente  sustenta a sua petição na ilegalidade de atos de liquidação de CSR (não identificados), atenta a sua desconformidade face ao direito europeu, mas parece conclui com o pedido de declaração de ilegalidade de normas do regime jurídico do imposto, conforme resulta do PPA como citado.

Poderá entender-se que a Requerente, atento o pedido, pretende suscitar a questão que se prende com a natureza e conformidade jurídico-constitucional e comunitária do regime jurídico da CSR, plasmado na Lei n.º 55/2007, em suma a declaração de ilegalidade das normas, ou seja,  suspender a eficácia de atos legislativos.

Tendo presenta a causa de pedir e respetiva fundamentação, torna-se possível aferir que os presentes autos têm subjacente a apreciação da ilegalidade de atos tributários de liquidação de CSR, decorrentes da aplicação do regime legal – o da CSR – desconforme com o direito da União, nos termos já decretados pelo TJUE. A este propósito, entendemos que a invalidade dos atos tributários corresponde a uma consequência da sua desconformidade perante a ordem jurídica. Embora o legislador tributário faça expressa referência ao conceito de “ilegalidade”, deverá o conceito ser interpretado em termos amplos, no sentido de desconformidade jurídica, por referência a imperativos de natureza constitucional, internacional, de direito da União, legal, regulamentar, ou mesmo por referência a atos tributários anteriores (…)” (cf. Hugo Flores da Silva, O regime das invalidades e da revogação no novo CPA e o seu impacto no procedimento tributário, in Temas de Direito Tributário, 2017, Centro de Estudos Judiciários, p. 18).

b) Sobre a ilegitimidade da Requerente

Quando é cobrado imposto em violação do direito da União Europeia é entendido que subsiste a obrigação de restituí-lo ao sujeito passivo (SP), nos termos da lei e da jurisprudência da EU e nacional, salvaguardadas as situações de enriquecimento sem causa. Essa apreciação cabe na competência jurisdicional dos tribunais – entre os quais, do presente Tribunal Arbitral –, sublinhando posição do Supremo Tribunal Administrativo que a esse propósito afirmou: “Como dizem Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in CPTA e ETAF anotados, p. 440, “Excluída da competência dos tribunais administrativos encontra-se a declaração de inconstitucionalidade (material, orgânica ou formal) com força obrigatória geral de quaisquer normas administrativas, por se tratar de matéria constitucionalmente reservada ao Tribunal Constitucional (alínea a) do artigo 281.º da CRP). O que se permite aos tribunais administrativos é coisa diferente: é que, num processo que não tenha por objeto a declaração da ilegalidade com força obrigatória geral do regulamento, mas uma outra pretensão ou pedido, desapliquem o regulamento inconstitucional ou qualificadamente ilegal aos feitos submetidos a julgamento, é dizer, que julguem incidentalmente dessas questões e vícios regulamentares, com efeitos circunscritos ao processo em causa.” - cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21-01-2009, proferido no processo n.º 0811/08.

O pedido em apreciação consiste em saber se nos termos desses ordenamentos jurídicos, os restantes intervenientes nas operações comerciais e, em regra, os contribuintes consumidores finais a quem o imposto possa ter sido repercutido e que o possam ter suportado economicamente (lesados) têm o direito de exigir diretamente à Requerida/Estado a apreciação das respetivas liquidações e o reembolso do imposto indevidamente pago, caso seja provado ter sido acrescido ao preço de compra do bem/produto por eles adquirido.

As empresas petrolíferas, em regra, repercutem o ISP e, no caso a CSR, nos operadores a jusante. Enquanto impostos aplicados ao consumo, estes caracterizam-se pelo facto de o seu encargo financeiro poder ser repercutido - repercussão económica - nos intervenientes na atividade comercial, maxime, no consumidor final.

A legitimidade deve ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a administração tributária e as pessoas singulares ou coletivas e entidades equiparadas - têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem um interesse legalmente protegido. - cf. n.º 2 do art.º 1.º e art.º 65.º da LGT.

Nos termos da alínea a) do n.º 4 do art.º 18.º da LGT assiste o “direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias” a quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”. Nesse sentido, o CPPT contém uma norma específica sobre a legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” – cf. art.º 9.º do CPPT.

No caso da CSR alegadamente paga pela Requerente, enquanto alegada consumidora final, existe a demonstração de um interesse legalmente protegido e que merece a tutela do direito, porquanto é no contribuinte consumidor final que, em regra, recai o pagamento dos tributos indiretos.

Por fim, atenta a jurisprudência da UE, o “Tribunal de Justiça referiu expressamente a possibilidade de o comprador final poder exigir, directamente às autoridades nacionais, a restituição do montante do imposto indevido cujo encargo suportou. “ – cf. Acórdão Comateb e O (-192/95 a C-218/95, Colect., p. I-165, n.º 20) de 14 de Janeiro de 1997.”

