Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 85/2024-T
Data da decisão: 2024-09-27  IRS  
Valor do pedido: € 5.997,33
Tema: IRS – Regime fiscal aplicável a ex-residentes; artigo 12.º-A do Código do IRS. Valor da causa.
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Sumário:

  1. Quando não tenha havido liquidação (no sentido de imposto a pagar) ou o imposto liquidado não seja impugnado, o valor da causa é igual ao valor contestado da fixação da matéria tributável.
  2. Não existe qualquer norma legal, nomeadamente no Código do IRS, que condicione/limite os meios de prova de que o contribuinte se pode servir para comprovar a sua residência fiscal, designadamente exigindo a apresentação de um certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais de outro país.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            I. Relatório

1. No dia 19 de janeiro de 2024, A..., NIF..., residente na Rua ..., ..., ..., ...-... Lisboa (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à ilegalidade do ato de liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao ano de 2022 e do qual resultou o valor a reembolsar de € 2.612,26, na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada contra essa mesma liquidação de imposto.

O Requerente juntou 8 (oito) documentos, requereu a prestação de declarações de parte e arrolou 2 (duas) testemunhas, das quais posteriormente prescindiu, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas. 

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

 

2. Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), o Requerente alega, essencialmente, o seguinte:

O Requerente estabeleceu a sua residência na Suíça, em abril de 2017, para aí exercer a sua atividade profissional, a partir de 01.05.2017, tendo residido naquele país entre 26.04.2017 e 01.09.2021.

Em 02.09.2021, o Requerente regressou a Portugal e aqui restabeleceu a sua residência, após ter cessado o contrato de trabalho com a empresa estrangeira onde exercia funções na Suíça, em 31.08.2023.        

Em 24.06.2022, o Requerente procedeu à entrega da declaração de IRS, relativa ao ano de 2021. Previamente, uma vez que pretendia beneficiar do regime fiscal aplicável a ex-residentes, questionou a AT acerca do preenchimento da declaração de IRS, tendo-lhe sido transmitido que, por não ter auferido qualquer rendimento de trabalho dependente nem rendimentos empresariais e profissionais em Portugal, no ano de 2021, não seria possível mencionar naquela declaração que pretendia beneficiar do dito regime, devendo fazê-lo em declaração futura quando efetivamente tivesse rendimentos da categoria A. Ainda aquando da entrega daquela declaração de IRS, o Requerente deparou-se com o facto de a mesma obrigar à escolha de apenas um dos campos relativos à sua residência, tendo então indicado ser residente em Portugal no ano de 2021, apesar de apenas o ser a partir dos últimos 120 dias do ano.

Em 01.02.2022, o Requerente começou a trabalhar em Portugal, auferindo consequentemente rendimentos do trabalho dependente a partir dessa data.

Em abril de 2023, aquando do preenchimento da declaração de IRS relativa ao ano de 2022, o Requerente, tendo auferido rendimentos do trabalho dependente, tentou mencionar pretender beneficiar do regime fiscal aplicável a ex-residentes, conforme as instruções recebidas da AT no ano anterior. Porém, ao fazê-lo, surgiu a seguinte mensagem de erro: “Regime Fiscal Ex-Residente não Permitido – Reside em PT últimos 3A (Z10)”. Acontece que, o Requerente não foi residente em Portugal entre abril de 2017 e setembro de 2021.

Tendo questionado a AT sobre aquela mensagem de erro e não tendo recebido qualquer esclarecimento, o Requerente submeteu nova declaração de IRS, agora sem mencionar poder beneficiar do regime decorrente do Apoio ao Regresso de Emigrantes a Portugal.

O Requerente entende que pode e deve beneficiar desse regime fiscal, reunidos que estão todos os pressupostos legais para o efeito – estabelecidos no artigo 12.º-A, n.º 1, do CIRS – e, por isso, pode ser tributado de acordo com as regras que lhe são próprias e, desse modo, o ato de liquidação de IRS em crise padece de erro nos pressupostos de facto e de direito.

O Requerente termina o seu pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA) peticionando o seguinte:

“Termos em que se requer a constituição do Tribunal Arbitral a anulação do ato de liquidação de IRS n.º 2023... emitido com referência ao ano de 2022, com as demais consequências legais, designadamente, a anulação do referido ato de liquidação e, designadamente, a sua substituição por novo ato de liquidação que aplique o regime fiscal aplicável a ex-residentes a que o Contribuinte tem direito.”

 

3. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e notificado à AT em 26 de janeiro de 2024.

           

4. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 11 de março de 2024, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 1 de abril de 2024.

 

5. No dia 29 de abril de 2024, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou os argumentos aduzidos pelo Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

A Requerida juntou 4 (quatro) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas; na mesma ocasião, a Requerida procedeu à junção aos autos do processo administrativo (doravante, PA).

A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, na seguinte argumentação:    

Em 01.04.2023, o Requerente entregou a declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2022, na qual mencionou ser residente em Portugal, bem como declarando no Anexo A os rendimentos auferidos em território nacional, a qual deu origem à liquidação ora em crise. Alega a Requerida que o regime fiscal aplicável a ex-residentes, apesar de assumir um caráter automático, na medida em que a sua aplicação não está dependente de um qualquer ato de reconhecimento por parte da AT, exige do contribuinte interessado a obrigação de manifestar a sua opção pela aplicação da exclusão de tributação sobre parte dos rendimentos auferidos se referentes às categorias delimitadas na declaração anual de rendimentos que apresente.

