Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 853/2023-T
Data da decisão: 2024-09-03  Selo Outros 
Valor do pedido: € 82.452,79
Tema: Imposto do Selo – Cash Pooling – Territorialidade – Isenção – Artigo 7.º, n.º 1, h) do CIS – Discriminação de devedores não residentes – Violação da liberdade de circulação de capitais.
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Sumário

  1. A concessão de crédito no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria (cash pooling) constitui o facto tributário eleito para tributação em Imposto do Selo. Porém, a mera celebração do contrato de crédito não suscita a tributação, que depende e emerge da efetiva utilização do crédito concedido.
  2. A conexão relevante para aferir a incidência territorial do Imposto do Selo é o local da concessão do crédito e não o da utilização.
  3. A norma constante do artigo 7.°, n.° 2 do Código do Imposto do Selo (à data dos factos – anos 2020 e 2021), segundo a qual a isenção dos empréstimos por prazo não superior a um ano, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria entre sociedades em relação de domínio ou de grupo, da alínea h) do n.º 1 do mesmo artigo é aplicável quando intervêm duas entidades residentes em Portugal ou quando o mutuário é aqui residente (sendo o credor residente na União Europeia), mas já não é aplicável quando o mutuário (devedor) é residente num Estado‑Membro da União Europeia e o mutuante (credor) é residente em Portugal, viola a liberdade de circulação de capitais, estabelecida no artigo 63.° TFUE. Entendimento confirmado no acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de junho de 2024, no processo Faurécia, C-420/23.
  4. Assim, a norma do n.º 2 do artigo 7.º do Código deste imposto, que afasta a isenção da alínea h) do n.º 1 do mesmo artigo, deve ser desaplicada, prevalecendo a desoneração dessas operações em moldes idênticos aos que vigoram para as concessões de crédito cujos mutuários são residentes no território nacional.
  5. Não há lugar a juros indemnizatórios nas situações em que o pedido de revisão do ato tributário foi decidido em período inferior a um ano.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

As árbitros Alexandra Coelho Martins (presidente), Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho e Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz, designadas pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 6 de fevereiro de 2024, acordam no seguinte:

 

 

          I.        Relatório

 

A..., LDA., doravante designada por “Requerente”, com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ... e sede social na Rua ..., n.º ..., ...–..., ...-... Paço de Arcos, veio solicitar a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, 5.º, n.º 3, alínea a) e 10.º, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), na sequência do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado contra os atos de autoliquidação de Imposto do Selo, referentes aos períodos de abril a dezembro de 2020 e de janeiro de 2021, no valor total de € 82.452,79.

 

A Requerente pretende a anulação da decisão de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa e das liquidações de Imposto do Selo objeto daquele pedido, bem como a restituição do montante pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

 

Em 27 de novembro de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, do que foi notificada a AT.

De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram oposição.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 6 de fevereiro de 2024.

 

            Em 13 de março de 2024, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo posteriormente junto o processo administrativo (“PA”).

 

            Por despacho de 10 de abril de 2024, o Tribunal Arbitral dispensou a inquirição da testemunha indicada pela Requerente, por inutilidade, uma vez que os factos relevantes para a decisão são passíveis de prova documental. Foi também dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT).

 

            As Partes foram notificadas para apresentarem alegações e fixado o prazo para a decisão até à data-limite prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, com indicação para pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

A Requerente apresentou alegações, em 2 de maio de 2024, na qual reafirma a posição expressa no articulado inicial. A Requerida optou por não alegar. 

 

Por despacho fundamentado de 24 de julho de 2024, foi prorrogado o prazo de prolação da decisão arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 21.º, n.º 2 do RJAT.

 

Posição da Requerente

 

            A Requerente começa por afirmar que a jurisdição arbitral é competente para a apreciação da legalidade de atos de segundo grau, bem como para conhecer de pretensões relativas a atos de autoliquidação de tributos precedidas da apresentação de pedido de revisão oficiosa, uma vez que este consubstancia o recurso à via administrativa, em moldes equiparados aos da apresentação prévia de reclamação graciosa nos termos previstos no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, desde que a decisão do procedimento comporte a apreciação da legalidade dos atos de autoliquidação, como entende ser o caso.

 

            Sustenta ser parte legítima e dispor de personalidade e capacidade tributárias e considera que a ação é tempestiva, pois deduziu o pedido arbitral no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado da notificação do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa. Em relação à cumulação de pedidos, deve ser admitida por estar em causa a apreciação dos mesmos factos e da interpretação e aplicação das mesmas normas e princípios de direito.

 

            Relativamente ao mérito do pedido, a Requerente alega que, desde 1 de abril de 2020, estão isentos de Imposto do Selo os empréstimos por prazo não superior a um ano (incluindo os respetivos juros), quando concedidos por sociedades no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo, condições que se verificam na operação de financiamento implementada ao nível do Grupo B... (“Grupo B...”) – v. alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, na redação introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2020 (“Lei OE 2020”).

 

            Tal isenção aparentava, ainda assim, ser limitada pelo n.º 2 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, que a afastava “(…) quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direção efetiva no território nacional, com exceção das situações em que o credor tenha sede ou direção efetiva noutro Estado membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal, caso em que subsiste o direito à isenção, salvo se o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g) e h) do n.º 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional”. Ou seja, afigurava-se que a isenção dependia de o credor (no caso a Requerente, por estar em causa um saldo positivo) ter sede ou direção efetiva num Estado-Membro da União Europeia que não Portugal. Tendo a Requerente sede e residência fiscal em Portugal suscitavam-se dúvidas sobre a aplicação desta isenção às operações de cash-pooling vertentes.

 

            Com a Lei do Orçamento de Estado para 2022 (“Lei OE 2022”), em vigor a partir de 28 de junho de 2022, foi alterada a redação do n.º 2 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, passando este preceito a dispor expressamente que a citada isenção é inaplicável “(…) quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direção efetiva no território nacional, com exceção das situações em que o credor ou o devedor tenha sede ou direção efetiva noutro Estado-Membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal, caso em que subsiste o direito à isenção, salvo se o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g) e h) do n.º 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional”. (negrito da Requerente)

 

            Ficou claro a partir desse momento que subsiste a isenção aplicável a empréstimos no âmbito de contratos de cash-pooling, desde que qualquer dos intervenientes – credor ou devedor – tenha sede ou direção efetiva noutro Estado-Membro da União Europeia (ou também num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal). Solução que afirma coadunar-se com a flexibilidade pretendida pelos contratos de gestão centralizada de tesouraria no contexto de grupos multinacionais.

 

            As dúvidas que resultavam da redação anterior, à qual se reportam os factos dos autos, foram esclarecidas pela jurisprudência que, de forma consistente, decidiu que a não aplicação da isenção em apreço, quando os devedores eram de fora de Portugal, mas de outro Estado-Membro da União Europeia, que resultava do texto legal, era discriminatória e violava o direito europeu – v. decisão arbitral 277/2020-T, de 6 de outubro de 2020, suportada na jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdãos de 14 de novembro de 1999, processo C-439/97, Sandoz GmbH, e de 22 de novembro de 2018, processo C-575/17, Sofina S.A.). No mesmo sentido também se pronunciam as decisões arbitrais 57/2021-T, de 6 de outubro de 2021, 818/2021-T, de 18 de maio de 2022, e 59/2022-T, de 30 de outubro de 2022. 

 

            Uma vez que as autoliquidações de Imposto do Selo em análise enfermam de erro de direito e assentam em entendimentos veiculados pela própria AT contrários ao direito da União Europeia, as mesmas configuram “erro imputável aos serviços”. Efetivamente, apesar de [as liquidações] terem sido efetuadas com base na declaração do contribuinte, este adotou as orientações genéricas da AT devidamente publicadas (v. artigo 43.º, n.º 2 da LGT e, a título de exemplo, o Despacho n.º 1614/2010, de 10 de janeiro de 2012, ou a Ficha Doutrinária n.º 2020000532-IV n.º 17783, de 30 de agosto de 2020), não lhe sendo, portanto, imputável uma conduta negligente.

           

            O conceito de erro abrange a violação do direito da União Europeia, pelo que a AT tem o dever de proceder à interpretação e aplicação das normas internas em conformidade com o direito da União, não o tendo feito.

 

            Constatando-se o pressuposto de erro imputável aos serviços, o pedido de revisão oficiosa constitui meio próprio, tendo sido deduzido tempestivamente, dentro do prazo de 4 anos fixado pelo artigo 78.º, n.º 1, II parte da LGT.

 

            Ainda que assim não se entendesse sempre seria aplicável o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, com a possibilidade de revisão excecional nos 3 anos posteriores ao do ato tributário, com fundamento em injustiça grave ou notória.

 

A Requerente argui ainda a preterição de formalidades essenciais, por omissão, na notificação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, dos prazos ou meios de reação legalmente previstos para contestar este ato, em violação do disposto no artigo 36.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e dos princípios conformadores da atividade da administração (v. artigo 268.º, n.º 3 da Constituição).

 

Na perspetiva da Requerente também não se verifica a incidência territorial de Imposto do Selo. No caso concreto, foram efetuadas transferências de fundos da Requerente em benefício da sociedade contraparte centralizadora do Grupo B... C... B.V. (“C...”), as quais consubstanciam uma concessão de crédito, sujeita a Imposto do Selo, nos termos da verba 17.1.4 da Tabela Geral, sendo o facto tributário a efetiva utilização do crédito por parte do beneficiário, titular do interesse económico (v. artigo 3.º, n.º 3, alínea c) do Código do Imposto do Selo).

 

A incidência territorial depende da conexão que a situação apresente com o território português (v. artigo 4.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo), determinada pelo local onde se verifica a utilização do crédito, ou seja, na Holanda, país de residência da C... . Assim, a receção e utilização dos fundos ocorreu fora de Portugal, não existindo conexão relevante com o território nacional (v. decisões arbitrais 315/2022-T, de 17 de julho de 2023, e 530/2020-T, de 17 de janeiro de 2022, e acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 25 de março de 2021, processo n.º 675/03.9BTLRS). Deste modo, não deve ser aceite a posição da AT quanto a esta matéria, que alarga o âmbito de incidência territorial aos casos em que a concessão, e não a utilização do crédito, ocorre em território nacional.

 

            A Requerente peticiona juros indemnizatórios, de acordo com o estabelecido nos artigos 24.º, n.º 5 do RJAT, 43.º da LGT e 61.º, n.º 1 alínea a) do CPPT e conclui pela anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e das liquidações de Imposto do Selo que constituem o seu objeto, com a restituição do Imposto do Selo em causa acrescido de juros indemnizatórios.

