Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Manuel da Fonseca Benfeito e Prof. Doutor Francisco Nicolau Domingos (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 11-06-2024, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o número único de matrícula e identificação fiscal ..., com sede na ..., ..., ...-..., ..., ..., doravante designada como “A...”;
B..., S.A., matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e identificação fiscal ..., com sede na Rua ..., ... ... ..., ..., doravante designada como “B...”; e
C..., S.A., matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e identificação fiscal..., com sede no ..., ..., ...-..., ..., doravante designada como “C...”,
(doravante designadas conjuntamente como “Requerentes”), apresentaram pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação parcial da liquidação adicional de IRC de 2019 com o n.º 2023... e das liquidações de juros compensatórios com os n.ºs 2023... e 2023....
A anulação parcial refere-se a Remuneração Convencional do Capital Social (“RCSS”) e SIFIDE, nos seguintes valores:
a. pelo menos € 153.998,80 a título imposto liquidado a mais quanto à correcção atinente à RCCS da C...;
b. pelo menos € 204.488,75 a título imposto liquidado a mais quanto à correcção atinente à dotação de SIFIDE da C...;
c. pelo menos € 29.400,00 a título imposto liquidado a mais quanto à correcção atinente à RCCS da B...; ( [1] )
d. pelo menos € 51.381,93 título de juros compensatórios decorrentes do artigo 35.º da LGT;
As Requerentes pedem ainda indemnização por garantia indevida.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 28-03-2024.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 20-05-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 11-06-2024.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 05-09-2024, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e o Tribunal é competente.
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
-
A A..., S.A. (doravante “A...”) é sociedade dominante de grupo submetido ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS” e “Grupo D...) do qual a B..., S.A. (doravante “B...”) e a C..., S.A. (doravante “C...”) eram participantes no período de tributação de 2019;
-
A AT desenvolveu acção de inspecção interna à B... no que respeita ao exercício de 2019, em que foi elaborado o Relatório Final (“RIT”) que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), em que se refere, além do mais o seguinte:
III.1. CORREÇÕES À MATÉRIATRIBUTÁVEL
III.1.1. REMUNERAÇÃO CONVENCIONAL DO CAPITAL SOCIAL: 140.000,00 EURO
A B... SA deduziu para efeitos de determinação do lucro tributável o montante de 280.000,00 Euro incluído no campo 774 da declaração de rendimentos Mod.22 de IRC, correspondente a benefícios fiscais, que segundo decomposição constante do Anexo 22-D da referida declaração corresponde à Remuneração Convencional do Capital Social (no C409 do Anexo D) regulada pelo artigo 41.-ºA do EBF.
Enquadramento Legal:
Importa analisar o regime do benefício fiscal por Remuneração Convencional do Capital Social (RCCS) regulado pelo artigo 41º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) com a redacção vigente em 2019 (data em que foi constituído a direito original ao benefício fiscal nas sociedades incorporadas).
«1-Na determinação do lucro tributável das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas, empresas públicas, e demais pessoas coletivas de direito público ou privado com sede ou direção efetiva em território português, pode ser deduzida uma importância correspondente à remuneração convencional do capital social, calculada mediante a aplicação, limitada a cada exercício, da taxa de 7 % ao montante das entradas realizadas até (euro) 2 000 000, por entregas em dinheiro ou através da conversão de créditos, ou do recurso aos lucros do próprio exercício no âmbito da constituição de sociedade ou do aumento do capital social, desde que: (redação da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro)
(.. .)
c) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos;
d) A sociedade beneficiaria não reduza o seu capital social com restituição aos sócios, quer no período de tributação em que sejam realizadas as entradas relevantes para efeitos da remuneração convencional do capital social, quer nos cinco períodos de tributação seguintes. (redação da Lein.°42/2016, de 28 de dezembro)
6-O regime previsto no presente artigo não se aplica quando, no mesmo período de tributação ou num dos cinco períodos de tributação anteriores, o mesmo seja ou haja sido aplicado a sociedades que detenham direta ou indiretamente uma participação no capital social da empresa beneficiária, ou sejam participadas, direta ou indiretamente, pela mesma sociedade, na parte referente ao montante das entradas realizadas no capital social daquelas sociedades que haja beneficiado do presente regime. (Aditado pela Lei n.° 42/2016, de 28 de dezembro)»
Da análise efetuada:
Conforme referido anteriormente, a B... SA na determinação do seu resultado tributável deduziu o valor de 280.000,00 Euro a título do benefício fiscal previsto no Artigo 41.º-A do EBF designado por Remuneração Convencional do Capital Social (RCSS).
Constitui pressuposto da atribuição do benefício fiscal por RCSS a existência de aumento do Capital Social da sociedade pelo que se solicitou à empresa a indicação das operações que justificam o benefício fiscal no valor de 280.000,00 Euro que deduziu.
Justificou a empresa que o valor apurado corresponde a aplicação da taxa de 7% ao limite de 2.000.000 Euro, aos aumentos do Capital Social da própria B... SA e ainda da E..., S.A. que foi incorporada por fusão pela B... SA, com a aplicação do regime de neutralidade fiscal constante no artigo 74,° do CIRC, no dia 2018-12-28.
Os aumentos do capital da sociedade
A B... SA efetuou um aumento de Capital Social no valor de 2.500.000,00 Euro aprovado no seguimento de uma Assembleia Geral realizada no dia 2017-05-25 por entradas em dinheiro, realizado pelo sócio F... SGPS SA, NIF
... .
Por aplicação do artigo 41%-A do EBF, a sociedade deduziu na determinação do lucro tributável o montante de 140.000,00 Euro, que corresponde ao limite máximo do benefício fiscal por aplicação do n,° 1 do artigo 41.°-A do EBF.
Relativamente ao montante de 140.000,00 Euro de benefício fiscal que corresponde ao
benefício transmitido pela sociedade incorporada por fusão, a E..., S.A.
A E..., SA (NIF...) foi incorporada por fusão pela B... SA, com a aplicação do regime de neutralidade fiscal constante no artigo 74.º do CIRC, no dia 2018-12-28 e, de acordo com a ata da Assembleia Geral realizada no dia 2017-05-25, foi aprovado um aumento do Capital Social da E... no valor de 2.500.000,00 Euro por entradas em dinheiro, realizado pelo sócio G... .
A sociedade deduziu o correspondente benefício fiscal na sua Declaração Modelo 22 de 2017.
A data da fusão na B..., a sociedade era detida pela A...
SA, que na sequência do aumento de capital da incorporante, adquiriu ações desta sociedade.
Ou seja, o capital social da B... SA foi objeto de duas operações de
aumento nos anos de 2017 e 2018 sendo que:
-
Em 2017, foi aumentado de 2.500.000,00 Euro, por entradas em dinheiro; e
-
Em 2018, foi aumentado em 19.877.500,00 Euro decorrente da incorporação da E... SA, sendo que este montante Incorpora o aumento do capital daquela sociedade em 2017, no valor de 2.500.000,00 Euro, por entradas em dinheiro.
Do limite do benefício fiscal
No sentido de clarificar a legislação anteriormente mencionada, mais concretamente, saber se, sendo o limite de 2.000.000,00 Euro aplicável às entradas de capital relevantes e correspondendo a dedução ao rendimento, a 7% dessas entradas, podem ser deduzidas, cumulativamente e num mesmo período, as Importâncias referentes à RCCS relativas às entradas realizadas nesse período, bem como as relativas a outro(s) aumento(s) do capital social efetuado(s) em período(s) anterior(es) (por se encontrar em curso o período de dedução previsto na ai. b) do n.ª 2 do mesmo artigo), desconsiderando, desse modo, o limite máximo de dedução de 7% de 2.000.000,00 Euro em cada período de tributação, foi por Despacho da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira de 2020-12-11, divulgado o entendimento constante do oficio-circulado n.20226 de 2020-12-16.
No ponto 6 do referido oficio-circulado é esclarecido que: "(...) com a redação vigente, o sujeito passivo pode usufruir, anualmente e durante 6 anos, de uma dedução máxima de € 140.000,00, o que, no final dos 6 períodos de tributação, se traduz numa dedução total de € 840.000,00 (que corresponde a uma dedução de 42% do montante aplicado no aumento do capital social ou na constituição da sociedade)."
Importa transcrever o exemplo constante dos pontos 7 a 10 desse oficio-circulado por este ser bastante esclarecedor no que respeita à aplicação prática do limite constante do n.° 1 do artigo 41.%-A do EBF:
7. Uma empresa, no âmbito de um aumento de capital social efetuado em 2018 e através da realização de entradas no montante de € 500.000,00, pode, nesse período (e nos cinco períodos seguintes), deduzirão seu lucro tributável €35. 000,00.
8. Admitindo que em 2019, no âmbito de novo aumento do capital social são realizadas
entradas no montante € 2.000.000,00, dado que ainda se encontra a efetuar as deduções relativas ao aumento do capital social verificado em 2018 (por ainda estarem curso o período de dedução previsto na al. b) do n. 0 2), no período de tributação de 2019 apenas pode deduzir ao lucro tributável uma importância correspondente à RCCS resultante das entradas efetuadas no capital social nesse período pelo remanescente (€ 105.000,00), uma vez que o limite máximo permitido é de € 140.000,00 (7% x € 2.000.000,00).
9. Ou seja, no período de tributação de 2019 e até ao término do período de dedução relativo ao aumento do capital social efetuado em 2018 (i. é, até 2023), pode deduzir ao lucro tributável € 35.000,00 - relativos ao aumento do capital social efetuado em 2018- e € 105.000,00 -relativos ao aumento do capital social efetuado em 2019.
10. No período de tributação de 2024, e tendo já terminado o período de dedução relativo ao aumento do capital social efetuado em 2018, a dedução a efetuar ao lucro tributável relativa ao aumento de capital social efetuado em 2019 será do € 140.000,00, o limite máximo permitido."
Assim, a dedução máxima ao lucro tributável permitida, por período de tributação, será a que resulta do limite constante do n.° 1 do artigo 41.°-A do EBF, ou seja, 7% das entradas efetuadas até 2.000.000,00 Euro (140.000,00 Euro).
Do regime da neutralidade fiscal nas fusões
Invoca o sujeito passivo que o benefício fiscal por RCSS gerado na E... SA em 2017 é transmitido à sociedade incorporante por fusão (B... SA) por aplicação do disposto no artigo 75.º-A do CIRC.
Pela Lei n.° 2/2014, de 16 de janeiro, foi aditado o artigo 75,%-A4 do CIRC com a epigrafe
«Transmissão dos beneficias fiscais e da dedutibilidade de gastos de financiamento» onde se determina no n.º 1 que:
«1 - Os benefícios fiscais das sociedades fundidas são transmitidos para a sociedade
beneficiária, desde que nesta se verifiquem os respetivos pressupostos e seja aplicado o regime especial estabelecido no artigo 74.%.»
Ou seja,
Os benefícios fiscais das sociedades fundidas são transmitidos automaticamente para a sociedade beneficiária, se e só se:
(i) Houver a aplicação do regime especial estabelecido no artigo 74.° do CIRC (neutralidade fiscal das fusões); e
(ii) A sociedade beneficiaria da fusão, sociedade incorporante, verificar os respetivos pressupostos do benefício fiscal.
Não estando em discussão nesta fase a aplicação do regime especial previsto no artigo 74.-° do CIRC à fusão da E... SA na B... SA -considera-se demonstrada a verificação da primeira condição pelo que passamos a validar a verificação da segunda condição que emerge da norma citada.
Como já antes se indicou, constituem pressupostos à atribuição do benefício fiscal a verificação cumulativa de:
-
Existência de aumento do capital social numa das formas e nos prazos expressamente previstos - analisado de seguida;
-
A não existência de redução da capital social com a restituição aos sócios - Até à data, não se identificou o" registo de qualquer operação de redução do capital da sociedade incorporante com a restituição aos sócios após os aumentos do capital registados em 2017 e 2018;
-
A não existência, «no mesmo período de tributação ou num dos cinco períodos de tributação anteriores, o mesmo seja ou haja sido aplicado a sociedades que detenham direta ou indiretamente uma participação no capital social da empresa beneficiária, ou sejam participadas, direta ou indiretamente, pela mesma sociedade, na parte referente ao montante das entradas realizadas no capital saciai daquelas sociedades que haja beneficiado do presente regime.»- apesar das operações de reestruturação implementadas no grupo nestes períodos, não se identificou qualquer incumprimento a este pressuposto.
