Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 838/2023-T
Data da decisão: 2024-10-07  IRC IRS  
Valor do pedido: € 58.056,17
Tema: IRC — Inspeção tributária — Prazo de duração máxima da ação inspetiva — Exercício do direito de participação procedimental — Erro na quantificação do tributo.
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DECISÃO ARBITRAL

 

— I —

            A..., LDA., contribuinte fiscal n.º ..., com sede na ...,  ..., ..., ... (doravante a “requerente”), veio deduzir pedido de pronún­cia arbitral tributária contra a AUTO­RI­DADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (dora­vante “a AT” ou “a requerida”), peticionando a declaração da ilegalidade do ato de liquida­ção de IRC relativo ao ano de 2018 (Liquidação n.º 2022-...) e do ato de liquidação de retenções da fonte de IRS relativas ao ano de 2018 (Liquidação n.º 2022-...), bem como das correspondentes liquidações de juros compensatórios e do despa­cho de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra estes atos tributários.

Para tanto alegou, em síntese, que foi alvo de uma ação inspetiva iniciada em 21-09-2020, que viu o seu prazo alargado por duas vezes, devendo assim ter terminado 21-10-2021; que, porém, o relatório final da referida inspeção apenas foi assinado em 10-11-2022 e despa­chado em 11-11-2022, já após o decurso do prazo de conclusão do mesmo; que as referidas pror­rogações foram decididas sem qualquer fundamento legal, gerando assim a nulidade de tais decisões; que, também no decurso da referida ação inspetiva, foi preterido o direito de parti­­cipação procedimental da requerente, na medida em que a correspondência que lhe fora dirigi­da com esse fim foi devolvida pelo operador do serviço postal sem que, ao contrário do que sucedera em anteriores casos de devolução, os serviços inspetivos terem tomado qualquer inicia­tiva para sanar a situação; que no relatório da ação inspetiva não houve o cuidado de apu­rar se as despesas apresentadas e registadas na contabilidade estariam ou não relacionados com o acompanhamento médico permanente assegurado pelo gerente da requerente aos seus pacien­tes e utentes das respetivas clínicas; que, não obstante, o relatório inspetivo descon­si­de­rou como custos várias despesas efetivamente relacionadas com a atividade da requerente sem ter procedido a uma análise casuística das mesmas, gerando assim vício de errónea quanti­fica­ção do tributo; finalmente, que também a liquidação de retenções de IRS padece igualmente de vício de errónea quantificação do tributo.

Concluiu peticionando a declaração da ilegalidade e anulação parcial dos atos de liqui­da­ção em crise na presente arbitragem bem como das correspondentes liquidações de juros com­pen­satórios e do despacho que indeferiu parcialmente a reclamação graciosa deduzida contra aqueles atos tributários.

Juntou documentos e procuração forense, declarando não pretender proceder à desig­na­ção de árbitro. Atribuiu à causa o valor de EUR 58.056,17 e procedeu ao pagamento da taxa de arbitragem inicial.

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            Constituído o Tribunal Arbitral, nos termos legais e regulamentares aplicá­veis, foi deter­minada a notificação da administração tributária requerida para os efeitos previstos no art. 17.º do RJAT.

            Depois de devidamente notificada, a requerida veio apresentar resposta defendendo-se por impugnação, sustentando, em síntese, que as duas prorrogações do prazo de duração máxima da ação inspetiva estão suficientemente fundamentadas e justificadas nos corres­pon­den­tes despachos, os quais foram tempestivamente notificados à requerente, pelo que foram inte­gralmente respeitados os prazos estabelecidos no art. 36.º. do RCPITA; que a notificação para o exercício do direito de participação procedimental foi remetida para a sede da reque­ren­te através de registo postal, o qual porém foi devolvido pelo operador de serviços postais com a menção de “Desconhecido [e] Endereço insuficiente”, pelo que tal notificação se deve consi­derar como validamente realizada nos termos legalmente previstos; que as correções efe­tua­das ao rendimento tributável da requerente não merecem qualquer reparo ou censura por terem respeitado os critérios legais aplicáveis; finalmente, que as correções tributárias rela­tivas aos gastos da requerente tiveram consequências ao nível da retenção na fonte, uma vez que os gastos desconsiderados foram qualificados como adiantamentos por conta de lucros.

            Concluiu pela improcedência do pedido e sua consequente absolvição. Juntou um despacho de nomeação de mandatários forenses, um documento e a cópia eletrónica dos processos administrativos.

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            Em 09-04-2024 teve lugar a realização da reunião a que se refere o art. 18.º do RJAT, no âmbito da qual houve ainda lugar à produção de prova testemunhal.

            Seguidamente, e na sequência de despacho, foram as partes convidadas a produzir ale­ga­ções escritas sobre a matéria de facto e de direito, tendo ambas procedido à apresentação das mesmas, nas quais mantiveram no essencial as posições já anteriormente sufragadas nos arti­cu­lados da causa. A requerente procedeu ainda ao pagamento do remanescente da taxa de arbitragem.

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            Por despacho de 22-07-2024 foi determinada a prorrogação, por dois meses, do prazo de duração máxima da presente arbitragem.

 

 

— II —

Ambas as partes gozam de personalidade judiciária e capacidade judiciária, têm legitimidade ad causam e estão devidamente patrocinadas nos autos.

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            Nos termos do art. 97.º-A do CPPT, o valor atendível, para efeitos de custas, quando se impugne um ato de liquidação será o da importância cuja anulação se pretende.

            Ora, o valor que a requerente atribuiu à presente arbitragem, tendo presente o regime legal aplicável, foi de EUR 58.056,17, valor que não foi objeto de impugnação por parte da requerida e que, de resto, corresponde ao valor decorrente do referido preceito legal.

            Fixa-se assim à presente arbitragem o valor de EUR 58.056,17.

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Fixado que está o valor da causa e uma vez que a requerente optou por não proceder à desig­nação de árbitro, dispõe o presente Tribunal Arbitral Singular de competência funcional e de competência em razão do valor para conhecer da presente arbitragem (art. 5.º, n.º 2, do RJAT).

Há também que concluir pela competência do presente Tribunal em razão da matéria por força do art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT e da vinculação à arbitragem tributária instituciona­lizada do CAAD por parte da administração tributária requerida, tal como resulta da Portaria n.º 112-A/2011.

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            Devidamente saneados os presentes autos, resulta assim que as questões de que importa nestes conhecer são então:

— vício de procedimento decorrente de preterição do direito de participação pro­ce­­dimental;

— vício de procedimento decorrente da ilegalidade das decisões de prorro­ga­ção do prazo máximo de duração da ação inspetiva;

— vício de procedimento decorrente do incumprimento do prazo máximo de du­ra­ção da ação inspetiva;

— vício de violação de lei decorrente de errónea determinação do tributo quan­to á liquidação de IRC;

— vício de violação de lei decorrente de errónea determinação do tributo quan­to à liquidação de retenções na fonte em sede de IRS.

 

 

— III—

FACTOS PROVADOS:

            Com relevância para o conhecimento das questões decidendas nos presentes autos considero provados os seguintes factos:

  1. Por despacho de 06-07-2021 da Chefe de Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Viana do Castelo, exarado sob a ordem de serviço n.º OI2021..., foi determinada a instauração de uma ação inspetiva externa à requerente, de âmbito parcial (IRC) e referente ao exercício de 2018, sendo credenciada como responsável pela prática dos atos de inspeção a inspetora tributária B... [fls. 9 do PA-IT]
  2. Em 06-07-2021 os serviços de inspeção tributária expediram uma carta-aviso dirigida à sede social da requerente que foi remetida em 16-07-2021 sob o registo postal n.º RH...PT [fls. 1-2 do PA-IT]
  3. Em 19-07-2021 a carta-aviso referida em B. foi devolvida ao remetente com a menção de “Desconhecido” [fls. 3-4 do PA-IT].
  4. Em 23-07-2021 os serviços de inspeção tributária expediram uma carta-aviso dirigida à sede social da requerente que foi remetida nessa mesma data sob o registo postal n.º RH...PT [fls. 5-6 do PA-IT]
  5. Em 26-07-2021 a carta-aviso referida em D. foi devolvida ao remetente com a menção de “Desconhecido” [fls. 7-8 do PA-IT]
  6. Na sequência da devolução referida em E. a inspetora tributária B... contactou telefonicamente o contabilista certificado da requerente, tendo agendando uma reunião com este e com o sócio-gerente da requerente nas instalações da Clínica ..., em ... .
  7. Em 21-09-2021 a ordem de serviço n.º OI2021... foi notificada pessoal­men­te ao sócio-gerente da requerente nas instalações da Clínica ...[fls. 9 do PA-IT]
  8. Em 08-11-2021 a inspetora tributária B... propôs su­pe­riormente a ampliação do âmbito da ação inspetiva referida em A. do âm­bi­to parcial de IRC para âmbito parcial de IRC e IRS (retenções na fon­te) [fls. 10-11 do PA-IT].
  9. Em 08-11-2021 o Diretor de Finanças de Viana do Castelo exarou sobre a proposta referida em H. o despacho do seguinte teor: “Concordo [§] Proceda-se como proposto” [fls. 10 do PA-IT]
  10. Em 02-12-2021 os serviços de inspeção tributária procederam à notificação do despacho referido em I. através do ofício n.º ... dirigido à sede social da requerente e remetido nessa mesma data sob o registo postal n.º RH...PT [fls. 13-14 do PA-IT]
  11. Em data não concretamente apurada de dezembro de 2021 o objeto postal referido em J. foi devolvido ao remetente com a menção de “Endereço insuficiente” [fls. 15-16 do PA-IT]
  12. Em 13-12-2021 a inspetora tributária B... remeteu ao sócio-gerente da requerente um correio eletrónico com o seguinte teor: “Em virtude de ter sido devolvida a notificação postal referente ao alargamento do âmbito da ação inspetiva credenciada pela OI2021..., junto envio a mesma para conhecimento” [fls. 17 do PA-IT]
  13. Em 14-12-2021 o sócio-gerente da requerente respondeu ao correio eletrónico referido em L. com um correio eletrónico do seguinte teor: “Notificação recebida” [fls. 17 do PA-IT]
  14. Em 11-01-2022 a inspetora tributária B... notificou pessoalmente o sócio-gerente da requerente para, no prazo de 15 dias apresentar diversos documentos e prestar esclarecimentos no âmbito da ação inspetiva referida em A. [fls. 433-436 do PA-IT]
  15. Em 18-01-2022 o diretor financeiro da sociedade que gira sob a marca “Cosmos Viagens” dirigiu um correio eletrónico à Direção de Finanças de Viana do Castelo e à inspetora tributária B... com o assunto “V/Ofício n.º ... – Refª OI2021...” [fls. 456 do PA-IT].
  16. Em 03-02-2022 um responsável dos recursos humanos do Hospital ... dirigiu um correio eletrónico à Direção de Finanças de Viana do Cas­telo, com o assunto “Resposta ao Pedido de Elementos – Ofício n.º ... / Ref. OI2021...” [fls. 246-248 do PA-IT]
  17. Em 04-02-2022 uma funcionária do Hospital...– Porto dirigiu um correio eletrónico à inspetora tributária B... com o assunto “Ofício n.º ...” [fls. 249-250 do PA-IT]
  18. Em 15-02-2022 um funcionário da sociedade que gira sob a marca C... dirigiu um correio eletrónico à inspetora tributária B... com o assunto “V/Ref.ª OI2021...” [fls. 251 do PA-IT]
  19. Em 23-02-2022 a inspetora tributária B... elaborou uma informação/proposta do seguinte teor [fls. 18-19 do PA-IT]:

[…]

3) Após análise dos elementos de contabilidade apresentados, em 2022.01.11, notificamos o sujeito passivo na pessoa do seu sócio-gerente, para apresentar informações e esclarecimentos de várias situações, tendo-se estabelecido o prazo de 15 (quinze) para apresentação dos mesmos. A resposta foi rececionada, via Email, a 2022.02.03.

