Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 812/2023-T
Data da decisão: 2024-09-30  IRC  
Valor do pedido: € 283.028,05
Tema: IRC – Artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais. Organismos de Investimento Coletivo. Livre circulação de capitais.
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SUMÁRIO

  1. O artigo 22.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na parte em que limita o regime nele previsto a organismos de investimento coletivo constituídos segundo a legislação nacional, excluindo organismos de investimento coletivo constituídos segundo a legislação de outros Estados-Membros da União Europeia, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, conforme resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça no processo C-545/19, com Acórdão de 17 de março de 2022.
  2. A interpretação do Tribunal de Justiça sobre o direito da União Europeia é vinculativa para os órgãos jurisdicionais nacionais, com a necessária desaplicação do direito interno em caso de desconformidade com aquela.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Prof. Doutor Victor Calvete (árbitro presidente), Dr. Fernando Miranda Ferreira e Dr. Manuel Lopes da Silva Faustino, que também usa Manuel Faustino, árbitros adjuntos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal, constituído em 30-01-2024, acordam no seguinte:

 

 

I.       RELATÓRIO

  1. A..., organismo de investimento coletivo (OIC), doravante Requerente, constituído e a operar na República Francesa sob supervisão da Autorité des Marchés Financiers, contribuinte fiscal português n.º ... e contribuinte fiscal francês n.º FCP..., com sede em ..., ... Paris, em França, representado pela sua entidade gestora B... S.A., com sede em..., ... Paris, em França (doravante "Requerente"), apresentou pedido de pronúncia arbitral ao abrigo do disposto nos artigos 57.º, n.ºs 1 e 5, e   95.º, n.º 2, alínea d), da Lei Geral Tributária ("LGT"), 97.º, n.º 1, alínea a), 99.º, alínea a), e 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), 137.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), na sequência da formação das presunções de indeferimento tácito da reclamação graciosa e do pedido de revisão oficiosa por si apresentados a 17 de Abril de 2023, tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos indeferimentos tácitos da reclamação graciosa e do pedido de revisão oficiosa em referência e, bem assim, das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) por retenção na fonte ocorridas nos anos de 2019, 2020 e 2021, no montante de € 283.028,05 aquando da colocação à disposição do Requerente de dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português.
  2. É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).
  3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, apresentado em 14 de novembro de 2023, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 16-11-2023 do mesmo mês e automaticamente notificado à Requerida.
  4. Em 30 de janeiro de 2024, foi comunicada, pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, a constituição do presente tribunal arbitral coletivo, nos termos da alínea c) do número 1 do artigo 11.º do RJAT.
  5. O Requerente pretende que o Tribunal proceda:
    1. À anulação do ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa previamente apresentada pelo Requerente com referência ao exercício de 2021 e aos atos de retenção na fonte de IRC que naquele lhe foram efetuados (objeto imediato);
    2. À anulação do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa previamente apresentada pelo Requerente com referência aos exercícios de 2019 e 2020 e aos atos de retenção na fonte de IRC que naqueles lhe foram efetuados (objeto imediato);
    3. E, em consequência, à anulação dos atos tributários de retenção na fonte de IRC sindicados por vício de violação de lei (objeto mediato), e, bem assim, o reconhecimento do direito do Requerente à restituição da quantia de € 283.028,05 , relativa a retenções na fonte de IRC suportadas em Portugal sobre dividendos distribuídos nos anos de 2019, 2020 e 2021, ao abrigo do disposto nos artigos 94.º do Código do IRC e 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) com as demais consequências legais, mormente o reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).
  6. No PPA, fundamentando o seu pedido, o Requerente alega, em síntese, o seguinte:

Questões prévias

  1. O objeto mediato dos presentes autos consiste na análise da legalidade dos atos de retenção na fonte de IRC incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos aos anos de 2019 a 2021, no valor de € 283.028,05, constituindo a formação da presunção de indeferimento tácito dos pedidos de reclamação graciosa e de revisão oficiosa, o objeto imediato ora sindicado, ao confirmar a legalidade dos referidos atos tributários;
  2. Mostram-se preenchidos os pressupostos da cumulação de pedidos previstos no n.º 3 do artigo 3.º do RJAT;
  3. A reclamação graciosa das liquidações de IRC por retenção na fonte relativas ao ano de 2021 foi apresentada em tempo e com legitimidade, pelo que impendia sobre a administração, ao abrigo do princípio da decisão nos termos previstos no artigo 56.º da LGT e artigos 68.º, n.º 1, e 132.º do CPPT, proceder à anulação dos atos tributários objeto da mesma;
  4. A presunção de indeferimento tácito verificada no âmbito da reclamação graciosa legitima a dedução do pedido de constituição de Tribunal arbitral para apreciação da legalidade das liquidações de IRC por retenção na fonte relativas ao ano de 2021, em conformidade com o disposto nos artigos 95.º, n.º 2, alínea d), da LGT, 102.º, n.º 1, alínea d) do CPPT e 10.º, n.º 1, alínea a) e 2, do RJAT;
  5. O pedido de revisão oficiosa, que tinha por objeto as liquidações de IRC por retenção na fonte relativas aos anos de 2019 e 2020 e com fundamento em erro imputável aos serviços, foi igualmente apresentado em tempo e com legitimidade, face ao disposto no artigo 78.º da LGT, pelo que impendia sobre a administração, ao abrigo do princípio da decisão nos termos previstos no artigo 56.º da LGT, proceder à anulação dos atos tributários objeto da mesma;
  6. A presunção de indeferimento tácito verificada no âmbito revisão oficiosa legitima a dedução do pedido de constituição de Tribunal arbitral para apreciação da legalidade das liquidações de IRC por retenção na fonte relativas aos anos de 2019 e 2020,  consideradas expressamente ilegais por vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais, previsto no artigo 63.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE) e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP), em conformidade com o disposto nos artigos 95.º, n.º 2, alínea d), da LGT, 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT e 10.º, n.º 1, alínea a) e 2, do RJAT;

 

Questão principal

  1. A retenção na fonte de IRC sobre dividendos de que o Requerente é titular, com fundamento no facto de ser um Organismo de Investimento Coletivo (OIC) não residente e não constituído e a não operar de acordo com a legislação nacional, materializa uma diferença de tratamento entre OIC constituídos e a operar ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, na medida em que os OIC constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional não são sujeitos a retenção na fonte;
  2. As liberdades fundamentais previstas no TFUE, opõem-se a que se lhe aplique o regime resultante dos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b) e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC, conjugados com o disposto no artigo 22.º, n.ºs 1 e 10 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF);
  3. É o que se retira da inúmera jurisprudência do Tribunal de Justiça que transcreve salientando-se, por ser diretamente aplicável ao caso em julgamento, o Acórdão AllianzGI-Fonds AEVN, C-545/19, segundo o qual:

 

"29. Com as suas cinco questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 56.° e 63.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção. Esse órgão jurisdicional interroga-se, por um lado, sobre a questão de saber se esse tratamento fiscal diferente em função do local de residência da instituição beneficiária pode ser justificado pelo facto de os OIC residentes estarem sujeitos a outra técnica de tributação e, por outro, se a apreciação da comparabilidade das situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes para efeitos de determinar se existe uma diferença objetiva entre estes, de molde a justificar a diferença de tratamento instituída pela legislação desse Estado-Membro, deve ser efetuada apenas ao nível do veículo de investimento ou deve igualmente ter em conta a situação dos detentores de participações sociais”

...

85 Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção».

  1. Não há, pois, qualquer fundamento suscetível de tornar conforme com o direito europeu um regime tributário que discrimina negativamente entre residentes e não residentes;
  2. Significa isto que o regime previsto nos artigos 94.º n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b), 94.º n.º 4 e 87.º n.º 4, todos do CIRC, ao prever que os rendimentos obtidos em Portugal por OIC não residentes, estão sujeitos a retenção na fonte liberatória em sede de IRC a uma taxa de 25% (enquanto se prevê uma isenção de tributação aplicável, nos termos do artigo 22.º do EBF, a dividendos auferidos por OIC residentes), não é compatível com o princípio da livre circulação de capitais, tal como resulta expresso e inequívoco da decisão do TJUE;
  3. Ora, entende o Requerente que a decisão do TJUE no referido processo implica a necessária procedência do pedido de revisão oficiosa anteriormente apresentado e, bem assim, do presente pedido de pronúncia arbitral, uma vez que a questão a dirimir é materialmente igual.
  4. Face a tudo o acima exposto e, em concreto, face à situação fáctica objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, é evidente que quer o pedido de reclamação graciosa, quer  o pedido de revisão oficiosa previamente apresentados pelo ora Requerente, deveriam ter sido administrativamente considerados procedentes, por se mostrarem ilegais os atos de retenção na fonte de IRC incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos aos anos de 2019 a 2021, por violação do artigo 63.º do TFUE e do princípio do primado consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, o que motivará a integral procedência do presente pedido arbitral, concluindo-se pela anulação dos atos tributários ora sindicados e pelo direito do Requerente à restituição do imposto indevidamente suportado,
  5. Acrescido dos juros indemnizatórios legalmente devidos nos termos do artigo 43.º da LGT, tudo com as demais consequências legais.
  1. Em 30 de janeiro de 2024, foi proferido o despacho arbitral a que se refere o artigo 17.º do RJAT, tendo em vista a notificação do dirigente máximo do serviço da AT para (i) apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, e, bem assim, (ii) remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo, em cumprimento do disposto no artigo 17.º, n.º 2, do RJAT.
  2. A Requerida apresentou, em 4 de março de 2024 resposta ao PPA deduzido pelo Requerente, adotando, sinteticamente a seguinte posição:

Questões prévias:

  1. Relativamente ao pedido de revisão oficiosa, constata-se que a requerente, na qualidade de substituído tributário, pede que o Tribunal Arbitral aprecie, pela primeira vez, as retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário com referência aos anos de 2019 e 2020, sem que tenha desencadeado procedimento de reclamação graciosa nos termos do artigo 132º do CPPT. Situação esta que está fora da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD;
  2. Para mais quando a Requerente não recorreu, em tempo, à reclamação graciosa prevista no referido artigo 132º do CPPT, deixando, desse modo, precludir o prazo de anos aí previsto.
  3. Ora, o procedimento administrativo de revisão oficiosa não pode substituir a reclamação graciosa prevista no artigo 132.º do CPPT, ainda para mais quando o recurso ao mesmo é feito para além do prazo de 2 anos previsto no n.º 1 de tal artigo.
  4. Como se conclui na decisão arbitral proferida no proc. n.º 382/2019-T:

“O RJAT contém uma previsão ampla de arbitragem em matéria tributária que, todavia, não tem operacionalidade imediata, uma vez que fica condicionada à vinculação da AT. Tal vinculação traduz-se numa reserva da Administração – representada pelos Ministros das Finanças e da Justiça – e que é objeto de uma limitação concreta, por via de exceções expressamente identificadas. Entre elas, as pretensões tendentes à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta, que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º do CPPT. Atenta a natureza voluntária e convencional da arbitragem, o intérprete não pode ampliar o objeto fixado pelo legislador no que concerne à vinculação da AT aos tribunais arbitrais”.

