Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 697/2014-T
Data da decisão: 2015-05-13  IRC  
Valor do pedido: € 979.014,98
Tema: IRC – Tributações Autónomas – SIFIDE
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Juiz José Poças Falcão (árbitro-presidente), Dr. Nuno Maldonado de Sousa e Professor Doutora Leonor Fernandes Ferreira, (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 3-12-2014, acordam no seguinte:

 

I – RELATÓRIO

 

A, SGPS, S.A. (doravante abreviadamente designada por “A” ou “Requerente”), pessoa colectiva número …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de … sob o mesmo número, estando abrangida pelos serviços periféricos locais do Serviço de Finanças de … …, com sede na Avenida …, na freguesia de …, em …, sociedade dominante de grupo (o Grupo B) sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto no (desde 2010 e até hoje) artigo 69.º e segs. do Código do IRC, formulou pedido de pronúncia arbitral, nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”).

A requerente formula os seguintes pedidos:

“(...)

a)      ser declarada a ilegalidade e anulado o indeferimento de reclamação graciosa na medida em que recusou a anulação da parte ilegal, nos termos que aqui se discutem, das autoliquidações de IRC na parte produzida pelas taxas de tributação autónoma, dos exercícios de 2011 e 2012, com isso violando o princípio da legalidade;

b)      ser declarada a ilegalidade parcial destas autoliquidações (e ser consequentemente anulada), na parte correspondente aos montantes de € 811.209,88 relativamente ao exercício de 2011, e de € 167.805,10 relativamente ao exercício de 2012;

c)      ser, consequentemente, reconhecido o direito ao reembolso deste montante e, bem assim, o direito a juros indemnizatórios pelo pagamento de imposto indevidamente liquidado, contados desde 31 de Maio de 2012 quanto a € 811.209,88 e contados desde 1 de Setembro de 2013 quanto a € 167.805,10 (...)”.

 

A requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, os signatários foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral colectivo, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.

Em 18-11-2014 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 3-12-2014.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, defendendo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

Em 20-2-2015, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, seguida de apresentação de alegações orais finais por ambas as partes.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões que possam obstar à apreciação do mérito da causa.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

Os factos provados

           

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos, com relevância para apreciar as questões suscitadas:

A.    A A[1] é uma sociedade comercial que exerce a atividade de “gestão de participações sociais”. [PA[2], p. 156].

B.     Integram o grupo fiscal as seguintes empresas:

a.       C SGPS, S.A.

b.      D, S.A.

c.       E S.A.

d.      F, S.A.

e.       G, Lda.

[23º RI e seus documentos n.ºs 9 a 18 e PA, p. 157].

C.     Em 31-05-2012 a A apresentou a sua declaração de rendimentos de IRC Modelo 22 no regime de tributação dos rendimentos dos grupos de sociedades, enquanto sociedade dominante, referente ao exercício de 2011, tendo nesse momento procedido à auto-liquidação do IRC desse ano, tendo no respetivo cálculo apurado o valor de tributações autónomas no montante de 1.906.358,08€. [2º RI[3] e seu documento n.º 1, p. 5 e 4º R-AT[4]].

D.    Em 31-05-2012 a A fez o pagamento de IRC na quantia de € 1.113.170,94 à AT, referente a autoliquidação do exercício de 2011 através do documento com o n.º de identificação …. [19º do RI e seu documento n.º 6].

E.     Em 31-05-2013 a A apresentou a sua declaração de rendimentos de IRC Modelo 22 no regime de tributação dos rendimentos dos grupos de sociedades, enquanto sociedade dominante, referente ao exercício de 2012, tendo nesse momento procedido à auto-liquidação do IRC desse ano, tendo no respetivo cálculo apurado o valor de tributações autónomas no montante de € 215.066,60. [2º RI e seu documento n.º 2, p. 5 e 4º R-AT].

F.      O sistema informático da AT não permitiu que a requerente inscrevesse o valor relativo à tributação autónoma de IRC, deduzido dos montantes de benefício fiscal ao abrigo do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial[5], na modalidade de crédito de imposto dedutível à coleta de IRC, que a A considerava dever ser levado em linha de conta [21º RI e 42º R-AT].

G.    Em 31-05-2013 a A fez à AT o pagamento do IRC referente a autoliquidação do exercício de 2011. [19º do RI].

H.    Em 30-04-2014 a requerente apresentou reclamação graciosa contra as autoliquidações mencionadas em C. e em E. e respeitantes aos exercícios de 2011 e 2012. [3º RI e seu documento n.º 3 e 5º R-AT].

I.       Na reclamação graciosa foi proferido projeto de decisão que foi comunicado à requerente por ofício de 25-06-2014, recebido em 27-06-2014, com o teor:

Somos de propor que o pedido inserto nos autos seja parcialmente deferido, aceitando-se uma dedução à coleta da derrama estadual declarada pelo grupo, a título de benefício fiscal atribuído no âmbito do SIFIDE, no valor de €38.593,82 e €34.720,81, respetivamente, nos períodos de tributação de 2011 e 2012, de acordo com o teor do “quadro-síntese”:

 

CORREÇÃO AO CÁLCULO DO IMPOSTO

VALORES (€)

PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO

NORMATIVO LEGAL

ASSUNTO

RECLAMADO

DEFERIDO

2011

CIRC, Artº 90º, n.º 2, alínea b)

SIFIDE – Dedução à coleta da Derrama Estadual e à Coleta das Tributações Autónomas

416.994,82

38.593,82

2012

CIRC, Artº 90º, n.º 2, alínea b)

SIFIDE – Dedução à coleta da Derrama Estadual e à Coleta das Tributações Autónomas

202.525,91

34.720,81

[Documento n.º 5 do RI e PA, p. 154]:

J.       Na reclamação graciosa foi proferida decisão por despacho, baseada em parecer que foi fundado em informação, comunicados à A por ofício de 10-07-2014, recebido em 22-07-2014, cujas linhas fundamentais se reproduzem[6] [4º RI, seu documento n.º 4 e PA, p. 171]:

Informação:

(…)

4. Perante a inexistência de elementos novos suscitados na audição, permanecendo a validade dos pressupostos que, de facto e de direito, alicerçaram o nosso anterior projeto de decisão entendemos ser de torná-lo definitivo, com todas as consequências legais.