4) Nessa sequência, tornou-se necessário notificar entidades terceiras, não pertencentes à Unidade Orgânica de Viana do Castelo, ao abrigo dos 59º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigos 28º e 29º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), tendo sido remetidas, via postal, em 2022.02.01 e 2022.02.08, as correspondentes notificações solicitando as informações consideradas pertinentes, encontrando-nos a aguardar resposta por parte de uma das entidades envolvidas.

5) Considerando o atrás descrito e, ainda, a eventual necessidade de realizar novas diligências em resultado de o sujeito passivo apresentar novos factos durante a audição prévia, propõe-se o alargamento do prazo de conclusão previsto no n.º 2 do artigo 36º do RCPITA, do presente procedimento inspetivo, para um período de 3 meses, dado que se encontram reunidas as condições da alínea a) do n.º 3 do citado artigo.

[…]

 

  1. Em 25-02-2021 o Diretor de Finanças de Viana do Castelo exarou sobre a proposta referida em S. o despacho do seguinte teor: “Concordo [§] Proceda-se como proposto” [fls. 18 do PA-IT]
  2. Em 04-03-2022 os serviços de inspeção tributária procederam à notificação do despacho referido em T. através do ofício n.º ... dirigido à sede social da requerente e remetido nessa mesma data sob o registo postal n.º RH...PT [fls. 20-21 do PA-IT]
  3. Em 07-03-2022 o objeto postal referido em U. foi devolvido ao remetente com a menção de “Endereço insuficiente” [fls. 22-23 do PA-IT]
  4. Em 15-03-2022 a inspetora tributária B... remeteu ao sócio-gerente da requerente um correio eletrónico com o seguinte teor: “Em anexo envio correspondência devolvida, para conhecimento do teor da mesma” [fls. 24 do PA-IT]
  5. Em 16-03-2022 o sócio-gerente da requerente respondeu ao correio eletrónico referido em W. com um correio eletrónico do seguinte teor: “Acuso a recepção do seu email” [fls. 24 do PA-IT]
  6. Em 30-05-2022 a inspetora tributária B... elaborou uma informação/proposta do seguinte teor [fls. 25-26 do PA-IT]:

[…]

3) Após análise dos elementos de contabilidade apresentados, em 2022.01.11, notificamos o sujeito passivo na pessoa do seu sócio-gerente, para apresentar informações e esclarecimentos de várias situações, tendo-se estabelecido o prazo de 15 (quinze) para apresentação dos mesmos. A resposta foi rececionada, via Email, a 2022.02.03.

4) Nessa sequência, tornou-se necessário notificar entidades terceiras, não pertencentes à Unidade Orgânica de Viana do Castelo, ao abrigo dos 59º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigos 28º e 29º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), tendo sido remetidas, via postal, em 2022.02.01 e 2022.02.08, as correspondentes notificações solicitando as informações consideradas pertinentes.

5) Considerando o atrás descrito e, ainda, a eventual necessidade de realizar novas diligências em resultado de o sujeito passivo apresentar novos factos durante a audição prévia, propõe-se o alargamento do prazo de conclusão previsto no n.º 2 do artigo 36º do RCPITA, do presente procedimento inspetivo, para um período de 3 meses, dado que se encontram reunidas as condições da alínea a) do n.º 3 do citado artigo.

[…]

 

  1. Em 31-05-2022 o Diretor de Finanças de Viana do Castelo exarou sobre a proposta referida em Y. o despacho do seguinte teor: “Concordo [§] Proceda-se como proposto” [fls. 25 do PA-IT]
  2. Em 02-06-2022 os serviços de inspeção tributária procederam à notificação do despacho referido em Z. através do ofício n.º ... dirigido à sede social da requerente e remetido nessa mesma data sob o registo postal n.º RH...PT [fls. 27-28 do PA-IT]
  3. Em 03-06-2022 o objeto postal referido em AA. foi devolvido ao remetente com a menção de “Mudou-se” [fls. 22-23 do PA-IT]
  4. Em 15-03-2022 a inspetora tributária B... remeteu ao sócio-gerente da requerente um correio eletrónico com o seguinte teor: “Em anexo envio correspondência devolvida, para conhecimento do teor da mesma” [fls. 24 do PA-IT]
  5. Em 16-03-2022 o sócio-gerente da requerente respondeu ao correio eletrónico referido em CC. com um correio eletrónico do seguinte teor: “Acuso a recepção do seu email” [fls. 24 do PA-IT]
  6. Em 18-10-2022 a inspetora tributária B... elaborou o projeto de relatório de inspeção tributária relativo à ação inspetiva referida em A., de fls. 31-324 do PA-IT e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
  7. Em 19-10-2022 a Chefe de Divisão de Inspeção Tributária exarou sobre o projeto referido em EE. o seguinte despacho: “Concordo [§] Notifique-se nos termos propostos” [fls. 31 do PA-IT].
  8. Em 21-10-2022 a inspetora tributária B... remeteu ao sócio-gerente da requerente um correio eletrónico com o seguinte teor: “Tendo em vista o recebimento da notificação e projeto de relatório da inspeção tributária a coberto da OI2021..., informo que a breve prazo será expedida correspondência para o endereço respeitante à sede fiscal da A... LDA, NIPC..., sendo provável a sua entrega no início da próxima semana” [fls. 327 do PA-IT]
  9. Em 21-10-2022 os serviços de inspeção tributária procederam à notificação do projeto de relatório referido em EE. através do ofício n.º ... dirigido à sede social da requerente e remetido nessa mesma data sob o registo postal n.º RH...PT [fls. 325-326 do PA-IT]
  10. Em 23-10-2022 o objeto postal referido em HH. foi devolvido ao remetente com as menções de “Desconhecido” e “Endereço insuficiente” [fls. 331-332 do PA-IT]
  11. Em 08-11-2022 a inspetora tributária B... elaborou o relatório definitivo de inspeção tributária relativo à ação inspetiva referida em A., de fls. 333-625 do PA-IT e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
  12. Em 08-11-2022 os inspetores tributários B... e D... elaboraram a nota de diligência n.º ... relativa à ação inspetiva referida em A. [fls. 630 do PA-IT].
  13. Em 11-11-2022 o Diretor de Finanças de Viana do Castelo exarou sobre o relatório referido em JJ. o seguinte despacho: “Concordo [§] Proceda-se como proposto” [fls. 333 do PA-IT].
  14. Os serviços de inspeção tributária procederam à notificação do relatório definitivo e despacho referidos em JJ. e LL. através do ofício n.º..., datado de 08-11-2022, dirigido à sede social da requerente e remetido em 11-11-2022 sob o registo postal n.º RH...PT [fls. 626-627 do PA-IT]
  15. Em 11-11-2022 os serviços de inspeção tributária procederam à notificação da nota de diligência referida em KK. através do ofício n.º ... dirigido à sede social da requerente e remetido nessa mesma data sob o registo postal n.º RH...PT [fls. 631-632 do PA-IT]
  16. Em 14-11-2022 o objeto postal referido em MM. foi devolvido ao remetente com as menções de “Desconhecido” e “Endereço insuficiente” [fls. 629 do PA-IT]
  17. Em 14-11-2022 o objeto postal referido em NN. foi devolvido ao remetente com as menções de “Desconhecido” e “Endereço insuficiente” [fls. 633 do PA-IT]
  18. Em 16-12-2022 o contabilista certificado da requerente respondeu ao correio eletrónico referido em GG. com um correio eletrónico dirigido à inspetora tributária B... do seguinte teor: “Uma vez que não recebi o relatório da inspeção tributária a coberto da OI2021..., será possível enviar o mesmo por email.” (documento n.º 1 anexo à ata da audiência final).
  19. Em 16-12-2022 a inspetora tributária B... expediu recibo de leitura do correio eletrónico referido em QQ. (documento n.º 2 anexo à ata da audiência final).
  20. Em contacto telefónico ocorrido nesse mesmo dia 16-12-2022 a inspetora tributária B... comunicou ao contabilista certificado da requerente que não iria aceder ao solicitado no correio eletrónico referido em QQ.
  21. Em 21-11-2022 a requerida emitiu, no confronto da requerente, a Liquidação de IRC n.º 2022-... do seguinte teor (doc. junto pela requerente em 21-03-2024):

 

 

  1. Em data não concretamente apurado do mês de novembro de 2022 a requerida emitiu, no confronto da requerente e por referência ao ato de liquidação referido em TT., a Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2022-...do seguinte teor (doc. junto pela requerente em 21-03-2024):

 

  1. Em 23-11-2022 a requerida emitiu, no confronto da requerente, a Demonstração de Acerto de Contas n.º 2022-... e correspondente nota de cobrança da qual resultavam, depois de se proceder à compensação com os montantes pagos a título de IRC ao abrigo de precedentes atos de liquidação, o montante total de imposto e juros compensatórios a pagar de EUR 23.247,19 (doc. n.º 1 junto com a p.i.).
  2. Em 18-11-2022 a requerida emitiu, no confronto da requerente, a Liquidação de Retenções na Fonte de IRS n.º 2022-... e correspondente nota de cobrança do seguinte teor (doc. n.º 3 junto com a p.i.):

 

 

  1. Os atos referidos em TT. a WW. foram notificados à requerente pelo sistema de notificações eletrónicas [docs. n.os 1 e 3 junto com a p.i. e docs. junto pela requerente em 21-03-2024]
  2. Em 14-01-2023 a requerente procedeu ao pagamento das notas de cobrança referida em VV. e WW. (doc. n.º 2 junto com a p.i. e fls. 29 do PA-RG)
  3. Mediante requerimento expedido por correio em 05-05-2023 sob o registo postal n.º RL...PT remetido ao Serviço de Finanças de Ponte de Lima, a requerente deduziu reclamação graciosa contra os atos tributários referidos em TT., UU. e WW., que veio a ser autuada sob o n.º ...2023... (fls. 1-299 do PA-RG)
  4. Através do ofício n.º ... expedido por correio em 22-06-2023 sob o registo postal n.º RH...PT o Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Viana do Castelo solicitou da requerente, no âmbito do procedimento referido em ZZ., a prestação de esclarecimentos complementares e o envio de elementos adicionais (fls. 302-303 do PA-RG)
  5. Em 06-07-2023 a mandatária da requerente remeteu à Divisão de Justiça Tributária um correio eletrónico em resposta à notificação referida em AAA. (fls. 308 do PA-RG)
  6. Em 12-07-2023 a técnica tributária E... elaborou, no procedimento de reclamação graciosa referido em ZZ., informação projetando uma decisão de deferimento parcial, de fls. 326-337 do PA-RG e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
  7. Em 13-07-2023 o Diretor de Finanças de Viana do Castelo exarou sobre o projeto referido em CCC. o seguinte despacho: “Concordo. [§] Presente os fundamentos e a argumentação invocada na informação antecedente, projeto decisão de DEFERIMENTO PARCIAL, em conformidade com o que vem proposto. [§] Contudo, conforme o art. 60º da LGT, proceda-se à notificação para efeitos do exercício do direito de audição.” [fls. 326 do PA-RG].
  8. Em 17-07-2023 os serviços de justiça tributária procederam à notificação do projeto de decisão referido em CCC. à mandatária da requerente através do ofício n.º 2023... remetido nessa mesma data sob o registo postal n.º RH...PT [fls. 338-339do PA-RG]
  9. Mediante requerimento expedido por correio em data não concretamente apurada sob o registo postal n.º RF...PT a mandatária da requerente exerceu o direito de audiência prévia em relação ao projeto de decisão referido em CCC. (fls. 343-435 do PA-RG)
  10. Em 18-008-2023 a técnica tributária E... elaborou, no procedimento de reclamação graciosa referido em ZZ., proposta de decisão final no sentido de deferimento parcial, de fls. 436-449 do PA-RG e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
  11. Em 19-08-2023 o Diretor de Finanças de Viana do Castelo exarou sobre o projeto referido em GGG. o seguinte despacho: “Concordo. [§] Presente os fundamentos e a argumentação invocada na informação antecedente e a análise do exercício do direito de audição, decido manter a decisão projetada, pelo que, converto o meu projeto de decisão de DEFERIMENTO PARCIAL em decisão final. [§] Notifique-se.” [fls. 436 do PA-RG].
  12. Em 21-08-2023 os serviços de justiça tributária procederam à notificação do despacho referido em HHH. à mandatária da requerente através do ofício n.º 2023... remetido nessa mesma data sob o registo postal n.º RH...PT [fls. 451-453 do PA-RG]
  13. A notificação referida em III. teve lugar em 24-10-2023.
  14. A presente arbitragem teve início com a apresentação eletrónica da petição inicial na plataforma eletrónica do CAAD em 22-11-2023.