 

 

Posição da Requerida

           

            A Requerida assinala que o pedido de revisão oficiosa foi indeferido por não ser aplicável ao caso em apreço o disposto no artigo 78.º, n.º 1, II parte da LGT e o prazo de 4 anos aí previsto, dado que, a existir erro, o mesmo nunca seria imputável aos serviços, pois estes não tiveram intervenção nas autoliquidações de Imposto do Selo impugnadas. Assim, tal pedido apenas poderia ter amparo na I parte do referido preceito, dentro do prazo da reclamação graciosa, o qual estava ultrapassado à data em que o direito foi exercido. Conclui que o pedido de revisão apresentado pela Requerente é impróprio, vício que se comunica ao pedido arbitral.

 

            Sem conceder, caso o Tribunal assim não entenda, invoca o não preenchimento de algumas das condições cumulativas de que depende a isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea h) do Código do Imposto do Selo, que são:

  1. A existência de um contrato de gestão centralizada de tesouraria que regule o seu modo e condições de funcionamento;
  2. A relação societária de domínio ou de grupo (n.º 8 do citado artigo 7.º) entre as sociedades participantes e a centralizadora no contrato de gestão centralizada de tesouraria; 
  3. O prazo máximo de um ano entre a transferência dos fundos e o seu reembolso;
  4. As limitações impostas pelos n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo, em concreto, com relevância para o caso, que o credor [a aqui Requerente] não tenha realizado previamente os financiamentos através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras.

 

            Neste âmbito, argui que a Requerente não demonstrou que as operações financeiras em causa têm por base excedentes de liquidez do grupo e não decorrem de linha de crédito junto de instituições financeiras (alínea iv) supra), nem que os fluxos financeiros cumprem os prazos previstos na norma de isenção (alínea iii) supra), o que lhe cabia provar (v. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12 de maio de 2022, processo n.º 352/10.4BELRS).

 

            Em relação à incompatibilidade com o direito da União Europeia, preconiza que tal problema não se coloca na situação presente, pois o tratamento diferenciado não respeita a situações que sejam objetivamente comparáveis, dado que “os fundos não têm caráter de suprimentos efetuados por sócios às sociedades suas participadas”.

 

            Sobre os juros indemnizatórios, a Requerida defende não serem devidos, por inexistir qualquer erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços, na medida em que a prestação tributária é devida nos termos da lei. Conclui pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

 

  1. Saneamento

 

  1. Competência e impugnabilidade dos atos de autoliquidação

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo, dirigido à anulação de atos tributários de autoliquidação de Imposto do Selo (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

Os atos de autoliquidação são impugnáveis, encontrando-se preenchido o pressuposto previsto no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112/-A/2011, de 22 de março, de prévio recurso à via administrativa, nos termos do artigo 131.º do CPPT, concretizado pelo procedimento de revisão oficiosa promovido pela Requerente, uma vez que este é, para este efeito, equiparado à apresentação prévia de reclamação graciosa, prevista no artigo 131.º, n.º 1 do CPPT. Neste sentido, v. os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 29 de outubro de 2014, processo n.º 01540/13, e de 12 de setembro de 2012, processo n.º 476/2012, e, especificamente em relação à ação arbitral, os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 27 de abril de 2017, processo n.º 08599/15, de 25 de junho de 2019, processo n.º 44/18.6BCLSB, de 11 de julho de 2019, processo n.º 147/17.4BCLSB, de 13 de dezembro de 2019, processo n.º 111/18.6BCLSB, de 11 de março de 2021, processo n.º 7608/14.5BCLSB, de 26 de maio de 2022, processo n.º 97/16.6BCLS, e de 12 de maio de 2022, processo n.º 96/17.6BCLSB, bem como as decisões arbitrais de 6 de outubro de 2022, n.º 678/2021-T, e de 11 de julho de 2024, n.º 941/2023-T.

 

Também não é indispensável que a decisão do procedimento de revisão comporte a apreciação da legalidade dos atos de autoliquidação, desde que o pedido do contribuinte vise a anulação, por ilegalidade, do(s) ato(s) tributário(s), como sucede in casu, em linha com a jurisprudência recente do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente do acórdão de 13 de janeiro de 2021, no processo n.º 0129/18.9BEAVR, de que se retira o seguinte excerto ilustrativo:

“A impugnação judicial é o meio processual adequado para discutir a legalidade do ato de liquidação – artigo 99.º do CPPT - independentemente de ter sido ou não precedida de meio gracioso e, no caso de assim ter acontecido, independentemente do teor da decisão que sobre ele recaiu, ou seja, de ser uma decisão formal ou de mérito – acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18/11/2020, proferido no processo 0608/13.4BEALM 0245/18. E visa a anulação total ou parcial do ato tributário (a liquidação).

Ao invés, a ação administrativa, meio contencioso comum à jurisdição administrativa e tributária, será o meio processual a usar quando a pretensão do interessado não implique a apreciação da legalidade do ato de liquidação.

Assim, se na sequência do indeferimento do meio gracioso, o interessado pedir ao tribunal que aprecie a legalidade da liquidação e que, em consequência, a anule (total ou parcialmente), o meio processual adequado é a impugnação judicial, ainda que esse conhecimento tenha de ser precedido da apreciação dos vícios imputados àquela decisão administrativa.

Daí que se tenha vindo a afirmar que nestas situações, em que o meio gracioso precede o contencioso, a impugnação judicial tem um objeto imediato (a decisão administrativa) e um mediato (a legalidade da liquidação).

[…]

Importa dizer que sobre esta matéria a posição deste Tribunal tem também sido uniforme no sentido de adotar, na interpretação do pedido formulado, um critério flexível com vista a alcançar uma justiça efetiva e não meramente formal, pois só assim é garantida uma tutela jurisdicional efetiva.”

 

De acordo com o entendimento preconizado, tendo a Requerente erigido em pedido principal a anulação dos atos de (auto)liquidação de Imposto do Selo, é indiferente o teor – formal ou material – da decisão dos atos administrativos (em matéria tributária). Se é pedida a anulação dos atos tributários com fundamento em ilegalidade, como a Requerente expressamente peticiona no seu pedido de revisão oficiosa[1], estamos no domínio do meio processual da impugnação judicial, e, portanto, por identidade de razões, da ação arbitral, cujo objeto também é a apreciação da legalidade do ato tributário – v., sobre questão análoga, a decisão no processo arbitral n.º 832/202-T, de 15 de setembro de 2022.

 

De onde se conclui que a pretensão deduzida tem cabimento na ação arbitral, ainda que, como declarado pelo Supremo Tribunal Administrativo, o seu conhecimento possa ter de ser precedido da apreciação dos vícios imputados à decisão administrativa (vícios que não respeitam ao ato de liquidação propriamente dito).

 

  1. Tempestividade do pedido de revisão oficiosa e comunicação do “vício” à ação arbitral

 

Suscita a Requerida a extemporaneidade do pedido de revisão oficiosa, com a consequente comunicação à ação arbitral, por não ser aplicável à situação da Requerente o prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º, n.º 1, II parte da LGT, uma vez que, para tanto, seria necessário que se verificasse um “erro [na liquidação] “imputável aos serviços”. Alega a falta de preenchimento deste pressuposto, dado não ter havido qualquer intervenção dos serviços nas autoliquidações de Imposto do Selo impugnadas, pelo que a revisão oficiosa apenas poderia ter amparo na I parte do referido preceito, dentro do prazo da reclamação graciosa, o qual estava ultrapassado à data em que o direito foi exercido, em 19 de maio de 2023. 

 

A noção de “erro imputável aos serviços” constante do n.º 1 do artigo 78.º da LGT concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte mas à Administração, e compreende “não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro” (v. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 8 de março de 2017, processo n.º 01019/14 e Acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 7 de maio de 2020, processo n.º 19/10.3BELRS). O erro de direito pode, assim, resultar, quer da má interpretação das normas legais em vigor, quer da aplicação de normas desconformes com o bloco de legalidade que lhes serve de parâmetro, designadamente o direito da União Europeia, pois a AT tem o dever de proceder à interpretação e aplicação das normas internas em conformidade com o direito da União.

 

Não tem este Tribunal dúvidas da aplicabilidade do artigo 78.º, n.º 1 da LGT a atos de autoliquidação, apesar da revogação do n.º 2 deste preceito, que estabelecia a presunção de “erro imputável aos serviços” para essas situações [de autoliquidação]. Este entendimento deriva da equiparação entre a autoliquidação, em que o contribuinte atua no lugar dos serviços da AT, e a liquidação administrativa.

 

Como assinala Paulo Marques[2] , na autoliquidação a lei institui “uma delegação dos poderes administrativos tributários nos próprios contribuintes e a forçosa consideração do seu exercício como um verdadeiro acto tributário, credor da presunção legal da verdade declarativa a favor do contribuinte (artigo 75.º, n.º 1, da LGT). A escolha sobre a forma concreta de liquidação de imposto depende assim da vontade do Estado-legislador. Pelo que lançando mão de uma justificada e pertinente interpretação sistemática, em conformidade com o princípio da coerência e unidade do sistema jurídico (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), podemos concluir que o contribuinte não está impedido de deduzir o pedido de revisão do acto tributário (artigo 78.º, da LGT) em relação à autoliquidação, apesar de já não beneficiar actualmente da ficção legal de «erro imputável aos serviços».

Ou, dito de outro modo, pela eliminação do n.º 2, do artigo 78.º, da LGT, não nos parece arredada a autoliquidação do objecto do procedimento de revisão.

A revogação do mencionado preceito legal apenas colocou termo, expressamente, à determinação legal que considerava imputável aos serviços o erro na autoliquidação, para efeitos de revisão oficiosa, intro­duzindo-se agora uma maior paridade entre o contribuinte e o fisco. Mas nada nos leva a entender que deva existir um desequilíbrio garantístico entre a liquidação efectuada pelo próprio contribuinte e a liquidação admi­nistrativa. Ambas poderão assim ser sindicadas mediante a revisão do acto tributário (artigo 78.º, da LGT) […][3].