Por outro lado, a Requerida argumenta que, consultado o Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes (SGRC), verifica-se que o Requerente: em 16.09.2019 era residente em território português; e, em 16.09.2019, data a partir da qual foi comunicada à AT a alteração do estatuto de residência para a Suíça, com efeitos a 17 desse mês e que se prolongou até 14.09.2021, quando passou novamente a assumir a sua situação de residente, igualmente assim se tendo inscrito aquando da apresentação da declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2021. É certo, diz a Requerida, que o Requerente afirma que a sua condição de não residência por razões profissionais teve início em abril 2017, no entanto ele não deu cumprimento às respetivas obrigações declarativas, com os efeitos de ineficácia daí decorrentes. Ademais, atento o disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoque pelo que, entendendo que a situação constante do SGRC não coincide com a real, sempre poderia o Requerente ter diligenciado, através de meio idóneo e legalmente aceite, ilidir e alterar a informação relativa à sua situação de residência, mesmo que com efeitos retroativos.

            A Requerida argumenta, ainda, que apesar de o Requerente alegar ser não residente desde meados de 2017, o que pretende comprovar com uma declaração datada de 26.10.2021, emitida pelo Serviço de Controle de Habitantes de Lausanne, onde se expressa ter o contribuinte estado inscrito como residente nessa cidade, entre 26.04.2017 e 01.09.2021, o certo é que tal documento não permite contraditar de modo idóneo a residência para efeitos fiscais, notando-se ser esta a realidade relevante na factualidade em análise e não o simples conceito de domicilio ou permanência. Por isso, diz a Requerida que, para efeitos tributários, a residência fiscal do Requerente mostra-se sita em Portugal até 2019, na medida em que sendo admitida a prova em contrário do que decorre do SRC, que o interessado não promoveu em tempo, o certo é que tal exige que o mesmo seja comprovado por certificado de residência fiscal emitido pelas Autoridades Tributárias Suíças no quadro da CDT celebrada entre Portugal e a Suíça (artigo 4.º da CDT).

            A Requerida conclui afirmando que os pressupostos e condições legalmente previstas para que o contribuinte pudesse beneficiar do regime aplicável aos ex-residentes não se mostram cumpridos na sua totalidade, pois o contribuinte que não poderia ser considerado residente em qualquer dos três anos anteriores a 2021, ano em que regressa à situação de residente, consta como residente fiscal em Portugal em 2019; por consequência, não se verifica qualquer ilegalidade na liquidação ora contestada.

 

6. No dia 2 de setembro de 2024, foi realizada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT – na qual foi tratado o que consta da respetiva ata que aqui se dá por inteiramente reproduzida, tendo sido indicado o dia 01 de outubro de 2024 como data limite para a prolação da decisão arbitral – e procedeu-se à tomada de declarações de parte do Requerente.

 

7. Apenas o Requerente apresentou alegações escritas que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.

 

II. Saneamento

8. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

Não existem quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.

 

            §1. Valor da Causa

9. O Requerente indicou o montante de € 5.997,33, como valor da utilidade económica do pedido, por ser o correspondente à diferença entre o valor do reembolso resultante do ato de liquidação de IRS controvertido (€ 2.612,26) e o valor que ele considera que deveria ter sido efetivamente reembolsado (€ 8.609,59).

Na sua resposta, a título de questão prévia, a Requerida aludiu ao valor do processo, tendo dito que uma vez que o Requerente pretende a anulação da liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao ano de 2022, no valor de € 2.612,26 de que foi reembolsado, deve ser este o valor do processo, pelo que deve o mesmo ser retificado.

            Notificado para se pronunciar, o Requerente nada veio dizer a este propósito.

           

10. Como resulta do estatuído no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, o valor da causa é fixado no despacho saneador, salvo nos processos em que não haja lugar a despacho saneador, sendo então fixado na sentença.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

O artigo 296.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT – norma basilar no tangente à determinação do valor da causa em todas as situações às quais seja aplicável, direta ou subsidiariamente, a lei processual civil –, determina que a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido, sendo que, como decorre do artigo 299.º, n.º 1, do mesmo compêndio legal, na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta.

            O artigo 31.º, n.º 1, do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º, alínea c), do RJAT, replica o vertido no citado n.º 1 do artigo 296.º do CPC, estatuindo-se no subsequente artigo 32.º que quando pela ação se pretenda obter o pagamento de quantia certa, é esse o valor da causa (n.º 1) e que quando pela ação se pretenda obter um benefício diverso do pagamento de uma quantia, o valor da causa é a quantia equivalente a esse benefício (n.º 2).

            Por seu turno, o artigo 97.º-A, n.º 1, do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, estatuindo sobre o valor da causa, também apela (embora implicitamente) ao conceito de utilidade económica do pedido, a qual pode ser resultante da importância de imposto cuja anulação se pretende (alínea a)) ou do valor que poderá servir para determinar concretamente o montante de imposto a pagar (alíneas b) e c)). 