5. Em fase do exposto, será de deferir parcialmente o pedido inserto nos autos, considerando a dedução à coleta da derrama estadual declarada pelo grupo, a título de benefício fiscal atribuído no âmbito do SIFIDE, no valor de €38.593,82 e €34.720,81, respetivamente, nos períodos de tributação de 2011 e 2012, com todas as consequências legais.

(…)

Parecer: Confirmando o teor da presente informação, promovo o seguinte:

O deferimento parcial do pedido formulado nos autos, disso se notificando a Reclamante, nos termos dos artigos 35º e 41º do C.P.P.T.

(…)

Despacho: Concordando com o informado, determino o indeferimento do pedido formulado nos autos, com todas as consequências legais, disso se notificando a Reclamante para os termos e efeitos do disposto nos artigos 35º e 41º do C.P.P.T., conforme Parecer infra.

 

K.    Por declarações emitidas nas datas indicadas e por referência ao ano de 2010, a Comissão Certificadora para os Incentivos Fiscais à I&D Empresarial, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, certificou que as empresas designadas realizaram atividades de investigação e desenvolvimento, podendo assim recomendar a atribuição de um crédito fiscal nos seguintes valores:

Data da declaração

Empresa

Crédito fiscal cuja atribuição à empresa foi recomendado

02-12-2011

C SGPS, S.A.

347.355,78 €

02-12-2011

D, S.A.

34.023,28 €

02-12-2011

E, S.A.

165.913,90 €

02-12-2011

F, S.A.

43.674,22 €

23-12-2011

G, Lda.

7.755,60 €

              [23º RI e seu documento n.º 7].

L.     Por declarações emitidas nas datas indicadas e por referência ao ano de 2011, a Comissão Certificadora para os Incentivos Fiscais à I&D Empresarial do Ministério da Economia e Emprego, certificou que as empresas designadas realizaram atividades de investigação e desenvolvimento, podendo assim recomendar a atribuição de um crédito fiscal nos seguintes valores:

Data da declaração

Empresa

Crédito fiscal cuja atribuição à empresa foi recomendado

21-01-2013

C SGPS, S.A.

212.472,76 €

27-11-2012

D, S.A.

81.387,73 €

02-05-2013

E, S.A.

123.134,33 €

              [27º RI e seu documento n.º 19].

M.   Por declarações emitidas nas datas indicadas e por referência ao ano de 2012, a Comissão Certificadora para os Incentivos Fiscais à I&D Empresarial, do Ministério da Economia, certificou que as empresas designadas realizaram atividades de investigação e desenvolvimento, podendo assim recomendar a atribuição de um crédito fiscal nos seguintes valores:

 

Data da declaração

Empresa

Crédito fiscal cuja atribuição à empresa foi recomendado

14-11-2013

C SGPS, S.A.

107.969,71 €

17-09-2013

D, S.A.

25.864,14 €

20-09-2013

E, S.A.

68.692,06 €

        [31º RI e seu documento n.º 20].

N.    Em 18-05-2011 o Chefe de Finanças do quadro da Direção Geral dos Impostos, a exercer funções no Serviço de Finanças de …, certificou que em face dos elementos disponíveis no sistema informático de gestão e controlo de processos de execução fiscal, a C, SGPS, S.A. tinha a situação tributária regularizada uma vez que não era devedora perante a Fazenda Pública de quaisquer impostos ou prestações tributárias e respetivos juros. [38º RI e seu documento n.º 21].

O.    Em 18-05-2011 o Instituto da Segurança Social, I.P., declarou que a C, SGPS, S.A. tinha a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social. [38º RI e seu documento n.º 21].

P.      Em 18-05-2011 o Chefe de Finanças do quadro da Direção Geral dos Impostos, a exercer funções no Serviço de Finanças de …, certificou que face aos elementos disponíveis no sistema informático de gestão e controlo de processos de execução fiscal, a D, S.A. tinha a situação tributária regularizada uma vez que não era devedor perante a Fazenda Pública de quaisquer impostos ou prestações tributárias e respetivos juros. [38º RI e seu documento n.º 21].

Q.    Em 20-05-2011 o Instituto da Segurança Social, I.P., declarou que a D, S.A. tinha a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social. [38º RI e seu documento n.º 21].

R.     Em 18-05-2011 o Chefe de Finanças do quadro da Direção Geral dos Impostos, a exercer funções no Serviço de Finanças de …, certificou que face aos elementos disponíveis no sistema informático de gestão e controlo de processos de execução fiscal, a E, S.A. tinha a situação tributária regularizada uma vez que não era devedora perante a Fazenda Pública de quaisquer impostos ou prestações tributárias e respetivos juros. [38º RI e seu documento n.º 21].

S.      Em 23-05-2011 o Instituto da Segurança Social, I.P., declarou que a E, S.A. tinha a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social. [38º RI e seu documento n.º 21].