  1. Como também se referiu no Ac. Arbitral de 09/11/2012, relativo ao Proc. n.º 51/2012:

“considerando a natureza voluntária da arbitragem … a interpretação da vinculação da AT não poderá, em caso algum, traduzir-se numa restrição da esfera de liberdade da AT, enquanto parte, de estabelecer os limites da sua vinculação. Só não seria assim, se a sua posição implicasse a frustração total do objetivo pretendido com a instituição da arbitragem tributária, o que não é o caso”.

  1. Acrescentando que “o Tribunal não se pronuncia sobre a construção doutrinária em que assenta a equiparação do procedimento de revisão oficiosa, por iniciativa do contribuinte, ao procedimento de reclamação graciosa, para efeitos de impugnação judicial. Simplesmente entende que do princípio da consagração do procedimento arbitral enquanto meio de resolução de litígios fiscais alternativo ao processo de impugnação judicial, não decorre automaticamente a extensão da vinculação da AT a todas as situações em que, doutrinaria e/ou jurisprudencialmente for considerada admissível essa impugnação. Em suma, o âmbito da vinculação da AT circunscreve-se aos termos em que se encontra expressa na portaria n.º 112-A/2011, que, no caso sub juditio, é o regime previsto no artigo 132º CPPT, que exige reclamação graciosa prévia, ainda que, para efeitos da impugnabilidade do ato, a doutrina prevalente e determinada corrente dos tribunais judiciais tributários possa admitir em alternativa a revisão oficiosa prévia. Com efeito, a equiparação dos tribunais arbitrais tributários àqueles está limitada pela natureza voluntária da adesão da AT à jurisdição arbitral”.
  2. Donde, in casu, não tendo o pedido de anulação das retenções na fonte sido precedido, em prazo, de reclamação graciosa necessária, o Tribunal Arbitral carece de competência para apreciar sobre a (i)legalidade das mesmas, ainda que a requerente tenha apresentado um pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 anos.
  3. Tal situação impõe-se por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT.
  4. Sendo constitucionalmente vedada, por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e da legalidade [cf. artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP e ainda o artigo e 266.º, n.º 2, da CRP], como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, a interpretação, ainda que extensiva, que amplie a vinculação da AT à tutela  arbitral fixada legalmente, por tal pressupor, necessariamente, a consequente dilatação das situações em que esta obrigatoriamente se submete a tal regime, renunciando nessa medida ao recurso jurisdicional pleno [cf. artigos 25.º e 27.º da RJAT, que impõem uma restrição dos recursos da decisão arbitral].
  5. Existe, por outro lado, a questão da incompetência material, do Tribunal Arbitral para   o conhecimento in casu, da (i)legalidade das retenções na fonte.
  6. Efetivamente, as retenções na fonte não foram efetuadas pela AT e a AT nunca se pronunciou sobre a (i)legalidade de tais retenções.
  7. Mais, estando-se perante um indeferimento tácito, sobre o qual a AT não tomou posição expressa sobre a existência de erro imputável aos serviços, compulsado o pedido de revisão oficiosa apresentado não se retira do mesmo que a requerente tenha invocado erro de direito imputável à AT, ou que, tendo-o invocado, o comprove invocando, designadamente, que as retenções na fonte se deveram a orientações ou instruções da AT.
  8. Antes pelo contrário o que se retira do pedido apresentado é que as retenções na fonte terão sido feitas conformes à lei e que o cumprimento desta importa, no entender da requerente, uma restrição discriminatória ao princípio da livre circulação de capitais, contrária ao art. 63º do TFUE.
  9. Por outro lado, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova constantes do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos de direitos cabe a quem os invocar.  Assim, revogado que foi o n.º 2 do artigo 78.º da LGT, que estabelecia a presunção de que se considerava “imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação”, e dispondo a lei nova para o futuro (cf. artigo 12.º do Código Civil), o pedido de revisão oficiosa com fundamento em “erro imputável aos serviços”, incluído no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, passou a exigir, também no caso de autoliquidação, ao contribuinte a prova da imputabilidade aos serviços do erro que invoca.
  10. Nos termos do art. 78º nº 1 da LGT “A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”. Assim, nos termos do art° 78º da LGT, são diferentes os prazos e os fundamentos da revisão do ato tributário, consoante esta seja efetuada pelo sujeito passivo ou pela AT.
  11. No caso de a revisão dos atos tributários ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, o pedido terá que ser apresentado no prazo da reclamação administrativa, sendo de quatro anos quando a iniciativa cabe à AT, servindo apenas para os casos de erro imputável aos serviços - cfr. n° 1 art° 78º;
  12. Ou seja: sempre que o contribuinte opte pelo pedido de revisão, não tem quatro anos para o fazer, mas o prazo da reclamação graciosa;
  13. E quando, como é manifestamente o caso dos autos, no que diz respeito aos exercícios de 2019 e 2020, não tenha havido erro imputável aos serviços na liquidação, preclude, com o decurso do prazo de reclamação, o direito de o contribuinte obter a seu favor a revisão do ato de liquidação (tal como é defendido por A. Lima Guerreiro, LGT anotada, em anotação ao artigo 78.º);
  14. Por outro lado, a decisão proferida em sede de procedimento de revisão pode, ou não, comportar a apreciação da legalidade do ato de liquidação.
  15. Conforme se deliberou no Ac. do STA, de 6/11/08, no proc. nº 0357/08, a forma processual de reação contra o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa pode ser a impugnação judicial ou a ação administrativa especial, consoante a decisão comporte, ou não, a apreciação da legalidade do ato de liquidação.
  16. No caso concreto, o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa é um ato silente, na medida em que foi apenas por efeito da passagem do tempo que se ficcionou a existência de um indeferimento tácito, para efeitos de impugnação arbitral. Ora, tal indeferimento pode consubstanciar e, no caso teria obrigatoriamente que se reportar a um indeferimento por extemporaneidade.
  17. Tendo em conta que o p.p.a. não é interposto para a apreciação, direta e nem indireta, de uma liquidação adicional, mas apenas para a apreciação de um indeferimento de um pedido de revisão oficiosa, é evidente que o Tribunal vai ter que decidir se a requerente ainda estava em tempo de apresentar pedido de revisão oficiosa, tendo em conta a existência de erro imputável aos Serviços.
  18. Donde, não há qualquer dúvida que no presente pedido de pronúncia arbitral foi submetida à apreciação do Tribunal Arbitral uma questão relativa ao controle dos pressupostos de aplicação do art. 78º da LGT.
  19. Ora, o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o art. 78º da LGT, e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de revisão foram, ou não, bem aplicados pela AT.
  20. Deste modo, verifica-se a existência de uma exceção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

Já por impugnação, prossegue a Requerida:

  1. A título prévio, sempre se dirá que, sendo o Requerente um OIC e um sujeito passivo não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável, deverá o peticionado ser julgado improcedente.
  2. Com efeito e recorrendo ao Acórdão Schumacker (processo C-279/03), proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, o direito internacional admite que, em matéria de impostos diretos, as relações entre residentes e não residentes não são comparáveis, pois apresentam diferenças objetivas do ponto de vista do rendimento, da capacidade contributiva e da situação familiar ou pessoal.
  3. Importa referir que a situação dos residentes e dos não residentes não é, por regra, comparável, e que a discriminação só acontece quando estamos perante a aplicação de regras diferentes a situações comparáveis, ou de uma mesma regra a situações distintas.
  4. Atendendo a que é o Estado de residência que dispõe de toda a informação necessária para aferir um correto enquadramento contributivo e da sua capacidade contributiva global, a situação de um residente é, com certeza, distinta da de um não residente.

Questão principal:

  1. Tem o TJUE entendido que o facto de determinado Estado-membro não conceder a não residentes certos benefícios fiscais que concede a residentes, apenas pode ser discriminativo, na medida em que residentes e não residentes não se encontram numa situação comparável.
  2. Nesse sentido, está o Acórdão Truck Center (C-282/07, de 22/12/2008), “cuja conclusão foi a de que sujeitos passivos residentes e não residentes não se encontram numa situação objetivamente comparável”.
  3. Pode assim dizer-se que, o princípio da não discriminação atende à necessidade de conferir tratamento igual ao que é igual e diferente àquilo que é diferente, na medida dessa diferença. De facto, resulta da jurisprudência do TJUE que determinada norma ou prática pode ser discriminatória, entrando em conflito com o Direito Comunitário, se não for objetivamente justificada.
  4. Ora, no caso em apreço, as alegadas diferenças de tratamento encontram-se plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português. Nesse sentido, veja-se, o Acórdão Bachman (C-204/90) e Comissão/Bélgica (C-300/90), e Acórdão Marks & Spencer (C-446/03), em que o TJUE concluiu que a residência pode constituir um fator justificador das normas fiscais que implicam uma diferença de tratamento entre contribuintes residentes e não residentes.
  5. Aliás, o TFUE refere expressamente que a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros (art. 63º, nº 1, do TFUE), não prejudica os Estados-Membros de “Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre   contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido” [art. 65º, nº 1, alínea a), do TFUE] (Acórdão do STA 01435/12, de 20/02/2013).
  6. Também o Supremo Tribunal Administrativo (STA), no âmbito do proc. nº 0654/13, de 27 de Novembro referiu que “Resulta da jurisprudência comunitária que embora da legislação nacional decorra, em abstrato, uma restrição à livre circulação de capitais não consentida pelo art. 56º do Tratado da Comunidade Europeia (actual art. 63º TFUE), importa averiguar se essa restrição, consubstanciada em maior tributação de entidade não residente, será neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação”.
  7. O Decreto-Lei nº 7/2015, de 13 de janeiro, veio proceder à reforma do regime de tributação dos OIC, ficando estes sujeitos passivos de IRC excluídos na determinação do seu lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais valias, referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do CIRS, conforme prevê o n.º 3 do artigo 22º do EBF, a que acresce a isenção das derramas municipal e estadual, conforme n.º 6 da mencionada norma legal. Contudo paralela a esta opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre o ativo global líquido dos OIC. Ou seja, optou-se por uma tributação na esfera do Imposto do Selo tendo sido aditada, à TGIS, a Verba 29, de que resulta uma tributação, por cada trimestre, à taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos.
  8. Esta reforma na tributação veio apenas a incidir sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, dela ficando excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira.
  9. Por outro lado, está também prevista a tributação autónoma à taxa de 23%, nos termos do n.º 11 do artigo 88.º, do Código do IRC e do n.º 8 do artigo 22.º do EBF, dos dividendos pagos a OIC com sede em Portugal, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.
  10. Por isso, neste caso, não parece estarmos perante situações objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela requerente.
  11. E ainda que o Fundo não consiga recuperar o imposto retido na fonte em Portugal no seu estado de residência, também não está demonstrado que o imposto não recuperado pelo Fundo não possa vir a ser recuperado pelos investidores.
  12. Ou seja, a aparente discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, não pode levar a concluir, em nossa opinião, por uma menor carga fiscal dos OIC residentes, pois como se viu embora o regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos, seja por tributação autónoma (IRC), seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos noutros Estados Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis.
  13. E não sendo as situações comparáveis, parece difícil de aceitar o argumento da requerente de que a legislação nacional e particularmente o artigo 22.º do EBF está em desconformidade e contrariaria o disposto no TFUE, nomeadamente, quanto à liberdade de circulação de capitais, tendo em apreço a proibição geral de discriminação face a uma restrição injustificada à liberdade de estabelecimento prevista no artigo 63.º do referido TFUE.
  14. Não compete à AT avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, não podendo aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação de compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu. Na verdade, tem a AT que considerar que no processo de elaboração das normas em questão o legislador doméstico terá tido em atenção todo o ordenamento jurídico, quer nacional quer internacional, pelo que essas normas devem respeitar os mesmos, sendo certo, também, que não cabe à AT a sindicância das normas no que concerne à sua adequação relativamente ao Direito da UE.
  15. Quando se trata de densificar conceitualmente o âmbito normativo da liberdade de circulação de capitais observa-se a inexistência de uma definição deste conceito. Por este motivo, o TJUE tem sucessivamente acolhido e sublinhado o valor enumerativo e indicativo, mas não exaustivo, da Diretiva n.º 88/361/CEE, incluindo o respetivo Anexo I, nomeadamente o número IV, onde se subsumem ao conceito, uma vasta constelação de operações e transações transfronteiriças sobre certificados de participação em OIC, em que se incluem os relevantes in casu.
  16. Com efeito, a distribuição de dividendos efetuada por sociedades residentes em Portugal, ao ora Requerente, é passível de ser qualificada como movimento de capital na aceção do artigo 63.º do TFUE e da própria Diretiva 88/361/CEE, de 24 de junho de 1988.
  17. No âmbito da apreciação da conformidade das normas do CIRC e do EBF, atinentes aos dividendos com o princípio da liberdade de circulação de capitais, a Requerente convoca o artigo 63.º do TFUE que estabelece o seguinte: “1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos  movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros” 2.”No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as retenções aos pagamentos entre Estados-Membros e países terceiros”.
  18. Por sua vez, prescreve o Artigo 65.º do TFUE:

“1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

2 - (…)

3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º”.

  1. Para se avaliar se o tratamento fiscal aplicado aos dividendos obtidos em Portugal, é menos vantajoso do que o tratamento fiscal atribuído aos dividendos obtidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, e se tal diferenciação é suscetível de afetar o investimento em ações emitidas por sociedades residentes, teria de ser colocado em confronto o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, à taxa de 15%, e os impostos – IRC e Imposto do Selo – que incidem sobre os segundos, e que, em conjunto, podem, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos.
  2. Além do mais, o imposto retido à Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional, tanto na esfera da Requerente, bem como na esfera dos investidores.
  3. Ora, a verdade é que a Requerente não esclareceu/provou (apenas alegou) se, no caso concreto, existiu ou não um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera da própria Requerente ou dos investidores.
  4. Pelo que, contrariamente ao afirmado pela Requerente, não pode afirmar-se que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.ºdo EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente, antes, pelo contrário.
  5. Assim, com o devido respeito, a jurisprudência do TJUE não autoriza o intérprete a extrair a conclusão, em abstrato, de que a mera existência de uma retenção na fonte de IRC incidindo apenas sobre os dividendos pagos por uma sociedade residente a um Fundo de Investimento estabelecido noutro Estado-Membro constitui por si só uma restrição à livre circulação dos fluxos de capital no espaço europeu, sem que seja feita uma apreciação global do regime fiscal aplicável aos Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos em Portugal.
  6. Para efeitos de averiguar, em concreto, se as situações objetivas dos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e dos Fundos de investimento estabelecidos noutros Estados-Membros são comparáveis, no tocante à tributação dos dividendos distribuídos por uma sociedade residente, necessário se torna comparar a carga fiscal que onera uns e outros em relação ao mesmo tipo de investimentos.
  7. Só deste modo será possível concluir se a desvantagem de cash-flow criada pela retenção na fonte de IRC, aos fundos de investimentos estabelecidos noutros Estados-Membros da UE, cria um obstáculo ao acesso ao mercado financeiro nacional, colocando-os numa situação desfavorável quando comparada com a situação tributária aplicada aos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF.
  8. Aliás, a Requerente ao analisar a desconformidade da legislação nacional com o artigo 63.º do TFUE, centra-se exclusivamente nos n.ºs 1 e 3 do artigo 22.º do EBF, que estabelece a isenção de retenção na fonte, o que revela uma visão parcial do regime de tributável aplicável aos OIC abrangidos por este dispositivo legal. Pois, se a Requerente tivesse sido constituída ao abrigo da legislação nacional, não teria incidido qualquer retenção na fonte em sede de IRC sobre os dividendos auferidos, mas poderia ter incidido a tributação autónoma, à taxa de 23%, e, eventualmente, o imposto do selo previsto na Verba 29 da TGIS.
  9. Portanto, em lugar de se acentuar a discriminação existente no Estado de residência fiscal do credor dos rendimentos, será mais acertado falar em diferentes modalidades de tributação que até pode redundar, em certos casos, numa carga fiscal menor dos dividendos auferidos em Portugal por Fundos de Investimento constituídos ao abrigo da legislação de outros Estados-Membros da UE.

Dos Juros indemnizatórios:

  1. Em face do exposto e inexistindo qualquer ilegalidade sobre os atos impugnados, não há, lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.
  2. Sem conceder, sempre se dirá que, a al. c) do n.º 3 do art.º 43.º da LGT, determina que são devidos juros indemnizatórios quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
  3. Assim, apenas em 17/03/2024, se iniciou a contagem do prazo legalmente estabelecido, tanto para efeitos de prolação da decisão a recair sobre o pedido de revisão oficiosa, como para efeitos de contagem do eventual direito a juros indemnizatórios, que nos termos do disposto pela alínea c) do n.º 3 do art.º 43.º da LGT e al. b) do art.º 279.º do CC, apenas se iniciarão em 18/04/2024.
  1. Juntamente com a Resposta, a Requerida apresentou o Processo Administrativo.
  2. Tendo a Requerida contestado o PPA por exceção, invocando a incompetência material do Tribunal Arbitral, a Requerente respondeu em 18 de março de 2024, alegando (transcrição):
  1. De forma absolutamente contraditória com a jurisprudência arbitral estabelecida e dominante, a Administração Tributária sustenta, desde logo, que o conhecimento desse pedido, no segmento referente ao pedido de revisão oficiosa, não se encontra abrangido pela competência material dos tribunais constituídos sob a égide do Centro de Arbitragem Tributária ("CAAD"), na medida em que:

i.) O recurso a arbitragem tributária seria admissível se (e apenas se) precedido de um procedimento de reclamação graciosa, cujo pedido deveria ser apresentado no prazo de dois anos contados do termo do prazo para entrega do imposto retido na fonte, o que a contrario significa que o recurso a arbitragem tributária jamais seria admissível se precedido de um pedido de revisão oficiosa;

ii.) Do pedido de pronúncia arbitral resulta que a Administração Tributária nem sequer se pronunciou expressamente sobre os actos tributários impugnados, tendo-se verificado um indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, e que não efectuou directamente a retenção na fonte do imposto, inexistindo nessa medida, por impossibilidade lógica, manifestada aliás na ausência de identificação e comprovação do mesmo, erro de Direito imputável aos Serviços da Administração Tributária, passível de controlo em sede de arbitragem tributária;

  1. Em casos em tudo idênticos ao que se encontra na origem dos presentes autos, os tribunais arbitrais têm considerado possuir competência material para apreciar o indeferimento (expresso ou tácito) de pedidos de revisão oficiosa, enunciando-se,  a título meramente exemplificativo, os seguintes casos: 660/2022-T 16-06-2023 Decisão Arbitral; 658/2022-T de 23-05-2023 Decisão Arbitral; 821/2021-T de 26-04-2023 Decisão Arbitral;  661/2022-T de 14-04-2023 Decisão Arbitral; 505/2022-T de 09-03-2023 Decisão Arbitral; 506/2022-T de 26-02-2023 Decisão Arbitral; 45/2022-T de 23-02-2023 Decisão Arbitral; 495/2022-T de 13-02-2023 Decisão Arbitral; 474/2022-T de 12-12-2022 Decisão Arbitral; 746/2021-T de 26-09-2022 Decisão Arbitral; 711/2021-T de 22-07-2022 Decisão Arbitral; 817/2021-T de 18-05-2022 Decisão Arbitral; 135/2021-T de 30-04-2022 Decisão Arbitral; 593/2021-T de 26-04-2022 Decisão Arbitral; 133/2021-T de 21-03-2022 Decisão Arbitral; 922/2019-T de 11-01-2019 Decisão Arbitral; 48/2012-T 06-07-2012 Decisão Arbitral;
  2. A posição da Administração Tributária carece de base legal;
  3. O pedido de revisão oficiosa é um meio de tutela dos direitos dos contribuintes análogo à reclamação graciosa, através do qual se garante a possibilidade de contestar a legalidade de actos tributários contrários a normas jurídicas nacionais ou comunitárias, residindo a diferença entre tais meios, no essencial, no órgão competente para a respectiva análise e para a reapreciação dos actos sindicados;
  4. Consoante o pedido de revisão oficiosa seja da iniciativa do contribuinte (ou seja, apresentado no prazo previsto para a reclamação graciosa) ou da iniciativa da própria Administração Tributária (ou seja, apresentado para além do prazo previsto para a reclamação graciosa), o mesmo será um meio alternativo ou complementar da reclamação graciosa, estando ambos estes meios de tutela dos direitos dos contribuintes edificados sobre os mesmos pilares, a saber:
    1. Objecto — acto de liquidação;
    2. Sujeitos — contribuinte como sujeito activo e Administração Tributária como sujeito passivo;
    3. Efeito principal — declaração de ilegalidade do acto tributário em crise;
  5. A identidade material entre a reclamação graciosa e o pedido de revisão oficiosa encontra-se cristalizada na jurisprudência dos tribunais arbitrais e, inclusivamente, na jurisprudência dos tribunais superiores da jurisdição administrativa e fiscal, na esteira dos ensinamentos de BENJAMIM SILVA RODRIGUES, DIOGO LEITE DE CAMPOS e JORGE LOPES DE SOUSA:

«[…] o meio procedimental de revisão do acto tributário não pode ser considerado como um meio excepcional para reagir contra as consequências de um acto de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do acto de liquidação)» [sublinhados e realces nossos] — cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de Julho de 2006, proferido no processo n.º 0402/06, disponível em www.dgsi.pt. Em idêntico sentido, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Novembro de 2022 (Processo n.º 087/22.5BEAVR), Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Novembro de 2015 (Processo n.º 01509/13) e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de Junho de 2015 (Processo n.º 793/14-50), todos disponíveis em www.dgsi.pt, entre muitos outros;

«[…] o meio procedimental de revisão do acto tributário não pode ser considerado como um meio excepcional para reagir contra as consequências de um acto de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do acto de liquidação)»  - [sublinhados e realces nossos] — cfr. Decisão Arbitral de 10 de Janeiro de2022, proferida no processo de arbitragem tributária n.º 448/2021-T, disponível em www.caad.org.pt. Em idêntico sentido, cfr. Decisão Arbitral de 4 de Maio de 2022 (Processo n.º 604/2021-T), Decisão Arbitral de 25 de Maio de 2018 (Processo n.º 506/2017-T) e Decisão Arbitral de 23 de Janeiro de 2013 (Processo n.º 64/2013-T), todas disponíveis em www.caad.org.pt, entre muitas outras;

  1. Neste contexto, a mais relevante doutrina portuguesa tem reiterado sucessivamente que, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, os tribunais arbitrais têm competência para apreciar a legalidade de actos tributários previamente contestados perante a Administração Tributária em sede de revisão oficiosa tacitamente indeferida:

«Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta de ilegalidade de um ato de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o ato de segundo grau é o indeferimento de pedido de revisão do ato tributário¸ pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efetuado no prazo de reclamação, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa [em nota de rodapé: Como se entendeu no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-06-2006, proferido no processo n.º 402/06 - [sublinhados e realces nossos] — cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, "Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária" in "Guia da Arbitragem Tributária", Coimbra, 2013, Almedina, página 122;

«Questão que se prende com esta é a de saber se onde a lei exige a reclamação graciosa necessária o intérprete se pode bastar com a submissão ao entendimento administrativo através de pedido de revisão oficiosa.

Esta temática merece uma análise especial, na medida em que por longos anos, se discutiu na Doutrina e jurisprudência dos tribunais tributários, quais os efeitos da sua interposição e subsequente indeferimento por, entre outras razões, o pedido de revisão oficiosa ter um prazo de apresentação deveras mais alargado do que a reclamação graciosa ou do que o recurso hierárquico. A questão colocava-se, em especial, quanto a actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta. Faça-se, antes de mais, um enquadramento da questão, tal como ela foi abordada nos tribunais tributários.

Ora, o STA pronunciou-se, repetidamente, no sentido da equiparação do pedido de revisão do acto tributário à reclamação graciosa sobre actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta. Veja-se, por todos, o Acórdão do STA de 12 de Julho de 2006, proferido no âmbito do processo n.º 0402/06 (as mais das vezes citado pelos tribunais arbitrais) […].

[…]

É de acompanhar esta jurisprudência corrente do STA que vê no pedido de revisão do acto tributário — meio impugnatório administrativo com prazo mais alargado que os restantes — um mecanismo de abertura da via contenciosa, perfeitamente equiparável à reclamação graciosa necessária.

Com efeito, e no seguimento do que se disse, as reclamações graciosas necessárias, previstas nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, justificam-se pela necessária de uma filtragem administrativa, prévia à via judicial, por estarem em causa actos que não são da autoria da Administração Tributária, mas do próprio sujeito passivo e nos quais esta não teve, ainda, qualquer intervenção. Nesse sentido, o pedido de revisão oficiosa serve o propósito dessa filtragem administrativa, porque aí a Administração já terá possibilidade de se pronunciar sobre o acto de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta.

Excluir a jurisdição arbitral apenas porque o meio utilizado não foi efectivamente uma reclamação graciosa seria violar o princípio da tutela jurisdicional efectiva, tal como consagrado no artigo 20.º da CRP.

E esta admissibilidade vale, por maioria de razão, tanto para o pedido de revisão oficiosa apresentado fora do prazo previsto para a reclamação graciosa necessária (que é de 2 anos nos termos daqueles artigos do CPPT), como para o pedido que é realizado quando ainda era possível a apresentação de reclamação graciosa» - [sublinhados e realces nossos] — cfr. CARLA CASTELO TRINDADE, "Regime Jurídico da Arbitragem Tributária: Anotado", Coimbra, 2016, Almedina, páginas 96 e 97.

  1. Face ao enquadramento jurisprudencial e doutrinal acima exposto, constata-se carecer do mínimo fundamento a posição da Administração Tributária, resultando na verdade de uma errónea interpretação dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, e, bem assim, de um evidente equívoco quanto à natureza e finalidade da revisão oficiosa;
  2. Adicionalmente, sustenta a  Administração Tributária que esse Douto Tribunal Arbitral carece de competência para conhecer o pedido na origem dos presentes autos, na medida em que a Requerente não terá, alegadamente, invocado e demonstrado a existência de erro imputável aos Serviços da Administração Tributária no âmbito do pedido de revisão oficiosa em referência, sublinhando as Ilustres Juristas da Administração Tributária que (i) os actos tributários em crise são «conformes à lei», ainda que traduzam uma «restrição discriminatória ao princípio da livre circulação de capitais», e (ii) que o «Tribunal Arbitral vai ter que analisar os pressupostos de aplicação do mecanismo de revisão oficiosa, uma vez que in casu, inexiste, não prova a requerente a existência de qualquer erro de direito, imputável a AT que justificasse a revisão da liquidação».
  3. Mas não tem razão. E em favor da sua tese, o Requerente cita e transcreve, na parte relativa à "Motivação de direito", o Acórdão do STA de 09-11-2022, proc.º 087/22.5BEAVR, disponível em www.dgsi.pt que aqui se dá por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos;
  4. Finalmente, sublinhe-se que, contrariamente ao pressuposto silente na posição da Administração Tributária, o acto de indeferimento tácito é, para efeitos de impugnação contenciosa, um verdadeiro e pleno acto tributário, nos termos e para os efeitos do artigo 57.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, reflectindo, nessa medida, a posição da Administração Tributária sobre a pretensão do contribuinte;
  5. Sintetizando:

i.) A retenção na fonte assente numa norma de direito interno incompatível com o Direito da União Europeia traduz-se numa ilegalidade qualificável como erro imputável aos serviços da Administração Tributária;

ii.) A Administração Tributária tem o poder-dever de decidir, no prazo de quatro meses, os pedidos de revisão oficiosa de actos de retenção na fonte assentes em normas de direito interno incompatíveis com o Direito da União Europeia que sejam apresentados no prazo de 4 anos, previsto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT;

iii.) A falta de decisão dos pedidos de revisão oficiosa evidencia, para efeitos de tutela dos direitos do contribuinte, a posição silente da Administração Tributária sobre a (i)legalidade da retenção na fonte;

v.) Os erros praticados no acto de retenção são imputáveis à Administração Tributária, para efeitos do disposto no artigo 78º, n.º 1, da LGT;

v.) Apesar de não ter sido deduzida reclamação graciosa, nos termos do artigo 132.º do CPPT, o contribuinte pode pedir a revisão oficiosa de actos de retenção na fonte, dentro do prazo legal em que a Administração Tributária a podia efectuar – i.e. 4 anos – e pode impugnar contenciosamente, em sede de arbitragem tributária, a decisão expressa ou tácita de indeferimento.

  1. Concluindo-se que os erros praticados no acto de retenção são imputáveis à Administração Tributária para efeitos do disposto no artigo 78º, n.º 1, da LGT, concluir-se-á que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado tempestivamente pelo Requerente, contrariamente ao que sustentam as Ilustres Juristas da Administração Tributária.
  2. Tudo ponderado, deve concluir-se pela competência desse Douto Tribunal Arbitral para conhecer da totalidade do pedido de impugnação arbitral subjacente aos presentes autos, carecendo, como tal, de fundamento a matéria de excepção invocada pela Administração Tributária.
  1. Em 01 de abril de 2024, ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da livre determinação das diligências de prova necessárias (cf. artigo 16.º, alíneas c) e e), do RJAT), o Tribunal proferiu o seguinte despacho:

Uma vez que a audição de testemunhas foi sugerida apenas em termos supletivos e não se afigura necessária, dispensa-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo (artigo 19.º do RJAT), e da celeridade, da simplificação e da informalidade processuais (artigo 29.º, n.º 2, do RJAT).

Requerente e Requerida poderão, querendo, apresentar alegações simultâneas no prazo de 20 dias, tendo em conta a posição do Colectivo no proc. n.º 629/2021-T do CAAD quanto à tempestividade da revisão oficiosa e, consequentemente, quanto ao objecto viável do subsequente processo arbitral.

Sem prejuízo de a decisão ser proferida até ao termo do prazo fixado no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, deve a Requerente proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente até ao final do corrente mês de Abril.

  1. O Requerente e a Requerida apresentaram alegações finais, não tendo havido, na essência, alterações de monta às posições anteriormente assumidas.

 

II.    SANEADOR

  1. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo dirigido à anulação de atos de retenção na fonte de IRC e dos atos de indeferimento tácito de reclamação graciosa (2021) e de pedido de revisão oficiosa (2019 e 2020) apresentado contra os mesmos (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 5.º do RJAT).
  2. O PPA apresentado em 14 de novembro de 2023 é tempestivo, porquanto foi cumprido o prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e), do CPPT, a contar da data da presunção do indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida em 17 de abril de 2023 e do pedido de revisão da matéria coletável apresentado na mesma data, contra os atos tributários impugnados, que se formou em 17 de agosto de 2023, nos termos do artigo 57.º, n.º 1 e 5, da LGT.
  3. É admitida a cumulação de pedidos, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, porquanto, como sucede in casu, a procedência dos pedidos depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.
  4. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
  5. Identificadas as exceções dilatórias em tempo invocadas, cuja procedência obsta à prolação de decisão de mérito, procede-se de imediato ao seu conhecimento, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 88.º do CPTA, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.