 

Recentemente, e de forma cristalina, o Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 9 de novembro de 2022, proferido no processo n.º 087/22.5BEAVR, pronunciou-se favoravelmente à qualificação de “erro imputável aos serviços” em relação a uma questão respeitante a atos de retenção de imposto do selo, com inegável paralelismo, porquanto respeita a atos não praticados diretamente pela própria AT, mas pelos operadores económicos, de que se transcreve o seguinte excerto ilustrativo:

 

 “[…] colhem de pleno os argumentos da recorrente no sentido de que, tendo sido o IS liquidado e cobrado pelas instituições financeiras, em substituição da AT tal como lhe é perpetrado pela lei (artigo 2.º do Código do IS), o erro de direito tem de ser imputado precisamente “aos serviços” como antedito, pelo que os PROAT [pedidos de revisão oficiosa dos atos tributários] apresentados no prazo de quatro anos, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, devem ter-se como apresentados tempestivamente e está a AT obrigada a tomar conhecimento do mérito dos pedidos feitos na revisão oficiosa, com os efeitos próprios desta, limitados à cessação dos efeitos do acto.”. [4]

 

Não sendo a ilegalidade alegada imputável ao sujeito passivo, nem tendo o mesmo contribuído para a mesma, não pode deixar de ser atribuída à Administração, como já declarado em acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13 de março de 2002, no processo n.º 026765:

“A obediência que a Administração deve à lei (vejam-se os artigos 266.º n.º 1 da Constituição e 55.º da LGT) abrange a de todos os graus hierárquicos, e a de todas as origens, não excluindo, nem a lei constitucional, nem a comunitária, não podendo considerar-se legal o acto que aplica lei ordinária que afronte princípios constitucionais ou normas de direito comunitário cuja observância se imponha ao Estado Português.

Como assim, o facto de a liquidação ter obedecido às disposições legais […] não exclui a existência de erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado na aplicação de lei que não podia ser empregue, por contrária a normas de direito comunitário que vinculam o Estado Português.

Daí que os serviços da Administração tenham incorrido em erro, que apenas a eles é imputável, pois não se mostra ter sido o contribuinte a dar-lhe azo, propiciando informação que haja induzido o erro, o qual foi reconhecido pela sentença recorrida, por isso que anulou a liquidação por ele viciada.

Esta falta, demonstrada que fica com a procedência da impugnação, não deixa de ser imputável aos serviços pela eventual falta de culpa de qualquer dos seus agentes.”

 

Acresce referir que, conforme salienta a Requerente, existem orientações genéricas da AT devidamente publicadas no sentido da tributação em Imposto do Selo, como o Despacho n.º 1614/2010, de 10 de janeiro de 2012, ou a Ficha Doutrinária n.º 2020000532-IV n.º 17783, de 30 de agosto de 2020), não lhe podendo ser imputado um comportamento negligente.

Em síntese, sendo alegado no pedido de revisão oficiosa o erro na liquidação, por violação do direito da União Europeia (em concreto a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), o que interessa saber é apenas se a Requerente contribuiu para esse erro. O que não se verificou. Deste modo, reitera-se que o erro não pode deixar de ser imputável aos serviços da AT, pelo que a situação da Requerente é enquadrável no prazo de 4 anos estipulado na parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, não se verificando a intempestividade do pedido de revisão oficiosa[5].

 

De igual modo, constata-se a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 23 de novembro de 2023, dentro do prazo de 90 dias, nos termos previstos no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado da notificação do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, remetido por via eletrónica, através do canal “ViaCTT”, em 12 de agosto de 2023, que se considera efetuada no décimo quinto dia posterior ao registo de disponibilização (i.e., 27 de agosto de 2023), de acordo com o previsto no artigo 39.º, n.º 10 do CPPT.

 

  1. Cumulação de pedidos

 

Deve ser admitida a cumulação de pedidos relativos às diversas autoliquidações de Imposto do Selo por estar em causa a apreciação dos mesmos factos (empréstimos por saldos positivos no âmbito de um contrato de cash pooling) e a interpretação e aplicação das mesmas normas e princípios de direito.

 

 

  1. Fundamentação de Facto

 

  1. Factos provados

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

  1. A A..., LDA., aqui Requerente, é uma sociedade por quotas de direito português, com sede e direção efetiva neste território, qualificando-se como um sujeito passivo residente para efeitos fiscais, nos temos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) – cf. Documento 1 (provado por acordo).
  2. A Requerente tem por objeto social o comércio por grosso de computadores, equipamentos periféricos e programas informáticos, a reparação de computadores e de equipamentos periféricos, bem como a prestação de serviços de consultoria e formação relacionadas com os produtos e serviços por si comercializados (CAE 46510, 95110 e 62020) – cf. Documento 1 (provado por acordo).
  3. A Requerente integra o Grupo B... (“Grupo B...”), do qual também faz parte a C... B.V. (“C...”), sociedade de direito neerlandês, com residência fiscal nos Países Baixos – cf. Documentos 1, 15 e 16.
  4. Quer a Requerente, quer a C... são detidas, direta ou indiretamente, em mais de 75%, pela D..., B.V., sendo, em última instância, todas detidas pela sociedade beneficiária efetiva do Grupo B..., B... (USA), pelo que se encontram em relação de domínio ou de Grupo – cf. Documentos 15 e 16.
  5. A Requerente participa no acordo de gestão centralizada de tesouraria (acordo de cash-pooling) do Grupo B... em que se insere, tendo formalizado a respetiva adesão em 12 de junho de 2014 (com efeitos a 1 de junho de 2014), com a assinatura do “Contrato de Cashpool entre Empresas” (Intercompany Cashpool Agreement) celebrado com a sociedade holandesa C..., que também faz parte do grupo B... – cf. Documento 14.
  6. Segundo este Contrato de Cashpool entre Empresas, a C..., entidade responsável pelo controlo dos fluxos diários do sistema consolidado de tesouraria, concorda em, numa base diária e consoante o caso, disponibilizar dinheiro à Requerente (empréstimo de IC cashpool) ou receber fundos da Requerente (depósito de IC cashpool), a pedido desta. Se, no final de cada dia, o saldo for positivo, este é considerado como um depósito de Intercompany (“IC”) cashpool. Quando o saldo é negativo, é considerado um empréstimo de IC cashpool. Todos os depósitos e empréstimos de IC cashpool têm vencimento diário – cf. Documento 14.
  7. Ainda segundo o referido Contrato de Cashpool entre Empresas, os depósitos e empréstimos vencem juros a uma taxa de referência deduzida ou acrescida de uma margem (diferencial de crédito dos depósitos IC ou spread de crédito dos empréstimos IC). Os juros vencidos no mês anterior serão objeto de um crédito ou de um débito no saldo de capital no primeiro dia útil de cada mês – cf. Documento 14.
  8. O sistema de gestão centralizada de tesouraria implementado pelo Grupo B... baseia-se no princípio de saldo nulo, pelo que o saldo positivo da conta bancária da Requerente é automaticamente transferido para a conta bancária da C... numa base diária, por forma a que fique reduzido a zero – cf. Documento 14.
  9. Nos períodos a que os atos de autoliquidação de Imposto do Selo Impugnados respeitam (entre abril e dezembro de 2020 e janeiro 2021), a Requerente encontrava-se, de forma recorrente, numa situação de excesso de fundos/tesouraria, com a consequente transferência dos fundos da sua conta bancária local para a da C... – cf. Documentos 17 e 18.
  10. Os excessos de tesouraria nos referidos períodos foram gerados pela atividade operacional da Requerente e não tiveram origem em financiamento/empréstimo bancário – cf. Documentos 17 e 18 (demonstrações financeiras de 2019 e 2020 que não evidenciam qualquer passivo bancário).
  11. Os fluxos financeiros relativos aos períodos em causa corresponderam a operações de curto prazo, i.e., as mesmas não são superiores a 1 (um) ano. Com efeito, as concessões de empréstimos da Requerente ocorridas no período em análise (entre 1 de abril de 2020 e 31 de janeiro de 2021) foram anuladas/reembolsadas nos meses seguintes, sempre antes de decorrido o prazo de um ano – cf. Documento 19.
  12. A Requerente, na qualidade de entidade concedente do crédito à C... (note-se que nos períodos em causa o saldo da Requerente foi sempre positivo, considerado, portanto, como um depósito de cashpool) liquidou e pagou mensalmente Imposto do Selo, à taxa de 0,04% prevista na verba 17.1.4 da Tabela Geral do Código deste imposto[6], na importância global de € 82.452,79, nos moldes ilustrados no quadro seguinte – cf. Documentos 2 a 11 e 20:

Ano ref.ª

Mês ref.ª

Tipo documento

N.º documento

Data de entrega do IS

IS entregue
(Euro)

2020

Abril

DRFIS

...

20-05-2020

7.248,69

2020

Maio

DRFIS

 

19-06-2020

9.179,03

2020

Junho

DRFIS

 

17-07-2020

8.314,25

2020

Julho

DRFIS

 

14-08-2020

7.921,28

2020

Agosto

DRFIS

 

18-09-2020

8.604,41

2020

Setembro

DRFIS

 

19-10-2020

7.074,42

2020

Outubro

DRFIS

 

20-11-2020

7.835,71

2020

Novembro

DRFIS

 

17-12-2020

8.666,18

2020

Dezembro

DRFIS

 

20-01-2021

8.418,22

2021

Janeiro

DMIS

 

18-02-2021/
18-03-2021

9.190,60

Total

 

 

 

 

82.452,79

 

   

  1. Inconformada com as autoliquidações de Imposto do Selo atrás identificadas, a Requerente apresentou, em 19 de maio de 2023 pedido de revisão oficiosa das mesmas, ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.º 1 da LGT, com fundamento em erro imputável aos serviços – cf. Documento 12.
  2. O pedido de revisão oficiosa foi indeferido, por despacho de 10 de agosto de 2023, do Diretor adjunto de Direção de Finanças, ao abrigo de subdelegação de competências, com os fundamentos infra transcritos – cf. Documento 1: 

“[…]

V – ANÁLISE DO PEDIDO E PARECER

14. Ora, nos termos do n.º 1
do art.º 78.º da LGT “A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da Administração Tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

15. Com efeito, o n.º 1 do art.º 78.º da LGT, comporta em si duas situações distintas de revisão, sujeitas a prazos diferentes:

a) Revisão do ato tributário por iniciativa do sujeito passivo, a efetuar dentro do prazo de reclamação, com fundamento em qualquer ilegalidade – art.º 78.º  n.º 1, 1.ª parte, da LGT;

b) Revisão do ato tributário por iniciativa da Administração Tributária, a ser realizada no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços – art.º 78.º n.º 1 in fine, da LGT;

16. No caso sub Júdice, a requerente é que teve iniciativa, pelo que nos termos do art.º 78.º, n.º 1, 1.ª parte, da LGT, é intempestiva para os períodos de 04/2020 a 12/2020 e 01/2021, dado que deveria apresentar uma reclamação graciosa, nos termos do artigo 131.º, n.º 1 do CPPT, no prazo de dois anos após a apresentação da declaração, considerando-se, para este efeito, o termo do prazo legal que decorra, no caso em concreto, dos termos conjugados do n.º 1 do artigo 44.º com a alínea g) do artigo 5.º, ambos do CIS.