T.      Em 18-05-2011 o Chefe de Finanças do quadro da Direção Geral dos Impostos, a exercer funções no Serviço de Finanças de …, certificou que face aos elementos disponíveis no sistema informático de gestão e controlo de processos de execução fiscal, a F, S.A. tinha a situação tributária regularizada uma vez que não era devedora perante a Fazenda Pública de quaisquer impostos ou prestações tributárias e respetivos juros. [38º RI e seu documento n.º 21].

U.    Em 20-05-2011 o Instituto da Segurança Social, I.P., declarou que a F, S.A. tinha a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social. [38º RI e seu documento n.º 21].

V.    Em 18-05-2011 o Chefe de Finanças do quadro da Direção Geral dos Impostos, a exercer funções no Serviço de Finanças de …, certificou que face aos elementos disponíveis no sistema informático de gestão e controlo de processos de execução fiscal, a G, LDA. tinha a situação tributária regularizada uma vez que não era devedor perante a Fazenda Pública de quaisquer impostos ou prestações tributárias e respetivos juros. [38º RI e seu documento n.º 21].

W.   Em 18-05-2011 o Instituto da Segurança Social, I.P., declarou que a G, LDA. tinha a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social. [38º RI e seu documento n.º 21].

X.    Em 23-05-2012 a AT, pelo seu Serviço de Finanças de …, certificou que face aos elementos disponíveis no sistema informático de gestão e controlo de processos de execução fiscal, a C, SGPS, S.A. tinha a situação tributária regularizada uma vez que não era devedora perante a Fazenda nacional de quaisquer impostos em prestações tributárias e respetivos juros. [38º RI e seu documento n.º 22].

Y.    Em 15-05-2012 o Instituto da Segurança Social, I.P., declarou que a C, SGPS, S.A. tinha a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social. [38º RI e seu documento n.º 22].

Z.     Em 17-05-2012 o Chefe de Finanças do quadro da Autoridade Tributária e Aduaneira a exercer funções no Serviço de Finanças de …, certificou que face aos elementos disponíveis no sistema informático de gestão e controlo de processos de execução fiscal, a D, S.A. tinha a sua situação tributária regularizada uma vez que não era devedora perante a Fazenda Pública de quaisquer impostos ou prestações tributárias e respetivos juros. [38º RI e seu documento n.º 22].

AA.   Em 11-04-2012 o Instituto da Segurança Social, I.P., declarou que a D, S.A. tinha a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social. [38º RI e seu documento n.º 22].

BB.    Em 17-05-2012 o Chefe de Finanças do quadro da Autoridade Tributária e Aduaneira, a exercer funções no Serviço de Finanças de …, certificou que face aos elementos disponíveis no sistema informático de gestão e controlo de processos de execução fiscal, a E, S.A. tinha a situação tributária regularizada uma vez que não era devedora perante a Fazenda Pública de quaisquer impostos ou prestações tributárias e respetivos juros. [38º RI e seu documento n.º 22].

CC.    Em 03-04-2012 o Instituto da Segurança Social, I.P., declarou que a E, S.A. tinha a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social. [38º RI e seu documento n.º 22].

DD.   Em 14-03-2013 a Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo seu Serviço de Finanças de …, certificou que face aos elementos disponíveis no sistema informático de gestão e controlo de processos de execução fiscal, a C, SGPS, S.A. e a H, S.A. tinham a situação tributária regularizada visto não se encontrar pendente qualquer processo de execução fiscal, não devendo naquela data e por aquele serviço de finanças qualquer contribuição ou imposto ao Estado. [38º RI e seu documento n.º 23].

EE.Em 07-05-2013 o Instituto da Segurança Social, I.P., declarou que a C, SGPS, S.A. tinha a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social. [38º RI e seu documentos n.º 23].

FF. Em 07-05-2013 o Chefe de Finanças do quadro da Autoridade Tributária e Aduaneira, a exercer funções no Serviço de Finanças de …, certificou que face aos elementos disponíveis no sistema informático de gestão e controlo de processos de execução fiscal, a D SA tinha a sua situação tributária regularizada uma vez que não era devedora perante a Fazenda Pública de quaisquer impostos ou prestações tributárias e respetivos juros. [38º RI e seu documento n.º 23].

GG.   Em 31-01-2013 o Instituto da Segurança Social, I.P., declarou que a D, S.A. tinha a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social. [38º RI e seu documento n.º 23].

HH.   Em 07-05-2013 o Chefe de Finanças do quadro da Autoridade Tributária e Aduaneira, a exercer funções no Serviço de Finanças de …, certificou que face aos elementos disponíveis no sistema informático de gestão e controlo de processos de execução fiscal, a E, S.A. tinha a situação tributária regularizada uma vez que não era devedora perante a Fazenda Pública de quaisquer impostos ou prestações tributárias e respetivos juros. [38º RI e seu documento n.º 23].

II.    Em 07-05-2013 o Instituto da Segurança Social, I.P., declarou que a E, S.A. tinha a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social. [38º RI e seu documento n.º 23].

1.1.1.    Factos que se consideram não provados

Não foram alegados outros factos com interesse para a decisão da causa.

1.1.2.    Fundamentação da matéria de facto provada

A convicção do tribunal arbitral assentou na prova documental constante dos autos e na posição tomada relativamente a cada facto pelas Partes nos articulados, devidamente identificada.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO (cont.)

 

O Direito

 

Conforme alega a requerente, “(...) os actos objecto do pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral são o indeferimento da reclamação graciosa supra identificada e, consequentemente (e em termos finais ou últimos), os actos de autoliquidação de IRC relativos aos exercícios de 2011 e 2012, na medida correspondente à não dedução à parte da colecta do IRC produzida pela aplicação das taxas de tributação autónoma de incentivos fiscais em sede de IRC disponíveis para o efeito (cfr. Docs. n.ºs 1 e 2).