 

 

FACTOS NÃO PROVADOS:

            Da factualidade alegada, ou daquela que cumprisse ao Tribunal conhecer oficiosamen­te, consideram-se como não provado o seguinte facto:

— Que à data de 23-02-2021 existisse, no âmbito da ação inspetiva referida em A. do probatório, algum pedido de informação dirigido a entidades terceiras que ainda não tivesse sido respondido.

 

 

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:

            Os factos dados como provados nos pontos A. a E., G. a RR. e TT. a III. do probatório resultam demonstrados pela prova documental constante dos Processos Administrativos instrutores relativos à ação de inspeção tributária (identificado como “PA-IT”) e ao procedimento de reclamação graciosa (identificado como “PA-RG”), ambos juntos pela requerida, e bem assim dos documentos juntos pela requerente. Em qualquer dos casos, o suporte documental que concretamente serviu de motivação ao juízo probatório relativo a cada um dos refe­ri­dos factos consta das correspondentes folhas mencionadas especifica­da­mente em cada um dos sobreditos pontos do probatório.

Por seu turno o facto F. do probatório resulta demonstrado pelo depoimento das testemunhas F... e B... . Com efeito, ambas são coincidentes em referir no decurso dos seus depoimentos que, em face da frustração das tentativas de notificação à requerente por via postal do início da ação inspetiva, a responsável pela prática dos atos de inspeção (a própria testemunha B...) tomou a iniciativa de contactar telefonica­mente o contabilista certificado da requerente e de agendar, de comum acordo, uma data e local para efetuar a notificação pessoal da requerente, a qual efetivamente veio a realizar-se nas instalações da Clínica ... (como ficou vertido no facto G. do probatório).

            Já o facto SS. ficou demonstrado pelo depoimento da testemunha F..., conta­bi­lis­ta certificado da requerente. Com efeito, do seu depoimento resulta bem patente a preocupação e apreensão da requerente pelas constantes dificuldades na receção das comunicações postais que lhe eram dirigidas pelos serviços de inspeção tributária (e que estão refletidas no probatório), revelando-se como natural, e portanto conforme às regras da experiência, a iniciativa de solicitar esclarecimentos face a uma pré-anunciada notificação que não chega a materializar-se (e que, sabe-se agora, tinha também sido devolvida ao remetente pelo operador dos serviços postais). Para além de resultar do depoimento da referida testemunha, a recusa da responsável pela prática dos atos de inspeção em aceder ao pedido do contabilista da requerente resulta também confirmada pelo depoimento da própria B..., no decurso do qual acabou por reconhecer não ter acedido à mencionada solicitação.

            O facto JJJ. foi dado como provado por força da presunção legal prevista no art. 39.º, n.º 1, do CPTT: provada que está a expedição da notificação por via postal registada (facto III. do probatório), e uma vez que não foi feita qualquer prova que pudesse abalar o facto legalmente presumido, há que considerar que tal notificação se realizou no terceiro dia posterior ao do registo postal. Já o facto KKK. resulta demonstrado pela consulta à ficha do processo na plataforma informática em uso no CAAD.

            Quanto ao facto dado como não provado, tal resulta desde logo da ausência de qualquer prova documental bastante que constasse dos autos do correspondente Processo Administrativo. Com efeito, e ao arrepio das mais elementares boas práticas administrativas e dos próprios requisitos legais em matéria de organização e integridade da documentação da atividade administrativa (cfr. art. 64.º, n.º 4, do CPA), não consta do PA junto aos autos, apesar de devidamente numerado e paginado, qualquer comprovativo da expedição de notificações remetidas a entidades terceiras solicitando a sua colaboração com a ação inspetiva. É percetível, a partir das respostas recebidas (essas já incorporadas no PA), que foram efetivamente dirigidas comunicações a terceiros no decurso da inspeção, mas incom­pre­ensivelmente (e, acrescente-se, de forma ilegal) a expedição dessas comu­ni­cações não está minimamente documentada no PA, como deveria impreterivelmente estar. Isso mesmo, de resto, foi confirmado pelo depoimento da testemunha B..., que foi a inspetora responsável pela prática dos atos de inspeção no procedimento tributário a quo. Como termo de comparação veja-se como o PA do procedimento de reclamação graciosa (organizado pelos serviços de justiça tributária) não padece das graves falhas de integridade da documentação patenteadas pelo PA da ação inspetiva, estando devidamente organizado e dele constando, de forma sequencial e cronológica, a integralidade das comunicações expedidas e recebidas no decurso da tramitação procedimental.

Compulsados os autos do PA é possível estabelecer por via indireta e indiciaria­mente, pelo menos, quatro pedidos de colaboração dirigidos a entidades terceiras e que foram respondidos, respetivamente, a 18-01-2022 (facto O. do probatório), 03-02-2022 (facto P. do probatório), 04-02-2022 (facto Q. do probatório) e em 15-05-2022 (facto R. do probatório). Estes factos consentem, com razoabilidade e segundo princípios lógicos e de acordo com as regras da experiência, a conclusão de que ficou por demonstrar probatoriamente que em 23-02-2021 (data em que foi apresentada a primeira proposta de prorrogação do prazo de duração da ação inspetiva) o procedimento estivesse a aguardar pela resposta a algum pedido de colaboração dirigido a entidades terceiras, tanto mais que, após essa data, não se vislumbra no PA evidência de qualquer outra resposta remetida por terceiros ou, de resto, qualquer outra atividade procedimental de relevo (salvo, naturalmente, a elaboração do projeto de relatório e do subsequente relatório definitivo).

           

— IV—

DO VÍCIO DE PRETERIÇÃO DO DIREITO DE PARTICIPAÇÃO PROCEDIMENTAL,

            Suscita a requerente a verificação de um vício decorrente da preterição do seu direito de participação procedimental, alegando que a notificação que lhe foi dirigida para se pronun­ciar acerca do projeto de relatório inspetivo foi devolvida pelo operador dos serviços postais, nunca tendo chegado a ter conhecimento da mesma. Por esse motivo, alega, não pôde exercer o direito de participação procedimental no decurso da ação inspetiva, vício que se projeta nos atos de liquidação proferidos a jusante daquela ação, tornando-os inválidos.

            Contrapõe a requerida que todas as notificações da AT no decurso da ação inspetiva foram dirigidas para o domicílio fiscal da requerida, tal como se acha registado no cadastro fiscal e que, portanto, sempre incumbiria sobre aquela o ónus de diligenciar pela receção das mesmas e de apurar a causa das persistentes devoluções dos expedientes postais dirigidos para tal endereço ou, em qualquer caso, o dever de adotar o cuidado de “ter alguém no prédio para receber o projeto de RIT, já que tinha sido informada de que o mesmo tinha sido expedido.” Mais acrescentou que, durante toda a ação inspetiva nunca a requerente solicitou da AT o envio das notificações por uma via alternativa ou para outro endereço.

Importa decidir.

No âmbito das ações inspetivas tributárias a disciplina legal em matéria de notificações reside, em primeiro lugar e sem prejuízo da aplicação supletiva dos demais códigos fiscais, no RCPITA. A esse propósito dispõe-se no art. 38.º deste diploma que as notificações podem efetuar-se i) pessoalmente; ii) por via postal através de carta registada ou carta registada com aviso de receção; ou iii) por transmissão eletrónica de dados através do serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital, da caixa postal eletrónica ou respetiva área reservada do Portal das Finanças.

Por seu turno, e mais especificamente no que diz respeito às notificações efetuadas por via postal registada, acrescenta-se no art. 43.º, n.º 1, do RCPITA que “[p]resumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação expressa na mesma, aposta pelos serviços postais, de ter sido recusada, não ter sido reclamada, indicação de encerrado, endereço insuficiente, ou que o sujeito passivo em causa se mudou.”

Inexiste qualquer dúvida de que a notificação dirigida à requerente para exercício do di­reito de audição prévia acerca do projeto de relatório inspetivo se subsume na previsão deste preceito legal: foi remetida para o seu domicílio fiscal e veio devolvida pelo operador dos ser­vi­­ços postais com a menção de “Desconhecido” e “Endereço insuficiente” (factos HH. e II. do probatório). Tendo o objeto postal em causa sido expedido a 21-10-2022 a notificação pre­su­mir-se-ia realiza a 24-10-2022, não obstante a devolução do expediente (art. 38.º, n.º 1, do CPPT).

Sucede, porém, que os presentes autos não consentem uma leitura assim tão simplista dos factos relevantes na presente arbitragem.

Na verdade, a matéria de facto dado como provada patenteia que, desde o início da ação inspetiva, todas as notificações dirigidas à sede da requerente, e seu domicílio fiscal, vieram devolvidas pelo operador dos serviços postais com justificações que variavam entre “Desconhecido”, “Endereço insuficiente” ou “Mudou-se” (factos C., E., K., V., BB., II. e PP. do probatório). Não se trata de episódios ocasionais ou fortuitos: bem pelo contrário, a devolução dos expedientes postais foi sistemática e permanente, devido a causas que não se logrou apurar no decurso da ação inspetiva.

Ciente dessa realidade, e não obstante as normas legais sobre perfeição das notifi­ca­ções postais, em todos aqueles casos de frustração de notificações a responsável pela prática dos atos de inspeção agilizou para que, ainda assim, o teor das comunicações chegasse ao efetivo conhecimento da requerente. Fê-lo, num primeiro momento, entrando diretamente em contacto telefónico com responsáveis da requerente para agendar a notificação pessoal da ordem de serviço na sequência da frustração da notificação postal da carta-aviso (factos F. e G. do probatório) e, numa segunda fase, remetendo ao sócio-gerente da requerente, por correio eletrónico, o teor de todas as demais comunicações que vieram devolvidas (factos L., W. e CC. do probatório) — de todas, salvo daquelas relativas ao projeto de relatório e ao relatório definitivo da ação inspetiva (factos HH., II., MM. e OO. do probatório).

Não se consegue alcançar a razão desta alteração de conduta por parte da responsável pela prática dos atos de inspeção ao longo do decurso da ação inspetiva. Inquirida em audiência a esse respeito, ofereceu respostas vagas, equívocas e contraditórias, não esclarecendo minimamente a razão de ter tido a cautela de assegurar diligentemente o conhecimento efetivo pela requerente do teor das notificações interlocutórias e prodrómicas que vinham devolvidas, mas já não ter adotado a mesma conduta em relação àquela notificação em que mais se faziam sentir as exigências de efetivo conhecimento do seu teor, por ser precisamente aquela notificação que mais diretamente bulia com o núcleo essencial do direito de participação procedimental da requerente e com a delimitação do objeto dos atos liquidação de tributos a que o relatório inspetivo, então ainda mero projeto, iria dar causa.