Conforme resulta do projeto de fusão:
"No âmbito da fusão procede-se ao aumento de capital da H... [posteriormente designada por B...], de 2.550.000 Euros para 22.427.500 Euros, sendo o valor do aumento de 19.877.500 Euros, mediante a emissão de 19.877.500 novas ações nominativas e escriturais do valor nominal de 1 Euro, todas a atribuir à sócia da sociedade a incorporar, A..., SA, correspondendo o novo capital à soma dos capitais sociais das sociedades participantes na fusão, estando representado por 22.427.500 ações do valor nominal de 1 Euro".
Ou seja, a B... SA beneficiou de dois aumentos do Capital Social com entradas em dinheiro sendo um 2017, na sua esfera própria, e outro em 2018 por via da incorporação por fusão de sociedade E... SA em que se havia também registado o aumento do Capital Social, também pelo montante de 2.500.000,00 Euro com entradas em dinheiro.
O princípio da neutralidade fiscal encontra-se sugerido no artigo 81° da Constituição da República Portuguesa (CRP) e revela-se no facto de "o Estado estar obrigado a não provocar e a obstar que outros provoquem distorções na concorrência", cuja defesa como vimos, constitui mesmo uma incumbência prioritária do Estado português.
O regime de neutralidade fiscal aplicável às operações de fusão nos termos do artigo 74.° do CIRC pressupõe que "tais operações não deverão ter consequências fiscais, na medida em que a actividade empresarial continua, ainda que sob novas formas jurídicas." - Rui Duarte Morais, "Apontamentos ao IRC", Almedina, 2007, pág. 167
É o que sucede na fusão, onde ocorre uma transferência global do património de uma das sociedades para a outra, ou onde ocorre constituição de uma nova sociedade e se transferem a globalidade dos patrimónios das duas anteriores sociedades.
Do tratamento fiscal de uma operação de fusão não deve resultar a imposição de uma tributação que não seja devida mas, também não deve instituir-se nenhuma prática que desvirtue a concorrência - como decorre da Diretiva 2009/133/CE do Conselho, de 19 de outubro de 2009, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões como se expressa no Considerando (2) que se transcreve:
«As fusões, as cisões, as cisões parciais, as entradas de activos e as permutas de acções entre sociedades de Estados-Membros diferentes podem ser necessárias para criar, na Comunidade, condições análogas às de um mercado interno e assegurar deste modo o bom funcionamento daquele mercado interno. Essas operações não deverão ser entravadas por restrições, desvantagens ou distorções resultantes em particular das disposições fiscais dos Estados-Membros. Importa, por conseguinte, prever, para essas operações, regras fiscais neutras relativamente a concorrência, a fim de permitir que as empresas se adaptem às exigências do mercado interno, aumentem a sua produtividade e reforcem a sua posição concorrencial no plano internacional.»
É nesse sentido que se reforça o entendimento de que da aplicação do regime de neutralidade fiscal não pode resultar um alargamento das condições de utilização do benefício fiscal em causa quando o legislador, de forma expressa, limitou a dedução a considerar por cada sujeito passivo em cada um dos períodos de tributação ao máximo de 7% dos aumentos de capital elegíveis com o limite de 140.000,00 Euros (7% de 2.000.000,00 Euros).
A continuidade da realidade fiscal iniciada com o aumento do Capital Social da E... SA e que sustentou a constituição em 2017 do benefício fiscal previsto no artigo 41,%-A do EBF na esfera daquela sociedade consegue-se através da incorporação por fusão na B... SA.
Como se demonstrou, o projeto de fusão demonstra a continuidade do Capital Social da E... SA na esfera jurídica da B... SA, sendo que um dos objetivos da fusão realizada, segundo projeto de fusão, é de transferir para a sociedade Incorporante a capacidade financeira da incorporada.
Estabelece o 11.º 1 do artigo 41.º-A do EBF que "pode ser deduzida uma importância correspondente a remuneração convencional do capital social, calculada mediante a aplicação, limitada a cada exercício, da taxa de 7% ao montante das entradas realizadas até (euro) 2 000 000".
Ou seja, o legislador limitou o acesso a este benefício fiscal a uma dedução que não pode
exceder em cada período o máximo de 140.000,00 Euro, ainda que os aumentos do Capital Social do sujeito passivo superem o valor de 2.000.000,00 Euros no período ou nos períodos anteriores.
A aplicação do regime de neutralidade fiscal não pode introduzir um desvio a este limite por ser contrário à Constituição uma vez que permitiria a existência de comportamentos de substituição como fosse a realização dos aumentos do capital em diferentes sociedades ao invés de se concretizar na sociedade beneficiária efetiva.
Conclusão
A B... SA deduziu indevidamente na determinação do lucro tributável o montante de 140.000,00 Euro que corresponde à diferença entre a dedução inscrita na Declaração Modelo 22 de IRC (Quadro 07 Campo 774), no valor de 280.000,00 Euro e o limite máximo de 140.000,00 Euro que decorre do estabelecido no n.º 1 do artigo 43.%-A do EBF.
-
Também quanto ao exercício de 2019, a AT efectuou acção de inspecção interna à C..., em que foi elaborado o RIT que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
III.1. CORREÇÕES À MATÉRIATRIBUTÁVEL
III.1.1. REMUNERAÇÃO CONVENCIONAL DO CAPITAL SOCIAL: 560.000,00 EURO
A C... SA deduziu para efeitos de determinação do lucro tributável o montante de 700.000,00 Euro incluído no campo 774 da declaração de rendimentos Mod.22 de IRC, correspondente a benefícios fiscais, que segundo decomposição constante do Anexo 22-D da referida declaração corresponde à Remuneração Convencional do Capital Social (no C409 do Anexo D) regulada pelo artigo 41.-ºA do EBF.
Enquadramento Legal:
(...)
Da análise efetuada:
Conforme referido anteriormente, a C... SA na determinação do seu resultado tributável deduziu o valor de 700.000,00 Euro a título do benefício fiscal previsto no Artigo 41.%-A do EBF designado por Remuneração Convencional do Capital Social (RCSS).
Constitui pressuposto da atribuição do benefício fiscal por RCSS a existência de aumento do Capital Social da sociedade pelo que se solicitou à empresa a indicação das operações que justificam o benefício fiscal no valor de 700,000,00 Euro que deduziu.
A empresa indicou em 2021-06-29 que o benefício fiscal decorre dos aumentos do Capital Social ocorridos na esfera da própria sociedade e das quatro sociedades incorporadas por fusão durante o período de 2019 sendo que, "... as fusões foram realizadas ao abrigo do regime da neutralidade fiscal, entendemos que o benefício gerado pelas sociedades I..., J..., K... e L... (sociedades incorporadas) foram transmitidos para a sociedade incorporante (C...) nos termos previstos no artigo 75.º-A, n.° 1 do Código do IRC, sendo que por isso a sociedade incorporante terá direito à dedução do benefício fiscal gerado por si e pelas sociedades incorporadas dado que estão cumpridos em todos os casos plenamente requisitos para os efeitos previstos no artigo 41.%-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais e não existiu qualquer incumprimento dos mesmos pelas sociedades intervenientes."
Complementa a empresa a sua justificação com o seguinte quadro:
A. Os aumentos do capital das sociedades
Considerando que um dos pressupostos para atribuição do benefício fiscal é a realização de um aumento do Capital Social nas condições estipuladas, procedeu-se à análise de cada um dos aumentos do capital que a empresa invoca como geradores do benefício fiscal.
i) C... SA
A C... SA efetuou um aumento de Capital Social no valor de 2.500.000,00 Euro aprovado no seguimento de uma Assembleia geral realizada no dia 2017-05-25.
O aumento do capital foi realizado pelo sócio M... SGPS SA por entradas em dinheiro.
A sociedade deduziu em 2017 e 2018, na determinação do lucro tributável o montante de 140.000,00 Euro, que corresponde ao limite máximo do benefício fiscal por aplicação do n.º 1 do artigo 41.° -A do EBF.
ii) I..., SA (NIF...)
A I... (NIF...) efetuou um aumento de Capital Social no valor de 2.500.000,00 Euro aprovado no seguimento de uma Assembleia Geral realizada no dia 2017-05-25.
O aumento do capital foi realizado pelo sócio N..., SGPS, SA, NIF ... por entradas em dinheiro.
A sociedade deduziu em 2017 e 2018, na determinação do lucro tributável o montante de 140.000,00 Euro, que corresponde ao limite máximo do benefício fiscal por aplicação do n.° 1 do artigo 41.° -A do EBF.
A N..., SGPS, SA, alienou em 2018-07-30 a totalidade da participação na I... à C..., SA.
Em 2019-01-04 foi registada a fusão da I... (NIF...) na C..., SA com a aplicação do regime de neutralidade fiscal constante no artigo 74.° do CIRC.
A C... SA à data da fusão detinha a totalidade do Capital Social da I... pelo que, de acordo com o projeto de fusão, o Capital Social da C... SA não foi alterado.
iii) K... (K...), NIF ...
A K... (K...), NIF ... efetuou um aumento de Capital Social no valor de 2.500.000,00 Euro aprovado no seguimento de uma Assembleia Geral realizada no dia 2017-05-25.
O aumento do capital foi realizado pelo sócio N..., SGPS, SA, por entradas em dinheiro.
A sociedade deduziu em 2017 e 2018, na determinação do lucro tributável o montante de 140.000,00 Euro, que corresponde ao limite máximo do benefício fiscal por aplicação do n.º 1 do artigo 41.° -A do EBF.
Em 2019-12-30 foi registada a fusão da K... na C..., SA, a última
detida pela A... com a aplicação do regime de neutralidade fiscal
constante no artigo 74.° do CIRC.
De acordo com o projeto de fusão, "No âmbito da fusão procedeu-se ao aumento do capital social da C..., de 51.100.000 Euro para 112.342.300 Euro, sendo o valor do aumento de 61.242.300 Euro, mediante a emissão de 61.242.300 novas ações nominativas e escriturais do valor nominal de 1 Euro, das quais 43.498.900 a atribuir à N..., SGPS, SA, NIPC..., sócia das sociedades a incorporar K... e J..., e 17.743.400 a atribui à A..., SA, NIPC..., sócia da incorporante. O valor do aumento do capital social corresponde à soma dos capitais próprios da K... e da J... – arredondado para a centena inferior – sublinhado nosso.
iv) J…, SA, NIF...
A J..., SA, NIF ... efetuou um aumento de Capital Social no valor de 2.500.000,00 Euro aprovado no seguimento de uma assembleia geral realizada no dia 2017-05-25.
O aumento do capital foi realizado pelo sócio N..., SGPS, SA, por entradas em dinheiro.
A sociedade deduziu em 2017 e 2018, na determinação do lucro tributável o montante de 140.000,00 Euro, que corresponde ao limite máximo do benefício fiscal por aplicação do n.º 1 do artigo 41.° -A d0 EBF.
Em 2019-12-30 foi registada a fusão da J..., SA, NIF ... na
C..., SA com a aplicação do regime de neutralidade fiscal constante no artigo 74.° do CIRC.
De acordo com o projeto de fusão, "No âmbito da fusão procedeu-se ao aumento do capital social da C..., de 51,100.000 Euro para 112.342.300 Euro, sendo o valor do aumento de 61.242.300 Euro, mediante a emissão de 61.242.300 novas ações nominativas e escriturais do valor nominal de 1 Euro, das quais 43.498.900 a atribuir à N..., SGPS, SA, NIPC..., sócia das sociedades a Incorporar K... e J..., e 17.743.400 a atribui à A..., SA, NIPC..., sócia da incorporante. O valor do aumento do capital social corresponde à soma dos capitais próprios da K... e da J... arredondado para a centena inferior."-- sublinhado nosso.
v) L…, SA, NIF…
A L..., SA, NIF ... efetuou um aumento de Capital Social no valor de 2.500.000,00 Euro aprovado no seguimento de uma Assembleia Geral realizada no dia 2017-065-25.
O aumento do capital foi realizado pelo sócio G..., SGPS, SA, por entradas em dinheiro.
A sociedade deduziu em 2017 e 2018, na determinação do lucro tributável o montante de 140.000,00 Euro, que corresponde ao limite máximo do benefício fiscal por aplicação do n.º 1 do artigo 41,°-A do EBF.