Pretende a ora requerente submeter à apreciação do Tribunal Arbitral (i) a legalidade deste indeferimento da reclamação graciosa, na medida em que desatende o reconhecimento da ilegalidade (por afastamento indevido de dedução à colecta) parcial daquela parte das autoliquidações de IRC referentes aos exercícios de 2011 e 2012 do Grupo Fiscal B e, bem assim, (ii) a legalidade parcial daquela parte das autoliquidações de IRC referentes a estes exercícios de 2011 e 2012, mais especificamente ilegalidade no que respeita a um montante de € 811.209,88 relativamente ao exercício de 2011 e a um montante de € 167.805,10 relativamente ao exercício de 2012, num total de € 979.014,98.

 

Vejamos então.

 

O SIFIDE II permite às empresas a obtenção de um benefício fiscal, em sede de IRC, proporcional à despesa de investimento em investigação e desenvolvimento (ao nível dos processos, produtos e organizacional) que consigam evidenciar, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido (Cfr Lei n.º 55-A/2010 de 31 de Dezembro, Decreto-Lei n.º 82/2013 de 17 de Junho e Lei n.º 83-C/2013 de 31 de Dezembro.

O benefício a obter com o SIFIDE II traduz-se na possibilidade de deduzir à coleta de IRC apurada no exercício, um montante de crédito fiscal que resulta do somatório das seguintes parcelas:

• Taxa base: 32,5% das despesas realizadas no exercício;

• Taxa incremental: 50% do acréscimo das despesas realizadas no exercício face à média aritmética simples das despesas realizadas nos dois exercícios anteriores, até ao limite de € 1.500.000.

Traduz-se o benefício, no essencial, na possibilidade de deduzir à coleta de IRC apurada no exercício, o montante de crédito fiscal apurado. As despesas que, por insuficiência de coleta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao oitavo exercício imediato.

A questão prévia essencial é, em nosso entender, saber como calcular o montante a que alude o artigo 90º, do CIRC a que deve então ser deduzido o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, numa dupla percentagem:

a) Taxa base – 32,5% das despesas realizadas no periodo de tributação e

b) Taxa incremental – 50% do acréscimo das despesas realizadas no período de tributação em relação à media aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de 1 500 000 euros.

Pretende a requerente que os créditos fiscais que, nos anos de 2011 e 2012, lhe foram reconhecidos em sede de SIFIDE sejam deduzidos à coleta produzida pelas tributações autónomas que a oneraram nesses exercícios fiscais.

Compulsadas a normas que regiam o sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial[7], vulgo SIFIDE, nas circunstâncias de tempo que relevam para os presente autos, verificamos que, segundo o artigo 4º (Âmbito da dedução) do diploma:

 «Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal ou não, uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação de 1 de Janeiro de 2011 a 31 de Dezembro de 2015, numa dupla percentagem:

a) Taxa de base – 32,5% das despesas realizadas naquele período;

b) Taxa incremental – 50% do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euros) 1 500 000.

2 – (...)

3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.

4 - As despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas poderão ser deduzidas até ao 6.º exercício imediato».

 

Por sua vez, dispõe o artigo 90º, do CIRC:

«1. A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120º e 122º, tem por base a matéria coletável que delas conste;

b) (...)

c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.

2 – Ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

a) A correspondente à dupla tributação internacional;

b) A relativa a benefícios fiscais;

c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106ª;

d) A relativa a retenções na fonte não suscetíveis de compensaçãoo ou reembolso nos termo da legislaçãoo aplicável.

(...)

6. Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no número 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do nº 1.

(...)».

 

Ou seja e em síntese: os valores que traduzam o benefício fiscal em sede de SIFIDE são deduzidos “aos montantes apurados nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência” (sublinhados nossos) e na liquidação respeitante ao período de tributação em que se realizem as despesas para o efeito elegíveis e que, na falta ou insuficiência de colecta apurada nesses termos, as despesas que não possam ser deduzidas no exercício em que forem realizadas «poderão ser deduzidas até ao 6.º exercício imediato».

 

Pois bem, a coleta a que se refere o artigo 90º quando a liquidação deva ser feita pelo contribuinte (situação que ocorre nos autos), é apurada com base na matéria colectável que conste nessa liquidação/autoliquidação [cf. artigo 90.º, n.º 1, alínea a) do CIRC]. Sendo o crédito em que se traduz o SIFIDE deduzido apenas à coleta assim apurada, ou seja, à coleta apurada com base na matéria colectável [é o disposto no artigo 5º, alínea a), da Lei reguladora do SIFIDE, impedindo esta expressamente que os créditos dele decorrente sejam deduzidos quando o lucro tributável seja determinado por métodos indiretos].

Relativamente às tributações autónomas, adiante-se que estas são apuradas de forma autónoma e distinta do apuramento processado nos termos do artigo 90º do CIRC.

 

Desenvolvendo melhor a questão da natureza das tributações autónomas e o seu grau de conexão com o IRC:

Há que recuar ao ano de 1990 para encontrarmos a primeira intervenção do legislador no sentido de sujeitar determinadas despesas a tributação autónoma, ocorrida com a publicação do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho, cujo artigo 4.º previa que «as despesas confidenciais ou não documentadas efetuadas no âmbito do exercício de atividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respetivo Código são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 10%, sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC.»

Esta norma foi objeto de diversas alterações posteriores que, sucessivamente, procederam ao aumento da taxa de tributação nela prevista.