É inequívoco que, no caso específico da ação inspetiva a que a presente arbitragem diz respeito, a conduta da responsável pela prática dos atos de inspeção criou na requerente uma expectativa, digna de tutela jurídica, de que as notificações postais que viessem devolvidas pelo operador de serviços postais seriam retransmitidas por outra via de forma a assegurar à requerente o conhecimento efetivo do seu teor. Esta prática procedimental, que de resto é salutar e altamente louvável, criou na requerente a confiança, razoável e legalmente protegida, de que no caso de devolução de alguma notifi­ca­ção postal que lhe fosse dirigida, os serviços de inspeção tributária assegurar-se-iam de que o teor da mesma seria, ainda assim, levado ao seu conhecimento efetivo por outras vias, designadamente através do contacto pessoal ou por envio por correio eletrónico.

Esta prática procedimental, seguida ininterruptamente desde o início da ação inspe­ti­va, não poderia ser descontinuada, como foi, de modo imprevisível e não anunciado. A verdade é que a requerida não poderia simplesmente alhear-se da prática administrativa reite­rada­mente assumida pelos seus serviços no decurso da ação inspetiva sub judice. Com efeito, no procedimento tributário os serviços da administração fiscal agem no quadro da função administrativa do Estado e, portanto, adstritos à observância pontual e escrupulosa dos princípios gerais de Direito Administrativo, incumbindo-lhes especialmente fazer observar, ao longo de toda a tramitação procedimental, os princípios da colaboração com os particulares (art. 9.º, n.º 1, do RCPITA; art. 59.º, n.º 1, da LGT; e arts. 11.º e 60.º, n.º 1, do CPA), da pro­por­cio­nalidade (art. 7.º do RCPITA; art. 47.º do CPPT; art. 7.º do CPA), da boa-fé proce­di­mental (art. 10.º, n.º 2, do CPA) e da razoabilidade (art. 8.º, n.º 2, do CPA). Ora, ofende qualquer um daqueles citados princípios a conduta de um órgão da administração fiscal que cria nos particulares a expectativa, legítima e digna de tutela jurídica, de que no decurso de uma ação inspetiva será adotada uma determinada prática administrativa para depois, sem qualquer pré-aviso e de forma imprevisível, abandonar essa prática justamente naquele momento procedimental em que a sua observância mais se justificaria. Nesta linha de racio­cí­nio revela-se como absolutamente inaceitável — e, acrescente-se, mani­fes­tamente ofensiva dos sobre­ditos prin­cí­pios jurídicos, especialmente à luz do que se dispõe no art. 48.º, n.º 2, do RCPITA — a conduta referida no ponto SS. do probatório.

À laia de obiter dictum — e, portanto, sem autoridade de caso jul­ga­­do — crê-se ser possível identificar na matéria de facto dada como assente nos presentes autos fortes indícios de uma flagrante deslealdade procedimental na condução do procedi­mento tri­bu­tário a quo, na medida em que se denota uma evidente cautela e preocupação em assegurar que chegam ao conhecimento efetivo da entidade inspecionada aquelas notificações cuja realização se revelaria imprescindível para a assegurar a validade e a subsistência da relação jurídica proce­di­men­tal (o agendamento telefónico da notificação pessoal da ordem de serviço na sequên­cia da frustração da notificação postal da carta-aviso, o despacho de ampliação do objeto da ação inspetiva e os despachos de pror­ro­gação do prazo máximo da sua duração), mas já não se topa com esse mesmo grau de zelo em relação às restantes notificações que não tenham um tal alcance, mes­mo em relação àquelas em que estava em causa preservar a efetividade do núcleo essencial do direi­to de participação procedimental, como sucede com a notificação, para audição prévia, do proje­to de relatório inspetivo.

Não se contraponha, como faz a requerida, que ainda assim a responsável pela prática dos atos de inspeção teria excedido os seus deveres de cuidado ao informar, por email, da receção próxima do expediente postal relativo à notificação do projeto de relatório inspetivo (facto GG. do probatório). Na verdade, o sentido a extrair desta comunicação é precisamente o inverso daquele propugnado pela requerida. O correio eletrónico referido a GG. do probatório revela que, já naquele momento da tramitação, a responsável pelos atos de inspeção representou como provável que a notificação postal a expedir iria, mais uma vez, ser devolvida pelo operador dos serviços postais. Há, portanto, a convicção forte de que aquela notificação que se iria expedir por via postal se iria novamente frustrar e que seria inútil à consecução do objetivo procedimental visado com a sua realização. Perante a assunção de um tal pressuposto impendia sobre a administração tributária, como corolário dos já citados princípios da boa-fé procedimental e da colaboração e em especial à luz da tutela da “confiança suscitada na contraparte pela atuação” administrativa que até então tinha sido adotada (art. 10.º, n.º 2, do CPA), o dever acrescido de diligência de promover a realização da notificação por uma via alternativa. Já se deixou demonstrado como a lei não impõe a via postal como a única possível para a realização de notificações em ações inspetivas: o art. 38.º do RCPITA admite que se possam realizar também por contacto pessoal ou por transmissão eletrónica de dados através dos diversos sistemas de notificações eletrónicas em uso pela AT (norma que, no caso específico da notificação do relatório definitivo, é reforçada pelo disposto no art. 62.º, n.º 2, do RCPITA). De resto, a via do contacto pessoal fora já empregue em momento procedimental anterior para a realização de notificações procedimentais igualmente na sequência da frustração de duas tentativas de notificação da carta-aviso por via postal (factos F. e G. do probatório); também os atos de liquidação objeto desta arbitragem foram notificados à requerente pelo sistema de notificações eletrónicas (facto XX. do probatório) sem que se tenha verificado qualquer vicissitude na realização destas notifi­ca­ções.

De salientar, por fim, que na matéria fáctica assente não se vislumbra qualquer indício de culpa da requerente na frustração das notificações postais que lhe foram dirigidas nem uma conduta obstrucionista da sua parte. Desde logo, a causa da persistente inviabilização da via postal de notificação é desconhecida e não foi apurada no decurso da ação inspetiva. Acresce que os autos indiciam um espírito de colaboração da requerente perante as vias alternativas empregues pela responsável pela prática dos atos de inspeção para assegurar que o teor das notificações frustradas chegava ao conhecimento efetivo da entidade inspecionada (assim, como bem revelam os factos M., X. e DD. do probatório, a requerente acusou sempre a rece­ção dos correios eletrónicos que lhe foram remetidos na sequência da frustração das noti­fi­ca­ções). Também o correio eletrónico a que se refere o ponto QQ. do probatório indicia, da parte da requerente, uma vontade efetiva de colaboração na condução da ação inspetiva e de parti­ci­pa­ção na tramitação procedimental. Nesta perspetiva é, no mínimo, desengenhosa a alegação de culpa da requerente por não ter diligenciado melhor pela receção efetiva da notificação postal na sequência do correio eletrónico referido a GG. do probatório ou por não ter solicitado o emprego de uma via alternativa para a realização das notificações procedi­mentais. Desde logo, porque não foi apurada a causa da frustração persistente na realização das notificações postais — se ela resi­dia no próprio ponto de receção da correspondência ou se encontrava mais a montante na cadeia de distri­bui­ção, designadamente no centro de distribuição postal da localidade. A matéria de facto provada (como tão-pouco aquela que foi alegada) não permite afirmar a conclusão de que se a requerente tivesse tido uma conduta mais diligente ou mais proactiva a notificação postal do projeto de rela­tório inspetivo não se teria frustrado. Por outro lado, não era à requerente que cabia escolher a via de realização das notificações: esse ónus impendia sobre a requerida na pros­secução do seu poder de “discricio­na­riedade na respetiva estruturação [do proce­di­men­to], que, no respeito pelos princípios gerais da atividade administrativa, deve ser orientada pelos interesses públicos da participação […]” (art. 56.º do CPTA).

Em síntese, a totalidade das circunstâncias concretamente verificadas no caso da ação inspetiva sub judice e em especial as persistentes (e por todas as partes reconhecidas) vicissi­tu­des na realização das notificações postais da entidade inspecionada, analisadas e enqua­dra­das à luz do princípio da colaboração procedimental (art. 9.º, n.º 1, do RCPITA; art. 59.º, n.º 1, da LGT; e art. 60.º, n.º 1, do CPA) e da boa-fé procedimental (art. 10.º, n.º 2, do CPA), faziam impender sobre requerida um dever acrescido de assegurar que o projeto de relatório inspetivo chegava efetivamente ao conhecimento da requerente. Dever esse que poderia ter sido satisfeito, à semelhança do que já sucedera em momentos anteriores da ação inspetiva, pelo recurso à via da notificação por contacto pessoal ou pela retransmissão informal do ato notifi­can­do por correio eletrónico ou, ainda, pela realização da notificação através de qualquer um dos sistemas de notificações ele­tró­nicas, como ocorreu subsequentemente com a notificação dos atos de liquidação e respetivas notas de cobrança, num caso e noutro sem qualquer registo de vicissitudes na realização das referidas notificações e no conhecimento efetivo do teor das mesmas por parte da entidade inspecionada.

Consequentemente, aqui chegados não poderia senão concluir-se pela verificação do vício de preterição do direito de participação procedimental da reque­rente, situação que confi­gu­raria um vício de procedimento gerador da anulabilidade dos atos impugnados nesta arbi­tra­gem.

Porém, o vício em questão foi sanado pela tramitação procedimental supervenien­temente desenvolvida no âmbito da reclamação graciosa que teve por objeto aqueles atos.

Com efeito, como se refere no Ac. STA 26-09-2018 (P.º 01506/17.8BALSB): “[a] falta de audiência prévia à liquidação, quando não seja legalmente dispensada, constitui preterição de formalidade essencial, conducente, em regra, à anulabilidade do ato [...] No entanto, há situações em que a preterição da formalidade pode não ter efeitos invalidantes (cfr. o n.º 5 do atual CPA), designadamente quando, em procedimento de segundo grau, o interessado pôde pronunciar-se sobre as questões relativamente às quais foi omitida a audiência no procedimento de primeiro grau.” Afirma-se neste mesmo aresto que se pode “afirmar que a decisão administrativa final acaba por ser o ato de segundo grau (porque foi decidida a reclamação graciosa), pelo que deverá ser em relação a este ato que deverá aferir-se se o contribuinte teve ou não oportunidade de participar na sua formação.”

E um exemplo paralelo, quanto à sanação do vício de falta de fundamentação pela superveniente interposição de procedimentos de segundo grau, pode encontrar-se no Ac. STA 08-02-2023 (P.º 0373/17.6BEPNF).

Também DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JOR­GE LOPES DE SOUSA são de opinião que preterição do direito de participação procedi­men­tal nem sempre conduzirá à anulação, “designadamente não a justificando nos casos em que [...] [o interessado] acabou por ter oportunidade de pronunciar-se, em proce­di­mento de segun­do grau (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), sobre questões sobre as quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau” (LGT Anotada e Comen­tada, 4.ª ed. 2012, p. 515).

É precisamente esse o caso da presente arbitragem.