 

a) Exceção dilatória de incompetência material do Tribunal

  1. Como ficou provado, o Requerente, OIC constituído de acordo com o direito francês, recebeu dividendos e suportou em Portugal IRC retenção na fonte, durante o período em causa (2019 a 2021), pelas quantias discriminadas na matéria de facto.
  2. A exceção dilatória de incompetência material do Tribunal não é invocada quanto à reclamação graciosa deduzida, em tempo e com legitimidade e que também se presumiu tacitamente indeferida. No entanto,
  3. Em 17-04-2023, o Requerente apresentou, ao abrigo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), pedido de revisão oficiosa para apreciação da legalidade dos referidos atos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2019 a 2022, no qual solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal.
  4. O Requerente nunca foi notificado de qualquer decisão no procedimento.
  5. Não se conformando com a omissão de decisão do pedido de revisão oficiosa por parte da AT, que traduz uma decisão tácita de indeferimento (cf. n.º 1 e n.º 5 do artigo 57.º LGT), e, bem assim, a "confirmação da legalidade" dos atos tributários sindicados, a Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral.
  6. Na Resposta, a AT suscita exceção, quanto à incompetência do Tribunal Arbitral, em razão da matéria, por o Requerente não ter, previamente, desencadeado procedimento de reclamação graciosa nos termos do n.º 1 e 3 do artigo 132.º do CPPT (no prazo aí previsto, de 2 anos), situação que fica fora da previsão de vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais do CAAD, cf. n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.
  7. Considerando que a AT não se pronunciou expressamente sobre a (i)legalidade das retenções, e não tendo o pedido de anulação das retenções na fonte sido precedido, em prazo, de reclamação graciosa necessária, a Requerida invoca que o Tribunal Arbitral carece de competência para apreciar sobre a (i)legalidade das mesmas, ainda que a requerente tenha apresentado um pedido de revisão oficiosa, no prazo de quatro anos.

Vejamos:

  1. Nos termos da jurisprudência do STA, refere o Conselheiro José Gomes Correia, que:

“VI- O meio procedimental de revisão do acto tributário não pode ser considerado como um meio excepcional para reagir contra as consequências de um acto de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do acto de liquidação).

VII – Assim, nos casos como o dos autos, em que há lugar a retenção da fonte, a título definitivo, de quantias por conta de imposto de selo, cobrado no âmbito de operações de concessão de crédito, e suportado pelas Recorrentes, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito dessa retenção é susceptível de configurar “erro imputável aos serviços”, para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão dos atos tributários, nos termos do n.º 1 do artigo 78º da Lei Geral Tributária”, como pode ler-se no processo n.º 087/22.5BEAVR, de 09.11.2022.

  1. Está em causa, no citado aresto, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito dessa retenção enquanto suscetível de configurar “erro imputável aos serviços”, para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão dos atos tributários, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
  2. Está em causa, pois, na situação sub judice, uma substituição fiscal, em que é Requerente o substituído fiscal, que enquanto destinatário dos dividendos, líquidos de retenção na fonte, não tem qualquer intervenção na liquidação do imposto (feita entre o substituto fiscal e a AT), considerando-se por isso aplicável o prazo de 4 anos.
  3. Por outro lado, em outro acórdão do STA (proc. 01950/13, de 2/7/2014) a Conselheira Isabel Marques da Silva, conclui que:

“I - Não apenas o pedido de revisão apresentado dentro do prazo de reclamação administrativa, mas também o pedido de revisão oficiosa da liquidação com fundamento em erro imputável aos serviços apresentado no prazo de 4 anos, aproveitam ao sujeito passivo para efeitos de lançar mão da impugnação judicial em caso de indeferimento tácito.

II - É que, não estando legalmente estabelecida a distinção entre as duas situações para efeitos de utilização da presunção de indeferimento tácito, não cabe ao juiz distingui-las na tentativa de obviar a que os prazos de impugnação administrativa e contenciosa possam ser “contornados”, antes se lhe impõe o conhecimento das pretensões dos contribuintes feitas valer através dos meios que o legislador coloca ao seu dispor para tutela dos seus direitos”.

  1. Assim, atenta a jurisprudência acima exposta e os prazos pertinentes referidos, o indeferimento de uma revisão oficiosa não pode deixar de ser sindicável, independentemente de ser tácito ou expresso, como resulta do teor expresso da al. a) do artigo 2.º do RJAT.
  2. Para além da apreciação direta da legalidade de atos deste tipo, incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competências para apreciar atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, designadamente de pedidos de revisão oficiosa, como se depreende das referências expressas que se fazem no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT ao n.º 1 al. b) do artigo 102.º do CPPT.
  3. No caso em apreço, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa, que não foi apreciado no prazo de quatro meses, previsto no artigo 57.º, n.º 5 da LGT, pelo que se formou indeferimento tácito em 17/08/2023.
  4. Nas situações de indeferimento tácito não há, obviamente, apreciação expressa da legalidade de ato de liquidação, mas, tratando-se de uma ficção de ato destinada a assegurar a impugnação contenciosa em meio processual que tem por objeto um ato de liquidação, o meio de impugnação adequado depende do conteúdo ficcionado.
  5. Neste caso, estando-se perante indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa, que tem por objeto direto atos de retenção na fonte, é de considerar que o ato ficcionado conhece da legalidade da retenção na fonte e, por isso, o meio processual adequado para a sua impugnação contenciosa é o processo de impugnação judicial, nos termos das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, de que é meio alternativo o processo arbitral.
  6. Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a referida autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se revela a intenção de o processo arbitral tributário constitua “um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária” (n.º 2).
  7. Nesse sentido (com as devidas adaptações), cf. acórdão 540/2020-T do CAAD.
  8. Improcede, por conseguinte, a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral.

 

b)  Da intempestividade da impugnação administrativa necessária (artigo 132.º do CPPT), relativamente aos atos de retenção na fonte realizados entre 15 de maio de 2019 e 20 de maio de 2021

  1. A Requerente e a Requerida foram notificadas, por Despacho de 13/5/2024, para, em alegações, se pronunciarem, querendo, "tendo em conta a posição do Colectivo no proc. n.º 629/2021-T do CAAD quanto à tempestividade da revisão oficiosa e, consequentemente, quanto ao objecto viável do subsequente processo arbitral".
  2. Ou seja, em rigor, as partes foram notificadas da possibilidade de ser declarada a absolvição da instância com fundamento na intempestividade da impugnação administrativa necessária a que se refere o artigo 132.º do CPPT, relativamente aos atos de retenção na fonte realizados 15 entre maio de 2019 e 20 de maio de 2021.
  3. Com efeito, em caso de impugnação de retenção na fonte, o n.º 3 do artigo 132.º do CPPT estabelece que a impugnação judicial será precedida de reclamação graciosa para o órgão periférico regional da administração tributária competente, no prazo de dois anos.
  4. No caso em análise, a Requerente impugna atos de retenção na fonte realizados entre 15 de maio de 2019 e 20 de setembro de 2022 e apresentou o pedido de revisão oficiosa em 16 de maio de 2023. E ainda que se atribua ao pedido de revisão oficiosa o mesmo efeito jurídico da reclamação graciosa, essa equivalência apenas pode ser reconhecida quando o pedido de revisão oficiosa tenha sido apresentado dentro do prazo previsto para aquela forma de impugnação administrativa, isto é, dentro do prazo de dois anos.
  5. E assim, poderá entender-se que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado intempestivamente, para efeito de poder ser considerado como correspondendo à impugnação administrativa necessária nos termos do artigo 132.º do CPPT, relativamente aos atos de retenção realizados em 20 de maio de 2021 e em datas anteriores a essa, com a consequente inimpugnabilidade desses atos tributários.
  6. Sucede, porém, que, conforme referido acima, estamos perante retenção na fonte a título definitivo pelo substituto fiscal, e o erro sobre os pressupostos de facto e de direito dessa retenção na fonte é suscetível de configurar “erro imputável aos serviços”, para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão dos atos tributários, nos termos do n.º 1 do artigo 78º da LGT.
  7. Esta é também a posição jurisprudencialmente dominante, ainda que com nuances, ao nível da fundamentação.
  8. Citamos, por todos, o Acórdão do STA, de 9/11/2022, proferido no âmbito do proc. n.º 087/22:

“assim, nos casos como o dos autos, em que há lugar a retenção da fonte, a título definitivo, de quantias por conta de imposto de selo, cobrado no âmbito de operações de concessão de crédito, e suportado pelas Recorrentes, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito dessa retenção é susceptível de configurar “erro imputável aos serviços”, para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão dos atos tributários, nos termos do nº 1 do artigo 78º da Lei Geral Tributária”.

  1. Termos em que, se considera tempestivo o pedido de revisão oficiosa apresentado e, como tal, improcede, a exceção por intempestividade do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. QUESTÕES DE MÉRITO A DECIDIR

 

  1. Nos termos do pedido e da resposta, deve o Tribunal apreciar e pronunciar-se sobre a legalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e da reclamação graciosa (objeto imediato) e, nessa medida, da legalidade das liquidações de IRC por retenção na fonte que incidir sobre os dividendos de fonte portuguesa auferidos pelo Requerente nos anos de 2019, 2020 e 2021 (objeto mediato). 