Com este tipo de tributação teve-se em vista, por um lado, incentivar os contribuintes a ela sujeitos a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal e, por outro lado, evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, apenas ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da empresa, bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionem não apenas em relação ao IRS ou IRC, mas também em relação às correspondentes contribuições, tanto das entidades patronais como dos trabalhadores, para a segurança social.

Saldanha Sanches (cfr. Manual de Direito Fiscal, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2007, pág. 407), a propósito da tributação autónoma prevista no artigo 81.º, n.º 3, do CIRC, escreveu o seguinte:«Neste tipo de tributação, o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal de despesas que se encontram na zona de interseção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros. Apresenta a norma uma característica semelhante à que vamos encontrar na sanção legal contra custos não documentados, com uma subida da taxa quando a situação do sujeito passivo não corresponde a uma situação de normalidade fiscal. Se na declaração do sujeito passivo não há lucro, o custo pode ser objeto de uma valoração negativa: por exemplo, temos uma taxa de 15% aplicada quando o sujeito passivo teve prejuízos nos dois últimos exercícios e foi comprada uma viatura ligeira de passageiros por mais de € 40 000 (artigo 81.º, n.º 4).

Com esta previsão, o sistema mostra a sua natureza dual, com uma taxa agravada de tributação autónoma para certas situações especiais que se procura desencorajar, como a aquisição de viaturas para fins empresariais ou viaturas em princípio demasiado dispendiosas quando existem prejuízos. Cria-se, aqui, uma espécie de presunção de que estes custos não têm uma causa empresarial e, por isso, são sujeitos a uma tributação autónoma. Em resumo, o custo é dedutível, mas a tributação autónoma reduz a sua vantagem fiscal, uma vez que, aqui, a base de incidência não é um rendimento líquido, mas, sim, um custo transformado – excecionalmente – em objeto de tributação.» (sublinhado nosso).

Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.

Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º, n.º 9, do CIRC).

Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo.

Esta característica da tributação autónoma remete-nos, assim, para a distinção entre impostos periódicos (cujo facto gerador se produz de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, e tende a repetir-se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar imposto com caráter regular) e impostos de obrigação única (cujo facto gerador se produz de modo instantâneo, surge isolado no tempo, gerando sobre o contribuinte uma obrigação de pagamento com caráter avulso).

Na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa.

Neste caso estamos perante um tributo de obrigação única, incidindo sobre operações que se produzem e esgotam de modo instantâneo, em que o facto gerador do tributo surge isolado no tempo, originando, para o contribuinte, uma obrigação de pagamento com caráter avulso. Ou seja, as taxas de tributação autónoma aqui em análise não se referem a um período de tempo, mas a um momento: o da operação isolada sujeita à taxa, sem prejuízo de o apuramento do montante devido pelos agentes económicos sujeitos à referida “taxa” ser efetuado periodicamente, num determinado momento, conjuntamente com outras operações similares, sem que a liquidação conjunta influa no seu resultado.

Por esta razão, Sérgio Vasques (cfr. Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2011, pág. 293, nota 470) chama a atenção para a circunstância de os impostos sobre o rendimento contemplarem elementos de obrigação única, como as taxas liberatórias do IRS ou as taxas de tributação autónoma do IRC.

As tributações autónomas, de acordo com a sua regulamentação inicial, constituíram como que um sucedâneo do regime da não dedutibilidade anteriormente previsto no CIRC.

Com efeito, na sua génese estava a não aceitação fiscal de uma percentagem de certas despesas, constituindo as tributações autónomas uma forma alternativa e mais eficaz de correcção dos custos sempre que se trate de áreas mais propícias à evasão fiscal (ajudas de custo, despesas de representação, despesas com viaturas, etc.).

Assim, não seria razoável, antes até contrário ao motivo que levou o legislador a tributar autonomamente aquelas despesas que, através da sua dedução ao lucro tributável a título de gastos, fosse eliminado o fundamento da existência das tributações autónomas.

A jurisprudência arbitral tem decidido no sentido de que as tributações autónomas pertencem, por regra,sistematicamente, ao IRC, e não ao IVA, ao IRS, ou a um qualquer outro imposto do sistema fiscal português. É o caso dos processos Arbitrais n.ºs 166/2014-T, 246/2013-T, 260/2013-T, 282/2013-T, 6/2014-T e 36/2014-T, entre vários outros.

Elas estão, por isso, fortemente ligadas aos sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento respetivo, e, mais especificamente, à atividade económica e empresarial por eles levada a cabo. Do que se trata, nas tributações autónomas é, com efeito, de tributar certas despesas ou encargos (gastos), vistas estas na sua relação com a ideia geral de lucro real e efetivo e a tributação do rendimento.

Com efeito, parece-nos fora de dúvida que o mecanismo de tributação autónoma do conjunto das realidades previstas no artigo 88.º do CIRC visa, primacialmente, acautelar os equilíbrios gerais do próprio sistema fiscal, os equilíbrios específicos do IRC e a receita do próprio imposto. Isto é, visa impedir que através da relevação significativa de encargos como os previstos no artigo 88.º, se não introduzam entorses afetadoras do sistema e a expetativa sobre o que deverá ser a receita “normal” do imposto não saia gorada. No caso, como é igualmente consabido, do que se trata é de desincentivar a realização / relevação dessas despesas, desde logo porque, pela sua natureza e fins, elas podem ser mais facilmente objeto de desvio para consumos que, na essência, são privados ou correspondem a encargos que não deixam de ter, também, como finalidade específica e última, o evitamento do imposto. Realidades que apresentam alguma medida de censurabilidade já que, não violando diretamente a lei, geram desequilíbrios sensíveis e importantes sobre a ideia geral de justiça, sobre o dever fundamental de contribuir na proporção dos seus haveres, da igualdade, do sacrifício, da proporcionalidade da medida do imposto em face das manifestações possíveis de riqueza, da tributação do rendimento real e da justiça.