A G..., SGPS, SA alienou em 2019-10-11 a totalidade da participação na L... à C..., SA.
A C... SA à data da fusão detinha a totalidade do capital social da L... pelo que, de acordo com o projeto de fusão, o capital social da C... SA não foi alterado.
Decorre do ante exposto que:
a. o capital social da C... SA foi objeto de duas operações de aumento nos anos de 2017 e 2019, sendo que:
-
Em 2017, foi aumentado em 2.500.000,00 Euro, por entradas em dinheiro; e
-
Em 2019, foi aumentado em 61.242.300,00 Euro decorrente da incorporação por fusão com benefício do art,° 74 do CIRC, da K... e J..., sendo que estes montantes Incorporam o aumento do capital das sociedades realizado em 2017, no valor de 2.500.000,00 Euro cada uma, por entradas em dinheiro;
Acresce que as fusões das incorporadas I... e L... não originaram na incorporante C... qualquer aumento dos seus capitais que permitisse aplicação do art.º 41° do EBF, sem prejuízo do limite previsto no nº 1 do artigo.
B. Do limite do benefício fiscal
(...)
C. Do regime da neutralidade fiscal nas fusões
Invoca o sujeito passivo que os beneficias fiscais gerados por RCSS na I..., na K..., J... e na L... em 2017 são transmitidos à sociedade incorporante por fusão (B...) por aplicação do disposto no artigo 75.º-A do CIRC.
(...)
Não estando em discussão nesta fase a aplicação do regime especial previsto no artigo 74.-° do CIRC à fusão da C... SA com as incorporantes - considera-se
demonstrada a verificação da primeira condição pelo que passamos a validar a verificação da segunda condição que emerge da norma citada.
(...)
Ou seja, a C... SA registou dois aumentos do Capital Social com entradas em dinheiro, sendo um em 2017 na sua esfera própria, e outro em 2019 por via da incorporação per fusão das sociedades em que se havia também registado os aumentos do Capital Social de cada uma, também pelo montante de 2.500.000,00 Euro com entradas em dinheiro.
(...)
A continuidade da realidade fiscal iniciada com os aumentos do capital das sociedades
I..., da K..., da J... e da L..., que sustentou a constituição em 2017 do benefício fiscal previsto no artigo 41.º-A do EBF na esfera daquelas sociedades consegue-se através da incorporação por fusão de cada uma delas na C..., SA.
Como se demonstrou:
a. A reunião das realidades patrimoniais das incorporadas, K... e da J..., no património da sociedade incorporante provoca a continuidade, sob uma única entidade jurídica, do Capital Social das incorporadas o qual inclui, corno já anteriormente referido, os aumentos de capital em dinheiro realizados, em 2017. em cada uma das sociedades no montante de 2.500.000,00 Euro cada. Assim a entidade jurídica C..., SA incorpora aumentos de capital em 2017 superiores ao limite de 2.000.000,00 1::uros.
Ademais segundo os projetos de fusão um dos objetivos destas operações de concentração foi transferir para a sociedade incorporante a capacidade financeira das
incorporadas.
Ora estabelecendo o n.º 1 do artigo 41.º-A do EBF que "pode ser deduzida uma importância correspondente à remuneração convencional do capital social, calculada mediante a aplicação, limitada a cada exercício, da taxa de 7 % ao montante das entradas realizadas até (euro) 2 000 000".
Ou seja, o legislador limitou o acesso a este benefício fiscal a uma dedução que não pode
exceder em cada período o máximo de 140.000,00 Euro, ainda que os aumentos do capital do sujeito passivo superem o valor de 2.000.000,00 Euro no período ou nos períodos anteriores.
Também a aplicação do regime de neutralidade fiscal não pode introduzir um desvio a este limite por ser contrário à Constituição uma vez que permitiria a existência de comportamentos de substituição como fosse a realização dos aumentos do capital em
diferentes sociedades ao invés de se concretizar na sociedade beneficiária efetiva.
b. No que se refere à incorporação por fusão das sociedades detidas (a I... e a L...) na esfera jurídica da C..., SA, não se identifica, pelas razões já expostas, a continuidade do capital social das incorporadas razão pela qual não subsiste aumento de capital passível de ser alvo do benefício em causa, o que põe desde logo em causa o pressuposto previsto na al. d) do n.° 1 do artigo 41.A do EBF. Acresce que existindo aumento de capital na incorporante, por via da fusão, Imponha-se apurar se eram cumpridos os limites legalmente previstos na esfera da entidade jurídica C... .
Conclusão
A C... SA deduziu indevidamente na determinação do lucro tributável o montante de 560.000,00 Euro que corresponde à diferença entre a dedução inscrita na Declaração Modelo 22 de IRC (Quadro 07 Campo 774), no valor de 700.000,00 Euro e o limite máximo de 140.000,00 Euro que decorre do estabelecido no n.º 1 do artigo 41.º-A do EBF.
(...)
III.2.2. CORREÇÕES AO CÁLCULO DO IMPOSTO
III.2.2.1 CÁLCULO DA DOTAÇÃO POR SIFIDE NO PERÍODO : 204.488,75 EURO
A sociedade C... SA, NIF..., invoca na declaração de rendimento Modelo 22 de IRC de 2019, a constituição no período de um crédito fiscal por SIFIDE de 756.165,10 Euro que decorre de considerar despesas de I&D elegíveis nos termos do artigo 37.° do Código Fiscal do Investimento (CFI):
946.466,97 Euro de despesas com I&D em 2019
0,00 Euro de despesas com I&D em 2013
98.673,31 Euro de despesas com I&D em 2017
49.366,66 Euro média de despesas com I&D para os dois anos anteriores
Nos termos do artigo 38.º CPI, a empresa estimou o crédito fiscal que inscreveu no campo 710 de quadro 073 do anexo 22- D da Mcd.22 e que corresponde a:
307.601,44 Euro (I&D de 2019) x 32.5%
448.564,66 Euro (I&D 2019 - média 2017 e 2018) x 50%
756.166,10 Euro Total
(...)
Da análise
À data de submissão da declaração Modelo 22 de IRC base de análise neste procedimento de inspeção interna, a empresa invocou a constituição de um crédito fiscal por SIFIDE que calculou nos termos do artigo 38.° CFI e que corresponde a:
307.601,44 Euro (I&D de 2019) X 32,5%
448.564,66 Euro (I&D 2019-média 2017 e 2018) x 50%
756.166,10 Euro Total
A-Quanto às despesas de I&D de 2019
A empresa considerou o montante total de 946.465,97 Euro de despesas com I&D conforme processo de candidatura a SIFIDE submetido para a Agência da Inovação por via eletrónica em 2020-07-08.
Nos termos do artigo 40.º do CFI, é admitida a inclusão do crédito por SIFIDE que decorra de candidatura submetida em tempo pelo que, à data de submissão da Modelo 22 de IRC as despesas com I&D elegíveis para SIFIDE em 2019 são as que constam da candidatura, sem prejuízo de serem revistas após auditoria efetuada pela agência da Inovação.
Durante o procedimento de inspeção a empresa apresentou uma declaração emitida pela Agência da Inovação em que certifica o montante de despesas com I&D de 2019 que são elegíveis, não existindo qualquer alteração face ao valor proposto pela empresa.
B -Quanto às despesas de I&D de 2017 e 2018
A empresa considerou as despesas de I&D de 2017 e 2018 e que foram validadas pela
Agência da Inovação como elegíveis para SIFIDE na sequência dos requerimentos que
submeteu para obter o benefício fiscal naqueles períodos e que foram:
0,00 Euro de despesas com I&D em 2018
98.673,31 Euro de despesas com I&D em 2017
Em 2019-12-30, é registada a fusão pela qual a empresa incorpora as sociedades K...
, SA, NIF ... e a J... SA NIF... .
A operação de fusão por incorporação é realizada com a transferência global do património da K..., J... para a C..., SA, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 4 do art° 97.° do Código da Sociedades Comerciais.
O regime da fusão traduz a continuidade da atividade das empresas incorporadas na
sociedade Incorporante, mormente quando a operação se enquadra no regime de neutralidade fiscal como acontece com as operações em causa.
Com a inscrição da fusão no registo comercial as sociedades comerciais foram extintas,
transmitindo-se a universalidade dos respetivos direitos e obrigações para a C..., SA., deste modo, foram transferidos a totalidade dos ativos e passivos das sociedades incorporadas para a sociedade incorporante pelos respetivos valores contabilísticos, conforme constava dos balanços e no âmbito do regime especial de neutralidade fiscal, eliminando-se os saldos entre as sociedades envolvidas na fusão.
Para melhor compreensão dos efeitos fiscais da fusão devemos atender ao art.º 97.° e
seguintes do CSC.
Estabelece o artigo 97.° n.º 1 do CSC que duas ou mais sociedades, ainda que de tipo diverso, podem fundir-se mediante a sua reunião numa só. Na modalidade de fusão por incorporação, a fusão realiza-se mediante a transferência global do património de uma ou mais sociedades para outra e a atribuição aos sócios daquelas de partes, acções ou quotas destas (n.º 4).
Como é salientado pela doutrina, a fusão visa a concentração de atividades económicas tendo em vista a maximização dos fatores produtivos e otimização dos recursos das sociedades fundidas.
Com o registo comercial da fusão, operam os efeitos objetivos e subjetivos da fusão, a saber, respetivamente: (i) extinção das sociedades incorporadas ou, no caso de constituição de uma nova sociedade, todas as sociedades fundidas, transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade (al. a) do artigo 112.° do CSC); (ii) os sócios das sociedades extintas tornam-se sócios da sociedade incorporante ou da nova sociedade.
Ou seja, o registo comercial tem efeito constitutivo pois é a partir desta data que todos os direitos e obrigações são transmitidos para a nova sociedade ou sociedade incorporantes e se extinguem as sociedades incorporadas.
A unificação numa mesma entidade do património e posições jurídicas das entidades fundidas é mais do que uma qualquer transmissão onerosa das bens porque do que se trata é da integração numa mesma entidade dos direitos e obrigações das entidades envolvidas na fusão.
Assim, a C..., SA, incorpora na sua esfera as atividades antes desenvolvidas pelas sociedades incorporadas, sendo que essas sociedades Incorporadas, no exercício da sua atividade durante os anos de 2017 e 2018 - atividade que se transmitiu para a incorporante, desenvolveram atividades de I&D elegíveis para SIFIDE e cujas despesas ascenderam a um total de 817.954,98 Euro (ver quadro abaixo)
A continuidade da atividade deve ser refletida na determinação do crédito fiscal por SIFIDE por via da inclusão das despesas com I&D incorridas nos dois períodos anteriores quer pela incorporante, quer pelas sociedades incorporadas.
Assim, em conformidade com as despesas de I&D elegíveis para SIFIDE validadas pela Agência de Inovação nas candidaturas submetidas por cada uma das sociedades incorporadas para os períodos de 2017 e 2018 resulta que, para efeitos de determinação do incremento sujeito à aplicação da taxa marginal de benefício fiscal em 2019, a média das despesas incorridas pela C... SA ascende a 458.314, 15 Euro em vez de 49.336,66 Euro considerados pela empresa -como se mostra no quadro seguinte.
C -Cálculo do crédito fiscal a considerar nos termos do n.° 1 do artigo 38.° CFI
A assunção pela sociedade incorporada de todas as obrigações e direitos das sociedades incorporantes decorrente da operação de fusão, implica também considerar as despesas de I&D nos dois períodos anteriores (2017 e 2018) das sociedades incorporadas, conforme estipula alínea b) do n.º 1 do art.° 38.° do CFI, desta forma o cálculo para o crédito fiscal por SIFIDE de 2019 será como se apresenta no quadro seguinte:
D - Conclusão
A C..., SA, na determinação do crédito fiscal por SIFIDE de 2019, para efeitos de aplicação da taxa incremental prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 38.° do CFI, não considerou as despesas de I&D incorridas por duas sociedades que incorporou por fusão, despesas essas que haviam sido consideradas no crédito fiscal atribuído nos períodos de 2017 e 2018 às sociedades incorporadas.
