SUMÁRIO
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A interpretação do Tribunal de Justiça sobre o direito da União Europeia é vinculativa para os órgãos jurisdicionais nacionais, com a necessária desaplicação do direito interno em caso de desconformidade com aquele.
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A legislação portuguesa de IRC, ao tributar por retenção na fonte dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a OIC’s constituídos ao abrigo da legislação de outro Estado, ao mesmo tempo que permite aos OIC equiparáveis constituídos ao abrigo da legislação nacional beneficiar, em idêntica situação, de isenção dessa retenção na fonte, não é compatível com o direito da União Europeia, por violação da liberdade fundamental de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE, conforme resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça no processo C-545/19, (acórdão de 17.03.2022).
DECISÃO ARBITRAL
A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão, com o número de contribuinte português..., com sede em ..., ... Frankfurt am Main, Alemanha, (doravante designado de “Requerente”), veio, nos termos legais, requerer a constituição de tribunal arbitral.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
I – RELATÓRIO
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O pedido
O Requerente peticiona a anulação dos atos tributários de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos ao ano de 2020, no montante total de 39 225,00€, e, bem assim, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
Pede ainda, o reconhecimento do direito do Requerente à restituição da quantia de EUR 39 225,00, relativa a retenções na fonte de IRC suportadas em Portugal sobre dividendos distribuídos no ano de 2020, ao abrigo do disposto nos artigos 94.º do CIRC e 22.º do EBF, tudo com as demais consequências legais, mormente o reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT;
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O litígio
A questão a decidir é saber se viola a liberdade de circulação de capitais, consagrada no artigo 63.º do TFUE, o facto de os dividendos distribuídos a organismos de investimento coletivo (OIC) não residentes, nem com estabelecimento estável em Portugal, por entidades com sede ou com estabelecimento estável em Portugal estarem aqui sujeitos a tributação por retenção na fonte, enquanto idêntico tipo de rendimentos, quando distribuídos a fundos de investimento constituídos e operando de acordo com a legislação nacional, estão isentos de tributação por força do disposto no nº 3 do art. 22.º do EBF.
O Requerente conclui, obviamente, pela positiva.
A Requerida defende a posição contrária, aderindo “in totum” às conclusões vertidas nas informações que sustentaram o indeferimento da reclamação graciosa. Em síntese, entende que conforme o estatuído no n.º 1 do artigo 22.º do EBF, o legislador circunscreveu tal regime jurídico aos OIC’s constituídos sob a égide do direito português e que operem de acordo com a legislação nacional, pelo que, atenta a natureza jurídica do Requerente não se lhe aplica, designadamente, por não preenchimento dos pressupostos plasmados no n.º 1 do artigo 22.º do EBF, considerando que não se constituiu, nem opera, nos termos da lei portuguesa.
Defende ainda que a sua posição não viola nenhum dos artigos do TFUE, da CRP e/ou o Acórdão do TJUE trazido à colação pelo Requerente.
Professa também, que em caso de procedência não assiste direito do Requerente à percepção de qualquer valor a título de juros indemnizatórios.
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Tramitação processual
O pedido deu entrada no dia 1/4/2024 e foi aceite em 3/4/2024.
O árbitro foi nomeado pelo Conselho Deontológico do CAAD, aceitando a nomeação, a qual não foi objeto de oposição.
O tribunal arbitral ficou constituído em 14/06/2024.
A Requerida apresentou resposta e juntou o PA.
Por despacho de 10/07/2024, foi dispensada a realização da reunião a que se refere o art. 18º do RJAT bem como a produção de alegações. Nenhuma das partes se opôs.
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Saneamento
Não existem questões prévias ou excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa. O Tribunal é o competente.
II.1 – Factos Provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
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O Requerente é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal alemão, uma entidade jurídica de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, constituída sob a forma contratual e não societária.
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O Requerente não dispõe de sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território Português, sendo residente para efeitos fiscais na Alemanha.
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No ano de 2020, o Requerente era detentor de participações sociais na D... SGPS. S.A., sociedade residente em Portugal.
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Ora, no referido ano, o Requerente, na qualidade de acionista desta sociedade residente em Portugal, recebeu os seguintes dividendos sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos:
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Os dividendos recebidos no decorrer do ano de 2020, foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25%, prevista no n.º 4 do artigo 87.º do Código do IRC (“CIRC”).
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O B... GmbH, é a entidade responsável pela custódia dos títulos, sendo o agente pagador em Portugal no período relevante o (C...), que procedeu à retenção na fonte de IRC (conforme declarado na respetiva Modelo 30), e procedido ao pagamento através da guia... .
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No dia 15.06.2022, o Requerente apresentou, ao abrigo do artigo 132.º n.ºs 3 e 4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e do artigo 137.º do CIRC, reclamação graciosa para apreciação da legalidade dos referidos atos de retenção na fonte de IRC relativos ao ano de 2020, na qual solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal.
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No dia 29.12.2023 (carta registada de 27.12), o Requerente foi notificado da decisão final de indeferimento da Reclamação Graciosa, fundada no entendimento de que “(…) não cabe à AT invalidar ou desaplicar o direito nacional em consequência de decisões do TJUE, substituindo-se ao legislador para além daquilo que possa considerar-se uma interpretação razoável.” (cfr. § 7 da decisão final de indeferimento) .
Acrescenta ainda esta decisão:
“(…) no que diz respeito aos OIC não residentes (que não disponham de um estabelecimento estável em território português), os mesmos não têm enquadramento na atual previsão do n.º 1 do art.º 22.º do EBF e, consequentemente, dos n.ºs 2, 3 e 10 da referida norma legal.