Com efeito, como se deixou dito, os atos (primários) de liquidação foram proferidos com ofensa do direito de participação procedimental da requerente, na medida em que esta, pelos motivos já expostos, foi ilicitamente privada de exercer o seu direito de audição prévia sobre o projeto de relatório inspetivo. Porém, o seu direito de participação procedimental acer­ca de todas as questões decididas pelos atos de primeiro grau — e cuja possibilidade de pronún­cia lhe tinha sido vedada — foi plenamente assegurado no decurso do procedimento de segun­do grau por si instaurado, por um lado logo na própria petição de reclamação graciosa em que pôde invocar e pronunciar-se acerca de todas essas questões (facto ZZ. do probatório); por outro lado, no decurso da tramitação da reclamação graciosa foram facultadas à reque­ren­te diversas oportunidades procedimentais de participação na formação das decisões tributárias que lhe diziam respeito, seja através de solicitação de esclarecimentos comple­men­tares e envio de elementos adicionais (factos AAA. e BBB. do probatório), seja através do exercício do direito de audição prévia relativamente a um projeto de decisão devidamente funda­men­tado que lhe foi notificado (factos CCC. a FFF. do probatório). Mais: a decisão da recla­ma­ção graciosa foi parcialmente procedente, o que permite concluir que, na tramitação deste proce­­­­dimento, as posições e argumentos da requerente foram efetivamente ponderados e tidos em consideração, conclusão de que se pode extrair a certeza da convalidação dos atos tributários primá­rios que, manifestamente, padeciam do mencionado vício de violação do direito de parti­ci­pa­ção procedimental.

Foram assim atingidas as finalidades dialógica e de realização do contraditório visadas pela lei com a obrigação da participação dos interessados na formação das decisões adminis­tra­tivo-tributárias que lhes digam respeito, de modo a que fique assegurado aos interessados a opor­tu­nidade de se pronunciarem acerca de todas as questões relevantes que formem o objeto dos proce­di­mentos tributários que lhes digam e que possam vir a decididas nos atos tributários ou em matéria tributária que os tenham por destinatários.

Para que não haja dúvidas: os procedimentos tributários de segundo grau não são meios procedimentais normalmente dirigidos a facultar o exercício do direito de participação proce­­di­mental — isto é, a assegurar o contraditório prévio à formação de decisões tributárias ainda a proferir —; são, pelo contrário, meios de impug­na­ção administrativa, cujo escopo é preci­­samente o de impugnar, com fundamento em ilegalidade, decisões já proferidas visando obter a sua revogação (rectius, anulação administrati­va) . Porém, se, no decurso da tramitação destes procedimentos de segundo grau, se verificar que as carências participatórias ocorridas a montante foram colmatadas pela oportunidade facultada de participar durante a tramitação da recla­ma­ção graciosa, pode afirmar-se que por essa via se convalida e se sana o vício verifi­cado durante o procedimento tributário de primei­ro grau. Assim, no caso da presente arbi­tra­gem é de concluir que a partir do procedimento de reclamação graciosa foi granjeada à requerente a oportunidade de se pronunciar efetiva­men­te acerca de todas as questões deci­den­das, e decididas, pelos atos tributários de primeiro grau impugnados na presente arbitragem.

            Consequentemente, o aludido vício de preterição do direito de participação procedi­men­tal de que padeciam os atos (primários) de liquidação foi sanado pela superveniente inter­venção do procedimento administrativo de segundo grau deduzido contra aqueles atos.

            Motivo pelo qual tem de improceder este vício.

 

 

DOS vícioS de procedimento decorrenteS da ilegalidade das decisões de prorrogação do prazo máximo de duração da ação inspetiva E do incumprimento DESTE prazo,

            Seguidamente, invoca a requerente a ilegalidade das liquidações impugnadas decor­ren­te de dois vícios atinentes à violação do prazo máximo de duração da ação inspetiva. Por um lado, sustenta que as decisões de prorrogação do referido prazo foram ilegais por não terem assentado em motivos válidos e subsumíveis na previsão legal e, por outro lado, mesmo no caso da duração da ação ter sido validamente prorrogada, o despacho final de sancionamento do respetivo relatório definitivo teria sido proferido já fora desse prazo, gerando igualmente a invalidade dos consequentes atos de liquidação.

            Respondendo, alega a requerida que as notificações das prorrogações do prazo de duração máxima da ação inspetiva tiveram lugar antes de decorrido, respetivamente, o prazo inicial de seis meses e o da primeira prorrogação e que, em conclusão, a ação inspetiva sub judice respeitou integralmente os prazos estabelecidos no art. 36.º do RCPITA.

            Importa decidir.

            Nos termos do art. 36.º, n.º 2, “[o] procedimento de inspeção é contínuo e deve ser concluí­do no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início.” Estabelece-se assim um prazo máximo para a sua duração que tem por dies a quo a data em que se consi­de­rar realizada a notificação da respetiva ordem de serviço (art. 51.º, n.º 3, do RCPITA).

Estabelece-se, assim, neste preceito legal um verdadeiro e próprio dever jurídico de conclu­são da ação inspetiva dentro do prazo de seis meses a contar do seu início, sendo que, para esse efeito e como é hoje jurisprudência consolidada, o momento conclusivo de uma a­ção inspetiva tem lugar com a notificação do respetivo relatório definitivo, na sequência do seu sancionamento por parte do órgão dirigente competente. O prazo previsto no cit. art. 36.º, n.º 2, do RCPITA não é, portanto, meramente ordenador ou disciplinar: é um prazo de peren­ção.

            Este prazo máximo de seis meses pode ser prorrogado nas circunstância e casos pre­vis­tos no art. 36.º, n.º 3, do RCPITA:

3 — O prazo referido no número anterior poderá ser ampliado por mais dois períodos de três meses, nas seguintes circunstâncias:

a) Situações tributárias de especial complexidade resultante, nomeadamente, do volume de operações, da dispersão geográfica ou da integração em grupos económicos nacionais ou internacionais das entidades inspeccionadas;

b) Quando, na acção de inspecção, se apure ocultação dolosa de factos ou rendimentos;

c) [Revogado pela Lei n.º 42/2016]

d) Quando seja necessário realizar novas diligências em resultado de o sujeito passivo apresentar factos novos durante a audição prévia;

e) Outros motivos de natureza excecional, mediante autorização fundamentada do diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

            No caso da ação inspetiva de que se cuida nos presentes autos, o seu início teve lugar a 21-09-2021 (facto G. do probatório) pelo que o prazo normal da sua duração máxima terminaria a 21-03-2022. Sucede que no decurso da ação inspetiva foram proferidos, pelo diretor de finanças territorialmente competente, dois despachos de prorrogação do prazo da ação inspetiva, um a 25-02-2021 (facto T. do probatório) e outro a 31-05-2022 (facto Z. do pro­ba­tório). Em ambos os casos os referidos despachos remeteram a sua fundamentação para in­for­ma­ções/propostas subscritas pela funcionária responsável pela prática dos atos de ins­peção.

            No caso do primeiro daqueles despachos a fundamentação para que remetia era do seguinte teor (facto S. do probatório):

[…]

3) Após análise dos elementos de contabilidade apresentados, em 2022.01.11, notificamos o sujeito passivo na pessoa do seu sócio-gerente, para apresentar informações e esclarecimentos de várias situações, tendo-se estabelecido o prazo de 15 (quinze) para apresentação dos mesmos. A resposta foi rececionada, via Email, a 2022.02.03.

4) Nessa sequência, tornou-se necessário notificar entidades terceiras, não pertencentes à Unidade Orgânica de Viana do Castelo, ao abrigo dos 59º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigos 28º e 29º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), tendo sido remetidas, via postal, em 2022.02.01 e 2022.02.08, as correspondentes notificações solicitando as informações consideradas pertinentes, encontrando-nos a aguardar resposta por parte de uma das entidades envolvidas.

5) Considerando o atrás descrito e, ainda, a eventual necessidade de realizar novas diligências em resultado de o sujeito passivo apresentar novos factos durante a audição prévia, propõe-se o alargamento do prazo de conclusão previsto no n.º 2 do artigo 36º do RCPITA, do presente procedimento inspetivo, para um período de 3 meses, dado que se encontram reunidas as condições da alínea a) do n.º 3 do citado artigo.

[…]

 

            Desde logo, é forçoso notar que a fundamentação apresentada como motivação da decisão de prorrogação invoca exclusivamente a causa prevista no art. 36.º, n.º 3, al. a), do RCPITA. É assim excrescente e inútil a matéria invocada no ponto 5) da referida informa­ção/proposta que em nada contende com a previsão daquele preceito legal. Em todo o caso, sempre se adiante que os factos (se é de que factos se pode falar) tratados nesse ponto 5) nunca poderiam justificar uma decisão de prorrogação do prazo de duração máxima da ação inspetiva. Isto porque aí se invoca uma “eventual necessidade de realizar novas diligências em resultado de o sujeito passivo apresentar novos factos durante a audi­ção prévia”. Trata-se, portanto, da invocação de um facto inexistente, eventual, hipotético e de verificação incerta e futura. Nunca e em circunstância alguma poderia a invocação deste facto virtual servir de fundamentação válida a uma decisão de prorrogação do prazo de duração máxima da ação inspetiva — seguramente nunca no quadro da al. a) do n.º 3 —, nem sequer ao abrigo da al. d) daquele preceito legal. A causa extensiva prevista nesta última alínea tem por factispé­cie a verificação real e efetiva (e não meramente virtual ou hipotética), à data da decisão prorrogatória, de três pressupostos factuais: i) a entidade inspecionada ter já exercido o seu direito de audição prévia no âmbito da ação inspetiva; ii) no exercício desse direito terem sido alegados factos novos não anteriormente abordados no objeto da ação inspetiva; e iii) a apre­cia­ção de tais factos implicar a necessidade de realização de novas diligências instrutórias. É, assim, manifesto que esta causa de prorrogação não se verifica, nem pode ser acionada, quando, ainda antes mesmo da fase da audição prévia, a adminis­tra­ção tributária projeta, de forma puramente especulativa, uma futura e hipotética necessidade de ter de vir a desenvolver novas diligências instrutórias em consequência do eventual exercício, que ainda não teve lugar, do direito de audição por parte da entidade inspecionada.

            Já quanto ao regime da al. a) do mesmo preceito legal prevê-se como causa de prorro­ga­ção do prazo de duração da ação inspetiva a circunstância de se esta ter por objeto “[s]ituações tributárias de especial complexidade”, as quais podem ter por base, numa enume­ração legal não exaustiva (“nomeadamente”), a circunstância da entidade inspecionada ter um elevado volume de operações, ter a sua atividade dispersa geograficamente ou estar inte­gra­da em grupos económicos nacionais ou internacionais.

            À luz deste preceito legal torna-se inequívoco que nenhum dos factos invocados no ponto 4) da infor­mação/proposta referida no ponto S. do probatório se subsume naquela previsão normativa. Mesmo na interpretação (que se rejeita) de que o conceito de “dispersão geográfica” se referiria às diligências inspetivas, e não às operações económicas desenvolvidas pela entidade inspecionada, a verdade é que nada do que se descreve na fundamentação do primeiro despacho de prorro­ga­ção sustenta a conclusão de que se verificaria uma “dispersão geográfica” em termos que preenchessem um juízo de especial complexidade. Não obstante as graves carências e falhas de integridade administrativa patenteadas pelo PA da ação inspetiva, a prova produzida nos autos logrou ainda assim demonstrar probatoriamente que foram dirigidos a entidades terceiras quatro pedidos de colaboração e de prestação de informações, os quais foram respondidos a 18-01-2022, 03-02-2022, 04-02-2022 e 15-02-2022 (factos O. a R. do probatório). Como resulta também da factualidade dada como não provada, à data em que foi elaborada a informa­ção/pro­posta de prorrogação do prazo (23-02-2022, facto S. do probatório) e contrariamente ao que nela expressamente se refere, inexistia qualquer pedido de colaboração dirigido a entidade terceira que estivesse a aguardar resposta.

            Por fim, acrescente-se que, mesmo que fosse esse o caso, a pendência de resposta a um único pedido de colaboração ou de prestação de informações dirigido a entidade terceira não configura uma “situação tributária de especial comple­xidade” em termos que justificassem o preenchimento da previsão normativa do art. 36.º, n.º 3, al. a), do RCPITA, tanto mais que do PA não resulta que após a data do despacho prorrogatório tenha sido posteriormente desenvol­vida qualquer outra atividade inspetiva de relevo.