Considerando que o crédito fiscal por SIFIDE nos termos do n.° 1 do artigo 38.° do CFI decorre das despesas de I&D no período de 2019 e da comparação com as despesas de idêntica natureza nos dois períodos anteriores, e que:
a. As despesas com I&D identificadas pela sociedade no processo de candidatura de 2019 ascendem a 946.465,97 Euro;
b. As despesas com I&D identificadas pela sociedade nos processos de candidatura de
2018 e 2017 ascendem a um total de 98.673,31 Euro;
c. As despesas com I&D identificadas nas sociedades incorporadas na C... SA, nos processos de candidatura a SIFIDE de 2017 e 2018, líquidos dos subsídios, ascendem a um total de 817.954,98 Euro, que a sociedade não considerou nos seus cálculos apesar de, à data de encerramento do período de tributação incorporar os ativos e a atividade antes desenvolvida pelas sociedades incorporadas por fusão.
Procedeu-se ao recálculo do benefício fiscal por SIFIDE a atribuir em 2019 à C...
, SA que conforme decorre do n.º 1 do artigo 38.° do CFI é de 551.677,35
Euro.
Assim, reduz-se em 204.488,75 Euro (756.166,10 - 551.677,35) o montante inicialmente
considerado pela empresa, inscrito no campo 710 do quadro 073 do anexo 22- D da Modelo 22 de IRC.
-
Foi efectuada também uma inspecção à A... relativa ao ano de 2019, em que foram reflectidas correcções efectuadas à matéria tributável das sociedades que integravam o grupo;
-
Nesta inspecção foi elaborado o Projecto de RIT consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
-
A A... na sequência da notificação do Projecto de RIT procedeu a regularizações;
-
Na sequência das regularizações, a A... foi notificada do RIT que consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
I.4.1. Correções à matéria tributável -- IRC
I.4.1.1. Decorrentes de procedimentos de inspeção a sociedades que integram o Grupo
(...)
I.4.1.1.6. Aumento do resultado tributável resultante de correção realizada no âmbito individual da sociedade C..., S.A.: 560.000,00 Euros.
No cumprimento da Ordem de Serviço n.º O12021..., realizou-se um procedimento de inspeção interno de âmbito parcial, relativo ao período de 2019, da sociedade C..., S.A., NIPC..., do qual originou correção ao resultado tributável individual declarado no valor total de 560.000,00 Euros.
Assim sendo, e tendo em conta que de acordo com o disposto no n.° 1 do artigo 70.° do Código do IRC, o resultado tributável do Grupo é ó constituído pelo somatório dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais de cada uma das sociedades que o compõem, a correção efetuada ao resultado individual da sociedade acima referida irá ser refletida no resultado declarado pelo Grupo, de acordo com o estipulado naquele normativo -ver pontos V.1.1.6.e X.
I.4.1.1.7. Aumento do resultado tributável resultante de correção realizada no âmbito individual da sociedade B..., S.A.: 140.000,00 Euros
No cumprimento da Ordem de Serviço n.° 012021..., realizou-se um procedimento de inspeção interno de âmbito parcial, relativo ao período de 2019, da sociedade B..., S.A., NIPC ..., do qual originou correção ao resultado tributável individual declarado no valor total de 140.000,00 Euros.
Assim sendo, e tendo em conta que de acordo com o disposto no n.° 1 do artigo 70.° do Código do IRC, o resultado tributável do Grupo é o constituído pelo somatório dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais de cada uma das sociedades que o compõem, a correção efetuada ao resultado individual da sociedade acima referida irá ser refletida no resultado declarado pelo Grupo, de acordo com o estipulado naquele normativo -ver pontos V.1.1.7. e X.
1.4.2. Correções ao cálculo do imposto do Grupo
1.4.2.1. Decorrentes de procedimentos de inspeção a sociedades que integram o Grupo
(...)
1.4.2.1.2. Cálculo da dotação por SIFIDE no período: 204.488,75 Euros
No cumprimento da Ordem de Serviço n.º 012021..., realizou-se um procedimento de inspeção interno de âmbito parcial, relativo ao período de 2019, da sociedade C..., S.A., NIPC..., do qual resultou uma redução de 204.488,75 Euros ao montante inicialmente considerado e inscrito no campo 71 O do quadro 073 do anexo 22-D à declaração Modelo 22 de IRC, no valor de 756.166, 10 Euros, pelo que o valor de crédito a atribuir à empresa nos termos do n.° 1 do artigo 38.° do CFI é de 551.677,35 Euros.
Assim sendo, e tendo em conta que de acordo com o disposto no n.º 6 do artigo 90.° do Código do IRC, o crédito de imposto por benefícios fiscais dedutível nos termos da alínea c) do n.° 2 do artigo 90.° do Código do IRC, irá ser refletido no cálculo do imposto a pagar pela sociedade dominante, nos termos do artigo 115.° do Código do IRC -ver pontos V.2.1.2. e X.
(...)
V.1.1.6. Aumento do resultado tributável resultante de correção realizada no âmbito individual da sociedade C..., S.A.: 560.000,00 Euros
No cumprimento da Ordem de Serviço n.° O12021..., realizou-se um procedimento de inspeção interno de âmbito parcial, relativo ao período de 2019, da sociedade C..., S.A., com o NIPC... .
As conclusões da ação inspetiva foram comunicadas à sociedade, nos termos do n.° 1 do artigo 77.° da Lei Geral Tributária e constam do relatório de inspeção tributária elaborado pela UGC em 2021-12-16, do qual se junta cópia e que constitui o Anexo F, o qual foi comunicado ao sujeito passivo conforme n/ ofício n.° ... de 2021-12-21.
Em consequência, corrigiu-se o resultado tributável da sociedade em 560.000,00 Euros referente à dedução indevida de benefício fiscal por Remuneração Convencional do Capital Social.
O Relatório de Inspeção emitido para conclusão do procedimento de inspeção ao abrigo da 012021..., é parte integrante do presente Relatório da Inspeção Tributária (Anexo F).
V.1.1.7. Aumento do resultado tributável resultante de correção realizada no âmbito individual da sociedade B..., S.A.: 140.000,00 Euros
No cumprimento da Ordem de Serviço n.° 012021..., realizou-se um procedimento de inspeção interno de âmbito parcial, relativo ao período de 2019, da sociedade B..., S.A., com o NIPC... .
As conclusões da ação inspetiva foram comunicadas à sociedade, nos termos do n.1 do artigo 77.°da Lei Geral Tributária e constam do relatório de inspeção tributária elaborado pela UGC em 2021-12-16, do qual se junta cópia e que constitui o Anexo G, o qual foi comunicado ao sujeito passivo conforme n/ ofício n.° ... de 2021-12-17.
Em consequência, corrigiu-se o resultado tributável da sociedade em 140.000,00 Euros referente à dedução indevida de benefício fiscal por Remuneração Convencional do Capital Social.
O Relatório de Inspeção emitido para conclusão do procedimento de inspeção ao abrigo da 012021..., é parte integrante do presente Relatório da Inspeção Tributária (Anexo G).
(...)
V.2.1.1. Redução do montante da dotação do período de benefício fiscal por SIFIDE II
1.854.488,75 Euros
(...)
b) C..., S.A.: 204.488,75 Euros
No cumprimento da Ordem de Serviço n.º 012021..., realizou-se um procedimento de inspeção interno de âmbito parcial, relativo ao período de 2019, da sociedade C..., S.A., com o NIPC... .
As conclusões da ação inspetiva foram comunicadas à sociedade, nos termos do n.° 1 do artigo 77.°da Lei Geral Tributária e constam do relatório de inspeção tributária elaborado pela UGC em 2021-12-16, do qual se junta cópia e que constitui o Anexo F, o qual foi comunicado ao sujeito passivo conforme n/ ofício n.º ... de 2021-12-21.
Em consequência, corrigiu-se o cálculo da dotação por SIFIDE do qual resultou uma redução de 204.488,75 Euros ao montante inicialmente considerado e inscrito no campo 71 do quadro 073 do Anexo 22-D à declaração Modelo 22 de IRC, no valor de 756.166,10 Euros, pelo que o valor de crédito a atribuir à empresa nos termos do n.º 1 do artigo 38.º do CFI é de 551.677,35 Euros.
O Relatório de Inspeção emitido para conclusão do procedimento de inspeção ao abrigo da 012021..., é parte integrante do presente Relatório da Inspeção Tributária (Anexo F).
-
No seguimento do referido RIT, a A... foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2023 ... e das liquidações de juros compensatórios n.º 2023 ... e n.º 2023 ..., (que constam do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), das quais resultou um valor a pagar de 222.633,62;
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A A... foi também notificada da liquidação adicional com o n.º 2023..., emitida em 20-12-2023, e das liquidações de juros compensatórios com os n.ºs 2023 ... 2023..., respeitantes ao exercício de 2019 do Grupo D..., bem como da demonstração de acerto de contas n.º 2023..., em que foi determinado o valor a pagar de € 7.305.681,75 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Antes de ser citada para o processo de execução fiscal destinado à cobrança coerciva daquele valor, a A... requereu à Autoridade Tributária e Aduaneira a prestação garantia bancária com vista à suspensão do processo de execução fiscal n.º ...2024... (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A B... apresentou a declaração modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2019 que consta do documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
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A C... apresentou a declaração modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2019 que consta do documento n.º 22 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
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A C... apresentou as declarações modelo 22 de IRC relativas aos exercícios de 2017 e 2018 que constam dos documentos n.ºs 11 e 12 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;
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A I..., SA (doravante designada como “I...”) apresentou as declarações modelo 22 de IRC relativas aos exercícios de 2017 e 2018 que constam dos documentos n.ºs 13 e 14 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;
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K... (doravante designada como “K...”) apresentou as declarações modelo 22 de IRC relativas aos exercícios de 2017 e 2018 que constam dos documentos n.ºs 15 e 16 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;
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A J..., SA (doravante designada como “J...”) apresentou as declarações modelo 22 de IRC relativas aos exercícios de 2017 e 2018 que constam dos documentos n.ºs 17 e 18 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;
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A L... (doravante designada como “L...”) apresentou as declarações modelo 22 de IRC relativas aos exercícios de 2017 e 2018 que constam dos documentos n.ºs 19 e 20 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;
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A A... apresentou as declarações modelo 22 de IRC relativas aos exercícios de 2017 e 2018 que constam dos documentos n.ºs 26 e 27 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;
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As certidões permanentes da I..., K..., J... e L... têm o teor que consta do documento n.º 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
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A Agência Nacional de Inovação (ANI) emitiu a declaração que consta do documento n.º 23, cujo teor se dá como reproduzido, relativa às despesas elegíveis para efeitos de SIFIDE nos anos de 2017, 2018 e 2019, recomendando a atribuição à C... de um crédito fiscal de € 756.166,07;
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A Agência Nacional de Inovação (ANI) emitiu a declaração que consta do documento n.º 24, cujo teor se dá como reproduzido, relativa às despesas elegíveis para efeitos de SIFIDE nos anos de 2016, 2017 e 2018, recomendando a atribuição à K... de um crédito fiscal de € 127.282,33;
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A Agência Nacional de Inovação (ANI) emitiu a declaração que consta do documento n.º 25, cujo teor se dá como reproduzido, relativa às despesas elegíveis para efeitos de SIFIDE nos anos de 2016, 2017 e 2018, recomendando a atribuição à J... de um crédito fiscal de € 199.981,97;
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A A... foi notificada da decisão da Agência Nacional de Inovação (ANI) relativa ao SIFIDE respeitante ao exercício de 2020 que consta do documento n.º 28 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
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Em 26-03-2024, as Requerentes apresentaram o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não se provou que no âmbito e na sequência das fusões tenha ocorrido qualquer redução de capital das sociedades incorporantes ou restituição aos sócios de capital.
Não se provou que o requerimento de prestação de garantia tivesse sido deferido. O requerimento está sujeito a apreciação pela entidade competente para autorizar o pagamento em prestações (artigo 199.º, n.º 9, do CPPT) e, neste caso, não se fez prova de que tenha sido apreciado e deferido.
Também não se provaram as despesas que a A... terá suportado com a prestação de garantia. Não foi indicado pelas Requerentes o montante dessas despesas nem feita a respectiva prova.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo.
3. Matéria de direito
A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou inspecções e empresas do grupo A..., relativamente ao ano de 2019, tendo efectuado várias correcções, que se traduziram na liquidação adicional de IRC e liquidações de juros compensatórios.