            Este artigo do CPPT afigura-se de crucial importância pois, como resulta do disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor da causa é determinado nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário; temos, pois, que para efeitos de determinação do valor da causa do processo arbitral tributário o que releva são as normas de processo tributário atinentes a essa matéria, ou seja, o valor da causa é aqui determinado segundo os critérios vertidos no artigo 97.º-A do CPPT.     

            A fim de solucionar a questão da determinação do valor da causa no caso concreto, afigura-se que, em face da causa de pedir e do pedido densificados no PPA, são potencialmente aplicáveis, in casu, as normas constantes das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT.

            Analisemos, então, cada uma daquelas normas.

            Nas situações em que a causa de pedir está alicerçada na alegada ilegalidade de uma liquidação, o valor da causa corresponderá, por direta aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, ao valor da liquidação ou ao valor da parte impugnada, conforme se peticione, respetivamente, a sua anulação total ou parcial.

            No entanto, conforme decidido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão proferido em 17.01.2019, no processo n.º 62/18.4BCLSB (que aqui seguimos de perto), «para que a alínea a) possa ser aplicável é necessário que estejam reunidas duas condições: (i) que haja liquidação que determine um montante de imposto a pagar superior a zero e que (ii) essa liquidação seja impugnada.

            É que a norma apela a um conceito restrito de liquidação, isto é, refere-se ao resultado positivo da operação aritmética de aplicação de uma determinada taxa de imposto à matéria colectável e não propriamente a essa operação aritmética. Caso contrário cair-se-ia no absurdo de em situações em que não se apura imposto a pagar se admitir que o valor da causa pudesse ser igual a zero.

              Dito de outro modo, no sentido em que o termo liquidação é usado na norma ele só pode ter como escopo a exigência do pagamento de um imposto; por conseguinte, a norma é imprestável para resolver os casos em que não existindo imposto a pagar, ou existindo não é impugnado, apenas se pretende atacar a fixação da matéria colectável, (…).»    

             Por sua vez, a alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT aplica-se, apenas, nos casos em que o objeto da impugnação são atos de fixação da matéria tributável tout court, ou seja, nos casos em que essa fixação não é acompanhada da liquidação de um tributo.

            Como é salientado no citado aresto do Tribunal Central Administrativo Sul, «a aplicação residual da alínea b) aos casos de fixação de matéria tributável sem liquidação de imposto determina um valor da causa que não tem correspondência com a utilidade económica do pedido, sendo muito superior a esta. Na verdade, a utilidade económica corresponde apenas ao valor do imposto que o contribuinte poderá deixar de pagar com a correcção da matéria tributável; não corresponde ao montante corrigido.

Contudo, a conclusão inevitável que resulta da interpretação desta norma é de que o valor da causa corresponde ao valor contestado da matéria tributável, apesar de, como observa Jorge Lopes de Sousa, a sua redacção poder gerar potenciais casos de desigualdade no tratamento dado a situações aparentemente semelhantes, consoante haja ou não lugar a liquidação de imposto a pagar. Mas a opinião deste autor é, (…), vertida numa perspectiva de iure condendo e não de iure condito.»

Dito isto, volvendo ao caso concreto, atenta a causa de pedir vertida no PPA, constatamos que não está efetivamente em causa a discussão sobre um qualquer montante concreto de IRS a pagar, caso em que o valor da causa corresponderia a esse montante. Com efeito, neste processo arbitral, o que o Requerente visou atacar foi o rendimento tributável determinado pela AT para efeitos de liquidação de IRS relativo ao ano de 2022, que considerou ser de 100% dos rendimentos do trabalho dependente auferidos pelo Requerente, isto é, € 35.898,93 (cf. documento n.º 1 anexo ao PPA e documento anexo ao requerimento do Requerente, de 02.09.2024), entendendo este que deveriam ter sido excluídos de tributação 50% desses rendimentos, por aplicação do regime fiscal previsto no artigo 12.º-A do Código do IRS, isto é, € 17.949,47 (cf. documento n.º 1 anexo ao PPA e documento anexo ao requerimento do Requerente, de 02.09.2024).

Ademais, para além de o Requerente não ter questionado qualquer montante de imposto a pagar, da liquidação de IRS controvertida resultou imposto a reembolsar ao Requerente, no montante de € 2.612,26 (cf. documento n.º 1 anexo ao PPA).

Temos, pois, que concluir que a determinação do valor da causa, no caso concreto, não pode ser feita por via da aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT.

Impõe-se, assim, convocar a alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, relativamente à qual entendemos, tal como foi sufragado no sobredito acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, que «a letra da lei não deixa margem para dúvidas: quando não tenha havido liquidação (no sentido de imposto a pagar) ou o imposto liquidado não seja impugnado, o valor da causa é igual ao valor contestado da fixação da matéria tributável.  

(…) basta compararmos a teleologia associada à alínea a) e à alínea c) do n.º 1 do artigo 97.º-A, do CPPT, para imediatamente se concluir que o legislador deste diploma disse na alínea b) o que efectivamente queria dizer.

Se na alínea a) não há dúvidas de que a utilidade económica do pedido corresponde ao montante de imposto impugnado e já liquidado, ou seja, a quantia certa e líquida que na procedência da impugnação o impugnante deixará de pagar ou lhe será devolvida, já na alínea c) não é o montante do imposto que representa o valor da causa mas antes o valor patrimonial contestado, que servirá para o cálculo desse imposto.