10. Na esteira do Acórdão do TJUE, no âmbito do n.º 10 do art.º 22.º do EBF, estão incluídos OIC constituídos nos demais Estados-membros e, por maioria de razão, os OIC constituídos nos demais Estados-membros da EU e que operem em território português através de um estabelecimento estável aqui situado.
11. Pelo que, nos parece viável uma interpretação jurídica conforme ao direito europeu, segundo a qual no âmbito da dispensa de retenção, estarão incluídos os OIC’s não residentes e que operem em território português através de um estabelecimento estável aqui situado.
12. Ora, no caso em apreço, conforme informado, o Reclamante não é residente fiscal e não dispõe de estabelecimento estável em Portugal, não se encontra enquadrado no n.º 1 do art.º 22.º do EBF.” (cfr. § 9 a 12 da decisão final de indeferimento).”
A convicção do tribunal fundou-se na análise dos documentos juntos aos autos, sendo que estes factos não suscitaram qualquer divergência entre as partes
I.2 - Factos não provados
Não existem factos dados como “não provados” relevantes para a decisão da causa.
Cumpre aferir se assiste razão ao Requerente quando alega a existência de uma discriminação, violadora do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE, dados os regimes de tributação diferenciados que o artigo 22.º do EBF estabelece, nos seus n.ºs 1, 3 e 10, para os dividendos de fonte portuguesa auferidos por OIC constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional, por comparação com os mesmos dividendos quando recebidos por OIC’s constituídos e residindo noutro Estado, referente ao ano de 2020, que foi entregue nos cofres do Estado – pago imposto de IRC no montante de total de 39 225,00€.
Esta questão foi objeto de pronúncia pelo Tribunal de Justiça, em 17 de março de 2022, no processo de reenvio prejudicial C-545/19, o qual versou sobre uma situação factual idêntica às dos presentes autos, suscitada por Tribunal constituído no CAAD (processo n.º 93/2019-T), no mesmo enquadramento legislativo.
Tendo em conta que a jurisprudência do TJUE quanto à interpretação do Direito da União tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, corolário do primado do Direito da União consagrado no n.º 4, do artigo 8.º da CRP, apenas há que tomar em consideração o constante de tal decisão do TJUE, a qual é (o último) exemplo de uma jurisprudência, versando sobre diferentes aspetos do tema em questão, desde há muito afirmada[1].
Citamos:
37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.
38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.
39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida).
Nos números seguintes de tal acórdão, o TJUE responde especificadamente às objeções do governo português, as quais, no essencial, coincidem com o argumentário vertido pela AT na sua resposta. Muito embora este tribunal não esteja obrigado a considerar todos e cada um dos argumentos expendidos pelas partes, mas apenas a apreciar os vícios invocados, remete-se para a decisão do TJUE também enquanto “contraponto” à resposta da AT.
Pelo que a este tribunal arbitral nada mais resta que cumprir com o ditame do TJUE.[2]
IV- JUROS INDEMNIZATÓRIOS
A liquidação e cobrança de imposto em violação do Direito da União Europeia confere ao contribuinte o direito a receber juros indemnizatórios, o que é jurisprudência pacífica (cf. neste sentido, entre outros, a decisão arbitral proferida no processo n.º 114/2022-T e o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.10.2020, proferido no processo n.º 01273/08.6BELRS).
Só que, porque num primeiro momento o erro apenas pode ser imputável ao substituto (e não à AT), há que observar o decidido pelo STA no acórdão de uniformização de jurisprudência de 29.06.2022, proferido no processo n.º 093/21.7BALSB: em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, da L.G.T.
Tem de proceder assim o pedido de pronuncia arbitral quanto ao ano de 2020, que foi entregue nos cofres do Estado – liquidado, imposto de IRC no montante de 39 225,00€, com efeitos a partir de 29/12/2023, cujos juros indemnizatórios deverão ser pagos a partir de 29 de Dezembro de 2023, artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT.
V – Decisão
Pelo exposto, decide-se:
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Julgar totalmente procedente o pedido e anular as retenções na fonte de IRC, no montante de 39.225,00 €, com referência ao ano de 2020, liquidado/pago no dia 15/5/2020 e, consequentemente, anular a decisão que versou sobre a reclamação graciosa.
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Condenar a Requerida, para além da devolução do imposto indevidamente pago, a pagar ao Requerente juros indemnizatórios, a liquidar nos termos legais, contados desde 29 de Dezembro de 2023.
Valor do processo – Fixa-se em 39.225,00 € euros, correspondente ao montante total das retenções/IRC impugnadas.
Custas, no montante de € 1.836,00 a cargo da Requerida.
Lisboa, 2 de Outubro de 2024
O Árbitro Singular
António Pragal Colaço
[1] Uma referência ao facto de o STA – como era seu dever – ter uniformizado a jurisprudência em obediência ao decidido pelo TJUE (ac. 093/19, de 28/09/2023).
Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, Processo, 093/19.7BALSB, de 28-09-2023, JOAQUIM CONDESSO
Sumário: I - Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação.
II - O artº.63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
III - A interpretação do artº.63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o artº.22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.”
[2] O signatário fez parte em decisões e decidiu no mesmo sentido nos Acórdãos Caad, processo n.º816/2021.T, processo n,º 438/2022-T, processo n.º 1052/2023-T, processo n.º 64-2024-T, processo n.º 206/2024-T, processo n.º 252/2024-T, processo n.º 307/2024-T, importando-se para os presentes autos toda a fundamentação aí vertida;