            Em conclusão, o primeiro despacho de prorrogação do prazo de duração da ação inspetiva (facto T. do probatório) padece de evidente vício de violação de lei decorrente de erro nos seus pressupostos de facto e de direito. É, em consequência, ilegal.

            Por maioria de razão, também o segundo despacho prorrogatório (facto Z. do probatório) padece de ilegalidade, na medida em que, por um lado, se verificam em relação a este os mesmos vícios que inquinam o precedente despacho e, por outro lado, o segundo despacho de prorrogação é um ato consequente do primeiro que tem neste um seu pressuposto necessário e imprescindível. Deste modo, a ilegalidade do primeiro despacho de prorrogação projeta-se e transmite-se ao despacho prorrogatório subsequentemente proferido.

            Por estes fundamentos é possível concluir que, no que diz respeito à ação inspetiva sub judice, o prazo da sua duração máxima não foi validamente prorrogado. Es­ta teve assim o seu início a 21-09-2021 (facto G. do probatório) e o seu termo a 21-03-2022 (art. 36.º, n.º 2 do RCPITA).

            Resulta assim da matéria dada como provada que quer o rela­tório definitivo da ação inspetiva, quer o respetivo despacho de sancionamento foram proferido em data muito poste­rior ao termo da ação inspetiva (08-11-2022 e 11-11-2022, factos JJ. e LL. do probatório).

            Torna-se necessário apurar qual a consequência daí resultante.

            Com efeito, dado que “[a] obrigação de resolver expressamente os procedimentos tri­bu­tários tem de ser acompanhada por um prazo legal para que esta obrigação seja cum­prida” (DIOGO LEITE DE CAMPOS / SUSANA SOUTELINHO, Direito do Procedimento Tributário, 2013, p. 142), nenhum procedimento tributário se pode prolongar eternamente. No caso específico das ações inspetivas, o legislador estabeleceu o prazo de duração máxima de seis meses, prorrogável ou sujeito a suspensão na eventualidade de verificação de certas causas objetivas.

            O legislador tributário não indica, porém, qual a consequência do incumprimento ou ino­bservância do referido prazo máximo de duração: não se prevê qual seja a consequência da cir­cunstância de um qualquer procedimento tributário (maxime, de uma ação inspetiva) não se concluir (isto é: de nele não ter sido proferida decisão final) dentro do prazo máximo de du­ra­ção legalmente estabelecido. Em relação a esta questão afigura-se imprestável a aplicação su­ple­tiva de outros preceitos normativos reguladores da tramitação procedimental tributária. Des­de logo não parece que seja de aplicar a estas situações o disposto no art. 57.º, n.º 5, da LGT — a presunção de indeferimento — porquanto o âmbito de aplicação dessa norma está cla­­ramente limitado aos procedimentos de iniciativa dos sujeitos passivos, o que de resto é bem compreensível pois a teleologia dessa norma é a de, num contexto que claramente se ins­cre­ve ainda numa visão clássica do contencioso administrativo, facultar aos interessados o a­ces­so aos meios impugnatórios jurisdicionais nos casos de inadimplência da administração fis­­­cal no cumprimento do seu dever de decisão. É igualmente inaplicável o disposto no art. 53.º, n.º 1, do CPPT — arquivamento do procedimento —, porquanto também esta norma está di­­ri­­gida exclusivamente aos procedimentos “de iniciativa do contribuinte.” Também não se a­fi­gura que se possam aplicar subsidiariamente ou por analogia as diversas normas avulsas pon­­tual­mente previstas nas leis tributárias sobre presunção, ora de deferimento tácito, ora de in­­de­­ferimento tácito, porquanto tais normas, para além de excecionais, têm sempre como cam­po de aplicação os procedimentos desencadeados por iniciativa dos próprios sujeitos pas­si­vos.

Na verdade, inexiste no CPPT ou na LGT qualquer norma que discipline ou determine a consequência que se verifica quando a AT excede o prazo máximo de duração de um procedimento tributário desencadeado por iniciativa oficiosa dos próprios serviços. Também o art. 36.º, n.º 2, do RCPITA fixa para as ações inspetivas um prazo máximo de duração de seis meses, mas não fixa, tal como se verificou supra a propósito das normas gerais reguladoras do procedimento tributário, a consequência do incumprimento desse prazo de duração máxima. O n.º 7 do art. 36.º deste diploma, aditado pela Lei n.º 75-A/2014, prevê que “[o] decurso do prazo do proce­di­men­to de inspeção determina o fim dos atos externos de inspeção, não afetando, porém, o direito à liquidação dos tributos.” Este preceito legal, porém, limita-se a prever que, com o decurso daquele prazo, não podem praticar-se atos inspetivos externos, reconhecendo assim às entidades inspecionadas legitimidade para se oporem à sua realização, o que bem que se compreende pois os atos externos de inspeção têm uma carga altamente intromissiva na intimidade da vida privada das pessoas e na atividade operacional e económica das empresas e entes coletivos. Na falta daquela previsão legal poderia colocar-se a dúvida, que o preceito legal veio resolver, acerca da subsistência dos deveres de colaboração das entidades inspecionadas mesmo após o decurso do prazo de duração das inspeções tributárias e acerca da possibilidade de, face a uma ausência de colaboração, a AT poder acio­nar a estatuição do art. 10.º do RCPITA. O aditamento daquele n.º 7 ao art. 36.º do RCPITA não teve assim por propósito extrair quaisquer consequências do incumprimento do prazo má­xi­­mo de duração das inspeções tributárias no plano da subsistência ou validade da relação jurí­dica procedi­men­tal tributária, mas apenas o de esclarecer que, uma vez decorrido o refe­ri­do prazo, as enti­dades inspecionadas podem legitimamente opor-se à realização de atos exter­nos de inspeção nas suas pessoas e instalações e que essa oposição e recusa de colabora­ção não pode servir de fundamento, nem dar causa, a uma decisão de aplicação de métodos in­di­­retos de apuramento da matéria coletável.

Também a referência, igualmente constante do art. 36.º, n.º 7, do RCPITA, de que o decurso do prazo de duração da ação inspetiva “não [afeta], porém, o direito à liquidação dos tributos” se revela estranha à projeção das consequências daquele facto no âmbito da relação jurídica procedimental, limitando-se a reconhecer que o prazo de caducidade do direito à liquidação de tributos não é afetado pelo decurso do prazo de duração máxima da ação inspetiva, atenta a distinta e bem diversa natureza jurídica de ambos os prazos, já que um é um prazo substantivo e diz respeito à relação jurídica tributária de direito material e o outro é, por seu turno, um prazo meramente adjetivo, de natureza puramente procedimental, e que diz respeito a uma concreta relação jurídica procedimental que se estabeleceu com a instauração de um deter­­mi­nado procedimento tributário, que assim cessa pelo decurso do seu prazo máximo de duração.

Há, por conseguinte, uma lacuna de regulação acerca da questão dos efeitos endopro­ce­­dimentais resultantes do decurso do prazo máximo de duração de uma ação inspetiva sem que esta esteja concluída através da prática do ato que lhe põe termo (i. é, a notificação do relatório inspetivo definitivo à entidade inspecionada).

Para resolver essa questão ter-se-á de recorrer à aplicação do direito subsidiário, nos termos regulados no art. 4.º do RCPITA, segundo o qual aos casos omissos naquele diploma se aplica, “de acordo com a natureza das matérias”, o Código de Procedimento Adminis­trativo [al. e)], preceito que, de resto, tem inteira correspondência com o disposto no art. 2.º do CPPT.

Quer isto dizer, assim, que as disposições reguladoras do procedimento administrativo são, desse modo, subsidiariamente aplicáveis na integração dos casos omissos na disciplina primária do procedimento tributário. Nesse sentido, “[e]m matéria de procedimento adminis­tra­tivo tributário deverá recorrer-se, em primeira linha, às normas do CPA” que “serão apli­cá­veis subsidiariamente ao processo administrativo tributário” (LOPES DE SOUSA, CPPT Ano­tado e Comentado, vol. I, 6.ª ed., 2011, p. 71). Em idêntico sentido aponta também o próprio CPA, em cujo art. 2.º, n.º 5, se dispõe que “[a]s disposições do presente Código, desig­nadamente as garantias nele reconhecidas aos particulares, aplicam-se subsidia­ria­men­te aos procedimentos administrativos especiais.» Trata-se de uma solução legislativa que eri­ge as normas disciplinadoras do procedimento administrativo constantes do CPA como “nor­mas gerais […] convocadas na ausência de norma própria no regime especial” as quais “[a]pli­car-se-ão sempre se inexistir na regulação de tais procedimentos norma específica para o tratamento de determinada questão que reclame ser tratada. (ALEXANDRE SOUSA PINHEIRO ET ALLI, Questões Fundamentais para a Aplicação do CPA, 2016, pp. 73-74).

Na vigência do anterior CPA a questão de que agora se trata — isto é, a da consequência da inobservância, pela administração, do prazo máximo de duração dos procedimentos administrativos de iniciativa oficiosa — não encontrava igualmente qualquer resposta por banda da lei procedimental administrativa. À semelhança de quanto sucede atualmente nos diversos diplomas reguladores do procedimento tributário, no anterior CPA não se estabelecia qualquer estatuição para os casos de inobservância dos prazos máximos de duração dos procedimentos de iniciativa oficiosa da administração.

Essa situação, porém, alterou-se radicalmente com a entrada em vigor do novo CPA, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 4/2015. Como o próprio legislador reconhece no preâmbulo deste diploma legal, o novo CPA introduziu “importantes alterações no regime dos prazos para a decisão do procedimento e consequências da sua inobservância” (cfr. ponto n.º 14 do preâmbulo do Dec.-Lei n.º 4/2015). Na linha dessas importantes inovações o art. 128.º, n.º 6, do CPA veio estatuir que “[o]s procedimentos de iniciativa oficiosa, passíveis de conduzir à emissão de uma decisão com efeitos desfavoráveis para os interessados caducam, na ausên­cia de decisão, no prazo de 120 dias.” Estabelece-se, portanto, um regime de caducidade do procedimento como consequência da inobservância dos prazos máximos estabelecidos para a prolação de decisão.

Como já o vinha entendendo a doutrina ainda mesmo antes do novo CPA, “o proce­dimento administrativo não deve estar aberto ad aeternum sem qualquer desfecho, até por razões de segurança e estabilidade jurídica” pois “[n]ão é aceitável que estes parti­culares fiquem permanentemente sob a espada de Dâmocles de uma eventual decisão que pos­sa afetar a sua esfera jurídica” [TIAGO ANTUNES, “A decisão no novo CPA” in CARLA AMADO GOMES ET ALLI (coords.), Comentários ao Novo CPA, vol. II, 3.ª ed., 2016, p. 179]. Este art. 128.º, n.º 6, do CPA vem assim consagrar um efeito de “preclusão da compe­­tência administrativa face a um concreto procedimento, por efeito da inércia da pró­pria Administração [que] traduz um efeito da natureza garantística de um prazo legal” (PAU­LO OTERO, Direito do Procedimento Administrativo, vol. I, 2016, pp. 427-428, n. 1953).