Quer isto dizer que nestes dois casos o legislador se guiou por um critério objectivo na determinação do valor da causa, com o horizonte posto na utilidade económica do pedido; se assim é nestes dois casos, então por que razão a determinação do valor da causa, no caso da alínea b), devia ser fixada com base em critérios subjectivos, (…)?

Não cremos que tenha sido essa a intenção do legislador. Também na alínea b) se constata que este pretendeu consagrar um critério objectivo de determinação do valor da causa, baseado numa realidade com expressão monetária: o valor contestado da matéria tributável.

(…)

Em resumo, para resolver o problema do valor da causa relativo a impugnações da matéria colectável em que não haja imposto a pagar ou em que a liquidação (do imposto) não seja impugnada – situação que quadra no caso presente –, deve aplicar-se a alínea b) do artigo 97.º-A, do CPPT e não, como já se demonstrou, a alínea a).

Por outro lado, como já se concluiu que esta alínea b) impõe que a determinação do valor da causa se faça segundo o critério objectivo nela consagrado, fica arredada a possibilidade dessa determinação ser feita em função de um critério subjectivo na disponibilidade do contribuinte.».

Nestes termos, no caso concreto, o valor da causa é determinado por aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, cifrando-se no montante de € 17.949,47 (dezassete mil novecentos e quarenta e nove euros e quarenta e sete cêntimos) que corresponde à parte da matéria tributável considerada pela AT, a título de rendimentos do trabalho dependente, para efeitos de liquidação do IRS referente ao ano de 2022, que o Requerente contesta.

 

III. Fundamentação                             

III.1. De Facto

§1. Factos ProvadosROVADOS

11. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

a) O Requerente permaneceu em Lausanne, na Suíça, aí dispondo de habitação onde residia, no período compreendido entre 26.04.2017 e 01.09.2021. [cf. documento n.º 5 anexo ao PPA e declarações de parte do Requerente]

b) Em 01.05.2017, o Requerente iniciou a sua atividade profissional na empresa “B... SA”, sita em Rue..., ... Geneva, Suíça, tendo mantido o respetivo vínculo contratual até final do ano de 2017. [cf. documentos n.ºs 4 e 5 anexos ao PPA e declarações de parte do Requerente]

c) No período compreendido entre 15.01.2018 e 31.08.2021, o Requerente trabalhou na empresa “C...”, sita em..., .../..., Suíça [cf. documento n.º 6 anexo ao PPA e declarações de parte do Requerente]

d) Após 26.04.2017, o Requerente encetou diversas diligências, quer pessoalmente quer por via digital, junto das autoridades portuguesas, incluindo o Consulado de Portugal em Genebra, tendo em vista alterar a sua residência de Portugal para a Suíça, designadamente para efeitos fiscais, o que apenas logrou conseguir fazer após nomear a sua tia –D...– como sua representante fiscal e que, nessa qualidade, se deslocou, em 17.09.2019, ao Serviço de Finanças de Oeiras-... e aí procedeu à alteração da residência fiscal do Requerente para a Suíça. [cf. PA e declarações de parte do Requerente]      

e) Em 02.09.2021, após ter cessado o contrato de trabalho que mantinha com a empresa “C... AG”, o Requerente regressou a Portugal. [cf. documento n.º 6 anexo ao PPA e declarações de parte do Requerente]

f) Em 01.02.2022, o Requerente iniciou funções profissionais em Portugal, a coberto do contrato de trabalho anexo como documento n.º 7 ao PPA e que aqui se dá por inteiramente reproduzido. [cf. declarações de parte do Requerente]

g) Em 24.06.2022, o Requerente entregou a declaração Modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2021, tendo declarado rendimentos nos respetivos Anexos A (rendimentos do trabalho dependente) e G (mais-valias respeitantes à alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários) e tendo ainda entregado o respetivo Anexo H. [cf. print do Portal das Finanças constante do artigo 13.º do PPA e documento n.º 2 anexo ao requerimento do Requerente, de 15.07.2024]

h) No preenchimento daquela declaração de rendimentos, apesar de pretender beneficiar do regime fiscal aplicável a ex-residentes, o Requerente identificou-se como residente em Portugal, no ano de 2021, por um lado, por no decurso desse ano não ter aqui auferido nem rendimentos de trabalho dependente, nem rendimentos empresariais e profissionais e, por outro lado, por a declaração Modelo 3 de IRS apenas permitir a escolha de um dos campos relativos à residência do contribuinte. [cf. declarações de parte do Requerente]

i) Em abril de 2023, o Requerente entregou a declaração Modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2022, tendo declarado rendimentos nos respetivos Anexos A (rendimentos do trabalho dependente) e G (mais-valias respeitantes à alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários), tendo ainda entregue o respetivo Anexo H e não tendo mencionado que pretendia beneficiar do regime fiscal aplicável a ex-residentes pois, quando tentou fazê-lo, surgiu a seguinte mensagem de erro: “REGIME FISCAL EX RESIDENTE NÃO PERMITIDO – RESIDE EM PT ÚLTIMOS 3A (Z10)”. [cf. print do Portal das Finanças constante do artigo 22.º do PPA, documento anexo ao requerimento do Requerente, de 02.09.2024 e declarações de parte do Requerente]             

j) Nessa sequência, a AT emitiu e notificou ao Requerente a liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao ano de 2022, da qual resultou o valor a reembolsar de € 2.612,26 (dois mil seiscentos e doze euros e vinte e seis cêntimos). [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA]

k) No dia 31.08.2023, o Requerente deduziu reclamação graciosa contra o aludido ato tributário, nos termos e com os fundamentos constantes do respetivo requerimento inicial constante do documento n.º 2 anexo ao PPA e do PA e que aqui se dá por inteiramente reproduzido.

l) Em 26.04.2017, a situação cadastral do Requerente no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes da AT era a seguinte quanto aos aspetos que aqui importa considerar [cf. PA]:

  • “País de residência Portugal”
  • “Residente no Estrangeiro: Não”
  • “Residente não Habitual: Não”
  • “Residência (Morada Portuguesa)

Morada: R..., ... .