Dessas correcções, apenas três são impugnadas no presente processo, as que foram efectuadas relativamente às sociedades B... e C... e, depois reflectidas no resultado do grupo:
a) a correcção ao resultado tributável individual declarado pela B... no valor total de € 140.000,00 referente à dedução indevida de benefício fiscal por Remuneração Convencional do Capital Social (“RCSS”);
b) a correcção ao resultado tributável individual declarado pela C... no valor total de € 560.000,00 referente à dedução indevida de benefício fiscal por RCSS;
c) a correcção ao cálculo da dotação por SIFIDE no período, em montante de € 204.488,75, considerado e inscrito no campo 710 do quadro 073 do anexo 22-D à declaração Modelo 22 de IRC, no valor de € 756.166,10, pela C... e reflectido no Grupo.
As correcções baseadas em dedução indevida de benefício fiscal por Remuneração Convencional do Capital Social têm fundamentação essencialmente semelhante, pelo que se justifica que sejam apreciadas conjuntamente.
3.1. Correcções baseadas em dedução indevida de benefício fiscal por Remuneração Convencional do Capital Social
3.1.1. Posições das Partes
O artigo 41.º-A estabelecia o seguinte, na redacção da Lei n.º 114/2017, de 39 de Dezembro, no que aqui interessa:
Artigo 41.º-A
Remuneração convencional do capital social
1 - Na determinação do lucro tributável das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas, empresas públicas, e demais pessoas coletivas de direito público ou privado com sede ou direção efetiva em território português, pode ser deduzida uma importância correspondente à remuneração convencional do capital social, calculada mediante a aplicação, limitada a cada exercício, da taxa de 7 % ao montante das entradas realizadas até (euro) 2 000 000, por entregas em dinheiro ou através da conversão de créditos, ou do recurso aos lucros do próprio exercício no âmbito da constituição de sociedade ou do aumento do capital social, desde que:
-
a) A sociedade beneficiária seja qualificada como micro, pequena ou média empresa, de acordo com os critérios previstos no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 143/2009, de 16 de junho;
(...)
-
d) A sociedade beneficiária não reduza o seu capital social com restituição aos sócios, quer no período de tributação em que sejam realizadas as entradas relevantes para efeitos da remuneração convencional do capital social, quer nos cinco períodos de tributação seguintes.
2 - A dedução a que se refere o número anterior:
-
Aplica-se exclusivamente às entradas efetivamente realizadas em dinheiro, no âmbito da constituição de sociedades ou do aumento do capital social da sociedade beneficiária, às entradas em espécie realizadas no âmbito de aumento do capital social que correspondam à conversão de créditos em capital, e ao aumento de capital com recurso aos lucros gerados no próprio exercício, desde que, neste último caso, o registo do aumento de capital se realize até à entrega da declaração de rendimentos relativa ao exercício em causa;
-
É efetuada no apuramento do lucro tributável relativo ao período de tributação em que sejam realizadas as entradas mencionadas na alínea anterior e nos cinco períodos de tributação seguintes;
(...)
4 - O incumprimento do disposto na alínea d) do n.º 1 implica a consideração, como rendimento do período de tributação em que ocorra a redução do capital com restituição aos sócios, do somatório das importâncias deduzidas a título de remuneração convencional do capital social, majorado em 15 %
(...)
6 - O regime previsto no presente artigo não se aplica quando, no mesmo período de tributação ou num dos cinco períodos de tributação anteriores, o mesmo seja ou haja sido aplicado a sociedades que detenham direta ou indiretamente uma participação no capital social da empresa beneficiária, ou sejam participadas, direta ou indiretamente, pela mesma sociedade, na parte referente ao montante das entradas realizadas no capital social daquelas sociedades que haja beneficiado do presente regime.
Deste regime resulta que o benefício fiscal tem o valor máximo de € 140.000,00, correspondente a 7% do valor máximo das entradas realizadas, que é de € 2.000.000,00.
A B... deduziu à sua matéria tributável o montante de € 280.000,00, correspondente a benefício fiscal de RCCS, previsto no artigo 41.-ºA do EBF, que a Autoridade Tributária e Aduaneira reduziu para € 140.000,00.
A C... deduziu à sua matéria o valor total de € 700.000,00 também referente a RCCS, que a Autoridade Tributária e Aduaneira também eduziu para € 140.000,00.
Em ambos os casos, o excesso em relação ao valor de € 140.000,00 de dedução relativa à matéria tributável de cada uma destas sociedades, deveu-se a estas, para além de terem considerado o valor deste benefício fiscal de que usufruíam por entradas realizadas nelas próprias, terem considerado os mesmos benefícios fiscais de que usufruíam sociedades que foram incorporadas em cada uma delas, por fusão:
– no caso da B..., para além do benefício fiscal de € 140.000,00 por entradas em dinheiro nela realizadas, deduziu também o mesmo montante de que usufruía a E..., S.A.¸ nela incorporada por fusão, por entradas em dinheiro nesta realizadas, antes da fusão;
– no caso da C..., para além do benefício fiscal de € 140.000,00 por entradas em dinheiro nela realizadas, deduziu também os mesmos montantes desse benefício fiscal de que usufruía cada uma das sociedades I..., J..., K... e L..., que naquela foram incorporadas por fusão.
As Requerentes defendem, em suma, que os benefícios fiscais de que usufruíam as sociedades incorporadas por fusão se transmitiram para as incorporantes, por força do disposto no artigo 75.º-A , n.º 1, do CIRC que estabelece o seguinte:
1 - Os benefícios fiscais das sociedades fundidas são transmitidos para a sociedade beneficiária, desde que nesta se verifiquem os respetivos pressupostos e seja aplicado o regime especial estabelecido no artigo 74.º
A Autoridade Tributária e Aduaneira aceitou que houve aplicação do regime do artigo 74.º do CIRC (neutralidade fiscal das fusões), efectuou as correcções com base no seguinte entendimento, em suma:
– o legislador limitou o acesso a este benefício fiscal a uma dedução que não pode exceder em cada período o máximo de 140.000,00 Euro, ainda que os aumentos do Capital Social do sujeito passivo superem o valor de 2.000.000,00 Euros no período ou nos períodos anteriores;
– a aplicação do regime de neutralidade fiscal não pode introduzir um desvio a este limite por ser contrário à Constituição uma vez que permitiria a existência de comportamentos de substituição como fosse a realização dos aumentos do capital em diferentes sociedades ao invés de se concretizar na sociedade beneficiária efetiva;
– relativamente à C..., o benefício fiscal de que usufruíam I... e a L..., não se podia transmitir também por a fusão não ter dado origem à alteração do capital social da incorporante e, por isso, não existir uma continuidade do capital social das sociedades incorporadas e, como tal, não estaria verificado o requisito exigido pela alínea d) do n.º 1 do artigo 41.º-A do EBF;
– do tratamento fiscal de uma operação de fusão não deve resultar a imposição de uma tributação que não seja devida mas, também não deve instituir-se nenhuma pratica que desvirtue a concorrência;
– da aplicação do regime de neutralidade fiscal não pode resultar um alargamento das condições de utilização do benefício fiscal em causa quando o legislador, de forma expressa, limitou a dedução a considerar por cada sujeito passivo em cada um dos períodos de tributação ao máximo de 7% dos aumentos de capital elegíveis com o limite de 140.000,00 Euros (7% de 2.000.000,00 Euros).
As Requerentes defendem o seguinte, em suma:
– a única razão prevista para a cessação da aplicação do RCCS era a redução do capital social com restituição aos sócios dos montantes investidos e que estivessem estado na origem da concessão deste mesmo benefício, nada se referindo quanto aos casos de fusão;
– o artigo 41.º-A do EBF não continha qualquer norma sobre a transmissão do benefício fiscal daí vertente, nomeadamente em caso de fusão;
– o benefício fiscal da RCSS procurava incentivar a capitalização das sociedades por recurso a capitais próprios dos sócios ou gerados pela própria sociedade no contexto da sua actividade, procurando, pois, obstar ao efeito fiscal das dívidas financeiras;
– o objectivo assim declarado era prosseguido através da ficção de um custo fiscalmente dedutível referente a uma remuneração hipoteticamente devida sobre os fundos contribuídos pelos sócios a título de capital (ou sobre os fundos não distribuídos pela sociedade aos sócios) um “juro fictício”, que correspondia a uma percentagem das entradas no capital social das sociedades, que visava eliminar as assimetrias existentes no tratamento fiscal entre o capital próprio (e.g. entradas de capital) e o capital alheio (e.g. empréstimos);
– a dedução fiscal de um custo presumido e a reprodução desse custo fiscal por vários exercícios consecutivos, eram elementos nucleares do benefício fiscal da RCCS, sem os quais o mesmo deixaria de ser apto a incentivar a realização da capitalização pelos sócios e a reproduzir no tempo e no plano fiscal a dedução de um custo financeiro (juro) a que a sociedade teria direito tivesse recorrido, em alternativa, a um empréstimo;
– o comportamento extrafiscal incentivado (i.e., o aumento de capital) reporta-se, de facto, a cada sujeito passivo do IRC individualmente considerado, aceitando o legislador que, quanto a cada um dos relevantes sujeitos passivos de IRC, a perda de determinada receita fiscal pelo período de 6 exercícios;
– no seio dos Grupos de sociedades sujeitos ao RETGS, os requisitos da formação do benefício fiscal da RCCS são aferidos por cada uma das sociedades que os componham, pelo que, no limite, se todas as sociedades do Grupo tiverem preenchido os pressupostos do artigo 41.º-A do EBF, deverá suceder que todas deduzam, simultaneamente, € 140.000,00 ao respectivo lucro tributável, com os efeitos normais na definição do lucro tributável do Grupo sujeito a RETGS;
– o artigo 75.º-A do CIRC estabelece a regra de transmissibilidade automática, no contexto de fusão, para a sociedade incorporante, dos benefícios fiscais apurados pela sociedade incorporada, desde que i) os pressupostos de aplicação do benefício fiscal relevante se mantenham na sociedade incorporante; e que ii) à fusão seja aplicado o regime da neutralidade fiscal previsto no artigo 74.º do Código do IRC;
– aquele artigo do Código do IRC assume carácter excepcional perante o disposto no artigo 15.º do EBF, pelo que nas situações em que o mesmo se aplica, o artigo 75.º-A do Código do IRC, aquele artigo 15.º do EBF e o regime da (in)transmissibilidade aí vertido deve ter-se por totalmente afastado;
– com o artigo 75.º-A do EBF visou-se evitar que a cessação dos benefícios fiscais já gerados na esfera das sociedades contribuidoras em caso de fusão neutra pudesse desincentivar a realização de operações que fossem vantajosas de um ponto de vista económico;
– o sistema fiscal não deve “influenciar as escolhas mais eficientes da organização das atividades económicas ou do seu financiamento”27, prevalecendo a motivação económica no plano da reorganização ou reestruturação empresarial;
– o limite previsto no artigo 41.º-A do EBF não poderá impedir a transmissão automática do benefício fiscal que impõe o artigo 75.º-A n.º 1 do Código do IRC;
– a fusão não tem a capacidade de descapitalizar a sociedade que beneficiou do RCCS, nem de reverter o aumento de capital realizado;
– os sócios de cada uma das sociedades incorporadas na da B... e da C... realizaram, em seu tempo, um importante investimento de capital (in casu, mediante aumento de capital por entradas em numerário) com a (normal) expectativa de virem a beneficiar de um retorno fiscal no próprio e nos 5 períodos de tributação seguintes, ponderação de natureza fiscal que terá antecedido aquela própria decisão de investimento e também a decisão sobre a realização das fusões relevantes;
– foi entendido que a decisão de adoptar o comportamento economicamente mais racional e de quando o fazer não devia ser influenciado ou dificultado pela questão do aproveitamento de benefícios fiscais anteriormente fixados na esfera das sociedades incorporadas;
– a falta desta regra sobre a transmissibilidade dos benefícios fiscais nas operações de reorganização neutras, como as fusões neutras, os operadores económicos podiam ver-se forçados a aguardar longos períodos, no caso da RCCS 6 anos, até poderem concretizar uma fusão neutra sem a perda dos benefícios já apurados na esfera da(s) sociedade(s) a incorporar;
– sendo efectiva a necessidade de financiamento das sociedades em causa, a limitação da dedutibilidade do benefício da RCCS em caso de fusão neutra conforme sustentado pela AT, implicaria um real desincentivo ao financiamento através de capitais próprios face àquele com recurso a capitais alheios, pois os juros deste financiamento podem continuar a ser deduzidos apos a fusão;