À luz do novo CPA, nos procedimentos de iniciativa oficiosa da Administração, uma vez ultrapassado o prazo máximo da respetiva duração os “particulares podem finalmente descontrair, com a certeza de que já não serão confrontados com a prática de um ato lesivo no âmbito desse procedimento que caducou (ainda que a Administração possa sempre desencadear oficiosamente um novo procedimento administrativo, com vista à prática de um ato de conteúdo semelhante)” (TIAGO ANTUNES, “A decisão…”, cit., p. 180). Como se salienta numa obra de comentário coletivo ao novo CPA, ao consagrar “uma solução inova­tó­ria” através da previsão deste novo regime de caducidade o legislador “visou suprir uma lacuna do CPA, que não estabelecia qualquer consequência extintiva para a inatividade da Administração nos procedimentos de sua iniciativa, com o efeito perverso de se poderem manter pendentes, ad aeternum, por inércia da autoridade administrativa, procedimentos oficiosos, de cujo início os interessados haviam sido notificados e prenunciavam a emissão de decisões que lhes seriam desfavoráveis” (FAUSTO DE QUADROS ET ALLI, Comentários à Revisão do CPA, 2016, pp. 259-260).

Do que se cuida é, então, de um caso de “caducidade-perenção, uma forma de cadu­cidade que extingue o procedimento, mas não os direitos ou interesses que porventura aí estivessem implicados” e que se distingue, por conseguinte, da figura da “caducidade-decadência ou caducidade em sentido substantivo, que exprime extinção de direitos” (MAR­GA­RIDA CORTEZ, “A Inatividade Formal da Administração como Causa Extintiva do Procedimento e suas Consequências”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, 2001, p. 368).

Afigura-se que esta norma constante do art. 128.º, n.º 6, do CPA tem plena aplicação subsidiária ao procedimento tributário, maxime no caso das ações inspetivas. Em primeiro lugar, não se oferecem dúvidas de que, no caso destas ações, está em causa atividade procedi­mental de iniciativa oficiosa. Em segundo lugar, é igualmente incontrovertido que as ações inspetivas se configuram como procedimentos suscetíveis de conduzir à emissão de decisões com efeitos desfavoráveis para os interessados: como se reconhece expressamente no art. 11.º do RCPITA, as inspeções tributárias têm um carácter preparatório dos atos tributários ou em matéria tributária que, na sua sequência e como sua consequência, vierem a ser proferidos. Pese embora, no rigor dos formalismos, não haja lugar à prolação de atos tributários no decurso ou no termo das ações inspetivas, a verdade que estas têm por finali­da­de a recolha de elementos fácticos que permitam estabelecer a fundamentação dos atos de liquidação que, subsequentemente, serão proferidos pela administração tributária — daí que, no art. 63.º, n.º 1, do RCPITA, se faça referência aos “atos tributários ou em matéria tributária que resultem do relatório [inspetivo]” e que terão de fundamentar-se nas conclusões deste e se preveja um espe­cial e acrescido dever de fundamentação por parte dos órgãos da administração fiscal quan­do vierem a proferir atos tributários cuja fundamentação divirja das conclusões do relató­rio inspetivo que esteja a montante da sua prolação. O resultado a que a ação inspetiva tipica­men­te conduz é, assim, um ato de liquidação de um tributo — isto é, um ato impositivo de carácter ablativo da esfera patrimonial do seu destina­tário: um ato claramente lesivo e de conteúdo desfavorável para o particular nele visado.

Alguma doutrina administrativa tem hipotizado a inaplicabilidade do art. 128.º, n.º 6, do CPA nos casos de procedimentos poligonais em que coexistam uma série de interessados que prosseguem interesses opostos — isto é, nos casos de procedimentos que possam condu­zir a decisões que sejam simultaneamente de conteúdo desfavorável para alguns interessados, mas de conteúdo favorável para os demais. Porém, em Direito Fiscal esse debate não tem razão de ser: no plano da relação procedimental tributária inexiste a figura dos con­tra­­in­­te­­res­­sados, atualmente cada vez mais comum no procedimento administrativo, nem tão-pouco se afigura possível que a relação jurídica tributária de direito material possa, em qualquer circunstância, assumir a natureza de uma relação poligonal. No caso objeto dos presentes autos arbitrais é manifesto que inexistem, em concreto, quaisquer contrainteressados na relação jurídica procedimental subjacente à ação inspetiva sub judice.

Finalmente, e em terceiro lugar, é necessário que não tenha sido proferida decisão no proce­dimento tributário dentro do prazo máximo de duração para ele estabelecido. O CPA prevê, para este efeito, um prazo de 120 dias (art. 128.º, n.º 6; na versão original o prazo era de 180 dias). Porém, como se deixou visto, a lei tributária não é omissa quanto ao prazo máxi­mo de duração das ações inspetivas: esse prazo é de seis meses por força da aplicação do art. 36.º, n.º 2, do RCPITA (sem prejuízo dos casos de suspensão e de prorrogação legalmente previstos). Daí que quanto à questão do prazo máximo de duração das ações inspetivas tributárias não se possa sustentar a existência de qualquer lacuna de regulamentação que reclamasse a sua integração por aplicação subsidiária das normas do CPA. A aplicação subsidiária do art. 128.º, n.º 6, do CPA ao procedimento tributário tem lugar apenas quanto às consequências da inobservância do prazo máximo de duração daquele tipo procedimental, mas já não quanto a estatuição — igualmente constante do art. 128.º, n.º 6, do CPA — do prazo máximo de duração dos procedimentos de iniciativa oficiosa da administração, pois que em relação a esta última questão há norma expressa nas leis tributárias (cfr. o já cit. art. 36.º, n.º 2, do RCPITA; de um modo mais geral, cfr. tb. o art. 57.º, n.º 1, da LGT).

Em conclusão, a inobservância do prazo máximo de duração das ações inspetivas (que, como se viu, é de seis meses) tem por consequência, em aplicação subsidiária do disposto no art. 128.º, n.º 6, do CPA (ex vi do art. 4.º, al. e), do RCPITA e art. 2.º, al. d), do CPPT): a caducidade desse concreto procedimento tributário.

Para que não haja dúvidas, não se cuida aqui da caducidade do direito à liquidação dos tributos regulada no art. 45.º da LGT: trata-se, apenas e somente, da caducidade do procedi­men­to. Isto é: a inobservância do prazo de duração extingue a relação jurídica procedimental mas não extingue a relação jurídica tributária — caduca o concreto procedi­mento, mas não cadu­ca o direito à liquidação do tributo.

Tudo se passa, portanto, com uma certa analogia à figura da absolvição da instância em processo civil: a absolvição da instância faz cessar o processo judicial, mas não extingue o direi­to substantivo que o autor pretendia fazer valer em juízo, que poderá ser objeto de uma nova ação a propor subsequentemente entre as mesmas partes e com o mesmo objeto. Dito de outro modo: uma vez ultrapassado o prazo da sua duração, o procedimento tributário de ini­cia­­tiva oficiosa da administração fiscal extingue-se por caducidade da relação jurídica proce­di­mental — mas não caduca, nem se extingue por qualquer outro modo, o direito da admi­nis­­tração proceder à liquidação do tributo. Simplesmente, a liquidação já não poderá ocor­­rer no âmbito ou como consequência daquele procedimento. O procedimen­to deixou de subsis­­tir na ordem jurídica por ter caducado, mas nada obsta, em princípio, a que a adminis­tra­­ção fiscal instaure outro procedimento tributário, percorrendo novamente as fases da trami­ta­ção procedimental que os diversos tipos procedimentais normalmente comportam para, a fi­nal e sendo caso disso, liquidar o tributo que não tivera a oportunidade procedimental de li­qui­­dar no procedimento que, por força da sua própria inércia, entretanto caducou e se extinguiu.

Com a caducidade do procedimento, e sua extinção, não se proferiu nele qualquer decisão ou conclusão dispositiva — nem mesmo tacitamente — e, por conseguinte, não é convo­cável a figura da formação de caso decidido administrativo. Tão-pouco se poderá susten­tar num tal cenário o instituto da definitividade tributária a que se refere o art. 60.º do CPPT por não ter sido praticado no procedimento qualquer ato tributário. No caso das ações inspeti­vas externas, a sua extinção por caducidade procedimental obsta também ao aciona­men­to do princípio da irrepetibilidade das inspeções externas consagrado no art. 63.º, n.º 4, da LGT, na medida em que este princípio apenas vale para aquelas ações que tenham sido valida­mente concluídas. Por conseguinte, e sem prejuízo do eventual decurso superveniente dos prazos de caducidade do direito de liquidação ou de prescrição da obrigação tributária, a caducidade da ação inspetiva não obsta à instauração oficiosa de uma nova inspeção tributária dirigida ao apuramento da factualidade relativa ao mesmo âmbito e extensão que já formava o objeto da ação entretanto caducada e, em última análise, à liquidação do mesmo tributo por que se inspecionava com referência aos mesmos factos tributários.

Repetindo: o que se extingue por caducidade é apenas a relação jurídica procedi­men­tal, mas já não a relação jurídica tributária de direito substantivo, a qual (salvo superveniente veri­ficação de algum facto extintivo que lhe seja próprio) sobrevive ao termo do proce­di­mento e subsiste para além dele, nada obstando assim a que, com incidência sobre essa mesma rela­ção jurídica tributária, seja instaurado um novo procedimento tributário de iniciati­va oficiosa, maxime uma nova ação inspetiva dirigida, em última instância, à liquidação de um tributo.

            Com a verificação da caducidade da relação jurídica procedimental deixou de existir ação inspetiva, a qual portanto se extinguiu em virtude da intervenção do facto extintivo superveniente previsto no art. 128.º, n.º 6, do CPA e supletivamente aplicável ao procedi­mento tributário. Depois de operada a caducidade procedimental, todos os atos que a adminis­tra­ção fiscal venha a proferir na inspeção extinta — e, de entre eles, com reforçado destaque o relatório inspetivo definitivo e o despacho que o sancione — serão atos proferidos já depois de caducado o correspondente procedimento tributário. Qualquer que tenha sido a causa que a tenha determinado, depois da sua extinção o procedimento deixou de existir na ordem jurídica — já não há procedimento no âmbito do qual qualquer ato procedi­mental possa ser praticado. Nada impede, como se disse, que possa haver lugar à instauração de um novo procedimento inspetivo desde que seja renovada toda a disciplina geral atinente à instauração e tramitação das inspeções tributárias. Assim, uma vez verificada a extinção, por caducidade, de um procedimento inspetivo tributário, mantendo-se a intenção da administração fiscal em proceder à liquidação de tributo que era mirada pelo procedimento extinto restar-lhe-á apenas a hipótese de instaurar uma nova ação inspetiva, novamente observando nesta toda a trami­ta­ção procedimental que seja aplicável.

Consequentemente, quando a administração fiscal age como se a ação inspetiva não se tivesse extinguido, praticando num procedimento já extinto por caducidade os atos próprios daquela espécie procedimental, a conclusão não poderá deixar de ser a de que os atos que vierem a ser proferidos nessas condições padecerão dos vícios de procedimento e de incompetência, aos quais corresponde o desvalor jurídico da anulabilidade (art. 163.º, n.º 1, do CPA).             Com efeito, nesta linha de raciocínio, à prolação de um ato no âmbito de um procedi­men­to já extinto por caducidade será possível assacar dois vícios geradores da sua ilegalidade: por um lado, há um vício de procedimento decorrente da própria caducidade do procedimento tribu­tário e consequente extinção da relação jurídica procedimental; por outro lado, como também assinala a doutrina, há lugar à verificação de um vício de incompetência, na medida em que a caducidade do procedimento prevista no art. 128.º, n.º 6, do CPA determina “a preclusão da competência administrativa face [àquele] concreto procedimento” (OTERO, Direito do Procedimento…, cit., pp. 427-428, n. 1953): operada a caducidade do proce­di­men­to administrativo os atos que, após a extinção procedimental, vierem a ser proferidos no pro­ce­di­mento agora inexistente (ou já não subsistente) estarão, por conseguinte, também afetados de um vício de incompetência.