Localidade: Lisboa

Distrito: Lisboa

Concelho: Lisboa

Freguesia: ...

Código Postal: ...-... Lisboa

S.F. Competente:...– Lisboa-...”

m) Em 16.09.2019, a situação cadastral do Requerente no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes da AT era a seguinte quanto aos aspetos que aqui importa considerar [cf. PA]:

  • “País de residência Portugal”
  • “Residente no Estrangeiro: Não”
  • “Residente não Habitual: Não”
  • “Residência (Morada Portuguesa)

Morada: R ... N.º ..., ... .

Localidade: Lisboa

Distrito: Lisboa

Concelho: Lisboa

Freguesia: ...

Código Postal: ...-... Lisboa

S.F. Competente: ...– Lisboa-...”

n) Em 17.09.2019, a situação cadastral do Requerente no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes da AT era a seguinte quanto aos aspetos que aqui importa considerar [cf. PA]:

  • “País de residência Suíça”
  • “Residente no Estrangeiro: Sim”
  • “Residente não Habitual: Não”
  • “Residência (Morada no Estrangeiro)

Morada:...– ...Lausanne

Cidade: Suíça

Código Postal:

Província:

S.F. Competente: ... – Oeiras-...”

o) Em 14.09.2021, a situação cadastral do Requerente no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes da AT era a seguinte quanto aos aspetos que aqui importa considerar [cf. PA]:

  • “País de residência Portugal”
  • “Residente no Estrangeiro: Não”
  • “Residente não Habitual: Não”
  • “Residência (Morada Portuguesa)

Morada: Av ..., N.º ... – ...

Localidade: ...

Distrito: Lisboa

Concelho: Cascais

Freguesia: ... e ...

Código Postal: ...-... ...

S.F. Competente: ... – Cascais-...”

p) Até à data desta decisão arbitral, não foi comunicada, nem junta aos autos, qualquer decisão que tenha sido proferida na reclamação graciosa mencionada no facto provado k).  

q) No dia 19.01.2024, o Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]

 

§2. Factos não Provados

12. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham por provados.

 

§3. Motivação quanto à Matéria de Facto

13. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consubstanciadas em afirmações meramente conclusivas e, por isso, insuscetíveis de prova e cuja veracidade terá de ser aquilatada em face da concreta matéria de facto consolidada. 

Conforme indicado em cada uma das alíneas do probatório, a convicção do Tribunal resultou da apreciação crítica e de uma adequada ponderação, à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade, do acervo probatório de natureza documental (incluindo o constante do PA) que foi carreado para os autos e das declarações de parte do Requerente, em conjugação com as alegações das partes nos respetivos articulados quando reportadas a factos pertinentes para a decisão que não se mostraram controvertidos.

O Requerente, ouvido em declarações de parte, reiterou especificadamente os pontos de facto do PPA sobre os quais incidiu o seu depoimento (artigos 9.º, 10.º, 12.º, 14.º, 15.º, 18.º, 21.º, 22.º a 24.º e 31.º do PPA), tendo, designadamente, explicitado os seguintes aspetos: o período temporal em que residiu na Suíça (entre abril de 2017 e setembro de 2021) e as entidades para quem então trabalhou (“B...” e “C...”); as múltiplas dificuldades que experimentou nos procedimentos de alteração de residência entre Portugal e a Suíça e as diversas diligências que encetou junto das autoridades portuguesas, incluindo o Consulado de Portugal em Genebra, nesse âmbito; e, os constrangimentos com que se deparou no Portal das Finanças, relativamente à opção pelo regime fiscal aplicável a ex-residentes, aquando da entrega das declarações de rendimentos Modelo 3 de IRS, referentes aos anos de 2021 e 2022.  

As declarações de parte do Requerente, prestadas de forma circunstanciada e escorreita, contribuíram, pois, para a formação da convicção do Tribunal Arbitral quanto aos factos provados relativamente aos quais estão indicadas.  

  

III.2. De Direito

§1. O thema decidendum

14. A questão jurídico-tributária que está no epicentro do dissídio entre as partes e que, por isso, o Tribunal é chamado a apreciar e decidir, consiste em determinar se a liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao ano de 2022, enferma ou não de vício invalidante, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, consubstanciado na violação do regime fiscal aplicável a ex-residentes, previsto no artigo 12.º-A do Código do IRS.

§2. Enquadramento normativo

15. A análise da enunciada questão jurídico-tributária impõe, desde logo, que nos debrucemos sobre o regime fiscal para ex-residentes, com enfoque, obviamente, na redação normativa vigente à data dos factos.