A plena eficácia do direito de reparação e a proteção efetiva dos contribuintes ficaria manifestamente prejudicada perante uma interpretação restrita no sentido de apenas os SP (no caso de CSR) gozarem do direto de ação e de pedirem o reembolso ao Estado – art.ºs. 4.º a 12.º e 15.º a 20.º do CIEC, limitando-se formalmente a outros sujeitos da relação tributária a efetiva reparação dos prejuízos incorridos - os contribuintes que possam ter suportado efetivamente o imposto e ser objetivamente lesados (inclusive os únicos efetivamente lesados) pelos respetivos atos de liquidação.

Nesse sentido, aquele Tribunal afirma: “Por conseguinte, no caso em que um Estado-Membro tenha cobrado um imposto especial sobre o consumo em violação do direito da União e o sujeito passivo tiver repercutido este sobre o seu cliente, um direito a indemnização deste cliente contra o Estado não pode ser recusado com o fundamento de que é de excluir de antemão um nexo de causalidade directo entre a cobrança do imposto e o dano do cliente.” – cf. Proc. C-94/10, conclusões.

Termos em que a Requerente, na qualidade de consumidora (final) dos produtos sujeitos a ISP e, subsequentemente a CSR, a quem este imposto possa ter sido repercutido, é titular de um interesse legalmente protegido e, ipso facto, de legitimidade processual, enquanto forma de acesso à justiça e de proteção dos direitos e reparação dos prejuízos que possa ter suportado com o eventual pagamento da CSR, considerada em desconformidade com o direito da União.

Por sua vez, o invocado direito de acesso à justiça, em matéria tributária, através da jurisdição civil contra o SP, o qual se limitou a cumprir a lei vigente e que, em princípio, não obteve qualquer ganho, afigura-se que tal possibilidade seria difícil ou inexistente, na medida em que não ocorre nenhuma das situações previstas no artigo 476º do Código Civil. Observa-se que a repetição do indevido dependeria, ainda, do enriquecimento sem causa do SP, o qual, em regra, pode não ocorrer, porquanto entrega ao Estado o imposto nos casos em que o repercute no consumidor final.

Por fim, atento o princípio da efetividade, deve ser igualmente reconhecido ao consumidor final, em regra, o repercutido de impostos indiretos, o direito de reclamar diretamente junto da administração tributária os montantes de imposto indevidamente liquidados e alegadamente pagos, com os demais poderes de impugnação junto dos Tribunais, incluindo o presente Tribunal arbitral - cf. Acórdão do TJUE de 20 de outubro de 2011, Proc. C-94/10, no mesmo sentido Proc. N.º 790/2023-T.

Sobre a ilegitimidade substantiva arguida pela Requerida, reafirma-se o douto Acórdão do Proc. n.º 1049/2023-T, no sentido de não ser “possível considerar verificada liminarmente a inviabilidade da pretensão deduzida em juízo com base em meras alegações da parte contra quem vem deduzido o pedido, quando essa é a questão de fundo que carece de ser analisada em função do direito aplicável face aos factos que venham a ser dados como provados ou não provados. Nem a alegação aduzida pela Requerida poderá caracterizar uma exceção perentória.”

Igualmente, citando o mesmo Acórdão, “As exceções perentórias consistem na invocação de factos que, em face da lei substantiva, possam integrar uma causa impeditiva, extintiva ou modificativa do direito invocado pelo autor na ação e que assim determinem a improcedência total ou parcial do pedido. São impeditivos os factos que excluem ou impedem a eficácia do direito alegado (incapacidade, falta ou vícios de vontade), modificativos os que alteram a relação jurídica modificando a natureza da prestação ou as condições da sua exigibilidade (alteração das circunstâncias em que foi celebrado um contrato), extintivos os que fazem cessar o direito tornando inviável o respetivo exercício (caducidade, prescrição, cumprimento da obrigação).

Assim, o alegado quanto à legitimidade substantiva não integra a defesa por exceção e apenas poderá relevar em sede de apreciação do mérito. Igualmente “aplicável quanto à alegada inexistência de prova de efetiva repercussão da CSR por efeito da aquisição de combustíveis. Essa é matéria de prova que terá de ser analisada no âmbito da decisão arbitral e que não integra, em si, uma qualquer exceção perentória”. – cf. Proc. n.º 1049/2023-T.

Conclui-se, assim, que a Requerente detém capacidade processual ativa, é titular do direito subjetivo que se pretende tutelar e tem interesse na decisão arbitral.

c) Sobre a ineptidão da petição inicial

A ineptidão da petição inicial constitui nulidade insanável do processo judicial tributário, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 98.º CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, norma essa que não esclarece as situações que configuram essa ineptidão.

A título subsidiário (v. alínea e) do artigo 2.º do CPPT e alínea e) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT), o artigo 186.º do CPC apresenta-se como normativo aplicável e que rege esta matéria (v. neste sentido a decisão do Processo arbitral n.º 410/2024-T, de 13 de novembro de 2023).