17. Tendo em conta o novo entendimento da AT vigente – o prazo para a apresentação de procedimentos administrativos (reclamação graciosa / recurso hierárquico / revisão do ato tributário) deve ser alargado pelo período em que vigorou a sua suspensão (covid).

a) No ano de 2020, o prazo esteve suspenso entre 09/03/2020 e 02/06/2020 – 86 dias;

b) No ano de 2021, o prazo esteve suspenso entre 22/01/2021 e 05/04/2021 – 74 dias.

18. Assim se indica as datas limites para efeitos de apresentação de reclamação graciosa, e tendo apresentado o pedido de revisão oficiosa a 19/05/2023, a mesma é intempestiva para os períodos abaixo indicados:

Período-Data de Submissão-2 anos-Covid2020-Covid2021 -Data p/ reclamar

2020/04             19/05/2020                 19/05/2022     14   74                      15/08/2022

2020/05             19/06/2020                 19/06/2022     74  01/09/2022

2020/06             14/07/2020                 14/07/2022     74  26/09/2022

2020/07             13/08/2020                 13/08/2022     74  26/10/2022

2020/08             18/09/2020                 18/09/2022     74  01/12/2022

2020/09             19/10/2020                 19/10/2022     74  01/01/2023

2020/10             20/11/2020                 20/11/2022     74  02/02/2023

2020/11             15/12/2020                 15/12/2022     74  27/02/2023

2020/12             20/01/2021                 20/01/2023     74  04/04/2023

19. E para o período de 01/2021, apesar de o requerente ter submetido a DMIS a 28/07/2022, a data a considerar seria 20/02/2021 e a data términus para reclamar seria de 20/02/2023 (20/02/2021 + 2anos), com o acréscimo de 74 dias do covid 2021, iria até 05/05/2023 (20/02/2023 + 74dias), também é intempestivo, dado ter sido apresentado o pedido de revisão oficiosa a 19/05/2023.

20. Assim, no que respeita ao prazo previsto na 2.ª parte do n.º 1 do art.º 78.º da LGT, o prazo para solicitar o pedido de revisão oficiosa é de quatro anos após a liquidação, ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

21. A revisão do ato tributário, quando o fundamento consiste em erro imputável aos serviços, constitui um poder-dever da AT e não um direito do contribuinte, daí que quando verificados os respetivos pressupostos, previstos no art.º 78.º da LGT, a sobredita revisão não está sujeita a qualquer pedido do contribuinte ou do juízo de oportunidade, estando a AT legalmente vinculada a rever o ato tributário.

22. Não obstante o prazo alargado de 4 anos (ou a todo o tempo se o tributo não se mostrar pago) estar à disposição da AT, tem sido jurisprudência pacifica e reiterada que tal não significa que o contribuinte não possa, nesse mesmo prazo, pedir essa mesma revisão.


23. Contudo, nestes casos, o fundamento a invocar, já não é qualquer ilegalidade, mas sim o erro imputável aos serviços, cujo âmbito é mais limitado.

24. Desta forma, tendo em conta que a liquidação é a mesma da data de submissão das guias, e o pedido de revisão apresentado à data de 19/05/2023 mostra-se dentro do prazo dos 4 anos previsto na referida norma.

25. Nos termos do disposto no n.º 1 artigo 1.º do CIS, para efeitos de INCIDÊNCIA OBJETIVA, o imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.

26. Em sede de INCIDÊNCIA SUBJETIVA, regulada no artigo 2.º do CIS, são sujeitos passivos do imposto do selo propriamente dito, as entidades mencionadas no n.º 1 do aludido artigo, pelo que, entre numerosos outros, serão sujeitos passivos as entidades concedentes de crédito e da garantia ou credoras de juros, prémios, comissões e outras contraprestações (cfr. al. b) do n.º 1).

27. Em termos de LIQUIDAÇÃO do Imposto do Selo há que observar o disposto no artigo 23.º do CIS e, no caso das transmissões gratuitas, o artigo 25.º e seguintes do CIS.

28. Dos quais resulta, em termos genéricos, que no caso do imposto do selo propriamente dito, a liquidação compete aos sujeitos passivos enunciados no artigo 2.º, n.º 1 e 3 (art.º 23.º, n.º 1), ao passo que nas transmissões gratuitas [verbas 1.1 + IMT (art.º 23.º n.º 3); verba 1.1 +.1.2 (23.º n.º 4 e art.º 25.º); verba 2 (art.º 23.º n.º 6 e n.º 8 do artigo 60.º)] a liquidação compete aos serviços centrais da Autoridade Tributária.

29. Face ao exposto, não restam dúvidas e é nosso entendimento, que estamos perante imposto do selo autoliquidado.

30. Assim, quanto ao invocado erro de direito que, no entender da Requerente, inquina a legalidade dos atos tributários de autoliquidação de IS, incidente nas operações financeiras inscritas nas Verbas 17 da TGIS, a confirmar a sua existência, o mesmo resulta de uma interpretação reiterada e da prática consolidada do próprio sector financeiro e não de uma interpretação da lei dada pela AT.

31. Por sua vez, poderá o dirigente máximo do serviço autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

32. Verifica-se que se encontra em tempo, ou seja, dentro dos 3 anos, ao abrigo do n.º 4 do artigo 78.º da LGT

33. Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

34. DA ISENÇÃO DA ALÍNEA H) DO N.º 1 DO ARTIGO 7.º DO CIS.

35. Desde 1 de abril de 2020, “como forma de apoio à tesouraria das empresas”, decidiu o legislador isentar “de Imposto do Selo todas as operações financeiras de curto prazo realizadas entre sociedades em relação de domínio ou de grupo no âmbito de contratos de gestão centralizada de tesouraria (cash pooling).” - In “Orçamento do Estado 2020 — Relatório. Dezembro 2019”, págs. 32 e 33. Consultável em https://www.oe2020.gov.pUwp-content/uploads/2019/12/Relatorio-Orcamento-do-Estado-2020.pdf

36. Assim, com esse propósito, determina a alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, que “[o]s empréstimos, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com qual estejam em relação de domínio ou de grupo”, ficam isentos do pagamento de Imposto do Selo. -Redação dada pelo artigo 343.º da Lei n.º 2/2020, de 31 de março, que aprovou a Lei do Orçamento do Estado para 2020.

37. Todavia, o reconhecimento e concessão da isenção está condicionado:

38. À observância do disposto no n.º 8 do mesmo artigo que estabelece que “[s]em prejuízo do estabelecido nos n.ºs 2 e 3, para efeitos do disposto na alínea h) do n.º 1 , existe relação de domínio ou grupo, quando uma sociedade, dita dominante, detém, há mais de um ano, direta ou indiretamente, pelo menos, 75 % do capital de outra ou outras sociedades ditas dominadas, desde que tal participação lhe confira mais de 50 % dos direitos de voto.”- Redação dada pelo artigo 343.º da Lei n.º 2/2020, de 31 de março, que aprovou a Lei do Orçamento do Estado para 2020.

39. Bem como, à verificação do estatuído nos n.ºs 2 e 3 do mesmo preceito legal, na medida em que concorrem para a delimitação do elemento espacial de aplicação daquela norma de isenção, nos quais se estabelece que “ [o] disposto nas alíneas g) e h) do n.º 1 não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direção efetiva no território nacional, com exceção das situações em que o credor ou o devedor tenha sede ou direção efetiva noutro Estado-Membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal, caso em que subsiste o direito à isenção.

40. Salvo se o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g) e h) do n.º 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional” (n.º 2) - Redação dada pela Lei n.º 12/2022, de 27 de junho; “[o] disposto nas alíneas g), h) e i) do n.º 1 não se aplica quando qualquer das sociedades intervenientes ou o sócio, respetivamente, seja entidade domiciliada em território sujeito a regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças” (n.º 3).

41. Fazendo uma leitura integrada do disposto nos normativos citados, conclui-se que o benefício da isenção depende do preenchimento cumulativo dos seguintes pressupostos:

i. Da existência de um contrato de gestão centralizada de tesouraria que regule o seu modo e condições de funcionamento;

ii. Do prazo da operação financeira, isto é, o prazo que medeia a transferência dos fundos e o seu reembolso não deve ultrapassar um ano;

iii. Da relação societária existente entre as sociedades participantes no contrato de gestão centralizada de tesouraria;

iv. Da verificação das limitações impostas pelos n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo.

42. Para valer a sua pretensão a requerente apresenta o documento “Intercompany cashpool agreement", tendo-se verificado que se encontra em falta a página 5, e que o mesmo não se encontra assinado por ambos os intervenientes, nomeadamente está em falta a assinatura do representante da empresa “C... B.V., apresenta extrato bancário com indicação dos pagamentos efetuados bem como as guias submetidas.

43. Por sua vez, acresce o facto que a requerente, não apresentar todos os documentos contabilísticos elencados no art.º 53.º do CIS, conjugado com o art.º 123.º e art.º 130.º, ambos do CIRC.

44. Assim, sempre que o sujeito passivo, ora Requerente, invoque a aplicação da isenção, por considerar que estão reunidos os respetivos pressupostos elencados no ponto 41 , deve estar em condições de o demonstrar à AT, de acordo com o estatuído no n.º 2 do artigo 14.º e no n.º 1 do artigo 74.º , ambos da LGT, e no caso em apreço não se verificou.

45. O n.º 6 do art.º 78.º da LGT prevê a revisão do ato tributário por motivo de duplicação de coleta, no prazo de quatro anos, porém, na situação em causa não estamos perante situação de duplicação de coleta.

46. Refere-se, ainda, que embora existam Acórdãos no sentido da pretensão do Reclamante, estes vigoram apenas para os casos em que foram proferidos.

47. Saliente-se que, após análise de todos os elementos, conclui-se que não foi junta, aos autos, prova documental, nos termos do art.º 74.º LGT, que permita confirmar, de forma clara e inequívoca, o peticionado nos presentes autos.

48. Acrescenta-se ainda que, por não se verificarem in casu os pressupostos do n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, não assiste à requerente o direito a juros indemnizatórios.

VI – CONCLUSÃO E PROJETO DE DECISÃO

Assim sendo, face ao exposto sou de parecer que seja negado provimento ao presente pedido de revisão oficiosa.

[…]

VII – INFORMAÇÃO SUCINTA

Atendendo aos fundamentos de facto e de direito constantes do projeto de decisão, foi exarado em 21/06/2023, despacho no sentido de negado provimento pedido, pelo Diretor de Finanças Adjunto, por subdelegação, referentes às autoliquidações de Imposto de Selo (IS) abaixo indicadas, num total de € 82.452,79, nos termos do art.º 78.º da Lei Geral Tributária (LGT).

[…]

O requerente foi notificado, nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, para exercer o direito de audição prévia, no prazo de 15 (quinze) dias, através do ofício datado de 22/06/2023 ViaCTT.