O regime fiscal para ex-residentes é uma medida de apoio fiscal criada no âmbito do “Programa Regressar” que visa apoiar os emigrantes, bem como os seus descendentes e outros familiares, de modo que tenham melhores condições para voltar a Portugal e para aproveitar as oportunidades atualmente existentes no nosso país. Tal medida de apoio fiscal foi implementada pelo artigo 258.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro (LOE 2019), que aditou o artigo 12.º-A ao Código do IRS, estatuindo o regime fiscal aplicável a ex-residentes, nos seguintes termos:

“Artigo 12.º-A

Regime fiscal aplicável a ex-residentes

1 – São excluídos de tributação 50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º em 2019 ou 2020:

a) Não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores;

b) Tenham sido residentes em território português antes de 31 de dezembro de 2015;

c) Tenham a sua situação tributária regularizada.

2 – Não podem beneficiar do disposto no presente artigo os sujeitos passivos que tenham solicitado a sua inscrição como residente não habitual.”

O artigo 12.º-A do Código do IRS foi, posteriormente, alterado pelo artigo 278.º da Lei n.º 12/2022, de 27 de junho (LOE 2022)[1], tendo passado a ter a seguinte redação:

“Artigo 12.º-A

Regime fiscal aplicável a ex-residentes

1 – São excluídos de tributação 50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º em 2019, 2020, 2021, 2022 ou 2023:

a) Não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores;

b) Tenham sido residentes em território português antes de 31 de dezembro de 2015, no caso dos sujeitos passivos que se tornem fiscalmente residentes em 2019 ou 2020, e antes de 31 de dezembro de 2017, 2018 e 2019, no caso dos sujeitos passivos que se tornem fiscalmente residentes em 2021, 2022 ou 2023, respetivamente;

c) Tenham a sua situação tributária regularizada.

2 – Não podem beneficiar do disposto no presente artigo os sujeitos passivos que tenham solicitado a sua inscrição como residente não habitual.”

O artigo 280.º da Lei n.º 12/2022, de 27 de junho (LOE 2022), epigrafado “Disposição transitória no âmbito do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares”, estabelece, além do mais, o seguinte:

“1 – O artigo 12.º-A do Código do IRS, na redação dada presente lei, aplica-se aos rendimentos auferidos no primeiro ano em que o sujeito passivo reúna os requisitos previstos no seu n.º 1 e nos quatro anos seguintes, cessando a sua vigência após a produção de todos os seus efeitos em relação aos sujeitos passivos que apenas venham a preencher tais requisitos em 2023.

2 – As entidades que procedam à retenção na fonte dos rendimentos previstos no artigo 12.º-A do Código do IRS, nos anos em que vigore o respetivo regime, devem aplicar a taxa de retenção que resultar do despacho previsto no artigo 99.º-F e no artigo 101.º do Código do IRS a apenas metade dos rendimentos pagos ou colocados à disposição.

(…)”

O artigo 16.º do Código do IRS, referenciado no n.º 1 do artigo 12.º-A, estatui o seguinte nos seus n.ºs 1 e 2, nos segmentos normativos que aqui importa considerar:

“Artigo 16.º

Residência

1 – São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;

(…)

2 – Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se como dia de presença em território português qualquer dia, completo ou parcial, que inclua dormida no mesmo.” 

Importa salientar que o regime fiscal estatuído no artigo 12.º-A do Código do IRS é de caráter automático, não dependendo pois de qualquer reconhecimento prévio por parte da AT, resultando a sua aplicação diretamente da lei a partir do momento em que os contribuintes se tornem residentes em 2019, 2020, 2021, 2022 ou 2023 e se verifiquem os demais pressupostos legais; no entanto, aquando do preenchimento da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, os contribuintes devem mencionar nos Anexos A, B, D e/ou J que pretendem beneficiar deste regime.  

  

§3. O caso concreto: subsunção normativa

16. Volvendo ao caso sub judice, importa então verificar se estão preenchidos os pressupostos legais de que depende a aplicação do regime fiscal estatuído no artigo 12.º-A do Código do IRS, ou seja, tal como decorre do PPA, há que aquilatar se, tendo por referência o ano de 2021, o Requerente reúne, cumulativamente, as seguintes condições:

a) Ser considerado residente em território português no ano de 2021;    

b) Não ter sido considerado residente em território português em qualquer dos três anos anteriores, ou seja, em 2018, 2019 e 2020;

c) Ter sido residente em território português antes de 31 de dezembro de 2017;

d) Ter a situação tributária regularizada; e

e) Não ter solicitado a inscrição como residente não habitual.

Como decorre das posições das partes expressas nos respetivos articulados, não existe qualquer controvérsia quanto ao preenchimento das condições enunciadas nas alíneas a), c), d) e e); com efeito, o epicentro do dissídio entre as partes radica na condição enunciada na alínea b), constituindo entendimento da AT que a mesma não se mostra preenchida, porquanto, como alegado em sede de Resposta:  

“28.º É certo que o Requerente argumenta que a sua condição de não residência por razões profissionais teve início em Abril 2017, no entanto este não deu cumprimento às obrigações declarativas acima identificadas com os efeitos de ineficácia inerentes como é explicitado na norma [artigo 19.º da LGT], sendo que o seu cumprimento releva, seja face ao disposto no art. 16.º do CIRS (residência), seja porque não pode ser exigido aos serviços tributários um qualquer conhecimento omnisciente da situação pessoal dos contribuintes senão a partir da informação que lhes seja comunicada.