            Aqui chegados, é possível concluir que, no âmbito da ação inspetiva sub judice, quer o relatório definitivo, quer o despacho do órgão periférico regional que o sancionou, são ilegais.

            A ilegalidade desses dois atos, por seu turno, projeta-se na concomitante ilegalidade e anulabilidade dos dois atos de liquidação impugnados a título principal na presente arbitra­gem (a liquidação de IRC e a liquidação de retenções na fonte em sede de IRS).

            Como resulta do probatório, as liquidações impugnadas nestes autos remetem toda a sua fundamentação para o teor do relatório definitivo da ação inspetiva. Com efeito:

— a fundamentação da Liquidação de IRC n.º 2022... era do seguinte teor (facto TT. do probatório):

            Fundamentação:

Apuramento proveniente da liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) decorrente do procedimento de Inspeção, credenciado pela ordem de serviço n.º OI2021..., no âmbito do qual foi remetida a respetiva fundamentação, constante do Relatório Final de Inspeção Tributária.

 

— a fundamentação da Liquidação de IRC n.º 2022... era do seguinte teor (facto WW. do probatório):

Apuramento proveniente de liquidação de retenções na fonte de IRS, decorrente do procedimento de inspeção, credenciado pela ordem de serviço n.º OI2021..., no âmbito do qual foi remetida a respetiva fundamentação, constante no relatório final de Inspeção Tributária.

 

            Portanto: a fundamentação de ambos os atos de liquidação impugnados a título princi­pal na presente arbitragem absorve e incorpora a fundamentação constante do relatório defini­ti­­vo da ação inspetiva sub judice. O que vale por dizer que a validade daqueles dois atos tribu­tá­rios depende da validade e legalidade do precedente relatório inspetivo, bem como da do des­pa­cho superior que procedeu ao sancionamento deste.

            Daí que também sejam inválidos os atos impugnados na presente arbitragem. Esta sua inva­lidade é, por um lado, uma consequência direta da invalidade do relatório definitivo da ação inspetiva e do despacho de sancionamento que, por serem causa necessária dos subse­quen­tes atos de liquidação, projetam nestes a sua própria invalidade. Por outro lado, ao reme­te­rem a sua fundamentação para aquela constante de um ato procedimental que se concluiu ser inválido e ilegal (o relatório inspetivo) os atos de liquidação impugnados na presente arbi­tra­gem pade­cem de um vício próprio de falta de fundamentação, igualmente gerador da sua anu­labilidade.

            Em conclusão:

— porque viciados de erro nos seus pressupostos de facto e de direito, ambos os despachos de prorrogação do prazo proferidos no decurso da ação inspetiva são inválidos e ilegais, sendo assim insuscetíveis de produzir o efeito procedi­men­tal a cuja produção se dirigiam;

— o prazo de duração máxima da ação inspetiva sub judice terminou assim a 21-03-2022;

— com o decurso desse prazo sem que tivesse sido proferido o relatório inspetivo definitivo, verificou-se a caducidade-perenção da ação inspetiva, com a consequente extinção da correspondente relação jurídica procedimental (a qual, porém, não implicou a extinção da relação jurídica tributária de direito material, nem a caducidade do direito à liquidação do tributo);

— os atos que se vierem a proferir num procedimento tributário já extinto por caducidade padecerão dos vícios de procedimento e de incompetência aos quais corresponde o desvalor jurídico da anulabilidade: é esse o caso do rela­tó­rio definitivo da ação inspetiva sub judice e do despacho que o sancionou, uma vez que ambos foram proferidos muito para além da caducidade da ação inspetiva (08-11-2022 e 11-11-2022, factos JJ. e LL. do probatório);

— uma vez que o relatório definitivo da ação inspetiva e o respetivo despacho de sancionamento são causa necessária dos subsequentes atos de liquidação, aqueles projetam nestes a invalidade de que padecem; por outro lado, ao remeterem a sua fundamentação para aquela constante de um ato procedimental que se concluiu ser inválido e ilegal (o relatório inspetivo) os atos de liquidação impugnados na presente arbitragem pade­cem de um vício próprio de falta de fundamentação, igualmente gerador da sua anulabilidade.

 

            Consequentemente, os atos de liquidação impugnados a título principal na presente arbitragem são ilegais e inválidos, devendo a final ser anulados.

            Procede assim este vício.

 

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            Julga-se prejudicado o conhecimento dos demais vícios assacados pela requerente aos atos de liquidação impugnados pois a procedência do vício decorrente da caducidade do proce­dimento tributário, ao inviabilizar a renovação procedimental dos atos procedimentais ile­gais e inválidos, assegura já uma tutela suficientemente estável e consolidada das posições jurí­dicas subjetivas que aquela pretendia ver acauteladas por intermédio da presente arbitragem.

 

***

Julgadas ilegais e anuladas as liquidações impugnadas a título principal, ter-se-ão de anular também os atos de liquidação de juros compensatórios impugnados a título acessório na presente arbitragem, na medida em que tais atos têm como pressuposto necessário o retar­da­mento na liquidação de tributos, (art. 35.º, n.º 1, da LGT) ou seja , apenas é possível liqui­dar juros daquela natureza na sequência de, e com base em, prolação de atos de liquidação da dívida de imposto principal válidos e legais.

 

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            Pelos mesmos fundamentos terá de proceder igualmente a impugnação do despacho final proferido no procedimento de reclamação graciosa que teve por objeto imediato os atos de liquidação em crise na presente arbitragem, na medida neste não se reconheceu a ilegalidade dos atos que formavam o seu objeto imediato.

 

DOS PEDIDOS ACESSÓRIOS,

Não obstante o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação, caracterizado por pronúncias constitutivas (arts. 99.º e 124.º do CPPT), nele podem ainda extrair-se efeitos condenatórios no confronto da administração tributária, como resulta patente do facto de nesse meio processual poder haver lugar à condenação no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida. Acresce que, de harmonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão,” preceitos legais aplicáveis à arbitragem tributária por força da expressa remissão, a título de direito subsidiário, do art. 29.º, n.º 1, als. a) e c), do RJAT.

Por outro lado, face ao disposto o no art. 24.º, n.º 1, al. b), do RJAT, fica a administração tributária requerida vinculada a, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito.”

Donde, nada obsta a que, no processo arbitral tributário, possa haver lugar à condenação da administração tributária requerida na restituição aos requerentes das quantias por eles pagas na decorrência de atos tributários que venham, nessa sede arbitral, a ser anulados ou declarados nulos. De resto, tal constitui uma prática jurisdicional difusa nos tribunais arbitrais tributários constituídos sob a égide do CAAD.

Pelo que, estando provado que a requerente procedeu ao pagamento das obrigações tributárias resultantes dos atos de liquidação impugnados (facto YY. do probatório), na procedência da impugnação destes atos tributários, terá também de proceder a pretensão de condenação da AT a restituir à requerente a quantia de imposto por ela indevidamente paga ao abrigo dos atos de liquidação cuja anulação se irá determinar a final.

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Decorre do art. 24.º, n.º 1, al. b), do RJAT que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão da qual não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais tributários estaduais, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando todos os atos e operações necessários para o efeito, norma esta que não pode ser desligada do que se dispõe no art. 100.º da LGT, nos termos do qual a plena reconstituição da situação atual hipotética compreende “o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.” Especificamente no que concerne à obrigação de juros indemnizatórios dispõe-se no art. 43.º, n.º 1, da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” De realçar que o erro que se exige nesta norma

não corresponde a um erro psicológico ou volitivo e a sua verificação tão-pouco reclama um juízo de culpa por banda da administração ou dos seus agentes: o erro de que se cuida neste preceito legal é o erro material ou objetivo que integra o vício de violação de lei, entendido como a desconformidade entre os pressupostos factuais invocados como motivação ou causa do ato concreto, ou a inexistência de tais pressupostos, e a previsão normativa em que se fundou o agir administrativo (erro nos pressupostos de facto) ou a divergência entre o conteúdo ou o objeto do ato e o bloco de juridicidade que lhe é aplicável (erro nos pressupos­tos de direito).

Dúvidas não podem existir de que a pretensão relativa a juros indemnizatórios tem também cabimento no meio processual arbitral. Na realidade, dispõe-se no art. 24.º, n.º 5, do RJAT que é “devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.” Tal normativo, conjugado com a circunstância de o processo arbitral ser uma alternativa à impugnação judicial, deve ser entendido como permitindo a condenação da administração fiscal no pagamento de juros indemnizatórios no quadro do processo arbitral tributário.

Aplicando este enquadramento jurídico ao caso sub judice, e resultando que a anu­la­ção dos atos de liquidação impugnados na presente arbitragem decorre da procedência de vícios puramente formais (vícios procedimento, de incompetência e de falta de fundamen­tação), não se mostra preenchida a factispécie do cit. art. 43.º, n.º 1, da LGT, que reconhece o direito à perceção de juros indemnizatório apenas nos casos em que a anulação do ato tributário tenha por base “erro [nos pressupostos de facto ou de direito] imputável aos serviços.” Como se decidiu no Acórdão do Supre­mo Tribunal Administrativo n.º 4/2024 (in D. R., 1.ª s., n.º 9/2024, pp. 105-102), “quan­do os atos tributários são anulados por vícios de forma (incompetência do autor do ato, vício proce­di­­mental, falta de fundamentação, ou equivalente), não são devidos juros indemniza­tórios, nos termos e para os efeitos do art. 43.º n.º 1 da LGT” (entendimento cuja constitu­ciona­lidade foi já assumida pelo Ac. TC n.º 203/2013). Tudo sem prejuízo, natural­mente, de que “nos casos em que existam razões atendíveis (fundamentos que suportem a violação de um direito de natureza substantiva) para que o sujeito passivo cujo tributo anulado com fundamento em vício de forma se não deva considerar indemnizado pela mera restituição dos valores que tenha pago, pode sempre utilizar-se a ação de responsabilidade civil para obter a reparação dos respetivos danos” (cit. Ac. STA n.º 4/2024).

Assim, a final ter-se-á de absolver a requerida quanto a este pedido acessório.

 

DA RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS,

Vencida na presente arbitragem, é a requerida responsável pelas custas — art. 12.º, n.º 2, do RJAT e arts. 4.º, n.º 5, e 6.º, al. a), do Regulamento de Custas da Arbitragem Tributária do CAAD.

Assim, tendo em conta o valor de EUR 58.056,17 atribuído ao presente processo arbi­tral em sede de saneamento, por aplicação da l. 7 da Tabela I anexa ao mencionado Regula­mento, há que fixar a taxa de arbitragem deste processo em EUR 2.142,00, em cujo paga­men­to se condenará a final a requerida.

 

 

— V—

            Assim, pelos fundamentos expostos, julgo a presente arbitragem procedente e, em consequência:

  1. Declaro ilegal e anulo a Liquidação de IRC n.º 2022..., bem como a correspondente liquidação de juros compensatórios;
  2. Declaro ilegal e anulo a Liquidação de IRS (retenções na fonte) n.º 2022-..., bem como a correspondente liquidação de juros compensatórios;
  3. Declaro ilegal e anulo a decisão final proferida no Processo de Reclamação Gra­cio­sa n.º ...2023..., na exata medida em que confirmou os atos tribu­tá­rios referidos nas alíneas anteriores;
  4. Condeno a requerida Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir à requerente o montante de imposto por esta pago ao abrigo dos atos de liquidação ora anulados;
  5. Absolvo a requerida Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido de pagamento de juros indemnizatórios; e
  6. Condeno a requerida Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas do presente processo, fixando o valor total da taxa de arbitragem em EUR 2.142,00.

 

 

Notifiquem-se as partes.

Registe-se e deposite-se.

 

CAAD, 7 de outubro de 2024.

 

 

O Árbitro,

 

Gustavo Gramaxo Rozeira.