Considerando o estatuído no art.º 39.º do CPPT, quanto à perfeição das notificações, a notificação considera-se efetuada em 11/07/2023, pelo que, o termo do prazo para exercer tal direito ocorreu em 26/07/2023.

Uma vez que, até à presente data, o requerente não exerceu o seu direito e que se mantêm válidos os fundamentos constantes do projeto de decisão, no qual é negado provimento do pedido, deverá o mesmo ser convolado em definitivo.”

  1. O ofício de notificação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa acima referido, foi remetido, pela AT à Requerente, por via eletrónica, através do canal “Via CTT”, em 12 de agosto de 2023, e acedido pela Requerente em 16 de agosto de 2023 – cf. Documento 13.
  2. Em discordância das autoliquidações de Imposto do Selo referentes ao período compreendido entre abril de 2020 e janeiro 2021 e, bem assim, da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que as manteve, a Requerente apresentou no CAAD, em 23 de novembro de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem à presente ação – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.

 

2.         Motivação da decisão da matéria de facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, conforme acima referenciado.

 

            3.         Factos não provados

 

            Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

 

  1. Do Direito

 

  1. Questões decidendas

 

            Colocam-se à apreciação deste tribunal as seguintes questões, ordenadas nos termos do disposto no artigo 124.º, n.º 2 do CPPT, com prioridade para aquelas cuja procedência determina a mais estável e eficaz tutela da Requerente:

  1. Da (falta de) incidência territorial do Imposto do Selo da verba 17.1.4 quando o “utilizador do crédito” esteja fora de Portugal;
  2. Violação do direito da União Europeia por discriminação entre residentes e não residentes, nos termos do n.º 2 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, relativamente à isenção consagrada na alínea h) do n.º 1 do mesmo artigo, na redação em vigor nos anos 2020 e 2021;
  3. Preterição de formalidades essenciais, por falta de indicação do prazo e meios de reação na notificação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa. 

 

  1. Da incidência territorial do imposto do selo no caso de  mutuário/utilizador do crédito localizado fora de Portugal

 

O artigo 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo dispõe que este imposto “incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens”.

 

Nos termos do artigo 4.º, n.º 1 do mesmo diploma, todos os factos mencionados no artigo 1.º são sujeitos a Imposto do Selo quando tenham ocorrido em território nacional. Importa, pois, saber se as operações de crédito subjacentes às autoliquidações em crise ocorreram, ou não, em território nacional. Sendo a resposta negativa, exclui-se a incidência do imposto. Se for afirmativa, é de aplicar a verba 17 da TGIS respeitante às operações financeiras, cuja tributação pode ser eventualmente neutralizada pela aplicação de um regime de isenção (v. artigo 7.º do Código do Imposto do Selo).

 

Na tese da Requerente, as transferências de fundos por si efetuadas, ao abrigo do Contrato de Cashpool entre Empresas, em benefício da sociedade contraparte C..., não são abrangidas pelo âmbito de incidência territorial do Imposto do Selo. Considera que, estando em causa operações de concessão de crédito previstas na verba 17.1.4 da respetiva Tabela Geral[7] (“TGIS”), o facto tributário corresponde à efetiva utilização do crédito por parte do beneficiário, titular do interesse económico, sobre quem recai o encargo do imposto, como determinado pelo artigo 3.º, n.º 3, alínea f) do Código do Imposto do Selo. Encontrando-se este beneficiário localizado fora do território nacional (na Holanda), conclui que não se verifica o critério de conexão relevante de que depende a localização da operação financeira em Portugal (v. artigo 4.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo), pois esta é determinada pelo local onde se verifica a utilização do crédito, ou seja, na Holanda, país de residência da C..., onde ocorreu a receção e utilização dos fundos.

 

Este entendimento foi seguido por algumas decisões arbitrais (v. 61/2019-T, de 6 de novembro de 2019, 315/2022-T, de 17 de julho de 2023, e 530/2020-T, de 17 de janeiro de 2022) e pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 25 de março de 2021, processo n.º 675/03.9BTLRS.

 

Contudo, considera este Tribunal Arbitral que o mesmo não é de sufragar. Com efeito, seguindo a fundamentação do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28 de novembro de 2018, processo n.º 06/11.4BESNT 0436/16, e das decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 277/2020-T, de 6 de outubro de 2020, 279/2020-T e 57/2021-T, a operação financeira a tributar é a concessão de crédito.

 

Como assinala a decisão do processo n.º 277/2020-T, deve entender-se que, embora o titular do interesse económico, sobre quem recai o encargo do Imposto do Selo, seja o utilizador do crédito – v. artigo 3.º, n.º 3, alínea f), do respetivo Código – o sujeito passivo, que tem a obrigação de liquidar, cobrar e entregar o imposto ao Estado é a entidade “concedente do crédito”, de acordo com o preceituado no artigo 2.º, n.º 1, alínea b) do Código do Imposto do Selo.

 

            O facto tributário é a concessão de crédito, à qual faz apelo o artigo 3.º, n.º 3, alínea f) do Código, quando determina o titular do interesse económico (e, portanto, o contribuinte de facto) que deve suportar o encargo do imposto nestas operações. Tal norma não se refere a operações de “utilização de crédito”, mas sim à “concessão de crédito”, considerando como titular do interesse económico o utilizador do crédito. “No mesmo sentido de o facto tributário ser a concessão do crédito aponta a globalidade do regime legal, ao considerar sujeito passivo quem concede o crédito [de harmonia com o disposto no artigo 2.º, alínea b), do mesmo Código], incumbi-lo da liquidação do imposto «devido por operações de crédito» (nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 23.º do mesmo Código) e impondo-lhe a obrigação de efectuar o seu pagamento (artigo 41.º do CIS).

 

Nesta linha se pronuncia o citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 06/11.4BESNT 0436/16, declarando que “a concessão de crédito está sujeita a imposto do selo, qualquer que seja a natureza e forma, relevando, contudo, para o efeito a efectiva utilização do crédito concedido e não o contrato que lhe é subjacente o que significa que, mais que a forma do contrato, importa para a tributação a efectiva relação de crédito, estando sujeito a imposto apenas a efectiva utilização do crédito pelo beneficiário. Assim, teremos que concluir que a mera celebração do contrato de concessão de crédito nem sempre gera facto tributário do imposto. Quando a utilização do crédito for imediata, o facto tributário emerge na data de utilização que coincide com a data de celebração do contrato de concessão de crédito. Quando a utilização do crédito não for imediata, o facto tributário emerge na data de utilização que não coincide com a data de celebração do contrato concessão de crédito. O facto tributário eleito para tributação é, sempre, a concessão de crédito em que uma parte se obriga a realizar uma prestação de valores monetários a outra que por sua vez se obriga a restituir aquele montante (em singelo ou acrescido de valor convencionado), no futuro.

A utilização de crédito com base em negócio jurídico de concessão de crédito é que torna aparente o contrato de concessão de crédito que o legislador quer tributar. Até que essa utilização se verifique, não há lugar a tributação e esta, quanto à sua taxa, depende muito do valor e periodicidade da utilização.” (realce nosso)

 

Daqui decorre que a utilização do crédito releva para determinar o contribuinte de facto (aquele que deve suportar economicamente o encargo do imposto) e o momento (facto gerador) em que se suscita a tributação da concessão de crédito. Dito de outro modo, só ocorrerá a tributação da concessão de crédito, quando o crédito concedido for utilizado, como resulta da verba 17.1.4 da TGIS, mas tal “não obsta ao entendimento, que estará subjacente ao referido acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de que as «operações financeiras» que se pretendem tributar são as de concessão de crédito que apenas se consideram concretizadas no momento em que o crédito concedido é utilizado.” – v. decisão arbitral no processo n.º 277/2020-T.

 

É também esse o entendimento adotado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de março de 2018, no processo n.º 0800/17, cujo sumário é ilustrativo:

“I - A concessão de crédito está sujeita a imposto do selo, qualquer que seja a natureza e forma, relevando, contudo, para o efeito a efectiva utilização do crédito concedido.

II - O facto tributário eleito para tributação em imposto de selo é, sempre, a concessão de crédito - prestação de valores monetários de uma parte a outra obrigando-se esta última a restituir aquele montante (em singelo ou acrescido de valor convencionado), no futuro.

III - A mera celebração do contrato de concessão de crédito nem sempre gera facto tributário do imposto. Quando a utilização do crédito for imediata, o facto tributário emerge na data de utilização que coincide com a data de celebração do contrato de concessão de crédito.

IV - Quando a utilização do crédito não for imediata, o facto tributário emerge na data de utilização que não coincide com a data de celebração do contrato concessão de crédito.”

 

Assim, a conexão relevante para aferir a incidência territorial do Imposto do Selo é o local da concessão do crédito, que determina o dever de liquidar do concedente, a aqui Requerente, entidade com sede e direção efetiva em Portugal, de onde são provenientes os meios financeiros cedidos.

 

Desta forma, dá-se por verificado o elemento de conexão territorial com Portugal, considerando-se realizadas em território português as operações financeiras relativas à modalidade de cash pooling em causa (colocação de excedentes de tesouraria), aplicando-se a verba 17.1.4, respeitante a “Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30”, a que corresponde a taxa de 0,04%.

 

Dada a sujeição espacial das operações vertentes, nos termos do Código do Imposto do Selo, improcede o primeiro vício de índole material imputado às autoliquidações controvertidas.

 

  1. Aplicabilidade da isenção da alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo e discriminação com base na residência. Violação do Direito da União Europeia

 

            3.1.    Restrição prevista no n.º 2 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo

 

A Requerente invoca o enquadramento na norma de isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea h) do Código do Imposto do Selo, na redação introduzida pela Lei OE 2020, que abrange os “empréstimos, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo”. 

 

Não obstante reconhecer que a referida isenção aparentava ser limitada pelo n.º 2 do mencionado artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, na redação à data dos factos[8] que a fazia depender de o credor (a Requerente) ter sede ou direção num Estado-Membro da União Europeia que não Portugal, o que não sucede na situação em análise, pois a Requerente tem sede e residência fiscal em Portugal, acaba por concluir que, “atendendo ao espírito do legislador e ao enquadramento fiscal da operação”, a isenção deve ser igualmente aplicável ao caso em análise, quer por interpretação diversa não se coadunar com a flexibilidade pretendida pelos contratos de gestão centralizada de tesouraria no contexto dos grupos multinacionais, quer por se apresentar como discriminatória, violando os princípios basilares da União Europeia, pois consubstancia uma restrição injustificada à liberdade de movimentos de capitais garantida pelo artigo 63.º do TFUE, restrição esta impedida ao abrigo do artigo 8.º, n.º 4 da Constituição.