– o n.º 4 do arrigo 75.º do Código do IRC prevê limite à dedução dos prejuízos transmitidos no âmbito de fusão neutra, mas nenhum imite se prevê para a transmissão de benefícios fiscais;
– a transmissibilidade do benefício fiscal do RCCS para as sociedades incorporantes e a dedução por estas da integralidade do benefício adquirido pelas sociedades incorporadas reproduz a situação que existiria caso a fusão não tivesse ocorrido;
– não ocorre qualquer aumento da capacidade de dedução de benefícios fiscais ou sequer qualquer aumento da perda de receita fiscal que não seja pretendida pelo Estado;
– uma interpretação do artigo 41.º-A, n.º 1 do EBF (tal como sufragada pela AT) segundo a qual o limite da dedução fiscal em cada exercício aí previsto configura um limite inultrapassável que prevalece sobre a regra da transmissibilidade automática dos benefícios fiscais, no caso de fusão fiscalmente neutra, não respeita o princípio da protecção da confiança que tutela as legítimas expectativas dos sócios das sociedades incorporadas de continuarem a poder usufruir, agora na esfera da sociedade incorporante, do benefício fiscal que tinha sido concedido às sociedades incorporadas antes da fusão;
– se o benefício é concedido para estimular comportamentos futuros, mediante certas condições e por prazo certo, é evidente que o contribuinte que atua satisfazendo tais condições tem a esperança de vir alcançar o benefício que determinou a sua actuação;
– a fixação do prazo assegura a previsibilidade do gozo do benefício, delimitando, no tempo, a situação jurídica individualizada que caracteriza o direito ao benefício; e a exigência de condições para a concessão do benefício revela, por si só, a existência de investimentos na confiança, que é requisito essencial à proteção da confiança;
– a interpretação e aplicação do artigo 41.º-A do EBF sustentada pela AT é, além de manifestamente violadora do artigo 75.º-A do EBF, desconforme ao princípio da neutralidade fiscal invocado pela própria AT, concretizado no artigo 81.º n.º 1 alínea f) da CRP;
– a imposição de um limite artificial à transmissibilidade do benefício da RCCS no contexto de fusão resulta na frustração da desejada neutralidade entre os comportamentos alternativos de financiamento da sociedade com contribuições a título de capital dos sócios e o financiamento da sociedade com recurso empréstimos;
– não preenchem a previsão do artigo 41.º n.º 1, alínea d) do EBF quaisquer formas de redução do capital social de uma sociedade que não impliquem a liberação de bens a favor dos sócios — ou seja, só se encontram abrangidas as reduções reais do capital social, mas já não as reduções meramente nominais;
– quando a sociedade incorporante detém a totalidade do capital social da sociedade fundida, a não atribuição de títulos da sociedade incorporante a si própria resulta tanto da proibição expressa da atribuição à sociedade incorporante das suas próprias acções, vertente do artigo 104.º, n.º 3 do CSC, como da desnecessidade de assegurar quaisquer relações de troca;
– a neutralidade económica da operação de reorganização, como é a fusão, no sentido de que a mesma não gera no plano patrimonial das entidades envolvidas qualquer aumento ou redução patrimonial surge (ainda) mais evidente nos casos de fusão por incorporação de uma sociedade na sua accionista única (como é o caso das fusões da I... e da L... na C...);
– da fusão não resulta qualquer aumento do património, quer dos sócios quer das sociedades incorporante e incorporada, mas antes uma reorganização jurídica dos meios produção (i.e. dos activos) destas duas sociedades pré-fusão;
– ainda que não tenha procedido a qualquer aumento do capital social da sociedade incorporante em consequência da incorporação por fusão da I... e L... (detidas a 100%), a sociedade incorporante registou uma reserva de fusão pelo valor correspondente à diferença entre o justo valor dos activos e passivos incorporados e o valor pela qual os respectivos investimentos (nessas subsidiárias) se encontravam contabilizadas na sua esfera, tendo este sido espelhado em outras componentes do capital próprio que, total ou parcialmente, no capital social;
– a incorporação dos activos líquidos das sociedades incorporadas na sociedade incorporante pelo respectivo justo valor gerou uma variação patrimonial positiva reflectida no capital próprio da sociedade incorporante (por via da dita reserva de fusão), ainda que nenhum aumento (ou qualquer outra alteração) no capital social e no valor nominal das participações dos sócios da sociedade incorporante tenha ocorrido;
No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende a posição adoptada nos processos inspectivos e invoca o despacho da Diretora de Serviços da DSIRC, por subdelegação de competências, datado de 23-05-2023 (Processo DSIRC 457/2023), o Ofício Circulado n.º 20226 de 16-12-2020 e a decisão arbitral do processo n.º 347/2023-T, defendendo, em suma, o seguinte:
– o n.º 1 do artigo 75.º-A do Código do IRC dispõe que “Os benefícios fiscais das sociedades fundidas são transmitidos para a sociedade beneficiária, desde que nesta se verifiquem os respetivos pressupostos e seja aplicado o regime especial estabelecido no artigo 74.º.”.
– assim, quando ocorra a fusão entre duas ou mais sociedades, os benefícios fiscais das sociedades fundidas são passíveis de serem transmitidos para a esfera da sociedade incorporante, desde que se encontrem reunidos os requisitos previstos no já referido n.º 1 do artigo 75.º-A do Código do IRC.
– salienta-se, contudo, que, atento o teor da questão colocada, não parece que esteja em causa a transmissibilidade do benefício da esfera da sociedade fundida para a esfera da sociedade incorporante, mas sim uma eventual derrogação do limite previsto no n.º 1 do artigo 41.º-A do EBF.
– assim, admitindo que o direito à transmissibilidade do benefício fiscal para a esfera da sociedade incorporante se encontra devidamente acautelado, importará, pois, atender às especificidades do benefício em causa e aferir os termos e condições em que o mesmo se reflete na sua esfera.
– no caso concreto, está em causa o regime da RCCS, mais especificamente o limite previsto no n.º 1 do artigo 41.º-A do EBF, o qual estabelece que a dedução a efetuar ao lucro tributável é “(…) calculada mediante a aplicação, limitada a cada exercício, da taxa de 7 % ao montante das entradas realizadas até (euro) 2 000 000, por entregas em dinheiro ou através da conversão de créditos, ou do recurso aos lucros do próprio exercício no âmbito da constituição de sociedade (…)”.
– acresce que, nos termos da alínea b) do n.º 2 do mesmo normativo, a referida dedução “É efetuada no apuramento do lucro tributável relativo ao período de tributação em que sejam realizadas as entradas mencionadas na alínea anterior e nos cinco períodos de tributação seguintes”.
– «(…) independentemente de ser efetuado apenas um aumento de capital ou vários aumentos de capital distribuídos por períodos de tributação distintos, a dedução ao lucro tributável do período está limitada a 7% do valor máximo suscetível de beneficiar do incentivo, os mencionados €2.000.000,00, isto é, a dedução máxima ao lucro tributável em cada período corresponde a €140.000,00”.
– «o artigo 41.º-A, n.º 1 do EBF ao estabelecer que “(...) pode ser deduzida uma importância correspondente à remuneração convencional do capital social, calculada mediante a aplicação, limitada a cada exercício, da taxa de 7 % ao montante das entradas realizadas até (euro) 2 000 000 (...)” está, isso sim, a limitar o valor máximo da dedução em cada exercício e não a limitar o valor das entradas realizadas em cada exercício».
– por um lado, isso resulta claro do próprio artigo 41.º-A do EBF quando se refere que “pode ser deduzida uma importância”. Ou seja, o legislador está a referir-se, isso sim, ao montante a ser deduzido. Por outro lado, se o legislador quisesse limitar o valor das entradas realizadas em cada exercício bastar-lhe-ia, por exemplo, referir que pode ser deduzida uma importância correspondente à remuneração convencional do capital social, calculada mediante a aplicação da taxa de 7 % ao montante das entradas realizadas em cada exercício até (euro) 2 000 000. Porém, não foi esta a opção do legislador. Mais ainda, em abono da clareza da letra da norma, veja-se Rogério Fernandes Ferreira, Marta Machado de Almeida, Soraia João Silva, Inês Tomé Carvalho e José Oliveira Marcelino: (Rogério Fernandes Ferreira, Marta Machado de Almeida, Soraia João Silva, Inês Tomé Carvalho e José Oliveira Marcelino in Revista Contabilista 262, pág. 42 Janeiro de 2022). “Assim, o sujeito passivo poderá usufruir do referido benefício, ainda que haja beneficiado do mesmo num dos cincos períodos de tributação anteriores, sem prejuízo de a importância a deduzir, em cada período, estar limitada ao referido montante. Neste sentido, ainda que sejam realizados vários aumentos de capital distribuídos por períodos de tributação distintos, a dedução ao lucro tributável de cada período está limitada a sete por cento do valor máximo susceptível de beneficiar do incentivo - os mencionados dois milhões de euros. Assim, a dedução máxima ao lucro tributável pela RCCS, em cada período de tributação, corresponde a 140 mil euros”;
– do regime em causa, não consta qualquer previsão legal que permita a aplicação de outro limite que não o que se encontra previsto no n.º 1 do Art.º 41.º-A do EBF, designadamente nas situações em que, na sequência de operações de reestruturação empresarial, se verifique a transmissibilidade do benefício fiscal da esfera das sociedades fundidas para a esfera da sociedade incorporante;
– o referido benefício fiscal relativo à RCCS, se consubstancia num direito à dedução ao rendimento de uma percentagem das entradas realizadas em cada período de tributação, sendo esse direito à dedução que se transmite nos termos previstos no n.º 1 do Art.º 75.º-A do CIRC;
– o art.º o 41.º-A, no seu n.º 1, impõe um limite máximo de dedução em cada período de tributação de € 140.000,00, o qual é aplicável à sociedade incorporante, não sendo tal limite suscetível de derrogação por ter ocorrido uma operação de fusão;
– assim, e sem prejuízo de a sociedade incorporante poder continuar a beneficiar da RCCS relativamente às entradas elegíveis efetuadas na esfera da(s) sociedade(s) fundida(s) (desde que cumpridos os requisitos previstos no n.º 1 do Art.º 75.º-A do Código do IRC), a dedução a que se refere o n.º 1 do Art.º 41.º-A do EBF deverá ser efetuada ao lucro tributável da sociedade incorporante, tendo como limite, em cada período de tributação, 7% das referidas entradas, até ao montante de € 2.000.000,00, ou seja , a dedução a efetuar ao lucro tributável, em cada período de tributação, poderá, no máximo, ascender a €140.000,00 (7%x2.000.000).
O regime da Remuneração Convencional do Capital Social (RCCS) estava previsto no artigo 41.º-A do EBF, tendo sido revogado pelo artigo 281.º da Lei n.º 24-D/2022, de 30 de Dezembro.
Nos termos do n.º 1 do artigo 41.º-A do EBF, na sua última redacção, vigente a partir de 01-01-2018, introduzida pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, quando foram efectuados os aumentos de capital das sociedades incorporadas, «na determinação do lucro tributável das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas, empresas públicas, e demais pessoas coletivas de direito público ou privado com sede ou direção efetiva em território português, pode ser deduzida uma importância correspondente à remuneração convencional do capital social, calculada mediante a aplicação, limitada a cada exercício, da taxa de 7 % ao montante das entradas realizadas até (euro) 2 000 000, por entregas em dinheiro ou através da conversão de créditos, ou do recurso aos lucros do próprio exercício no âmbito da constituição de sociedade ou do aumento do capital social»,
A aplicação deste regime dependia de várias condições, previstas nos números seguintes do artigo 41.º-A do EBF, que, nos casos em apreço, foram consideradas preenchidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, para formação do direito ao benefício fiscal a esfera das sociedades incorporadas (quer nos relatórios das inspecções tributárias, quer na Resposta apresentada no presente processo).
Para além disso, também não é controvertido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, antes é expressamente aceite na Resposta, que, quando ocorre «a fusão entre duas ou mais sociedades, os benefícios fiscais das sociedades fundidas são passíveis de serem transmitidos para a esfera da sociedade incorporante, desde que se encontrem reunidos os requisitos previstos no já referido n.º 1 do artigo 75.º-A do Código do IRC» (despacho da Diretora de Serviços da DSIRC citado na Resposta da AT).