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

          a) Factos provados

 

  1. Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
    1. O Requerente é um OIC constituído sob a forma de fond commun de placement e a operar na República Francesa sob supervisão da Autorité des Marchés Financiers, com sede em ..., ... Paris, em França, ao abrigo da Loi n.º 2010-1249 du 22 octobre 2010, de régulation bancaire et financière, que transpõe para a ordem jurídica francesa a Directiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns OIC - (cf. Doc. 3 e Doc. 4. juntos com o PPA);
    2. O Requerente é administrado pela sociedade B... S.A., entidade igualmente com residência em França, em ..., ... Paris, em França, nos termos e para os efeitos do artigo 4.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital entre a República Portuguesa e a República Francesa ("CEDT Portugal/França") - (cf. Doc. 5 junto com o PPA);
    3. Em Abril, Maio e Setembro de 2019, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 638.061,90, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, nos seguintes termos:

 

  1. Em Maio de 2020, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 296.728,55, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, nos seguintes termos:

 

  1. Em Abril, Maio e Setembro de 2021, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 197.321,76, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, nos seguintes termos:

 

  1. As retenções na fonte de IRC referentes a 2019 e 2020 em causa — no montante total de EUR 233.697,61 — foram efetuadas e entregues, junto dos cofres da Fazenda Pública, através das guias de retenção na fonte n.ºs ..., ..., ..., respetivamente de 20 de Maio, 20 de Junho e 20 de Outubro de 2019, e ..., de 20 de Junho de 2020, pelo C..., S.A., pessoa coletiva com o número de identificação fiscal em Portugal ..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, ao abrigo do artigo 94.º, n.º 7, do CIRC;
  2. As retenções na fonte de IRC referentes a 2021 — no montante total de EUR 49.330,44 — foram efetuadas e entregues, junto dos cofres da Fazenda Pública, através das guias de retenção na fonte n.ºs ..., ... e..., respetivamente de 20 de Maio, 20 de Junho e 20 de Outubro de 2021, pelo C..., S.A., pessoa coletiva com o número de identificação fiscal em Portugal..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, ao abrigo do artigo 94.º, n.º 7, do CIRC;
  3. O Requerente não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência relativo às retenções na fonte objeto da reclamação graciosa e do pedido de revisão oficiosa em referência, seja ao abrigo da CEDT Portugal/França, seja ao abrigo da lei interna francesa, como vem declarado pela entidade gestora do Requerente e não foi contestado pela Requerida (cf. documento n.º 6 junto com o PPA);  
  4. No dia 17-04-2023, o Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações de IRC acima identificadas, referentes ao ano de 2021, ao abrigo do disposto nos artigos 68.º e 131.º a 133.º do CPPT e 137.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CIRC - (cf. documento n.º 1 junto com o PPA);
  5. Na mesma data (17-04-2023), o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC acima identificadas, referentes aos anos de 2019 e 2020, ao abrigo do disposto nos artigos 78.º, n.º 1, e 137.º do CIRC - (cf. documento n.º 2 junto com o PPA);
  6. À data da apresentação do PPA, os referidos procedimentos de reclamação graciosa e de revisão oficiosa encontravam-se pendentes junto da Administração Tributária, correndo os seus termos sob os nos ....2023... e ...2023..., respetivamente, e o Requerente não tinha sido ainda notificado pela Administração Tributária de decisões finais em sede dos correspondentes procedimentos, podendo assim presumir-se o seu indeferimento;
  7. Em face do PPA apresentado com a Resposta pela Requerida, confirma-se que, embora instaurados, os processos relativos aos procedimentos de reclamação graciosa e de revisão oficiosa não tinham sido objeto de qualquer informação visando a sua decisão pelos Serviços competentes da AT.

 

b) Factos não provados

  1. Com relevo para a decisão, não existem factos essenciais não provados.

 

c) Motivação quanto à matéria de facto

  1. Cabe ao Tribunal selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
  2. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cf. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
  3. Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo por base a prova documental junta aos autos, e considerando as posições assumidas pelas partes, e não contestadas, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT.
  4. Nas Alegações, a AT invocou que o Requerente não logrou fazer a prova dos factos por si alegados, citando o voto de vencido na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 619/2023-T, na qual um árbitro considerou que um pagamento de dividendos em contas bancárias de bancos depositários não constitui um pagamento de dividendos ao sujeito passivo requerente enquanto beneficiário efetivo dos dividendos.
  5. A este propósito, cumpre sublinhar que os depositários dos valores mobiliários se encontram obrigados a efetuar retenção na fonte sobre rendimentos de valores mobiliários por força do n.º 7 do artigo 94.º do Código do IRC, e que estas entidades não são titulares das partes sociais que originaram os dividendos em causa, nem beneficiários deste rendimento. Quanto às funções desempenhadas por sociedades gestoras e bancos depositários, pode ler-se no Preâmbulo da Lei n.º 27/2023, de 28 de abril, que aprova o regime da gestão de ativos, o seguinte:

“A sociedade gestora dispõe de funções de gestão de riscos e de avaliação de ativos. (...) O depositário assegura a custódia dos ativos do OIC e desempenha funções de controlo e de fiscalização da respetiva atividade no interesse dos participantes. A sua designação é obrigatória, salvo para OIC dirigidos exclusivamente a investidores profissionais que sejam geridos por sociedade gestora de pequena dimensão. A função de depositário pode ser assumida por instituição de crédito ou empresa de investimento estabelecida em Portugal, sendo a respetiva relação contratual formalizada por escrito. O depositário tem um estatuto de independência, devendo adotar medidas para evitar a ocorrência de conflitos de interesses.”

  1. Não há qualquer dúvida de que, no caso sub judice, o banco depositário não é o beneficiário efetivo dos dividendos por ele recebidos em nome e por conta do Requerente, e que é este, o Requerente, o beneficiário efetivo dos rendimentos em causa, o que, na Resposta não foi contestado e só nas alegações vem suscitada a questão da ilegitimidade do Requerente com fundamento em que não seria o beneficiário efetivo dos dividendos que lhe foram pagos.
  2. Ora, o PA, quer na parte relativa à reclamação graciosa (constituída por um conjunto de 8 partes, das quais apenas alguns prints sobre a situação das guias de retenção que, na informação sintética para reenvio, para decisão, da RG para a DF de Lisboa, se consideram como "regularizadas") quer na parte relativa ao pedido de revisão oficiosa, este constituído por um só volume mas que contém exclusivamente a petição e os documentos apresentados pelo Requerente) não contém documentos que permitam concluir coisa diversa, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 6 do artigo 84.º do CPTA, se considera provada a legitimidade do Requerente nos termos que decorrem do PPA e dos documentos que lhe foram juntos.
  3. Tal como referido pelo Requerente, este identificou o valor bruto dos dividendos pagos, as datas de pagamento, taxa de retenção na fonte e valor da retenção sofrida, e os números das guias de pagamento através das quais o imposto retido na fonte foi entregue junto dos cofres da AT em Portugal. Esta informação foi, ou poderia ter sido, verificada pela AT, através da consulta da declaração modelo 30 (i.e., da declaração de rendimentos pagos ou colocados à disposição de sujeitos passivos não residentes).
  4. Não há, assim, qualquer evidência ou indício de que os valores indicados pelo Requerente não correspondem ao montante de dividendos auferidos em Portugal, ou ao valor das retenções na fonte realizadas.

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO
  1. Sustenta o Requerente, essencialmente, que o regime especial de tributação aplicável aos fundos de investimento que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, nos termos da parte final do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 22.º do EBF, implicando a exclusão desse regime jurídico dos organismos equiparáveis que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa mas tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia ou de Estado terceiro, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
  2. A Autoridade Tributária contrapõe que o artigo 22.º do EBF, aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, estabelece uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias, deslocando a tributação para a esfera do imposto do selo, além de que sujeita os OIC às taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC.
  3. Não podendo afirmar-se, neste condicionalismo, que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente.
  4. A questão que nestes termos vem colocada foi analisada no acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de março de 2022, proferido no Processo n.º C-545/19, em reenvio prejudicial suscitado no Processo n.º 93/2019-T em que se extrai a seguinte conclusão:

O artigo 63.° do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

  1. E, seguindo a jurisprudência absolutamente maioritária do CAAD (e.g., Decisão Arbitral de 26-04-2022, processo n.º 821/2021-T; Decisão Arbitral de 28-06-2022, processo n.º 129/2022-T; Decisão Arbitral de 13-07-2022, processo n.º 115/2022-T; Decisão Arbitral de 15-07-2022, processo n.º 121/2022-T; Decisão Arbitral de 08-08-2022, processo n.º 624/2022-T; Decisão Arbitral de 21-08-2022, processo n.º 83/2022-T; Decisão Arbitral de 04-06-2024, processo n.º 992/2023-T; Decisão Arbitral de 24-06-2024, processo n.º 984/2023-T; Decisão arbitral de 14-05-2024, processo n.º 967/2023-T; Decisão Arbitral de 05-07-2024, processo n.º 998/2023-T; Decisão Arbitral de 13-05-2024, processo n.º 66/2024-T; Decisão Arbitral de 27-05-2024, processo n.º 45/2024-T; Decisão Arbitral de 29-05-2024, processo n.º 89/2024; Decisão de 28-06-2024, processo n.º 1025/2023-T; Decisão de 06-05-2024, processo n.º 1003/2023-T), e do nosso Supremo Tribunal Administrativo, este Tribunal sufraga esse entendimento, que, aliás, já se retirava da posição adotada em anteriores Acórdãos do TJUE, ainda que não sobre a específica questão que está em análise nos presentes autos.
  2. O citado artigo 22.º do EBF, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 31 de janeiro, e pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, na parte que mais interessa considerar, dispõe o seguinte:

Artigo 22.º

Organismos de Investimento Coletivo

1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos

referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito

a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.

4 - Os prejuízos fiscais apurados nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 52.º do Código do IRC.

5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.

6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.

(…)

8 - As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.

(…).

  1. Como resulta, em especial, do disposto nos n.ºs 3 e 6, as entidades referidas no n.º 1, beneficiam de um regime consideravelmente mais favorável que o regime geral de tributação em IRC, porquanto não são considerados, para efeitos do apuramento do lucro tributável, os rendimentos de capitais, os rendimentos prediais e mais-valias, além de que essas entidades estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.
  2. Por outro lado, nos termos do transcrito n.º 1, o benefício fiscal assim estabelecido aplica-se aos organismos de investimento coletivo que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, o que conduz a afastar, numa interpretação literal do preceito, os organismos equiparáveis que operem no território nacional segundo o direito interno, mas tenham sido constituídos segunda legislação de um outro Estado Membro da União Europeia ou de Estado terceiro.
  3. A questão carece de ser analisada, nestes termos, à luz da alegada violação do princípio da proibição da liberdade de circulação de capitais.
  4. No presente caso, como resulta da matéria de facto tida como assente, o Requerente é um Organismo de Investimento Coletivo mobiliário, constituído segundo o direito francês.
  5. Alega o Requerente, neste contexto, que as normas do artigo 22.º, n.ºs 1 e 3, do EBF se tornam incompatíveis com o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do TFUE.
  6. Conforme tem sido entendimento comum, o princípio da proibição de discriminação em razão da nacionalidade consagrado no artigo 18.º do TFUE apenas deve ser objeto de aplicação autónoma quando esse mesmo princípio se não encontre concretizado em disposições específicas do Tratado relativas às liberdades de circulação.
  7. E, nesse sentido, pode dizer-se que o princípio da não discriminação se realiza, designadamente, por via do direito à livre circulação de movimentos de capitais a que se refere o artigo 63.º do Tratado (cf. PAULA ROSADO PEREIRA, Princípios do Direito Fiscal Internacional – Do Paradigma Clássico ao Direito Fiscal Europeu, Coimbra, 2011, pág. 254).
  8. O artigo 63.º proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais, bem como todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
  9. O artigo 65.º consigna, todavia, que o artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido (n.º 1), esclarecendo o n.º 3, em todo o caso, que essa possibilidade não deve constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos.
  10. Em relação à liberdade de circulação de capitais, o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, datado de 17/3/2022, proferido em reenvio prejudicial no âmbito do Processo n.º C-545/19 de 10 de abril de 2014, esclarece o âmbito de aplicação desse princípio, pronunciando-se sobre cada um dos argumentos suscetíveis de justificarem a discriminação negativa decorrente do artigo 22.º do EBF para os OIC não residentes e que não tenham em estabelecimento estável em território português, formulando os seguintes considerandos que também aqui se adotam:

Quanto à existência de uma restrição à livre circulação de capitais

36 Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado‑Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 27 e jurisprudência referida, e de 30 de janeiro de 2020, Köln‑Aktienfonds Deka, C‑156/17, EU:C:2020:51, n.° 49 e jurisprudência referida).