 

Neste âmbito, sublinha que a isenção em causa (da alínea h)) é direcionada especificamente a instrumentos de gestão centralizada de fundos/estruturas de cash pooling, no seio de grupos económicos que operam a nível global, e visa sobretudo desonerar a tributação incidente sobre meras operações “internas” de transferências de fundos intragrupo, flexibilizando e facilitando uma gestão consolidada da tesouraria, como aliás, é igualmente o objetivo das isenções previstas nas alíneas g) e i) do n.º 1 do mesmo artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, também estas dirigidas a operações internas entre sociedades com relação de participação entre si. Além do elemento teleológico, aceitar-se a limitação imposta pelo elemento literal da lei conduziria a um tratamento discriminatório das entidades não residentes em Portugal, comparativamente com o aquele que é aplicado às entidades aqui residentes.

 

Analisando a situação concreta, verifica-se que estão preenchidos todos os requisitos da norma de isenção da alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo. Desde logo, conforme resulta da matéria de facto provada, as transferências de fundos da Requerente para a C... configuram uma concessão de crédito (depósito de IC cashpool), com vencimento de juros a favor da primeira, nos termos do Contrato de Cashpool entre Empresas” (Intercompany Cashpool Agreement), celebrado no seio do grupo B..., a que a Requerente pertence, para a gestão centralizada de tesouraria. Esta operação de transferência de capitais por cash pooling é subsumida ao disposto no artigo 4.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo e respetiva verba 17.1.4 da TGIS, devendo ser qualificada como uma operação de concessão de crédito.

Adicionalmente, os empréstimos concedidos pela Requerente à C... nos períodos em causa foram reembolsados nos meses seguintes, sempre antes de decorrido do prazo de um ano, sendo ambas as entidades detidas em mais de 75% pela D..., B.V., e, em última instância, todas detidas pela sociedade beneficiária efetiva do Grupo B..., B... (USA), encontrando-se em relação de domínio ou de Grupo.

 

Nesta medida, a Requerente fez prova:

  1. Do contrato de gestão centralizada de tesouraria e das condições nele estabelecidas;
  2. Da relação societária de domínio ou de grupo entre a Requerente e a C..., esta última na sua qualidade de sociedade centralizadora do contrato de gestão de tesouraria, nos termos do previsto no artigo 7.º, n.º 8 do Código do Imposto do Selo;
  3. De não ter sido ultrapassado o prazo máximo de um ano entre a transferência dos fundos e o seu reembolso; e
  4. De os fundos não terem sido originados por via de financiamento(s) através de instituições de crédito ou sociedades financeiras, resultando antes dos excedentes de liquidez da sua atividade.

 

O enquadramento objetivo das operações de cash pooling da Requerente na citada alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo afigura-se inequívoco. O ponto é que o âmbito de aplicação desta isenção, quando algum dos intervenientes não tenha sede ou direção efetiva no território nacional, como sucede com a C..., está restrito aos casos em que o credor tenha sede ou direção efetiva noutro Estado membro da União Europeia[9] (que não Portugal). Ora a Requerente tem sede e direção efetiva em Portugal, pelo que não cumpre a condição (subjetiva) da isenção.

 

A solução hermenêutica enunciada pela Requerente, no sentido de aplicação da isenção sem mais, não pode ser acolhida, pois não tem um mínimo de correspondência no elemento gramatical e constitui uma interpretação ab-rogante ou revogatória do n.º 2 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, na medida em que se traduz na negação de sentido e valor da norma, alterando o recorte da isenção nesta consagrado, o que não é concebível à luz do princípio da legalidade em matéria de incidência e benefícios fiscais que vigora no sistema português (v. artigo 103.º, n.º 2 da Constituição).

 

            À face do exposto, tem de se concluir que não o n.º 2 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo afasta o regime de isenção nas situações de cash pooling em que o credor [como a Requerente] tem sede ou direção efetiva em Portugal e o devedor reside num Estado-Membro da União Europeia. Assim, como salienta a decisão arbitral do processo n.º 277/2020-T[10] só por imposição de normas de hierarquia superior (direito da União Europeia), poderá este regime ser afastado.

 

            3.2.    discriminação com base na residência. Violação do direito da União Europeia – Jurisprudência do Tribunal de Justiça C-420/23

 

Atento o supra exposto, a última questão a que há que dar resposta, prende-se com saber se ocorre a violação do princípio da não discriminação ínsito na liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE. Esta liberdade fundamental é considerada clara e incondicional e imediatamente aplicável (processo C-163/94, Sanz de Lera, com acórdão de 14 de dezembro de 1995).

 

O problema suscita-se na medida em que os empréstimos de curto prazo, como os concedidos no âmbito do cash pooling vertente, constituem movimentos de capitais à luz do Diretiva 88/361/CEE, do Conselho de 24 de junho de 1988 (v. processos C-282/12, Itelcar, de 3 de outubro de 2013, e C-452/04, Fidium Finanz AG, de 3 de outubro de 2006, sobre concessão de crédito e liberdade de circulação de capitais).

A jurisprudência arbitral já se pronunciou sobre esta matéria, existindo decisões em sentidos opostos, nomeadamente a do processo n.º 277/2020-T[11], que conclui pela discriminação em razão da nacionalidade/residência e pela consequente incompatibilidade com a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE, e a do processo n.º 279/2020-T que decide em sentido oposto[12].

 

            Tratando-se de uma questão a avaliar com base no direito da União Europeia, o Supremo Tribunal Administrativo, em sede de recurso para uniformização de jurisprudência, suscitou o reenvio prejudicial, no âmbito do qual o Tribunal de Justiça se pronunciou em linha com a decisão do processo arbitral n.º 277/2020-T, no sentido da desconformidade da diferenciação entre a tributação em Imposto do Selo das operações de concessão de crédito cujo credor é residente em Portugal e o devedor não o é, das demais situações e que o credor é residente num outro Estado-Membro da União Europeia, que beneficiam de isenção daquele imposto – v. acórdão do Tribunal de Justiça proferido em 20 de junho de 2024, no processo C-420/2023, Faurécia.

 

            Como assinala a decisão do processo arbitral n.º 277/2020-T, o regime diferenciador do artigo 7.º, n.º 2 do Código do Imposto do Selo, que restringe as isenções previstas nas alíneas g) e h) do seu n.º 1, priva os residentes de um Estado-Membro (no caso a C..., residente na Holanda) da possibilidade de beneficiarem de uma eventual não tributação dos mútuos contraídos em Portugal. Isto, quando não existe limitação similar no caso de o mutuário ser residente em território nacional, o que constitui uma restrição aos movimentos de capitais no sentido do artigo 63.º, n.º 1 do TFUE, que só pode ser admitida nas situações previstas no artigo 65.º do Tratado, ou seja:

 

 

  • em relação a “contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido” (v. n.º 1, alínea a)); ou
  • por razões de ordem pública ou de segurança pública” (v. n.º 1, alínea b))

 

            Em síntese, para que a legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do TFUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento respeite a situações não comparáveis objetivamente, ou se justifique por uma razão imperativa de interesse geral – v. acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina, C-575/17 (ponto 46 e demais jurisprudência aí citada) – o que adiante se analisa.

 

            Quanto ao facto de o sujeito passivo do imposto ser o concedente do crédito (a Requerente) e não o devedor, a C..., não afasta esta conclusão, pois, “embora não se esteja perante uma situação de substituição tributária em sentido próprio (que se efectua através de retenção na fonte do imposto liquidado pelo substituto, nos termos do artigo 20.º da LGT), está-se perante situação em que se admite (e legalmente se pretende) a repercussão económica do imposto em relação ao titular do interesse económico, que é o utilizador do crédito, que deve suportar o encargo do imposto, nos termos dos n.ºs 1 e 3 alínea f) do artigo 3.º do CIS. Aliás, no caso de não pagamento do imposto pelo sujeito passivo (credor), o imposto até poderá ser exigido directamente ao titular do interesse económico, designadamente nos casos de operações de cash pooling, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 19-02-2020, proferido no processo n.º 2244/12.3BEPRT 0898/17.

 

            Sobre a comparabilidade das situações, continuando a acompanhar a decisão do processo arbitral n.º 277/2020-T: “está-se perante um imposto de obrigação única, devido

relativamente a cada acto de concessão de crédito, e os intervenientes num contrato de cash pooling encontram-se em situações idênticas, independentemente do local da sua residência ou do local onde o capital é investido, havendo mesmo possibilidade de frequentes inversões das posições de credor e devedor no âmbito do mesmo contrato, em função das disponibilidades e necessidades de tesouraria de cada um dos intervenientes.

            Assim, tem de se concluir pela comparabilidade das situações entre residentes e não residentes, para efeitos da isenção em causa, em contratos do tipo do dos autos.

            Neste contexto, a atribuição de uma vantagem fiscal aos devedores residentes em

Portugal que é recusada aos devedores não residentes constitui, como defende a Requerente, uma diferença de tratamento entre estas duas categorias de contribuintes, que é de qualificar como discriminação, na acepção do Tratado, por não existir qualquer diferença objectiva de situação susceptível de justificar tratamento diferenciado.

            Assim, a alínea a) do n.º 1 e o n.º 3 do artigo 65.º do TFUE não permitem o regime

consubstanciado nas referidas normas do CIS, pois a diferença de tratamento não é justificada por uma diferença de situação objetiva.”

 

            Por outro lado, também não se divisa uma razão imperiosa de interesse geral justificativa da discriminação, pois o controlo e monitorização do cumprimento das obrigações fiscais pode ser efetuado pela Requerida com recurso ao procedimento de troca de informações previsto no artigo 28.º da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos para Evitar a Dupla Tributação[13], nem a Requerida invoca dificuldades neste domínio.

 

            De notar que “a intenção geral que está ínsita na atribuição dos benefícios fiscais previstos nas alíneas g) a i) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, não pode ser a de «impedir comportamentos que consistam em criar expedientes puramente artificiais, desprovidos de realidade económica, cujo objetivo é beneficiar indevidamente de uma vantagem fiscal», que podem justificam restrições à livre circulação de capitais (Acórdãos do TJUE de 05-07-2012, SIAT, processo C-318/16, EU:C:2017:415, n.º 40; de 07-09-2017, Eqiom e Enka, processo C6/16, EU:C:2017:641, n.º 30; e de 20-09-2018, EV, processo C-685/16, n.º 95), mas, será, pelo contrário, de admitir ou mesmo incentivar esses comportamentos, concedendo benefícios fiscais. Pelo exposto, conclui-se que o afastamento da aplicação da isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS que se prevê no n.º 2 do mesmo artigo, nas situações em que o devedor não tem sede ou direcção efectiva em Portugal, mas a tem num Estado Membro da União Europeia, constitui uma restrição injustificada à liberdade de movimentos de capitais garantida pelo artigo 63.º do TFUE, pelo que esta restrição não pode ser aplicada, por for[ç]a do preceituado no n.º 4 do artigo 8.º da CRP” – v. decisão do processo arbitral n.º 277/2020-T.