Nos casos em apreço, também não é questionado, em geral, pela Autoridade Tributária e Aduaneira que se verificavam os requisitos previstos no artigo 75.º-A do CIRC para a transmissão dos benefícios fiscais para as sociedades incorporantes. Na verdade, apesar de a Autoridade Tributária e Aduaneira ter entendido que, quanto à fusão da I... e da L... na incorporante C..., não era permitida a aplicação do artigo 41.º-A do EBF, por não ter ocorrido «qualquer aumento dos seus capitais que permitisse aplicação» e não se identificar «a continuidade do capital social das incorporadas razão pela qual não subsiste aumento de capital passível de ser alvo do benefício em causa, o que põe desde logo em causa o pressuposto previsto na al. d) do n.° 1 do artigo 41.º-A do EBF», está-se perante uma condição negativa que se reconduz a um fundamento de cessação do benefício fiscal.
Assim, a Autoridade Tributária e Aduaneira apenas não aceita que, nesses casos em que estão reunidos os requisitos para a transmissão do benefício fiscal relativo a RCCS, para a sociedade incorporante, ocorra derrogação do limite previsto no n.º 1 do artigo 41.º-A do EBF, podendo esta cumular a totalidade de benefícios fiscais que lhe forem transmitidos pela fusão, para além daquele a que ela própria tenha direito por entregas verificadas nela própria.
É esta a questão que, quanto às correcções relativa à RCCS importa decidir.
3.1.1. Apreciação da questão do limite do benefício fiscal relativo à RCCS
3.1.1.1. Transmissão do benefício fiscal para as sociedades incorporantes
O regime da RCCS, depois de versões anteriores, foi introduzido no EBF pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, que veio a ser alterado pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, e Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, sendo a versão decorrente desta última Lei que estava em vigor em 2018/2019.
A RCCS tinha como objectivo reduzir a diferença entre o nível da tributação que recai sobre a tributação das empresas decorrente da opção por financiamento utilizando capitais próprios ou a capitais alheios, criando condições para o reforço dos capitais próprios, como se explicita no Relatório o Orçamento do Estado para 2008 (página 40).
Como dizem as Requerentes, o objectivo «era prosseguido através da ficção de um custo fiscalmente dedutível referente a uma remuneração hipoteticamente devida sobre os fundos contribuídos pelos sócios a título de capital (ou sobre os fundos não distribuídos pela sociedade aos sócios) um “juro fictício”, que correspondia a uma percentagem das entradas no capital social das sociedades, que visava eliminar as assimetrias existentes no tratamento fiscal entre o capital próprio (e.g. entradas de capital) e o capital alheio (e.g. empréstimos)».
Nos casos em apreço, cada uma das sociedades referidas (tanto as incorporadas como as incorporantes) preencheram os requisitos da aplicação deste regime com aumentos de capital realizados em 2018 superiores a € 2.000.000,00, pelo que, de harmonia com o preceituado no n.º 1 e na alínea b) do n.º 2 do artigo 41.º-A do EBF, cada uma delas adquiriu o direito a deduzir 7% daquele montante «no apuramento do lucro tributável relativo ao período de tributação em que sejam realizadas as entradas mencionadas na alínea anterior e nos cinco períodos de tributação seguintes», desde que não se verificasse a condição negativa prevista na alínea d) do n.º 1 daquele artigo («a sociedade beneficiária não reduza o seu capital social com restituição aos sócios, quer no período de tributação em que sejam realizadas as entradas relevantes para efeitos da remuneração convencional do capital social, quer nos cinco períodos de tributação seguintes»).
Sendo as sociedades incorporadas titulares dos respectivos benefícios fiscais nos momentos das fusões e tendo estas sido realizadas com aplicação do regime de neutralidade fiscal, eles transmitiram-se para as respectivas sociedades incorporantes, por força do preceituado artigo 75.º-A, n.º 1, do CIRC que estabelece que «os benefícios fiscais das sociedades fundidas são transmitidos para a sociedade beneficiária, desde que nesta se verifiquem os respetivos pressupostos e seja aplicado o regime especial estabelecido no artigo 74.º».
3.1.1.2. Aplicação do regime do artigo 41.º-A do EBF aos aumentos de capital efectuados pela I... e da L...
Sem questionar a verificação das condições positivas indicadas no corpo do n.º 1 do artigo 41.º-A do EBF, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que, nos casos das fusões da I... e da L... na incorporante C..., se verificou a condição negativa prevista na alínea d) do mesmo número, que é a de que «a sociedade beneficiária não reduza o seu capital social com restituição aos sócios, quer no período de tributação em que sejam realizadas as entradas relevantes para efeitos da remuneração convencional do capital social, quer nos cinco períodos de tributação seguintes».
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que esta condição se verificou por a incorporação da I... e da L... na C... não ter dado origem a alterações do capital social da incorporante.
No entanto, a alteração nominal do capital social da incorporante, designadamente a emissão de novas acções, não é condição do benefício fiscal, e essa não alteração não implica uma redução do capital nem qualquer restituição de capital aos sócios, nem é sequer alegado que isso tenha acontecido.
As normas sobre benefícios fiscais devem ser interpretadas de forma estrita, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos de 28-11-2012, processo 0529/12 e de 22-02-2017, processo n.º 01245/16), onde se lê que:
"Com efeito os benefícios fiscais, entre os quais a isenção de tributação, são, por natureza, de carácter excecional, pois encerram uma derrogação aos princípios gerais que presidem à tributação, visto que, de certo modo, derrogam os princípios da capacidade contributiva, da generalidade e da igualdade da tributação e apenas encontram justificação na tutela de interesses públicos constitucionalmente relevantes, superiores aos da própria tributação, sejam de carácter político, económico, social ou cultural (Manual de Direito Fiscal, 11ª edição com adenda, 2000, páginas 323/326, Nuno de Sá Gomes ...) As normas de benefícios fiscais merecem assim tratamento autónomo porque são normas anti-sistemáticas por definição, estando em tensão permanente com o princípio da capacidade contributiva, que derrogam como padrão na repartição do imposto (Vide Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, pág.. 312.). E é essa circunstância que legitima que se sustente quanto a elas um princípio de interpretação estrita ou declarativa (strict interpretation), fundado precisamente na sua natureza excepcional ou anti-sistemática".
Desta perspectiva, em face da letra da alínea d) do n.º 1 do artigo 41.º-A do EBF, não há suporte legal para entender que se verificou a condição aí prevista e tem de entender-se, como dizem as Requerentes, que «não preenchem a previsão do artigo 41.º n.º 1, alínea d) do EBF quaisquer formas de redução do capital social de uma sociedade que não impliquem a liberação de bens a favor dos sócios — ou seja, só se encontram abrangidas as reduções reais do capital social, mas já não as reduções meramente nominais».
Nestes casos, como se refere no Parecer junto aos autos, «não se verificou qualquer fenómeno de descapitalização da sociedade beneficiária do benefício fiscal da RCCS que a norma anti-abuso prevista no art.º 41.º-A, n.º 1 al. d) do EBF visou prevenir ou repudiar, mas tão somente uma reorganização dos elementos patrimoniais em jogo, sem qualquer aumento ou diminuição do património das sociedades em causa».
Por isso, não há qualquer obstáculo decorrente da alínea d) do n.º 1 do artigo 41.º-A do EBF à relevância na esfera da C... dos benefícios fiscais obtidos pela I... e pela L... .
3.1.1.3. Aplicação nas sociedades incorporantes do limite previsto no n.º 1 do artigo 41.º-A do EBF
O artigo 75.º-A do CIRC estabelece que «os benefícios fiscais das sociedades fundidas são transmitidos para a sociedade beneficiária, desde que nesta se verifiquem os respetivos pressupostos e seja aplicado o regime especial estabelecido no artigo 74.º» (regime de neutralidade fiscal, o que sucedeu nos casos dos autos).
Há, assim, uma intenção legislativa explícita de que, nos casos de fusão neutra, seja mantida, após a fusão, a situação anterior a ela, desde que se verifiquem os pressupostos na sociedade beneficiária.
O regime previsto no artigo 41.º-A é estabelece uma dedução ao lucro tributável, e não à colecta, pelo que é aplicável individualmente a cada sociedade que preencha os pressupostos aí previstos, traduzindo-se em dedução ao seu lucro tributável.
Assim, no caso dos grupos de sociedades, o limite previsto no artigo 41.º-A, n.º 1, do EBF aplica-se na «determinação do lucro tributável das sociedades comerciais», não havendo suporte textual para aventar que a dedução se aplique ao lucro tributável do grupo.
Por isso, nos casos de grupos de sociedades, em que «o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo» (artigo 70.º, n.º 1, do CIRC), as deduções aos lucros tributáveis das sociedades que o compõem reflectem-se, cumulativamente, na matéria tributável do grupo.
Sendo assim, nos casos de fusão, a cumulação de benefícios fiscais na esfera da sociedade incorporante não altera fiscalmente a situação anterior à fusão, antes consubstancia a manutenção, após a fusão, da situação que existiria se a fusão não tivesse ocorrido, o que é, precisamente, o legislativamente pretendido com a regra da transmissibilidade de benefícios fiscais prevista no artigo 75.º-A do CIRC.
Na verdade, como se diz no Parecer junto aos autos, «nem da fusão nem da transmissão automática imposta pelo art.º 75.º-A , n.º 1 do CIRC (e a que a AT pretende obstar) dos benefícios da RCCS das incorporadas para as incorporantes resulta qualquer alargamento das condições de utilização do benefício da RCCS uma vez que, na ausência da fusão, sempre cada uma das sociedades incorporadas poderia efetuar uma dedução ao lucro tributável de € 140.000» e «a fusão não traduziu qualquer aumento da capacidade de dedução de benefícios fiscais nem, claro está, qualquer aumento da perda de receita fiscal».
Esta regra do artigo 75.º-A tem em vista evitar que consequências negativas de natureza fiscal, como seria a cessação dos benefícios fiscais já obtidos pelas sociedades envolvidas na fusão, possam obstaculizar a optimização da reorganização empresarial pretendida pelos sujeitos passivos de IRC, desincentivando a realização de operações de reorganização economicamente vantajosas.
Este regime está em sintonia com a melhor doutrina económica que propugna que «no plano dos princípios, a reorganização ou reestruturação empresarial devia ser movida por factores económicos. O sistema fiscal não deveria influenciar as escolhas mais eficientes da organização das actividades económicas ou do seu financiamento». ( [2] )
Este regime não se pode considerar incompatível com a equilibrada concorrência, que a Constituição impõe que seja assegurada [artigo 81.º, alínea f), da CRP], pois o regime da RCCS visa atenuar as desvantagens fiscais que advêm para as empresas da opção por financiamento com capitais próprios em vez de recorrerem a capitais alheios, em face da dedutibilidade dos encargos financeiros que esta opção proporciona, nos termos do artigo 23.º, n.º 2, alínea c), do CIRC. ( [3] )
Para além disso, no que concerne à compatibilidade da aplicação do regime do artigo 75.º-A, n.º 1, ao benefício fiscal da RCCS com o Direito da União Europeia, no Considerando (2) da Directiva n.º 2009/133/CE do Conselho, de 19-10-2009, invocado nos Relatórios das Inspecções Tributárias, tem um alcance precisamente contrário ao pretendido pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Na verdade, refere-se nesse Considerando (2):
«(2) As fusões, as cisões, as cisões parciais, as entradas de activos e as permutas de acções entre sociedades de Estados-Membros diferentes podem ser necessárias para criar, na Comunidade, condições análogas às de um mercado interno e assegurar deste modo o bom funcionamento daquele mercado interno. Essas operações não deverão ser entravadas por restrições, desvantagens ou distorções resultantes em particular das disposições fiscais dos Estados-Membros. Importa, por conseguinte, prever, para essas operações, regras fiscais neutras relativamente à concorrência, a fim de permitir que as empresas se adaptem às exigências do mercado interno, aumentem a sua produtividade e reforcem a sua posição concorrencial no plano internacional». (negrito nosso)
Como resulta deste Considerando, a desejada concorrência atinge-se não impondo «restrições, desvantagens ou distorções resultantes em particular das disposições fiscais dos Estados-Membros», o que é confirmado pelo artigo 5.º da mesma Directiva relativamente a benefícios fiscais.