No n.º 1 do artigo 186.º do CPC, indicam-se as seguintes situações de ineptidão da petição inicial:

a) quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;

b) quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;

c) quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

O n.º 3 desse artigo determina que “se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial”.

Em relação à identificação dos atos tributários, não tendo a Requerente a qualidade de sujeito passivo da CSR, não lhe é exigível que disponha das liquidações correspondentes, uma vez que não é o destinatário das mesmas, nem participou na sua emissão.

Essa exigência comprometeria a sindicabilidade dos atos tributários por repercutidos legais, ou, no caso de retenções na fonte, pelos substituídos, com a consequente contração do acesso ao direito, incompatível com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva e com o princípio da proporcionalidade (v. artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição).

Acresce que a não identificação desses atos tributários não impediu o exercício do contraditório pela Requerida, atento, ainda, o teor da extensa e circunstanciada resposta, claramente manifestou compreender o alcance da pretensão da Requerente e os argumentos que a alicerçam.

O pedido formulado é inteligível e idóneo ao meio processual (ação arbitral tributária) - “revogação do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão da liquidação de CSR sub judice respeitante ao exercício de 2019 a 2022 e […] ilegalidade das liquidações e pagamento da CSR repercutidas”- reconduzindo-se à declaração de ilegalidade (e consequente anulação) das liquidações de CSR.

Em relação a alegada contradição entre o pedido e a causa de pedir, essa também não existe, porquanto a Requerente não põe em causa a legalidade de emissão das faturas, nem pretende atingir o ato de repercussão tout cour, antes visa, no essencial, a declaração de ilegalidade e a anulação das liquidações de CSR subjacentes e a restituição do imposto que alega ter suportado por repercussão (v. Processo arbitral n.º 676/2023, de 12 de março de 2024 ).

Pelo exposto, entende-se não se verificar a ineptidão do pedido de pronúncia arbitral, não se verificando nenhuma das situações elencadas no artigo 186.º do CPC.

Compulsadas as peças processuais, verifica-se que a Requerente invoca os fundamentos sobre a ilegalidade da CSR, identifica factos tributários relacionados com putativo pagamento indevido de CSR, tendo presente factos tributários praticados por alegados SP e seus fornecedores de combustíveis rodoviários, através das respetivas faturas e de declaração dessas empresas fornecedoras da forma como considerou adequada, face aos elementos de prova na sua posse.

Esses são os factos suscetíveis de apreciação e passíveis de integrarem inerentes atos de repercussão e de pagamento indevido de imposto por parte do contribuinte efetivo (lesado) atentos anteriores atos de liquidação.

Apesar das insuficiências do PPA, pode considerar-se que se apresenta inteligível, contém o enquadramento jurídico do assunto, a indicação de operações comerciais/factos tributários, a indicação das empresas fornecedoras e de um SP do imposto, do iter temporal da prática desses factos tributários, bem como alega a natureza de contribuinte de facto lesado.

Todavia, como referido, o PPA apresenta outras insuficiências e contradições já antes aludidas e assinaladas pela Requerida.

O Pedido apresenta como causa de pedir: o indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa de liquidações; a anulação dessas liquidações contrárias ao direito da União; e a subsequente reparação de um prejuízo pelo pagamento de imposto por repercussão por parte do contribuinte de facto.

Por sua vez , o pedido efetivamente formulado ao Tribunal consiste em “Anular as liquidações de CSR subjacentes às facturas indicadas…”.

Observa-se que as liquidações de CSR (não identificadas) foram realizadas em momento anterior, entre o Estado/Requerida e o/s SP do imposto, mediante a introdução no consumo dos combustíveis, pelo que as referidas operações comerciais e factos tributários alegados não integram os referidos atos de liquidação, ou seja, as transações comerciais/factos tributários não integram os atos de liquidação de CSR, antes, eventuais atos de repercussão desse imposto, pelo que as faturas não são “subjacentes” a esses atos de liquidação, ou seja, essas faturas poderiam (ou não), antes, consubstanciar atos de repercussão e provar o efetivo pagamento de imposto pelo Requerente, caso fosse demonstrada a sua qualidade de contribuinte de facto.

Subsequentemente, caso essa factualidade fosse provada, o Tribunal teria competência para anular o ato de indeferimento tácito e as correspondentes liquidações CSR praticadas pela Requerida por erro imputável aos serviços com base nas DICs submetidas por parte dos SP do imposto.

Termos em que o pedido (PPA) apresenta alguma falta de consistência e deixa margem argumentativa para a Requerida invocar que não se coaduna com os fatos alegados e o seu fundamento – a causa de pedir-, suscetível de ser entendido como um vício formal, uma contradição e incompatibilidade lógica entre o que se pretende e os fatos alegados, não se verificando a exigível coerência lógica entre a causa de pedir e o pedido formulado.