37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.

38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.

39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida).

40 Não obstante, segundo o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

41 Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 29 e jurisprudência referida].

42 O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.° 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 30 e jurisprudência referida].

 

Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis

43 Para apreciar a comparabilidade das situações em causa, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, por um lado, sobre a questão de saber se a situação dos detentores de participações deve ser tida em conta do mesmo modo que a dos OIC e, por outro, sobre a eventual pertinência da existência, no sistema fiscal português, de certos impostos aos quais apenas estão sujeitos os OIC residentes.

44 O Governo português alega, em substância, que as respetivas situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes não são objetivamente comparáveis uma vez que a tributação dos dividendos recebidos por estas duas categorias de organismos de investimento de sociedades residentes em Portugal é regulada por técnicas de tributação diferentes — a saber, por um lado, esses dividendos são objeto de retenção na fonte quando são pagos a um OIC não residente e, por outro, estão sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas quando são pagos a um OIC residente.

45 Este Governo indica igualmente que resulta do artigo 22.°‑A do EBF que os dividendos distribuídos por OIC residentes a detentores de participações sociais residentes em território português ou que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território são tributados à taxa de 28 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) ou de 25 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas), ao passo que os dividendos pagos a detentores de participações sociais que não residem no território português e que não têm estabelecimento estável neste último estão, em princípio, isentos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (com algumas exceções destinadas essencialmente a prevenir abusos).

46 Segundo o referido Governo, há uma estreita coerência entre a tributação dos rendimentos dos OIC e dos detentores de participações sociais nestes organismos. Assim, o modelo português de tributação dos OIC, de natureza «compósita», conjuga estruturalmente os impostos incidentes, por um lado, sobre os OIC residentes, ou seja, o imposto do selo e o imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, bem como, por outro, os incidentes sobre os detentores de participações sociais em tais organismos, conforme referidos no número anterior. Estas diferentes tributações, muito bem integradas entre si, sendo cada uma delas imprescindível à coerência do sistema de tributação instituído, devem ser entendidas como um todo.

47 Além disso, este mesmo Governo acrescenta, em substância, que, no âmbito da apreciação da comparabilidade das situações em causa, não se deve abstrair dos efeitos da transparência fiscal que caracteriza a relação entre a recorrente no processo principal e os detentores de participações sociais na mesma, o que leva a que a retenção na fonte efetuada em Portugal possa ser imediatamente repercutida nos detentores de participações sociais que, não estando isentos de imposto, podem imputar ou, ainda, creditar a sua participação dessa retenção efetuada em Portugal sobre o imposto do qual são devedores na Alemanha.

48 Por último, o Governo português considera que, ao ter livremente optado por não operar em Portugal através de um estabelecimento estável, a recorrente no processo principal autoexcluiu‑se de qualquer comparação com os OIC estabelecidos em Portugal, sendo a sua situação, isso sim, comparável a todas as situações das demais entidades não residentes e cujos dividendos auferidos em Portugal são sempre tributados a taxas nunca inferiores a 25 %.

49 Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha‑se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 47 e jurisprudência referida).

50 Quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 44 do presente acórdão, há que recordar que, nas circunstâncias que deram origem ao Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center (C‑282/07, EU:C:2008:762), o Tribunal de Justiça admitiu a aplicação, aos beneficiários de rendimentos de capitais, de técnicas de tributação diferentes consoante esses beneficiários sejam residentes ou não residentes, uma vez que esta diferença de tratamento diz respeito a situações que não são objetivamente comparáveis (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center, C‑282/07, EU:C:2008:762, n.° 41).

51 Do mesmo modo, no processo que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402), o Tribunal de Justiça declarou que o tratamento diferenciado da tributação dos dividendos pagos a fundos de pensões segundo a qualidade de residente ou de não residente destes últimos, resultante da aplicação, a esses fundos respetivos, de dois métodos de tributação diferentes, era justificado pela diferença de situação entre estas duas categorias de contribuintes à luz do objetivo prosseguido pela regulamentação nacional em causa nesse processo, bem como do seu objeto e do seu conteúdo.

52 No entanto, sob reserva da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 44 e jurisprudência referida).

53 A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

54 Além disso, como salientou a advogada‑geral no n.° 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek  (C‑252/14, EU:C:2016:402).

55 Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.

56 Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.

57 Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.

58 Em seguida, quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 48 do presente acórdão, há que salientar que, como alegou a Comissão em resposta às perguntas escritas do Tribunal de Justiça, no domínio da livre prestação de serviços, ao abrigo do artigo 56.° TFUE, os operadores económicos devem ser livres de escolher os meios adequados para exercer as suas atividades num Estado‑Membro diferente do da sua residência, independentemente de se estabelecerem ou não de modo permanente nesse outro Estado‑Membro, não devendo esta liberdade ser limitada por disposições fiscais discriminatórias.

59 Além disso, na medida em que o argumento do Governo português se refere à pretensa necessidade de ter em conta a situação dos detentores de participações sociais, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do Estado‑Membro em causa deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais controvertidas (v., designadamente, Acórdão de 30 de abril de 2020, Société Générale, C‑565/18, EU:C:2020:318, n.° 26 e jurisprudência referida), bem como o objeto e o conteúdo destas últimas (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 48 e jurisprudência referida).

60 Por outro lado, apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença de situação objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 49 e jurisprudência referida).

61 No caso em apreço, no que diz respeito, em primeiro lugar, ao objeto, ao conteúdo e ao objetivo do regime português em matéria de tributação dos dividendos, seja ao nível dos próprios OIC ou dos seus detentores de participações sociais, resulta tanto da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informação do Tribunal de Justiça como da resposta do Governo português às perguntas escritas que lhe foram dirigidas no âmbito do presente processo que o referido regime foi concebido numa lógica de «tributação à saída», ou seja, os OIC que são constituídos e operam de acordo com a legislação portuguesa estão isentos do imposto sobre o rendimento, sendo o encargo que este último representa transferido para os detentores de participações sociais que têm a qualidade de residentes, estando os detentores de participações sociais não residentes dele isentos.

62 Com efeito, o Governo português precisou que o regime nacional em matéria de tributação dos dividendos visava alcançar objetivos como, nomeadamente, evitar a dupla tributação económica internacional e transferir a tributação na esfera dos OIC para a esfera dos respetivos participantes, procurando assim que a tributação incidente sobre estes rendimentos seja aproximadamente equivalente à que ocorreria caso esses rendimentos tivessem sido obtidos diretamente pelos participantes nesses mesmos OIC.

63 Caberá ao órgão jurisdicional de reenvio, que tem competência exclusiva para interpretar o direito nacional, tendo em conta todos os elementos da legislação fiscal em causa no processo principal e o conjunto dos elementos constitutivos desse mesmo regime de tributação, determinar o objetivo principal prosseguido pela legislação nacional em causa no processo principal (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Köln‑Aktienfonds Deka, C‑156/17, EU:C:2020:51, n.° 79).

64 Se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa evitar a dupla tributação dos dividendos pagos por sociedades residentes, atendendo à qualidade de intermediário dos OIC face aos seus detentores de participações sociais, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um Estado‑Membro para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos rendimentos distribuídos por uma sociedade residente, as sociedades beneficiárias residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à das sociedades beneficiárias não residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 53 e jurisprudência referida).

65 Todavia, como resulta do n.° 49 do presente acórdão, a partir do momento em que um Estado‑Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha‑se à das sociedades residentes.

66 Com efeito, é unicamente o exercício por esse mesmo Estado da sua competência fiscal que, independentemente de tributação noutro Estado‑Membro, cria um risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica. Em tal caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE, o Estado de residência da sociedade distribuidora deve assegurar que, em relação ao mecanismo previsto no seu direito nacional para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 55 e jurisprudência referida).

67 Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram‑se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o.,  C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 56 e jurisprudência referida).

68 Caso o órgão jurisdicional de reenvio chegue à conclusão de que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa, no intuito de não renunciar pura e simplesmente à tributação dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal, transferir essa tributação para a esfera dos detentores de participações sociais dos OIC, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, se o objetivo da legislação nacional em causa for deslocar o nível de tributação do veículo de investimento para o acionista desse veículo, são, em princípio, as condições materiais do poder de tributação sobre os rendimentos dos acionistas que devem ser consideradas determinantes e não a técnica de tributação utilizada (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 60).

69 Ora, um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este Estado‑Membro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontra‑se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 61).

70 É certo que a República Portuguesa não pode tributar os detentores de participações sociais não residentes sobre os dividendos distribuídos por OIC não residentes, como aliás o Governo português admitiu tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça. Contudo, essa impossibilidade é coerente com a lógica de deslocação do nível de tributação do veículo para o detentor de participações sociais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 62).

71 No que respeita, em segundo lugar, aos critérios de distinção pertinentes, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.° 60 do presente acórdão, há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.

72 Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 58 e jurisprudência referida).

73 Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.

74 Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.

 

Quanto à existência de uma razão imperiosa de interesse geral

75 Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue e não for além do que é necessário para alcançar esse objetivo [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 56 e jurisprudência referida].

76  No caso em apreço, há que constatar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio não invoque essas razões no pedido de decisão prejudicial, uma vez que este se concentra na eventual comparabilidade das situações em causa no processo principal, o Governo português alega, tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça, que a restrição à livre circulação de capitais efetuada pela legislação nacional em causa no processo principal se justifica à luz de duas razões imperiosas de interesse geral, a saber, por um lado, a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional e, por outro, a de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os dois Estados‑Membros em causa, ou seja, a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha.