 

            A este respeito cabe referir que não compreende este Tribunal a afirmação da Requerida de que o problema de incompatibilidade com o direito da União Europeia não se coloca na situação presente, pois o tratamento diferenciado não respeita a situações que sejam objetivamente comparáveis, dado que “os fundos não têm caráter de suprimentos efetuados por sócios às sociedades suas participadas”, pois não estão em discussão nos autos quaisquer suprimentos, tão-só a concessão de crédito no âmbito de contratos de cash pooling. De igual modo, não é de exigir a demonstração de carências de tesouraria, pois a norma de isenção em apreço, a alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, não contém tal condição, que vem referida noutra norma de isenção (a da alínea g)), cuja aplicação não foi suscitada, nem é invocada por qualquer das Partes.

 

            Como acima se mencionou, a recentíssima decisão (de 20 de junho de 2024) do Tribunal de Justiça no processo Faurécia, C-420/23, veio consolidar a posição acima preconizada do caráter discriminatório da exclusão da isenção prevista no n.º 2 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo nas situações, como aquela a apreciar nestes autos, em que as mesmas operações estão isentas quando nelas intervenham duas entidades estabelecidas no Estado-Membro [Portugal], mas deixam de o estar quando o mutuário se encontra estabelecido noutro Estado-Membro.

 

            Para tanto, o Tribunal de Justiça apresenta os seguintes fundamentos:

 

12      […] em princípio, a isenção do imposto do selo prevista no artigo 7.°, n.° 1, alínea g), do CIS é aplicável às operações financeiras em causa no processo principal. Contudo, o artigo 7.°, n.° 2, do CIS restringe o âmbito de aplicação daquela isenção, que não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direção efetiva no território nacional.

13      Embora o artigo 7.°, n.° 2, do CIS preveja uma exceção à exclusão da isenção, esta exceção só se aplica quando o credor tenha a sua sede ou direção efetiva noutro Estado‑Membro da União Europeia ou num Estado com o qual a República Portuguesa tenha celebrado uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o património. Ora, no caso em apreço, o credor, a Faurécia, tem a sua sede em Portugal, pelo que esta sociedade não está abrangida pela referida exceção.

14      O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que, na sentença de 6 de outubro de 2020, o Tribunal Arbitral em Matéria Tributária (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) considerou que o artigo 7.°, n.° 2, do CIS constituía uma restrição à livre circulação de capitais, uma vez que os residentes dos outros Estados‑Membros seriam privados da possibilidade de beneficiarem, no que respeita ao imposto do selo, da isenção aplicável aos mútuos contraídos em Portugal.

15      Em contrapartida, na sentença de 3 de novembro de 2020, o facto de, no processo em apreço, o sujeito passivo do imposto do selo ser o credor, a Faurécia, e não o devedor estabelecido em França, foi considerado determinante para chegar à conclusão inversa da sentença de 6 de outubro de 2020. Assim, na sentença de 3 de novembro de 2020, o Tribunal Arbitral em Matéria Tributária (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) declarou que, no que respeita ao imposto do selo, os credores residentes em Portugal não são objeto de nenhum tratamento fiscal diferenciado em função da nacionalidade ou da residência dos seus mutuários.

16      Nestas condições, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A norma constante do artigo 7.°, n.° 2, do [CIS], segundo a qual a isenção de Imposto de Selo prevista para as operações de tesouraria de curto prazo é aplicável quando nestas intervêm duas entidades residentes em Portugal ou quando o mutuário é aqui residente (sendo o credor residente na União Europeia) mas já não é aplicável quando o mutuário (devedor) é residente num Estado‑Membro da União Europeia e o mutuante (credor) é residente em Portugal, é conforme aos princípios da não discriminação e da liberdade de circulação de capitais, estabelecidos nos artigos 18.°, 63.° e 65.°, n.° 3 do TFUE?»

 

Quanto à questão prejudicial

17      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 18.° e 63.°, bem como o artigo 65.°, n.° 3, TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro segundo a qual as operações de tesouraria de curto prazo estão isentas de imposto do selo quando nestas intervenham duas entidades estabelecidas nesse Estado‑Membro ou quando o mutuário aí esteja estabelecido, mas não estão isentas quando o mutuante esteja estabelecido no referido Estado‑Membro e o mutuário esteja estabelecido noutro Estado‑Membro.

Quanto aos princípios e liberdades aplicáveis

18      A título preliminar, importa recordar que o artigo 18.° TFUE apenas deve ser aplicado de modo autónomo às situações regidas pelo direito da União para as quais o Tratado FUE não preveja regras específicas de não discriminação [Acórdão de 18 de março de 2021, Autoridade Tributária e Aduaneira, C‑388/19 (Imposto sobre as mais‑valias imobiliárias), C‑388/19, EU:C:2021:212, n.° 20 e jurisprudência referida].

19      Ora, o Tratado FUE prevê, designadamente, no seu artigo 63.°, uma regra específica de não discriminação no domínio da liberdade de circulação de capitais [Acórdão de 18 de março de 2021, Autoridade Tributária e Aduaneira, C‑388/19 (Imposto sobre as mais‑valias imobiliárias), C‑388/19, EU:C:2021:212, n.° 21 e jurisprudência referida]. Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que os empréstimos concedidos por residentes a não residentes, como os que estão em causa no processo principal, constituem movimentos de capitais abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 63.° TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 14 de outubro de 1999, Sandoz, C‑439/97, EU:C:1999:499, n.° 7).

20      Por conseguinte, há que examinar a questão prejudicial unicamente à luz do artigo 63.° TFUE.

Quanto à livre circulação de capitais

21      O artigo 63.°, n.° 1, TFUE proíbe, de maneira geral, os entraves aos movimentos de capitais entre os Estados‑Membros. As medidas proibidas por esta disposição, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado‑Membro ou de dissuadir os residentes desse Estado‑Membro de investir noutros Estados (Acórdão de 27 de abril de 2023, L Fund, C‑537/20, EU:C:2023:339, n.° 42 e jurisprudência referida).

22      No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que o CIS previa, em caso de concessão de empréstimos por um residente português, regras de tributação diferentes consoante o mutuário residisse ou não em Portugal, estando prevista uma isenção do imposto do selo unicamente no primeiro caso.

23      Tal diferença de tratamento é suscetível de tornar menos atrativos, para os residentes portugueses, investimentos como a concessão de empréstimos, realizados no estrangeiro, em relação aos investimentos realizados no território português. Esta diferença de tratamento produz também um efeito restritivo em relação aos mutuários não residentes, uma vez que constitui um obstáculo à recolha de capitais em Portugal que os mutuários residentes não encontram.

24      Neste contexto, é irrelevante o facto de, segundo a legislação portuguesa em causa no processo principal, o sujeito passivo do imposto do selo ser o mutuante estabelecido em Portugal e não o mutuário estabelecido noutro Estado‑Membro. Com efeito, o facto de o exercício da livre circulação de capitais se tornar menos atrativo devido a uma regulamentação fiscal nacional que trata diferentemente uma situação interna e uma situação transfronteiriça basta, por si só, para demonstrar a existência de uma restrição.

25      Além disso, também não é suscetível de demonstrar a inexistência de uma restrição à livre circulação de capitais o argumento do Governo Português segundo o qual o imposto do selo não constitui um encargo fiscal para o mutuante, uma vez que são os mutuários que suportam efetivamente o imposto, embora, regra geral, tenham a possibilidade de deduzir o seu montante no âmbito do imposto sobre os lucros.

26      É certo que, como indicou a própria recorrente no processo principal nas suas observações escritas, pode acontecer que o mutuário suporte o imposto do selo, quer porque o mutuante lhe imputa um montante correspondente, quer porque o imposto lhe é diretamente exigido em caso de não pagamento desse imposto pelo sujeito passivo. Todavia, por um lado, esta conclusão em nada altera o facto de, por força da legislação nacional em causa no processo principal, ser o mutuante que é sujeito passivo do imposto do selo. Por outro lado, em todo o caso, como foi salientado no n.° 23 do presente acórdão, esta legislação produz um efeito restritivo não só em relação aos mutuantes residentes mas também em relação aos mutuários não residentes.

 

 

27      Como tal, uma legislação como a que está em causa no processo principal constitui uma restrição à liberdade de circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE.

28      Posto isto, segundo o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

29      Resulta de jurisprudência constante que o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, uma vez que constitui uma derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, deve ser objeto de interpretação estrita. Por conseguinte, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que toda a legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residem ou do Estado em que investem os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado [Acórdão de 16 de novembro de 2023, Autoridade Tributária e Aduaneira (Mais‑valias sobre transmissões de participações sociais), C‑472/22, EU:C:2023:880, n.° 27 e jurisprudência referida].

30      Com efeito, as diferenças de tratamento autorizadas pelo artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE não devem constituir, de acordo com o n.° 3 deste artigo, um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada. Assim, o Tribunal de Justiça declarou que semelhantes diferenças de tratamento só podem ser autorizadas se disserem respeito a situações que não são objetivamente comparáveis ou, no caso contrário, se forem justificadas por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 16 de novembro de 2023, Autoridade Tributária e Aduaneira (Mais‑valias sobre transmissões de participações sociais), C‑472/22, EU:C:2023:880, n.° 28 e jurisprudência referida].

31      Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do Estado‑Membro deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais em causa, bem como o objeto e o conteúdo destas últimas. Apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença objetiva entre as situações [Acórdão de 16 de novembro de 2023, Autoridade Tributária e Aduaneira (Mais‑valias sobre transmissões de participações sociais), C‑472/22, EU:C:2023:880, n.° 29 e jurisprudência referida].

32      A este respeito, por um lado, nem o órgão jurisdicional de reenvio nem o Governo Português especificaram o objetivo prosseguido pela isenção parcial do imposto do selo resultante da legislação nacional em causa no processo principal.

33      Por outro lado, o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal baseia‑se no local de residência do mutuário, uma vez que as operações de tesouraria de curto prazo estão isentas de imposto do selo quando envolvam duas entidades estabelecidas em Portugal ou quando o mutuário esteja estabelecido nesse Estado‑Membro, mas não estão isentas quando o mutuário esteja estabelecido noutro Estado‑Membro.

34      No entanto, como a Comissão salientou nas suas observações escritas, no que respeita ao imposto do selo cobrado em Portugal, o caso de um empréstimo concedido a um mutuário residente afigura‑se comparável à de um empréstimo concedido a um mutuário não residente, uma vez que esse imposto é calculado com base em cada operação individual e à qual se aplica uma taxa de imposto fixa, tendo em conta as circunstâncias particulares da operação.