Todavia, convém ter subjacente que é por referência aos factos, independentemente da qualificação jurídica que deles hajam feito as partes, que haverá de se indagar da concordância prática entre tais factos, enquanto causa de pedir e a concreta pretensão jurídica formulada. A atividade processual desenvolvida pelas partes deve ser aproveitada até ao limite, de modo a viabilizar uma decisão de mérito.

A contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora de ineptidão da petição inicial, só ocorre quando se verifique uma manifesta incompatibilidade formal entre o pedido e a causa de pedir reveladora de uma absoluta falta de nexo lógico, quando o pedido e a causa de pedir se neguem reciprocamente.

Por sua vez, o PPA foi interpretado pela Requerida como revela o teor da sua resposta – Cf. n.º 2 do art.º 78.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e art.º 186.º do Código de Processo Civil (CPC).

c) Sobre a caducidade

A Requerente invoca erro imputável aos serviços e anterior pedido de revisão oficiosa, a qual  pode ainda ser efetuada no prazo de quatro anos após a liquidação, contanto que o correspondente fundamento consista na existência de um erro imputável aos serviços, erro em sentido lato, resultante de violação da lei. Por outro, atento o disposto no n.º 7 daquela norma, o contribuinte manifestando um interessado legalmente protegido dispõe, igualmente, da possibilidade de pedir a revisão oficiosa – Cf. n.º 1, art.º 78.º da LGT.

O n.º 7 dessa norma ao dispor que “Interrompe o prazo da revisão oficiosa do ato tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.”, pressupõe e subentende a intervenção do contribuinte nesse procedimento e a iniciativa para a prática do correspondente ato poder advir do próprio contribuinte. – Cf. Proc. n.º 0886/14, Acórdão do STA, de 19 de novembro de 2014.

Os atos tributários controvertidos ocorreram entre junho de 2019 a dezembro de 2021, podendo a revisão oficiosa ser efetuada no prazo de quatro anos após a liquidação, contanto que o correspondente fundamento consista na existência de um erro imputável aos serviços.

A Requerente vem invocar uma ilegalidade abstrata e erro material imputável à Requerida, a qual compreende o erro de direito independente da culpa dos serviços, por forma à realização dos princípios constitucionais concretizados na LGT, designadamente quando essa lei preceitua que “A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade (…) no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários.” – Cf. art.º 55.º da LGT e Proc. n.º 0886/14 do STA citado e Proc. 01474/12, Acórdão de 5 de novembro de 2014.

Termos em que é entendido que uma ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços - Cf. acórdãos do STA de 22-03- 2011, proc. 01009/10; de 06/02/2002 proc. 26.690; de 05/06/2002 proc. 392/02; de 12/12/2001, proc. 26.233; de 16/01/2002 proc. 26.391; de 30/01/2002, proc. 26.231; de 20/03/2002, proc. 26.580; de 10/07/2002, proc. 26.668).

Perante a aplicação de disposições nacionais consideradas contrárias ao direito da União, uma interpretação restritiva da lei que apenas permitisse a revisão dos inerentes atos tributários controvertidos por iniciativa da administração, inviabilizaria a possibilidade de reação e reparação por parte de todos os contribuintes lesados, bem como não observaria os referidos princípios, nem permitia a realização da justiça enquanto fim último dessas normas.

Acresce estarmos no domínio de aplicação de um regime que se pretende que disponha de maiores garantias por parte dos contribuintes, quer nos meios, quer nos prazos de reação perante atos tributários ilegais por desconformidade com o direito da União – Diretiva 2008/118/CE (regime geral aplicável aos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo) de aplicação direta, sendo muitas vezes esse vício declarado muito tempo após a prática desses atos lesivos, os quais, enquanto atos inválidos e gravemente danosos, exigem que todos os lesados beneficiem de prazos de reação mais alargados e que a Administração esteja obrigada a corrigir e sanar esses atos.

A prosseguir a interpretação restritiva alegada pela Requerida, em tese, permitiria que AT tomasse conhecimento da ilegalidade de um determinado ato de liquidação e, no decurso do prazo de revisão fixado na última parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, por omissão de ação, mesmo após instada a agir, pudesse manter em vigor esse mesmo ato e não reconhecer os direitos dos contribuintes lesados.

Constitui, ainda, jurisprudência consolidada que “a Administração não pode demitir-se legalmente de tomar a iniciativa de revisão [oficiosa] do ato quando demandada para o fazer através de pedido dos interessados, já que tem o dever legal de decidir os pedidos destes, no domínio das suas atribuições” – Cf. STA 2 Sec., ac. de 29.05.2013, proc. 0140/13, acórdão do STA, 2 Sec., proc. 536/07, 20.11.2007, ambos citados no Proc. n.º 304/2022T, no mesmo sentido Proc. N.º 790/2023-T.