Funcionando de um modo diferente do que constitui o escopo essencial do IRC – que tributa os rendimentos – as tributações autónomas, reafirma-se, tributam certas despesas ou encargos específicos – e constituem uma realidade instrumental, acessória desse imposto, na justa medida em que é em função dele que foram instituídas e são, por isso, passíveis de lhes ser reconhecida uma instrumentalidade ou acessoriedade de fins, radicada na salvaguarda dos fins do próprio imposto onde se manifestam.

Tem-se assim como certo que as tributações autónomas não constituem IRC em sentido estrito mas encontram-se a este (IRC) imbricadas, devendo conter-se nos “outros impostos” de que nos dá conta a parte final da alínea a) do nº 1 do artigo 45º do CIRC (redação em vigor em 2011 e atual artigo 23º-A/1-a), do CIRC) (sublinhado nosso).

Revelações dessa ligação de funcionalidade, e no quadro da intenção do legislador no seu todo, sobressaem, por exemplo da disciplina do artigo 12º do CIRC a propósito das entidades sujeitas ao regime da transparência fiscal, ao não as tributar em IRC, “salvo quanto às tributações autónomas”, relação essa que igualmente se manifesta face ao nº 14 do artigo 88º do CIRC, no sentido em que as taxas de tributação autónoma têm em consideração o facto do sujeito passivo apresentar ou não prejuízo fiscal.

Analisada ainda sob outro prisma, haverá que considerar as tributações autónomas no contexto de normas anti-abuso específicas e a sua similitude com o regime previsto sob o nº 1 do artigo 65º do CIRC, na redação de 2011 (“não são dedutíveis para efeitos do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizada e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado”).

Visando as tributações autónomas reduzir a vantagem fiscal alcançada com a dedução ao lucro tributável dos custos sobre os quais incide e ainda combater a evasão fiscal que este tipo de despesas, pela sua natureza, potencia, não poderá ser ela mesma através da sua dedução ao lucro tributável a título de custo do exercício constituir fator de redução dessa diminuição de vantagem pretendida e determinada pelo legislador.

Concluindo: as tributações autónomas, que incidem sobre encargos dedutíveis em IRC, integram o regime e são devidas a título deste imposto, não constituindo as despesas com o pagamento daquelas tributações encargos dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável.

Este entendimento foi legal e recentemente clarificado pelo artigo 3º da Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro, que aditou o artigo 23º A) ao CIRC (ao mesmo tempo que o seu artigo 13º revogou o artigo 45º) com a seguinte redação:

Artigo 23º A)- Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

“1. Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

a)      o IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros” .

Não subsistindo dúvidas quanto ao carácter interpretativo do preceito transcrito, de acordo com as regras de hermenêutica jurídica, na prática, tal norma, vem expressar o que o legislador sempre entendeu e continua a entender, ou seja que os encargos decorrentes com o custo associado às tributações autónomas, não relevam para efeitos de apuramento do lucro tributável.

Assim é que, no caso sub juditio, não se antolha qualquer violação pela AT das regras de procedimento e/ou de forma de liquidação previstas no artigo 90º, do CIRC com a desconsideração, para o efeito, das tributações autónomas liquidadas e pagas pela requerente.

Daí que não ocorra a pretendida ilegalidade no cálculo da coleta relativa a IRC nos exercícios da requerente de 2011 e 2012 para efeitos da dedução das sobreditas despesas elegíveis no âmbito do SIFIDE.

III.      DECISÃO

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a) Julgar totalmente improcedentes os pedidos formulados pela requerente [“(...)ser declarada a ilegalidade e anulado o indeferimento de reclamação graciosa na medida em que recusou a anulação da parte ilegal, nos termos que aqui se discutem, das autoliquidações de IRC na parte produzida pelas taxas de tributação autónoma, dos exercícios de 2011 e 2012, com isso violando o princípio da legalidade (...)”  e “(...) ser  declarada a ilegalidade parcial destas autoliquidações (e ser consequentemente anulada), na parte correspondente aos montantes de € 811.209,88 relativamente ao exercício de 2011, e de € 167.805,10 relativamente ao exercício de 2012 (...)”];

b) Julgar prejudicada apreciação do pedido de reconhecimento do direito ao reembolso das importâncias liquidadas e pagas com juros indemnizatórios.

 Valor do processo

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 979.014,98

Custas

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 13.770,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da requerente, A, SGPS.

Lisboa e CAAD, 13-5-2015

O Tribunal Arbitral

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

 

Nuno Maldonado Sousa

(vogal)

 

 

Leonor Fernandes Ferreira

(Vogal)

 [Vota vencida nos termos da declaração anexa (artigo 22º-5, do RJAT)]

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo Coletivo de Árbitros].

 

 

Declaração de voto de vencida

Passo a expor as razões que me afastam da posição que fez vencimento.

1. A questão essencial que é objecto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral é a de saber se os créditos fiscais que, nos anos de 2011 e 2012, foram reconhecidos à Requerente, em sede de SIFIDE, podem, ou não, ser deduzidos à parte da coleta produzida pelas tributações autónomas das empresas do grupo fiscal da Requerente.

2. Em 2011 e em 2012, vigorava o Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial II (SIFIDE II) que fôra aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro. Este diploma estabelece, para os sujeitos passivos de IRC abrangidos pelo sistema de incentivos SIFIDE, que o âmbito das deduções à colecta de IRC são efectuadas (artigo 4º) nos termos seguintes:

Artigo 4.º - Âmbito da dedução

1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal ou não, uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação de 1 de Janeiro de 2011 a 31 de Dezembro de 2015, numa dupla percentagem:

a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período;

b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000.