29.º Acresce que, atento o art. 74.º, n.º 1 LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos dos contribuintes recai sobre quem os invoque pelo que entendendo que a situação constante do SGRC não coincide com a real sempre poderia o Requerente ter diligenciado, através de meio idóneo e legalmente aceite, ilidir e alterar a informação relativa à sua situação de residência, mesmo que com efeitos retroativos.

30.º Sendo certo que o Requerente argumenta ser não residente desde meados de 2017, assim sendo comprovado pela Declaração datada de 26.10.2021, emitida pelo Serviço de Controle de Habitantes de Lausanne, onde se expressa ter o contribuinte estado inscrito como residente nessa cidade desde 26.04.2017 a 01.09.2021, o certo é que o documento não permite contraditar de modo idóneo a residência para efeitos fiscais, notando-se ser esta a realidade relevante na factualidade em análise e não o simples conceito de domicílio ou permanência.

31.º Para efeitos tributários, a residência fiscal mostra-se sita em Portugal até 2019, na medida em que admitindo o art. 19.º LGT e art. 16.º CIRS a prova em contrário do que decorre do SRC e que o interessado não promoveu em tempo, o certo é que tal exige que o mesmo seja comprovado por certificado de residência fiscal emitido pelas Autoridades Tributárias Suíças no quadro da CDT celebrada entre Portugal e a Suíça (art. 4.º CDT).”    

Cumpre apreciar e decidir.

Como resulta da factualidade provada, entre 26.04.2017 e 16.09.2019, no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes (SGRC) da AT, o Requerente constava como residente em Portugal (cf. factos provados l) e m)), sendo que, apenas em 17.09.2019, a situação cadastral do Requerente foi alterada, tendo este passado então a constar do SGRC como residente na Suíça (cf. facto provado n)), situação que se manteve até 14.09.2021, quando o Requerente voltou a constar do SGRC como residente em Portugal (cf. facto provado o)).

No entanto, também resultou provado que o Requerente permaneceu em Lausanne, na Suíça, aí dispondo de habitação onde residia, no período compreendido entre 26.04.2017 e 01.09.2021 (cf. facto provado a)) e que exerceu nesse país a atividade profissional descrita nos factos provados b) e c).

Destarte, independentemente daquela que era a situação cadastral do Requerente constante do SGRC, quanto ao respetivo país de residência, particularmente entre 26.04.2017 e 16.09.2019, o certo é que em 2018, 2019 e 2020 o Requerente residiu efetivamente na Suíça. Aliás, a partir de 17.09.2019, o SGRC passou a espelhar essa realidade, com a alteração da residência do Requerente para a Suíça; sendo que, como resultou provado, após ter ido residir para a Suíça, o Requerente encetou diversas diligências, quer pessoalmente quer por via digital, junto das autoridades portuguesas, incluindo o Consulado de Portugal em Genebra, tendo em vista alterar a sua residência de Portugal para a Suíça, designadamente para efeitos fiscais, o que apenas logrou conseguir fazer após nomear a sua tia –D...– como sua representante fiscal e que, nessa qualidade, se deslocou, em 17.09.2019, ao Serviço de Finanças de Oeiras-... e aí procedeu à alteração da residência fiscal do Requerente para a Suíça (cf. facto provado d)).   

Nesta conformidade, contrariamente ao propugnado pela AT, constitui nosso entendimento que o Requerente logrou demonstrar que, à luz do disposto no artigo 16.º, n.ºs 1, alíneas a) e b), e 2, do Código do IRS, não pode ser considerado residente em território português no anos de 2018, 2019 e 2020; com efeito, as declarações de parte do Requerente e os documentos n.ºs 4, 5 e 6 anexos ao PPA afiguram-se-nos substrato probatório apto e suficiente para sustentar a referida factualidade que resultou comprovada, porquanto, como tivemos ocasião de afirmar em anterior decisão arbitral (processo n.º 36/2022-T), a propósito da temática do domicílio fiscal e da residência fiscal, e que aqui, mutatis mutandis, reafirmamos:

“(…), importa aqui principiar por sublinhar que a circunstância de o Requerente não ter comunicado à AT nem a mudança do seu domicílio fiscal, nem a alteração do seu estatuto de residência (…), não pode fundar qualquer tributação, nem pode substituir-se às regras que definem a residência fiscal. A “ineficácia” da mudança de domicílio – repare-se que se diz “domicílio” e não “residência” – referida no artigo 19.º, n.º 4, da LGT não tem, por si só, o alcance de converter o contribuinte em residente para efeitos fiscais, se o mesmo fizer prova em sentido contrário; (…).