Em conclusão, sobre as exceções, em especial, de incompetência e ineptidão da petição, o Tribunal considerou que:

  • o Pedido que não tem por objeto a declaração da ilegalidade com força obrigatória geral das normas do regime da CSR, mas que essas normas não sejam aplicáveis aos factos em apreciação, ou seja, que sejam apreciadas com efeitos circunscritos ao processo em causa;
  • apesar da aparente inconsistência entre o pedido e a causa de pedir não existe uma situação de negação recíproca, ou seja, o pedido, a final, não assenta em premissas diametralmente opostas àquelas em que se fundou e partiu a petição da Requerente;
  • a alegada contradição entre o pedido e a causa de pedir não se pode confundir com a insuficiência de factos ou da prova para o reconhecimento do direito da Requerente e/ou com a improcedência da sua pretensão; e
  • na interpretação das peças processuais deve observar-se o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, pelo que o Tribunal deve extrair da redação dada ao pedido na petição inicial o sentido mais favorável aos interesses da peticionante.

2.- Sobre o mérito da causa – a ilegalidade das liquidações da CSR, o imposto alegadamente suportado, por repercussão, e montante pago.

A questão jurídica sub judice relaciona-se com a ilegalidade da liquidação da CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, por ser um tributo desconforme com o direito da União Europeia, nomeadamente, com o n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16/12/2008.

Por força do princípio do primado e da colaboração leal estabelecido no art.º 4.º do TUE, as decisões do TJUE devem ser adequadamente observadas, sendo a decisão sobre a CSR amplamente seguida em decisões sobre a ilegalidade das respetivas liquidações - Proc. C-460/21, do TJUE.

De acordo com o referido entendimento do TJUE, diversos sujeitos passivos de ISP/CSR e outros interessados, têm vindo a suscitar junto do CAAD a ilegalidade dos atos tributários e subsequente anulação das liquidações e o direito de reembolso do imposto indevidamente repercutido e pago, maxime, por consumidores finais.

Na sequência do referido Proc. C-460/21, do TJUE, a Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro veio alterar significativamente a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, consignando parcialmente a receita do ISP ao serviço rodoviário, antes financiado pela CSR, agora eliminada.

Em face declaração de ilegalidade da CSR pelo TJUE e os subsequentes pedidos de revisão dos atos de liquidação e pedido de reembolso, a Requerida não emitiu orientações para o reembolso da CSR, contrariamente à prática em outros EM na sequência da declaração de ilegalidade de tributos.

O pedido em apreciação consiste, desde logo, em saber se nos termos desses ordenamentos jurídicos, para além dos SP, o contribuinte de facto a quem o imposto possa ter sido repercutido e o possa ter suportado economicamente, tem o direito de exigir diretamente da Requerida a revisão dos atos de liquidação e o reembolso de imposto indevidamente pago, no caso, da CSR alegadamente repercutida no preço dos combustíveis adquiridos.

Na sequência da apreciação das exceções invocadas pela Requerida e do reconhecimento da legitimidade da Requerente, esta tem um interesse legalmente protegido e o direito de ação e de interpelar diretamente a Requerida, por forma à revisão de eventuais atos de liquidação de CSR, bem como a ser ressarcida de eventuais prejuízos decorrentes de um alegado pagamento indevido do imposto, caso seja confirmada a sua repercussão no preço dos produtos/combustíveis adquiridos.

As empresas petrolíferas, em regra, repercutem o ISP e, ao tempo, a CSR nos operadores a jusante, maxime, nos consumidores finais. Enquanto impostos aplicados ao consumo, estes caracterizam-se pelo facto de o seu encargo financeiro ser, em regra, repercutido nos restantes operadores da atividade comercial e, por último, no consumidor final.

Na sequência da liquidação de imposto em violação do direito da União Europeia, o TJUE tem entendido que subiste a obrigação de restituí-lo ao sujeito passivo (SP), nos termos da lei e da jurisprudência da EU e nacional, salvaguardando situações de enriquecimento sem causa – Cf. Proc. C 94/10, conclusões de 24 março de 2011.

A jurisprudência da UE afirma que compete aos órgãos jurisdicionais nacionais «apreciar, à luz das circunstâncias de cada caso concreto, se o encargo do imposto foi transferido no todo ou em parte pelo operador para outras pessoas e, se for esse o caso, se o reembolso ao operador constitui enriquecimento sem causa» - cf. Acórdão Comateb e Acórdão C-566/07, Stadeco e cfr. Proc. 02185/17.8BEPRT - TCAN

Atenta a jurisprudência, o “Tribunal de Justiça referiu expressamente a possibilidade de o comprador final poder exigir, directamente às autoridades nacionais, a restituição do montante do imposto indevido cujo encargo suportou “– Cf. Acórdão Comateb e O (-192/95 a C-218/95, Colect., p. I-165, n.º 20) de 14 de janeiro de 1997. “

Sublinha-se que nesse mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça referiu, contudo, que “a restituição ao sujeito passivo do montante do imposto, apesar de este o ter repercutido sobre o comprador, equivaleria para aquele a um pagamento em dobro susceptível de ser qualificado como enriquecimento sem causa, sem que, porém, sejam remediadas as consequências da ilegalidade do imposto para o comprador. O Tribunal de Justiça reconheceu, assim, que o imposto contrário ao direito da União pode atingir economicamente outra pessoa para além do sujeito passivo e que existe uma necessidade de devolver o montante do imposto ao património desta pessoa.” - Cf. Proc. C-94/10, conclusões, de 24 de março de 2011.