(...)

3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.

3. Assim, o diploma que regula o SIFIDE remete para o artigo 90.º do CIRC, que contém a regra de liquidação do IRC, incluindo a parte que provém das tributações autónomas. Este diploma, no artigo 4.º, define o âmbito da dedução do benefício fiscal quando refere que esta pode ser efectuada ao montante apurado nos termos do artigo 90º do Código do IRC, e até à sua concorrência.

É esta a norma cuja leitura permite responder à questão enunciada, em síntese, que refere que os montantes em que se traduz o SIFIDE são deduzidos “aos montantes apurados nos termos do artigo 90.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), e até à sua concorrência (,..)”.

4. O CIRC refere-se, na sua versão actual, de modo expresso às tributações autónomas apenas em cinco artigos, nomeadamente no art.º 12.º (ao excluir as tributações autónomas da isenção de IRC aplicável às sociedades abrangidas pelo regime de transparência fiscal), no art.º 23.º-A, n.º 1 (ao explicitar que as tributações autónomas não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável), no art.º 88.º (ao estabelecer as taxas e ao delimitar a matéria colectável das tributações autónomas), no art.º 117.º n.º 6 (a propósito da obrigação declarativa de entidades isentas de IRC ao abrigo do art.º 9.º, quando houver lugar a tributações autónomas) e no art.º 120.º n.º 9 (quanto à declaração periódica de rendimentos). Não existe no CIRC qualquer outra referência explícita às tributações autónomas. Não existe no CIRC, portanto, nos capítulos que tratam da incidência (Capítulo I), liquidação (Capítulo V) e pagamento (Capítulo VI) qualquer referência expressa às tributações autónomas. Elas estão sujeitas, de modo genérico, aos demais artigos previstos no CIRC.

5. A parte da colecta de IRC que provém das tributações autónomas é calculada a partir dos elementos do imposto definidos no artigo 88.º do CIRC inserido no ‘Capítulo IV – Taxas’. Este artigo delimita a matéria colectável das tributações autónomas, por um lado, e, por outro lado, enuncia as taxas das tributações autónomas, que são várias, consoante a natureza da matéria colectável a que se apliquem; por dependerem do tipo de sujeito passivo (v.g., entidade sem fins lucrativos, entidades isentas, entidade que desenvolva a título principal uma actividade comercial, industrial ou agrícola), e ainda são dependentes do próprio desempenho económico do sujeito passivo de IRC, ao assumirem percentagens diferentes quando se apurar lucro ou prejuízo fiscal. A colecta que provém de tributações autónomas é função do resultado tributável, calculando-se a partir de duas expressões que são o produto da matéria colectável por uma taxa dependente do resultado tributável: uma taxa mais elevada quando se apurar um prejuízo fiscal e outra inferior, quando o resultado tributável for positivo.

Assim, a colecta proveniente de tributações autónomas não poderá ser determinada de modo instantâneo e imediatamente a seguir a ter-se incorrido na despesa, pois depende do próprio resultado que é de formação sucessiva e só conhecido no final do período de tributação. Acontece também que alguns gastos que não coincidem com as despesas que extinguem e que são sujeitas a tributação autónoma, nomeadamente as depreciações, são de formação contínua.

6. Da redacção actual do artigo 23.°- A, n.º 1, alínea a), do CIRC, que foi dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, conclui-se, por interpretação literal, que as tributações autónomas são IRC (são uma parte do IRC). Com efeito, o posicionamento das duas vírgulas na letra da lei, uma antes e a outra depois da expressão “incluindo as tributações autónomas” constante da actual redacção do citado artigo 23.°- A, nº 1, alínea a), do CIRC, afasta a possibilidade de defender que as tributações autónomas não sejam (parte do) IRC. Para além da lei, e no mesmo sentido, também a jurisprudência, tanto quanto podemos saber, defende que as tributações autónomas são IRC. O mesmo se conclui do articulado do art. 12.º, quando nele se dispõe que “as sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas”, ao apresentar as tributações autónomas como um subconjunto do IRC.

7. A finalidade das tributações autónomas é dual. Visam tributar o rendimento real, corrigindo-se por isso o rendimento tributável para o aproximar daquele rendimento e, ao mesmo tempo, procuram penalizar os sujeitos passivos que através da realização de certas despesas acabam por reduzir o rendimento tributável.

8. Mas não é, porém, a finalidade, a natureza ou a incidência do imposto, a questão essencial aqui. O que interessa neste caso saber, em nossa opinião, refere-se exclusivamente ao modo com se efectua a liquidação (da parte do imposto que provém) das tributações autónomas e a de saber se estão incluídas no n.º1 do art.º 90.º do CIRC, ou se estão fora dele.

9. Ora o art.º 90º do CIRC aplica-se à liquidação feita pelo sujeito passivo (auto-liquidação). Não encontramos no CIRC outro artigo para além do art.º 90.º que se refira à liquidação das tributações autónomas e do restante IRC. E, nestes termos, a liquidação de ambos - tributações autónomas e restante IRC - é única e tem o mesmo suporte legal. As tributações autónomas não resultam de um processo distinto de liquidação do imposto. Entendido que é serem as tributações autónomas (parte do) IRC, compreende-se que seja única a liquidação de IRC, incluindo a parte que provém das tributações autónomas. Há uma liquidação de IRC única que comporta duas partes: a liquidação das tributações autónomas e a do restante IRC, cada uma com matéria colectável determinada de modo próprio e com taxas de tributação próprias, mas ambas liquidadas nos termos do art.º 90.º do CIRC. Havendo uma liquidação única, conclui-se que a parte da colecta que provém das tributações autónomas é parte integrante da colecta de IRC.