A não relevância cumulativa dos benefícios fiscais no lucro tributável da sociedade incorporante, nos casos de fusão, constituiria manifestamente uma desvantagem em relação à situação de relevância total que é assegurada a sociedades que integram um grupo de empresas.
Assim, a interpretação dos artigos 41.º-A, n.º 1, do EBF e 75.º-A, n.º 1, do CIRC exigida para assegurar a concorrência e que, por isso, é a compatível com o Direito da União e com a CRP, é, como dizem as Requerentes, permitir que a sociedade incorporante continue a deduzir na sua esfera, após a fusão, a totalidade das deduções fiscais título de RCCS que vinham sendo deduzidas por cada uma das sociedades incorporadas antes da fusão, o que se reconduz à reprodução completa, após a fusão, do cenário que existiria caso a fusão fiscalmente neutra não tivesse ocorrido.
Para além disso, como defendem as Requerentes, em sintonia com o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 309/2018, de 07-06-2018, processo n.º 486/15, o princípio da protecção da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático (artigo 2.º da CRP) tutela as legítimas expectativas dos sócios das sociedades incorporadas de continuarem a poder usufruir, agora na esfera da sociedade incorporante, do benefício fiscal que foi concedido às sociedades incorporadas antes da fusão, cujos efeitos o artigo 41.º-A do EBF assegura, durante seis períodos fiscais.
Assim, a interpretação da Autoridade Tributária e Aduaneira, que se reconduz à eliminação parcial dos benefícios fiscais globalmente adquiridos pelas sociedades envolvidas na fusão, antes do decurso dos períodos fiscais durante os quais esta norma estabelece os efeitos dos benefícios, em situação em que não se verificou qualquer condição negativa prevista na lei e, antes, a lei prevê expressamente a transmissibilidade para a sociedade beneficiária dos benefícios fiscais de que usufruíam as sociedades incorporadas (artigo75.º-A, n.º 1, do CIRC), é incompaginável com o princípio constitucional da confiança.
Pelo exposto, a liquidação impugnada, na parte em que tem subjacentes as correcções relativas à RCCS, enferma de vício de violação de lei que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
Sendo claro o referido Considerando (2) sobre a compatibilidade com o Direito da União da eliminação de entraves fiscais às fusões, não se torna necessário proceder ao reenvio prejudicial proposto pela Requerentes.
3.2. Questão da correcção relativa ao SIFIDE
A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma correcção ao cálculo do benefício fiscal do SIFIDE efectuado pela C... e inscrito na sua declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2019.
A Requerente C... apresentou durante o respectivo processo inspectivo uma declaração emitida pela Agência da Inovação em que se certifica o montante de despesas com I&D de 2019 que são elegíveis, não tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuado qualquer alteração face ao valor proposto pela empresa.
No que concerne às despesas de I&D de 2017 e 2018, a C... considerou as despesas de I&D de 2017 e 2018 e que foram validadas pela Agência da Inovação como elegíveis para SIFIDE.
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que «em conformidade com as despesas de I&D elegíveis para SIFIDE validadas pela Agência de Inovação nas candidaturas submetidas por cada uma das sociedades incorporadas para os períodos de 2017 e 2018 resulta que, para efeitos de determinação do incremento sujeito à aplicação da taxa marginal de benefício fiscal em 2019, a média das despesas incorridas pela C... SA ascende a 458.314, 15 Euro em vez de 49.336,66 Euro considerados pela empresa».
A correcção baseou-se, em suma, no entendimento de que «a C..., SA, na determinação do crédito fiscal por SIFIDE de 2019, para efeitos de aplicação da taxa incremental prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 38.° do CFI, não considerou as despesas de I&D incorridas por duas sociedades que incorporou por fusão, despesas essas que haviam sido consideradas no crédito fiscal atribuído nos períodos de 2017 e 2018 às sociedades incorporadas».
As Requerentes defendem que esta correcção é ilegal porque, em suma, a competência para «proceder à análise e certificação das candidaturas efectuadas pelos sujeitos passivos que almejem beneficiar deste crédito fiscal» cabe à Agência Nacional de Inovação, S. A. (ANI), inclusivamente para «o cálculo do acréscimo das despesas em relação à média dos dois exercícios anteriores e de outros elementos considerados pertinentes».
Desta perspectiva, as Requerentes defendem que a correcção pela Autoridade Tributária e Aduaneira efectuada em sede de SIFIDE é nula, de harmonia com o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 161.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), por não se incluir nas suas atribuições alterar esse cálculo do acréscimo de despesas efectuado pela ANI.
Para além disso, as Requerentes defendem que o cálculo efectuado pela C... é o correcto.
A Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua resposta, defende que o cálculo efectuado pela Autoridade Tributária e Aduaneira é o correcto.
3.2.1. Questão da falta de atribuições da Autoridade Tributária e Aduaneira para alterar o cálculo do acréscimo das despesas em relação à média dos dois exercícios anteriores
O artigo 40.º, n.º 1, do Código Fiscal do Investimento (CFI) estabelece, na redacção vigente em 2019, que
«1 – A dedução a que se refere o artigo 38.º deve ser justificada por declaração comprovativa, a requerer pelas entidades interessadas, ou prova da apresentação do pedido de emissão dessa declaração, de que as atividades exercidas ou a exercer correspondem efetivamente a ações de investigação ou desenvolvimento, dos respetivos montantes envolvidos, do cálculo do acréscimo das despesas em relação à média dos dois exercícios anteriores e de outros elementos considerados pertinentes, emitida pela Agência Nacional de Inovação, S. A., no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial, a integrar no processo de documentação fiscal do sujeito passivo a que se refere o artigo 130.º do Código do IRC.
Resulta inequivocamente do teor expresso desta norma que, para efeitos de SIFIDE, cabe à ANI a competência para a certificação dos elementos relevantes para determinação do SIFIDE, aí indicados, inclusivamente o «cálculo do acréscimo das despesas em relação à média dos dois exercícios anteriores».
Assim, é manifesto que não se insere nas atribuições da Autoridade Tributária e Aduaneira alterar o que foi certificado, designadamente através de novo cálculo da taxa incremental prevista aquela norma, como foi já esclarecido pelo Plenário do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 10-09-2014, processo n.º 01960/13, em que se refere:
– «a competência da entidade declarante/certificadora é atribuída com vista a um acto verificativo dirigido, em qualquer das respectivas vertentes (declaração da natureza da despesa e declaração da elegibilidade da despesa) apenas à atribuição do benefício fiscal ali regulado»;
– «embora apenas para efeitos de fiscalização posterior por parte da AT (que não para efeitos constitutivos do direito ao benefício em questão), a declaração da entidade certificadora passa a integrar o processo de documentação fiscal previsto no art. 121º do CIRC».
Não se estará, no entanto, perante uma situação de prática de acto para o qual a Autoridade Tributária e Aduaneira não tem atribuições, pois os actos tributários praticados por esta são a correcção efectuada no âmbito de uma inspecção tributária e a posterior liquidação que faz a sua aplicação, actos que que se inserem manifestamente nas suas competências, nos termos do artigo 54.º, n.º 1, alíneas a) e b), da LGT. A Autoridade Tributária e Aduaneira não praticou nenhum acto certificativo em substituição do praticado pela ANI.
No entanto, o vício invocado pelas Requerentes, que se reconduz ao não acatamento pela Autoridade Tributária e Aduaneira do decidido pela ANI através de acto administrativo praticado no exercício das suas atribuições, consubstancia vício de violação de lei, gerador de anulabilidade, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT,
Na verdade, o acto certificativo praticado pela ANI é um acto administrativo constitutivo do direito ao benefício fiscal, à face da definição fornecida pelo n.º 3 do artigo 167.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), como as Requerentes referem no excerto que transcrevem do acórdão do Plenário do Supremo Tribunal Administrativo, pois este acto atribui uma situação jurídica de vantagem à C... . Assim, como também referem as Requerentes, daquela jurisprudência decorre que «a elegibilidade ou inelegibilidade em termos fiscais fica desde logo definida com a decisão da entidade certificadora, sem necessidade de ulterior acto da administração tributária».
Sendo assim, como defendem as Requerentes nos artigos 323.º, 328.º, 329.º, 331.º e 333.º do pedido de pronúncia arbitral, a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode questionar ou corrigir aquele acto administrativo.
Com efeito, sendo acto constitutivo de direitos, aquele acto administrativo inclui-se no bloco de legalidade que a Administração Tributária tem de respeitar, por força do princípio da legalidade (invocado pelas Requerentes no artigo 331.º do pedido de pronúncia arbitral), pois esse princípio, que também vigora no procedimento tributário (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT) impõe a obediência da actividade administrativa «à lei e ao direito» (artigo 3.º, n.º 1, do CPA) e «a submissão ao direito vai muito além de um entendimento positivista da ordem jurídica, implicando a submissão a princípios gerais de direito, à Constituição, a normas internacionais, a disposições de carácter regulamentar, a actos constitutivos de direitos, etc.». ( [4] )
Pelo exposto, a correcção efectuada em sede de SIFIDE enferma de vício de violação de lei, por violação do princípio da legalidade, o que justifica a sua anulação, bem como da liquidação, na parte em que tem como pressuposto essa correcção.
3.3. Liquidação de juros compensatórios
A liquidação de juros compensatórios tem como pressuposto a liquidação de IRC, pelo que os vícios de que enferma a liquidação afectam também a liquidação de juros compensatórios, nas partes correspondentes às correcções cuja ilegalidade é questionada no presente processo.
Por isso, justifica-se também a anulação parcial da liquidação de juros compensatórios em medida correspondente à anulação parcial da liquidação de IRC.
3.4. Questões de conhecimento prejudicado
Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da liquidação impugnada, nas partes que são objecto do presente processo, por vícios que impedem a renovação do acto, quanto às correcções impugnadas, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento das restantes questões colocadas pelas Requerentes, pelo que não se toma delas conhecimento.
4. Indemnização por garantia indevida
As Requerentes pedem indemnização por garantia indevida.
A Requerente A... requereu a prestação de garantia, mas não se provou que ela tivesse sido aceite, nem o montante das despesas que terá sido suportado.
Nestas condições, não há elementos que permitam concluir pelo direito a indemnização, sem prejuízo de ele poder vir a ser reconhecido em execução de julgado ( [5] ) ou em processo autónomo.( [6] )
5. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, quanto à declaração de ilegalidade parcial das liquidações de IRC e juros compensatórios;
-
Anular parcialmente a liquidação de IRC com o n.º 2023... e, também parcialmente, as liquidações e juros compensatórios com os n.ºs 2023... e 2023..., nas partes correspondentes às correcções relativas à Remuneração Convencional do Capital Social e ao SIFIDE, impugnadas no presente processo;
-
Julgar improcedente o pedido de indemnização por garantia indevida, sem prejuízos de o direito a indemnização poder vir a ser reconhecido em execução de julgado ou processo autónomo.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 439.269,49, indicado pelas Requerentes sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.038,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 18-09-2024
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(relator)
(Manuel da Fonseca Benfeito)
(Francisco Nicolau Domingos)
[1] Por lapso manifesto, as Requerentes referem aqui a C..., resultando do artigo 20.º, alínea a), do pedido de pronúncia arbitral que o valor de € 29.490,00 de RCCS se reporta à B... (€ 140.000,00 x 21%).
[2] ANTÓNIO MARTINS, A Influência da Lei Fiscal nas Decisões de Reestruturar: uma perspectiva financeira
in Reestruturação de Empresas e Limites do Planeamento Fiscal, 2009, página 37.
[3] M. DE FREITAS PEREIRA, Fiscalidade, 3.ª edição, página 423: «É normalmente reconhecido que o financiamento por capitais alheios particularmente através de empréstimos dos sócios, ao permitira dedução dos encargos financeiros correspondentes para efeitos de determinação do resultado tributável, se apresenta fiscalmente favorecido em relação ao financiamento por capitais próprios».
[4] DIOGO FREITAS DO AMARAL et alii, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3.ª edição, página 40.
[5] Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 13-04-2011, processo n.º 01032/10; de 08-10-2014, processo n.º 01016/14; de 29-04-2015, processo n.º 01166/13; de 15-11-2017, processo n.º 01154/17,
[6] Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 24-10-2012, processo n.º 0528/12; de 29-04-2015, processo n.º 01166/13.