Nesse sentido, atentas as especificidades e casuísmo das respetivas operações comerciais, os elementos de prova são essenciais, inclusive, para determinar quem efetivamente suportou imposto e o quantum efetivamente pago, pelo que nas referidas conclusões afirma-se ainda: “A jurisprudência do Tribunal de Justiça, de acordo com a qual a questão da repercussão ou não de um imposto indirecto constitui uma questão de facto em cada caso concreto, na medida em que repercussão efectiva, total ou parcial, depende de vários factores próprios a cada transacção comercial” – Cf. Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard (331/85, 376/85 e 378/85, Comateb e o. (já referidos) e Weber’s Wine World e o. (C-147/01).

Assim, “a reparação dos prejuízos através do direito ao reembolso tem também, por fim, efeitos sobre a questão de saber como poderão ser eliminadas as consequências económicas para o comprador final do imposto cobrado em violação do direito da União.” – Cf. conclusões citadas.

Termos em que o direito de reembolso do consumidor final da CSR face ao Estado pode ser reconhecido por motivos de equivalência e efetividade – Cf. Acórdãos de 6 de outubro de 2005, MyTravel (C-291/03) e de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken (C-35/05).

Acresce que o reembolso e reparação do dano seria manifestamente mais difícil caso apenas se admitisse a possibilidade de o consumidor final pedir indemnização ao sujeito passivo, como suprarreferido em III, ponto 2.1. alínea b), pelo que o princípio da efetividade visa assegurar que o consumidor final se possa dirigir diretamente ao Estado para realizar os seus direitos e reparar os danos sofridos por pagamento de impostos ilegais.

Na falta de regulamentação, na EU ou interna, de natureza processual ou substantiva, para o reembolso de impostos cobrados em violação do direito da União Europeia, cabe aos Tribunais a decisão de cada caso sub judice.

Termos em que o princípio da efetividade se apresenta especialmente relevante no sentido de tornar efetiva a aplicação das normas jurídicas, bem como assegurar que os direitos, garantias e deveres estabelecidos pela legislação sejam realmente aplicados e produzam os resultados pretendidos – no caso a proteção de direitos e a reparação dos prejuízos sofridos pelos contribuintes lesados.

A plena eficácia do direito de reparação e a proteção efetiva dos contribuintes poderia ficar manifestamente prejudicada perante uma interpretação restrita no sentido de reconhecer apenas aos SP (no caso de CSR) o direito de pedirem o reembolso ao Estado (art.ºs. 4.º a 12.º e 15.º a 20.º do CIEC), limitando-se formalmente os titulares desse direito e impedindo-se a efetiva reparação dos prejuízos incorridos pelos contribuintes (de facto) objetiva e efetivamente lesados. Como referido, um imposto contrário ao direito da União (como a CSR) pode atingir economicamente outra pessoa para além do sujeito passivo e existe a necessidade de reparar o prejuízo e devolver o montante do imposto ao património dessa pessoa/contribuinte de facto. - Cf. Proc. C-94/10, conclusões, de 24 de março de 2011., como suprarreferido.

Nesse sentido, sublinha-se a jurisprudência do TJUE quando afirma: “Por conseguinte, no caso em que um Estado-Membro tenha cobrado um imposto especial sobre o consumo em violação do direito da União e o sujeito passivo tiver repercutido este sobre o seu cliente, um direito a indemnização deste cliente contra o Estado não pode ser recusado com o fundamento de que é de excluir de antemão um nexo de causalidade directo entre a cobrança do imposto e o dano do cliente.” – Cf. Proc. C-94/10, conclusões referidas.

No âmbito do reconhecimento do direito ao reembolso da CSR e de entre as diferentes interpretações possíveis dos regimes legais, deve privilegiar-se aquela que melhor concretize os direitos e garantias dos interessados. Esta é uma perspetiva essencial, ainda, para adequada realização do princípio do acesso à justiça, porquanto para os direitos serem efetivos torna-se essencial que se reconheça aos cidadãos contribuintes a legitimidade para reivindicá-los perante os Tribunais, em especial, perante atos ilegais de liquidação de impostos.

O contribuinte e/ou consumidor final que demonstre objetiva e claramente que a CRS foi repercutida no preço dos produtos que adquiriu e que suportou/pagou o respetivo imposto tem o direito de ser restituído do tributo indevidamente suportado, mediante o recurso aos meios de reação previstos na legislação tributária, incluindo junto da AT, de contestar diretamente os respetivos atos tributários – Vd. nesse sentido o acórdão do TJUE de 14 de janeiro de 1997, Société Comateb, Procs. apensos C-192/95 a C-218/95, ponto 24.