35      Assim, tendo em conta o objeto e o conteúdo da regulamentação nacional em causa no processo principal, a diferença de tratamento que dela resulta não parece assentar, sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, numa diferença de situações objetiva.

36      De resto, nem o órgão jurisdicional de reenvio nem o Governo Português invocaram uma razão imperiosa de interesse geral que justifique a restrição gerada por essa regulamentação.

37      Tendo em conta todas as considerações anteriores, há que responder à questão submetida que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro segundo a qual as operações de tesouraria de curto prazo estão isentas de imposto do selo quando nestas intervenham duas entidades estabelecidas nesse Estado‑Membro, mas não estão isentas quando o mutuário esteja estabelecido noutro Estado‑Membro.”

 

            De frisar que o aresto em referência se pronuncia exatamente sobre a mesma questão objeto de análise nestes autos: a exclusão de isenção prevista no n.º 2 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo apenas em razão da residência. O facto de estar aí em apreciação a alínea g) do n.º 1 daquele preceito e de nesta ação arbitral a isenção pertinente ser a da alínea h) não acarreta alteração às conclusões alcançadas, pois a isenção em ambas as alíneas é objeto de exclusão pela mesma norma com base no mesmo critério, sendo o entendimento aí vertido totalmente transponível para a situação da Requerente.

 

Interessa notar que, tendo a questão decidenda ficado devidamente aclarada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça citada, também não há que a suscitar por via do mecanismo de reenvio prejudicial (v. acórdão de 6 de outubro de 1982, Cilfit, processo 283/81).

 

            O artigo 8.º, n.º 4, da Constituição estabelece que “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”. Desta norma decorre a primazia do direito da União Europeia. Além de que a interpretação do direito da União Europeia pelo Tribunal de Justiça (v. artigo 267.º do TFUE), tem caráter vinculativo para os Tribunais nacionais, o que implica a sua observância no âmbito do presente processo.

 

            À face do exposto e de harmonia com o acórdão do Tribunal de Justiça no processo C-420/23, conclui-se pelo caráter discriminatório da tributação em Imposto do Selo das operações de cash pooling da Requerente e consequente desconformidade ao direito da União Europeia, por constituir uma restrição injustificada à liberdade de circulação de capitais (v. artigo 63.º do TFUE). Nestes termos, a norma do n.º 2 do artigo 7.º do Código deste imposto, que afasta a isenção da alínea h) do n.º 1 do mesmo artigo, deve ser desaplicada, prevalecendo a desoneração dessas operações em moldes idênticos aos que vigoram para as concessões de crédito cujos mutuários são residentes no território nacional. Nestes termos, assiste razão à Requerente, pelo que o pedido arbitral deve ser julgado procedente.

 

  1. Juros indemnizatórios

 

            Sem prejuízo da procedência da ação arbitral, emana da jurisprudência uniformizadora do Supremo Tribunal Administrativo que não há lugar a juros indemnizatórios nas situações em que o pedido de revisão do ato tributário foi decidido por despacho de 10 de agosto de 2023, em período inferior a um ano, como ocorre nos presentes autos, contado da apresentação do referido pedido de revisão, em 19 de maio de 2023, por força do disposto no art.º 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT – v. acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 26 de maio de 2022, processo n.º 0159/21.3BALSB, e de 27 de fevereiro de 2019, processo n.º 022/18.5BALSB. Assim, improcede neste ponto a pretensão da Requerente.

 

* * *

 

Por fim, importa referir que fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das demais questões suscitadas submetidas à apreciação deste Tribunal, nomeadamente a aplicabilidade do disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT e a preterição de formalidades essenciais na notificação[14] – v. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

  1. Decisão

 

À face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar a ação procedente e anular as autoliquidações de Imposto do Selo supra identificadas, referentes aos períodos de abril a dezembro de 2020 e de janeiro de 2021, com a consequente restituição do valor de € 82.452,79, bem como a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que as manteve.

 

Improcede o pedido de juros indemnizatórios.

 

VI.     Valor do Processo

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 82.452,79 (oitenta e dois mil, quatrocentos e cinquenta e dois euros e setenta e nove cêntimos), indicado pela Requerente e não impugnado pela Requerida, respeitante ao valor dos atos de liquidação de Imposto do Selo e juros compensatórios que se pretende anulado (valor da utilidade económica do pedido), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

VII.    Custas

 

            Fixam-se as custas no montante de € 2.754,00 (dois mil setecentos e cinquenta e quatro euros), a suportar pela Requerida por decaimento, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT e com a Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Lisboa, 3 de setembro de 2024

 

As árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins, Relatora

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho

(Vencida, conforme declaração em anexo)

 

 

Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz

 

 

 

 DECLARAÇÃO DE VOTO

 

  1. Com a devida vénia pelo coletivo, voto vencida por discordar do entendimento do Tribunal que fez vencimento quanto à fundamentação constante do ponto 2. “Da incidência Territorial do Imposto do Selo no caso de mutuário/utilizador do crédito localizado fora de Portugal”, da presente decisão arbitral.

 

  1. Ao contrário do defendido pelo Tribunal, considero que a conexão relevante para aferir a incidência territorial do Imposto do Selo é o local da utilização do crédito e não o local da concessão do mesmo.

 

  1. Logo, quando esteja em causa a concessão de crédito no quadro de uma relação de cash pooling, apenas será tributada a utilização de fundos consumada em território nacional. 

 

  1. Neste sentido, veja-se o entendimento preconizado pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 25.03.2021, proferido no processo n.º 675/03.9BTLRS, que em parte transcrevo:

 

 “Nos termos do artigo 1.º do CIS, para determinar a relevância da tributação, em sede de imposto do selo, em sede das operações financeiras é relevante a “utilização de crédito”, ou seja, o momento em que se utilizam os fundos colocados à disposição de acordo com o contratado, o qual ocorre no local onde o seu utilizador recebe o capital.

(...)

No caso em análise, as utilizadoras dos créditos (sociedades brasileiras) são residentes fora do território de Portugal, pelo que, entendemos que nas operações em apreço, em que a utilização do crédito foi efetuada fora do território nacional, por entidades não residentes, não é devido imposto de selo, ao abrigo da regra da territorialidade.

  1. E, mesmo que se chame à colação as regras de extensão da territorialidade, nomeadamente, a vertida na alínea b), do n.º 2, do artigo 4.º, do CIS, sempre se dirá que tal norma vem determinar a incidência do IS (sobre todas as operações de crédito), mas apenas nas situações em que o mutuário – e não o mutuante – é entidade domiciliada em território nacional (Vd. Decisão Arbitral, datada de 17.01.2022, proferida no processo n.º 530/2020-T).

 

  1. Neste sentido, e como é bom de ver, decorre da prova produzida que o crédito concedido pela Requerente, ao abrigo do “Contrato de Cashpool entre Empresas”, a favor da Sociedade C... (sociedade de direito neerlandês, com residência fiscal nos Países Baixos), foi utilizado fora do território nacional (Holanda), pelo que tal operação financeira não está sujeita a IS em Portugal, por não cair no âmbito territorial do imposto em causa (Cfr. artigo 4.º do CIS).

 

  1. Perante o exposto, e não obstante a fundamentação distinta, acompanho o sentido da presente decisão arbitral – “julgar a ação procedente e anular as autoliquidações de Imposto do Selo supra identificadas, referentes aos períodos de abril a dezembro de 2020 e de janeiro de 2021, com a consequente restituição do valor de €82.452,79, bem como a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que as manteve”. 

 

 

(Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho)
 

 



[1] E também nesta ação arbitral.

[2] V. “A Revisão do Acto Tributário: Requiem pela Autoliquidação?”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal do IDEFF, Ano 9, N.º 1, Primavera, pp. 209 a 229.

[3] Idêntica posição adota a decisão do processo arbitral n.º 9/2021-T, de 13 de setembro de 2021, sobre o mesmo problema.

[4] Como salienta o processo arbitral n.º 818/2023-T, não se pode esquecer também o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 8 de março de 2023, proferido no processo n.º 035/21.0BEPRT, e muitos outros com igual conclusão sobre a mesma matéria, que no contexto de um tributo (uma taxa) liquidado por uma entidade privada e por si indevidamente repercutido noutro contribuinte, considerou que a entidade privada encarregue por lei da liquidação de tal tributo é serviço para efeitos da expressão normativa “erro imputável aos serviços”, prevista igualmente no normativo referente aos juros indemnizatórios (artigo 43.º da LGT).

[5] Com idêntica solução, v. as decisões arbitrais n.ºs 818/2023-T, 696/2023-T, 941/2023-T e 722/2023-T. Relembra-se que as autoliquidações em crise respeitam aos períodos de abril a dezembro de 2020 e janeiro de 2021 e que o pedido de revisão foi apresentado em 19 de maio de 2023, sem ultrapassar o referido prazo de 4 anos.

[6] Aplicada sobre a média mensal do crédito em conta corrente, obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30.

[7] Que contempla, sob a epígrafe de “operações financeiras”, o “[c]rédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30.”

[8] Que foi posteriormente alterada Com a Lei do Orçamento de Estado para 2022 (“Lei OE 2022”), em vigor a partir de 28 de junho de 2022, passando a dispor que a citada isenção é inaplicável “(…) quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direção efetiva no território nacional, com exceção das situações em que o credor ou o devedor tenha sede ou direção efetiva noutro Estado-Membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal, caso em que subsiste o direito à isenção, salvo se o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g) e h) do n.º 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional”. Esta nova redação, sendo posterior à data dos factos sob apreciação, é-lhes inaplicável.

[9] Ou noutro Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal.

[10] No mesmo sentido v. decisões nos processos arbitrais n.ºs 59/2022-T, de 30 de outubro de 2022, 57/2021-T, de 6 de outubro de 2021, e 818/2021-T, de 18 de maio de 2022.

[11] Fundada na jurisprudência do Tribunal de Justiça: acórdãos de 14 de novembro de 1999, processo C-439/97, Sandoz GmbH, e de 22 de novembro de 2018, processo C-575/17, Sofina S.A.. No mesmo sentido também se pronunciam as decisões dos processos arbitrais n.ºs 57/2021-T, de 6 de outubro de 2021, 818/2021-T, de 18 de maio de 2022, e 59/2022-T, de 30 de outubro de 2022.

[12] Suportando-se também no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28 de novembro de 2018, processo n.º 06/11.4BESNT 0436/16, que conclui pela inexistência de discriminação.

[13] Publicada no Diário da República, I Série-A, de 12 de julho de 2000.

 

[14] Sem prejuízo de se notar que a falta de indicação do prazo de reação e dos meios de defesa na notificação dos atos tributários não ser causa de invalidade destes, mas de ineficácia da notificação.