Ao contrário, não se encontra em qualquer outro artigo do CIRC a referência à liquidação das tributações autónomas como processo distinto. Aceitar que não se inclui a colecta das tributações autónomas no art.º 90.º do CIRC, seria aceitar que existe uma lacuna na lei e, sendo esta uma lei fiscal, não permite a integração. E assim, a Autoridade Tributária e Aduaneira terá porventura errado, ao não permitir a dedução do benefício fiscal gerado pelo SIFIDE. Interpretou a lei, sobrepondo à finalidade própria dos benefícios fiscais, talvez indo atrás de uma vontade de arrecadar receita e combater a evasão fiscal, desvalorizando as «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» que são os benefícios fiscais.

10. E o art.º 92.º, n.º 2 do CIRC, sublinha o carácter excepcional e de sobreposição do benefício SIFIDE, face a outros desagravamentos da colecta que não mereceram idêntico tratamento, levando a concluir-se pelo carácter prioritário para o legislador da dedução deste benefício fiscal. Para simplicidade de leitura, transcreve-se este preceito:

1 - Para as entidades que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, (...) o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) a c) do n.º 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 90% do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e do regime previsto no n.º 13 do artigo 43. [Redação dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro]

2 - Excluem-se do disposto no número anterior os seguintes benefícios fiscais: [Redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro - OE]

(...)

b) O sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II), previsto no Código Fiscal do Investimento;

11. Aceitar que a liquidação das tributações autónomas está fora do art.º 90.º n.º 1 do CIRC, seria obrigar o contribuinte a pagar um imposto cuja liquidação se não faz nos termos da lei, contrariando o n.º 3 do art.º 103.º da Constituição da República Portuguesa e o princípio da legalidade tributária que a Lei Geral Tributária, no seu art.º 8º, n.º 2, alínea a), estabelece.

Se a Autoridade Tributária e Aduaneira assumiu que a colecta das tributações autónomas se calculou fora do art.º 90.º do CIRC, deveria indicar com base em que norma de liquidação o fez. Não havendo norma sobre liquidação das tributações autónomas separada, parece ter de aceitar-se que a colecta de IRC a engloba, incluindo-se no art.º 90º, n.º 1 do CIRC. Verifica-se, porém que o sistema informático não permite a dedução dos créditos do SIFIDE à parte da colecta de IRC proveniente das tributações autónomas. O facto de as formas da determinação da matéria colectável e de as taxas das tributações autónomas de IRC serem estabelecidas separadamente e serem diferentes das do restante IRC não parece ser razão suficiente, nem ter suporte legal, para a solução informática existente.

12. Referências ao disposto no art.º 16.º do CIRC parecem nada acrescentar à resolução da questão em apreço. Este artigo não contém os elementos que permitem desenhar a declaração modelo 22, escolher quais as linhas que nessa declaração figuram, nem a ordem pela qual devem ser apresentadas, nem como estão relacionadas as várias linhas, isto é, não permite fixar as fórmulas subjacentes ao preenchimento pelo contribuinte das células da declaração que a Autoridade Tributária e Aduaneira através dos seus serviços, nela criou. Teríamos de procurar noutros artigos do CIRC tais elementos que permitissem desenhar o impresso e estabelecer os cálculos que levassem ao conhecimento da colecta do imposto.

13. Considerar que a liquidação das tributações autónomas está fora da colecta que se calcula pelo art.º 90º. n.º 1 do CIRC, é aceitar que tal entendimento estaria previsto noutro preceito legal e, como este não existe, a liquidação não pode deixar de ser efectuada no âmbito do art.º 90.º do CIRC. Assim, terá de aceitar-se a dedução dos créditos fiscais do SIFIDE à colecta de IRC, nela se incluindo necessariamente a parcela proveniente das tributações autónomas.

14. Importa recordar que os benefícios fiscais são «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem», conforme indica o artigo 2º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais. No caso do SIFIDE, foi intenção do legislador sobrepôr as razões de natureza extrafiscal do benefício fiscal à própria cobrança da receita de IRC a preterir. Este entendimento é confirmado pelo disposto no art. 92.º do CIRC, quando exclui os benefícios do SIFIDE do limite de dedução referido nesse artigo.

 

 

CONCLUSÃO

Conjugando o disposto no artigo 4.º do diploma que aprovou o SIFIDE com o disposto no artigo 90.º do CIRC, conclui-se não existir qualquer base legal para afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE à colecta do IRC, incluindo a parte que provém das tributações autónomas.

Lisboa, 13 de Maio de 2015

Leonor Fernandes Ferreira

 

 



[1] Por facilidade de leitura deste acórdão, designa-se a requerente A, SGPS, S.A., também por “A”.

[2] Nesta peça utiliza-se o acrónimo PA para referenciar o processo administrativo da AT.

[3] Nesta peça utiliza-se o acrónimo RI para referenciar o Requerimento Inicial da requerente.

[4] Nesta peça utiliza-se a sigla R-AT para referenciar a Resposta da AT ao Requerimento Inicial da requerente.

[5] Também designado pela forma abreviada “SIFIDE”.

[6] A reprodução de determinados excertos do elementos dos autos destina-se apenas a facilitar a leitura e o entendimento deste acórdão, com redução das necessidades de consulta a outros documentos e não permite atribuir a essas passagens maior importância relativamente a outras que não se transcrevem.

[7] Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto para vigorar entre 2006 e 2010, Lei n.º 55-A /2010, de 31 de Dezembro (artigo 133.º) institui o SIFIDE II a vigorar entre 2011 e 2015, alterado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.