A apreciação das liquidações de CSR, enquanto imposto indireto, implica conhecer todos os factos tributários que deram origem à receita desse imposto. A CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos a ISP, materializando-se nos atos de comercialização e consumo desses produtos (introdução no consumo), sendo esses factos/acontecimentos que, de acordo com a lei, geram a obrigação tributária.

A liquidação de um tributo envolve diversos elementos fundamentais para sua correta execução, de entre os principais elementos da liquidação, tudo se inicia com o facto gerador, enquanto acontecimento da vida real previsto na lei que dá origem à obrigação tributária principal, ou seja, a obrigação de pagar o imposto. O conhecimento do fato gerador é o primeiro passo para a liquidação do imposto, pois define todos os elementos da respetiva relação jurídico-tributária.

O conhecimento preciso desse facto tributário, através dos respetivos elementos de suporte e de registo, revela-se essencial para verificar os direitos e as obrigações geradas, dos intervenientes na/s relação tributária e a conformação dos respetivos direitos e deveres.

Assim, no caso sub judice, de ilegalidade das liquidações de CRS e por forma à respetiva apreciação, reposição da legalidade e subsequente ressarcimento do contribuinte lesado, revela-se essencial conhecer quem efetivamente pagou o imposto (quantum) e em cada um dos diferentes atos comerciais ocorridos, desde o SP aos restantes operadores envolvidos, até ao consumidor final, por forma a determinar o montante de imposto efetivamente repercutido/suportado, pago e por quem.

O SP que entregou ao Estado o imposto indevidamente liquidado, em regra, é o titular do direito ao reembolso, caso não obtenha um benefício indevido pela repercussão face ao pagamento efetivo desse imposto pelo contribuinte de facto e/ou consumidor final – enriquecimento sem causa como referido.

Para esse efeito e no caso da CSR, a prova documental e objetiva da efetiva repercussão (total ou parcial) e do rigoroso montante do imposto pago por parte dos restantes operadores e/ou pelo contribuinte de facto, revela-se essencial para comprovar por quem o imposto, total ou parcialmente, foi efetivamente suportado e pago e o respetivo e exato valor.

Na apreciação das liquidações indevidas de CSR e o subsequente direito ao reembolso, reveste especial relevo o conhecimento preciso dos elementos, objetivos e subjetivos, que integraram os acontecimentos/factos tributários inerentes a essas liquidações. O rigoroso conhecimento desses elementos é essencial face à natureza do imposto indireto como a CSR, domínio em que se é essencial conhecer quem pagou efetivamente o imposto, por forma à adequada compreensão e apreciação das respetivas relações jurídico-tributárias e subsequentes direitos e deveres.

Perante uma repercussão fiscal/económica ou de facto (não uma repercussão legal, como no IVA) torna-se essencial a prova dessa efetiva repercussão e do respetivo montante de imposto repercutido (total ou parcial) e o valor exato pago, competindo à Requerente a apresentação dessa prova direta e objetiva, não podendo ser essa prova realizada através de presunções ou cálculos desacompanhados de outros elementos de prova que os sustentem– cf. art. 342.º do Código Civil.

“A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro, alheio à relação jurídica tributária, com quem aquele tem relações económicas. Nas palavras de alguns autores, o repercutido será um mero "contribuinte de facto" (titular da capacidade contributiva), por contraposição ao "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento do tributo. De acordo com a doutrina pode fazer-se a distinção entre a repercussão obrigatória ou legal, a qual encontra consagração, por exemplo, em sede de IVA, por contraposição à repercussão voluntária (…)” – Proc. 0581/17.0BEALM, acórdão STA de 28-10-2020.

A CSR é devida ao Estado pelos operadores de IEC com a natureza de SP, sendo desconhecidos os termos do contrato de fornecimento de combustível celebrado ou da relação comercial entre a Requerente e as empresas fornecedoras de combustíveis, designadamente a repercussão ou não da CSR e a sua incorporação (total ou parcial) no preço do combustível adquirido – o montante de imposto efetivamente pago.

Face à sua natureza de imposto objeto de repercussão legal pelo SP, o IVA encontra-se objetiva e claramente discriminado nas faturas. Atento o regime da CRS e a possibilidade desse imposto não ser repercutido (repercussão económica e não legal), o mesmo não é discriminado nas faturas/documentos de suporte emitidos, quer pelo SP, quer pelos restantes revendedores/operadores que intervêm nas transmissões desses bens/produtos até ao contribuinte efetivo – consumidor final.

Acresce que a “declaração” emitida em termos genéricos pelas empresas fornecedores, para além das insuficiências referidas, não identifica as DICs relativas a essas operações e respetivos atos de liquidação, nem são acompanhadas do tratamento contabilístico e fiscal das faturas emitidas que permitam verificar a existência de repercussão e o montante do imposto (parte ou a totalidade) repercutido no consumidor/Requerente, bem como inexistem no processo elementos que permitam esclarecer os termos das relações comerciais, por forma a permitir aferir e concluir sobre a natureza dessas operações e o tratamento fiscal para efeito de CSR, ou seja, sobre a efetiva repercussão económica (total ou parcial) no âmbito dessas operações comerciais verificadas ao longo da cadeia de operações comerciais de re/venda de combustíveis à Requerente.