Não tem assim razão a Requerida quando afirma que a prova da residência fiscal do Requerente, no ano de 2017, teria de ser feita através de um “certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais do Reino Unido nos termos do art. 4.º da CDT celebrada entre Portugal e aquele país”, (…); trata-se de um argumento absolutamente formalista e carecido de respaldo legal, pois inexiste qualquer norma legal, nomeadamente no Código do IRS, que condicione/limite os meios de prova de que o contribuinte se pode servir para comprovar a sua residência fiscal, designadamente exigindo a apresentação de um certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais de outro país. (…)

Por outro lado, também entendemos que (…) apenas o preenchimento dos pressupostos de cada um dos critérios de residência fiscal decorrentes do artigo 16.º do Código do IRS, maxime das alíneas a) e b) do seu n.º 1, permite que uma pessoa seja considerada residente fiscal em Portugal; ou seja, a mera declaração do sujeito passivo não tem a virtualidade de determinar, seja em que sentido for, a sua residência fiscal ou, visto doutra perspetiva, um erro declarativo (…) não é suscetível de transformar/alterar, seja em que sentido for, uma situação factual subjacente que resulte comprovada.

No mesmo sentido, na decisão arbitral proferia no processo n.º 101/2023-T decidiu-se o seguinte: “Não existe qualquer norma legal, nomeadamente no Código do IRS, que condicione/limite os meios de prova de que o contribuinte se pode servir para comprovar a sua residência fiscal, designadamente exigindo a apresentação de um certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais de outro país.”   

 

17. Atento o exposto, o ato de liquidação de IRS n.º 2023..., respeitante ao ano de 2022 e do qual resultou o valor a reembolsar de € 2.612,26, padece de vício de violação de lei, por erros sobre os pressupostos de facto e de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 12.º-A do Código do IRS; consequentemente, aquele ato de liquidação de IRS é inválido e deve, por isso, ser anulado (cf. artigo 163.º, n.º 1, do CPA ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT).

 

18. No concernente à reclamação graciosa instaurada contra o ato de liquidação de IRS controvertido, importa dizer o seguinte: foi deduzida em 31.08.2023 (cf. facto provado k)) e deveria ter sido concluída no prazo de quatro meses (cf. artigo 57.º, n.º 1, da LGT), sendo que, o incumprimento desse prazo, contado a partir da entrada da petição do contribuinte no competente serviço da administração tributária, faz presumir o respetivo indeferimento para efeitos de recurso hierárquico, recurso contencioso ou impugnação judicial (cf. artigo 57.º, n.º 5, da LGT). Uma vez que, no procedimento tributário, os prazos são contínuos e contam-se nos termos do artigo 279.º do CC (cf. artigo 57.º, n.º 3, da LGT), a reclamação graciosa deveria ter sido decidida até ao dia 02.01.2024; não o tendo sido, como não foi (cf. facto provado p)), presume-se a mesma tacitamente indeferida, o que já se verificava aquando da apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo, no dia 19.01.2024 (cf. facto provado q)).

O indeferimento tácito não é um ato, mas uma ficção destinada a possibilitar o uso dos meios de impugnação administrativos e contenciosos, como decorre do preceituado no artigo 57.º, n.º 5, da LGT.

No entendimento de Jorge Lopes de Sousa[2], [a]pesar de o artigo 2.º, n.º 1, do RJAT fazer referência apenas a declaração de ilegalidade de atos, é inequívoco que nela se abrange a declaração de ilegalidade de indeferimentos tácitos, pois o n.º 1 do artigo 10.º do RJAT faz referência aos «factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» e a «formação da presunção de indeferimento tácito» vem indicada na alínea d) do n.º 1 deste artigo 102.º (…)

O indeferimento tácito presume-se que se baseia em razões de mérito e não em obstáculos processuais.”

No mesmo sentido, Carla Castelo Trindade[3] afirma que “na medida em que o indeferimento tácito consiste apenas numa ficção de acto, aquela apreciação da (i)legalidade do acto de primeiro grau não existe – de facto – nestes casos. Em rigor, presume-se.»; sendo que, quanto «à questão de saber se se inclui ou não no âmbito material da arbitragem tributária a apreciação de acto de indeferimento tácito”, a mesma é perentória a afirmar que [a] resposta é sim”.      

Dito isto e atento o acima afirmado quanto à ilegalidade do ato de liquidação de IRS controvertido, há que concluir também pela invalidade do indeferimento tácito da aludida reclamação graciosa.

 

19. A finalizar, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras ou cuja apreciação seria inútil (cf. artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

IV. Decisão

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

  1. Declarar ilegal e anular a liquidação de IRS n.º 2023..., respeitante ao ano de 2022 e da qual resultou o valor a reembolsar de € 2.612,26, com as legais consequências; 
  2. Declarar ilegal o indeferimento tácito da aludida reclamação graciosa, com as legais consequências;
  3. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas processuais.

 

V. Valor do Processo

Em conformidade com o acima explanado, é fixado ao processo o valor de € 17.949,47 (dezassete mil novecentos e quarenta e nove euros e quarenta e sete cêntimos).

 

VI. Custas

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), cujo pagamento fica a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique.

 

Lisboa, 27 de setembro de 2024.

 

O Árbitro,

 

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)

 

 

 

 

 



[1] O artigo 12.º-A do Código do IRS foi, ainda, alterado pela Lei n.º 82/2023, de 29 de dezembro (LOE 2024); contudo, tal alteração legislativa não tem qualquer influência na análise jurídico-tributária do caso sub judice.

[2] Guia da Arbitragem Tributária, Nuno de Villa-Lobos e Tânia Carvalhais Pereira (Coordenação), 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2017, pp. 130 e 135.

[3] Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Anotado, Almedina, Coimbra, 2016, p. 72.