Face aos frágeis e controvertidos elementos de prova, não se apresenta possível confirmar a factualidade invocada sobre o pagamento indevido da CSR e o respetivo montante, porquanto os documentos apresentados, quer na forma, quer no conteúdo, não se apresentam suficientes e adequados para aferir a natureza das operações e dos inerentes factos tributários realizados e para comprovar a efetiva repercussão e o montante de CSR pago pela Requerente. Acresce que não se verificam as situações previstas no art.º 344.º do CC.

Em anteriores decisões arbitrais, tem-se entendido que a prova da repercussão no contribuinte de facto e/ou consumidor final de impostos indiretos e do respetivo montante e do valor efetivamente pago, não pode ser efetuada através de meras presunções – cf. Proc. n.º: 304/2022-T, Proc. n.º 359/2023-T, Proc. n.º 452/2023-T e Proc. n.º 790/2023-T.

No sentido dessas posições, entende-se que a prova da repercussão do imposto (CSR), do seu montante (no todo ou em parte) e do pagamento invocada pelo contribuinte de facto, maxime, pelo consumidor final de combustível, deve ser objetiva e inequivocamente demonstrada por documentos que identifiquem claramente o montante de imposto efetivamente repercutido e pago, não podendo essa factualidade ser presumida, nem aceite, ainda, mediante mera “declaração” genérica emitida por fornecedor sem os requisitos declarativos, maxime, quando todos os intervenientes nos atos comerciais conhecem o conteúdo das suas relações comerciais e tributárias, encontrando-se legalmente obrigados a prestar informações rigorosas e a registar as respetivas operações/transações, quer para efeitos contabilísticos, quer para efeitos tributários- cf. Proc. n.º 790/2023-T.

E essa obrigação de informação existe e poderia ser obtida pela Requerente, maxime, junto da “C...” no âmbito das suas relações comerciais e contratuais, porquanto essa empresa, na qualidade de SP do imposto, reúne as condições para prestar as informações necessárias, completas e rigorosas à Requerente, a qual tem um interesse jurídico atendível nessas informações e nos registos detalhados e integrais, os quais igualmente devem suportar os elementos integrantes do preço cobrado, enquanto elementos essenciais para apreciar as putativas liquidações e repercussões de CSR controvertidas.

Acresce que a “declaração” que essa empresa emitiu (doc. 9) é inconsistente, genérica e não afirma ou esclarece, nem o tipo de repercussão (total ou parcial) nem o montante do imposto repercutido e alegado pela Requerente, porquanto em vez de ser clara e objetiva sobre o montante do imposto repercutido e pago, vem apenas afirmar: “(…) tendo sido recuperado, no todo em parte, nas subsequentes transmissões(…) ”, afastando, desde logo, a repercussão total do imposto alegada pela Requerente e a putativa aplicação do n.º 3 do art.º 342 do CC.

Por fim, recorda-se a jurisprudência do TJUE e o teor do Acórdão de 7 de fevereiro de 2022, Proc. C-460/21, ponto 44: "Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parciais ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos – Vd., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C‑147/01, EU:C:2003:533, n.º 96.

Termos em que não se considera realizada a prova dos elementos (qualitativos e quantitativos) essências sobre os factos e os atos tributários praticados, maxime, sobre o montante do imposto efetivamente repercutido e pago, ou seja, a Requerente não comprova o montante de CSR por si calculado e não documentado, no valor de € 27.939,78. Esses factos tributários: a repercussão total (ou parcial) e o valor do imposto efetivamente repercutido e pago, não se podem presumir.

A prova de um facto positivo – da repercussão (parcial ou total) da CSR e o montante do imposto efetivamente pago - impende sobre quem o invoca – a Requerente -, por forma a comprovar a qualidade de entidade repercutida, contribuinte de facto lesado e respetivo montante (quantum) pago, no âmbito da relação jurídico-tributária da CSR – cf. art.º 342 do CC.

VI - Decisão

Termos em que o Tribunal Arbitral Singular decide:

- Declarar improcedentes as exceções invocadas pela Requerida.

- Declarar improcedente o pedido arbitral e manter na ordem jurídica os atos de liquidação de CSR, bem como a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.

- Declarar prejudicado o conhecimento do pedido de restituição/reembolso e de juros indemnizatórios.

- Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

 

VIII - Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 27.939,78, em conformidade com o disposto, na al. a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e Processo Tributário e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 306.º do Código de Processo Civil, aplicáveis por força das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

XIX - Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.530,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente dada a improcedência do pedido, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 12.º e no n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT.

Registe-se e notifique-se.

Lisboa, 09 de outubro de 2024.

 

O Tribunal Arbitral Singular,

 

 

 

(Vítor M.R. Braz)