77 No que respeita, em primeiro lugar, à necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional, o Governo português considera, como resulta do n.° 46 do presente acórdão, que o modelo de tributação português dos dividendos constitui um modelo «compósito». Assim, só seria possível garantir a coerência deste modelo se a entidade gestora dos OIC não residentes operasse em Portugal através de um estabelecimento estável, de modo a que essa entidade pudesse concretizar as retenções na fonte necessárias junto dos detentores de participações sociais residentes, bem como, em certos casos excecionais orientados por considerações ligadas ao facto de evitar a planificação fiscal, junto dos detentores de participações sociais não residentes.

78 A este respeito, há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal nacional pode justificar uma regulamentação nacional suscetível de restringir as liberdades fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 50 e jurisprudência referida, e de 13 de março de 2014, Bouanich, C‑375/12, EU:C:2014:138, n.° 69 e jurisprudência referida), precisou, contudo, que, para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C‑641/17, EU:C:2019:960, n.° 87).

79 Ora, no presente processo, como resulta do n.° 71 do presente acórdão, a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 93).

80 Consequentemente, não há uma relação direta, na aceção da jurisprudência referida no n.° 78 do presente acórdão, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo.

81 A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal.

82 No que diz respeito, em segundo lugar, à necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, a justificação baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros pode ser admitida quando o regime em causa visa prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado‑Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 57 e jurisprudência referida, e de 20 de janeiro de 2021, Lexel, C‑484/19, EU:C:2021:34, n.° 59).

83 No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado‑Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 71 e jurisprudência referida).

84 Daqui resulta que a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros também não pode ser acolhida.

  1. Neste contexto, o TJUE decidiu, como de resto já antes se mencionou, que:

O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

  1. Voltando à situação do caso, e como resulta do ponto II e notas explicativas da nomenclatura anexa à Diretiva 88/361/CEE, o conceito de movimentos de capitais, para efeito da liberdade de circulação a que refere o artigo 63.º do TFUE, abrange os investimentos mobiliários (cf. considerandos 21 e 22 do acórdão do TJUE de 16 de março de 1999, no Processo C-222/97).
  2. Ora, o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, ao circunscrever o regime de tributação constante do n.º 3 aos fundos e sociedades de investimento mobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, estabelece um regime mais gravoso para as entidades equiparáveis que operem no território nacional, mas se tenham constituído segundo o direito de um outro Estado-Membro ou de Estado terceiro, sem que tenha sido apresentada qualquer justificação para esse tratamento discriminatório.
  3. Resta acrescentar, no plano interno, uma referência ao acórdão do STA n.º 7/2023, de 28 de setembro de 2023 (Processo n.º 93/19.7BALSB - Pleno da 2.ª Secção), tirado em recurso por oposição de julgados entre as decisões arbitrais proferidas nos Processos n.ºs 96/2019-T e 90/2019-T, tomando em consideração o citado acórdão do TJUE proferido no Processo n.º C-545/19, uniformizou a jurisprudência no sentido de que a interpretação do artigo 63.º do TFUE é incompatível com o artigo 22.º do EBF, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia:

“1 - Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação.

2 - O art.º 63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção;

3 - A interpretação do art.º 63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o art.º 22.º do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia”.

  1. Finalmente, reclama a AT que a Requerente não demonstra, em concreto, que seja prejudicada fiscalmente por efeito da distribuição de dividendos.
  2. E assim é. Com efeito, a Requerente não demonstra quantitativamente, qual a tributação que suportou, a final, e qual a tributação que suportaria, em caso de ser OIC residente. Mas nem por isso a jurisprudência antes exposta deixa de ser aplicável, já que, em qualquer caso, o fundamento da liquidação contraria o Direito da União Europeia, e assim, a liquidação é ilegal.
  3. Considera-se porém que, nas circunstâncias em presença, em que os atos administrativos decisórios tanto da reclamação graciosa como do pedido de revisão oficiosa, se produziram tacitamente por efeito do decurso do tempo, aquilo que sustenta a AT, nomeadamente quanto à não imputação de erro aos serviços, configura fundamentação a posteriori, que não cumpre as exigências do dever legal de fundamentar o ato administrativo, de “dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do acto ou a sua impugnação graciosa ou contenciosa, e também uma função endógena, consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, séria e isenta” (cf. processo 03014/11.1BEPRT, proferido pelo STA em 2/2/2022, pelo Conselheiro Joaquim Condesso).
  4. Pelo que, os atos de retenção na fonte impugnados e as decisões de indeferimento tácito da reclamação graciosa e do pedido de revisão oficiosa contra eles apresentada são ilegais por assentarem numa disposição legal que viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º, n.º 1, do TFUE, não podendo, por consequência, manter-se na ordem jurídica, devendo ser anulados com todos os efeitos legais associados à anulação.

 

VI.    JUROS INDEMNIZATÓRIOS

  1. Entende o Requerente que a procedência do pedido de pronúncia arbitral implica o direito à restituição das importâncias indevidamente retidas na fonte a título de IRC, no montante total de € 283.028,05, acrescido de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT, a computar sobre o referido montante.
  2. De acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
  3. Consequentemente, para que, no caso sub judice, seja restabelecida a situação jurídica que existiria se não tivessem sido feitas as liquidações de IRC por retenção na fonte, a Requerida deve proceder ao reembolso dos montantes indevidamente retidos na fonte, o que é consequência da anulação.
  4. No que diz respeito ao direito a juros indemnizatórios, o TJUE tem entendido que a cobrança de impostos em violação do Direito da União tem como consequência não só o direito ao reembolso, mas também o direito a juros, conforme é sustentado no seu Acórdão de 18 de abril 2013, proferido no processo n.º C-565/11 (e outros nele citados), no qual se refere, designadamente, o seguinte:

“21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado‑Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgesellschaft e o., C‑397/98 e C‑410/98, Colet., p. I‑1727, n.os 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C‑446/04, Colet., p. I‑11753, n.° 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.° 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C‑113/10, C‑147/10 e C‑234/10, n.° 65).

22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados‑Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.° 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.° 66).

23 A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado‑Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.os 27 e 28 e jurisprudência referida)”

  1. Compete a cada Estado-Membro definir as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo, o que, no caso português, obedece ao disposto no artigo 43.º da LGT, cuja redação é a seguinte:

“Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.”

  1. No caso sub judice, os erros que afetam as retenções na fonte contestadas não são imputáveis à AT, visto que não foram por ela praticadas. No entanto, o mesmo não sucede com o indeferimento tácito da reclamação graciosa e do pedido de revisão oficiosa apresentados pelo Requerente. A verdade é que, não estando a AT exonerada do dever de aplicação do Direito da União Europeia, deveria ter-se pronunciado expressamente sobre os pedidos formulados quer a reclamação graciosa quer o pedido de revisão oficiosa apresentados pelo Requerente, no prazo de quatro meses (nos termos do artigo 57.º, n.º 1, da LGT). Não o tendo feito, a AT manteve uma situação de ilegalidade, sendo-lhe assim imputável erro de direito enquadrável no n.º 1 do artigo 43.º da LGT.
  2. Conforme se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0890/16, em 18-01-2017: “[e]m caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) o erro passa a ser imputável à AT depois de eventual indeferimento da pretensão deduzida pelo contribuinte”.
  3. Nestes termos, conclui-se que não poderá deixar de proceder o pedido de condenação quanto aos juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços (no mesmo sentido, v. Decisão Arbitral de 14-05-2019, processo n.º 637/2018-T; Decisão Arbitral de 27-05-2019, processo n.º 678/2018-T; Decisão Arbitral de 13-07-2022, processo n.º 115/2022-T; Decisão Arbitral de 28-07-2022, processo n.º 816/2021-T).
  4. No que se refere ao momento a partir do qual são devidos os juros indemnizatórios, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 0360/11.8BELRS, de 07 de abril de 2021:

“(…) afigura-se-nos justo e equitativo que a indemnização ao contribuinte (decorrente do pagamento de juros indemnizatórios, pela AT) não retroaja ao momento da prática do ato de retenção na fonte (da responsabilidade do substituto tributário), porquanto, tratando‑se de uma situação de autoliquidação, só com a competente impugnação administrativa, atempada, os serviços da AT ficam em condições de conhecer e reparar uma cometida ilegalidade, sendo, a partir do momento em que não assumem a respetiva reparação, justificado o ressarcimento do sujeito passivo, decorrente de não receber e passar a dispor desde esse momento (que podia ter sido de viragem) do imposto indevidamente entregue ao Estado, através do mecanismo da substituição tributária.”

  1. No caso vertente, o Requerente apresentou, em 17 de abril de 2023, contra as retenções na fonte contestadas, reclamação graciosa quanto às relativas a 2021 e pedido de revisão oficiosa quanto às relativas a 2019 e 2020,. A AT deveria ter-se pronunciado sobre os mesmos no prazo de quatro meses (cf. artigo 57.º, n.º 1, da LGT), ou seja, até 17 de agosto de 2023, o que não sucedeu. 1
  2. No entanto, deve igualmente notar-se que, tal como tem vindo a ser entendido e o STA confirmou no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 16-11-2023, proferido no Processo n.º 40/19.6BALSB, os juros indemnizatórios devem contar-se somente a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa.
  3. Assim sendo, o Tribunal Arbitral determina que são devidos juros indemnizatórios:
    1. Sobre o montante de € 233.697,61, objeto do pedido da revisão oficiosa dos anos de 20019 e 2020 e deverão ser contados desde 17 de abril de 2024 até integral reembolso do referido montante ao Requerente (nos termos dos artigos 43/1/c) da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril);
    2. Sobre o montante de € 49.330,44, objeto do pedido de reclamação graciosa do ano de 2021 e deverão ser contados desde 17 de agosto de 2023 até integral reembolso do referido montante ao Requerente (nos termos dos artigos 43.º da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril).

 

  1. DECISÃO

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e consequentemente:

  1. Declarar ilegais e anular as retenções na fonte contestadas, no montante total de € 283.028,05, bem como os atos de indeferimento tácito da reclamação graciosa e do pedido de revisão oficiosa apresentados pelo Requerente contra as mesmas,
  2. Condenar a AT no reembolso do montante de € 283.028,05 ao Requerente,
  3. Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios:
  1. Sobre o montante de € 233.697,61, objeto do pedido da revisão oficiosa, contados desde 17 de abril de 2024 e até integral reembolso do referido montante ao Requerente;
  2. Sobre o montante de € 49.330,44, objeto do pedido de reclamação graciosa, contados desde 17 de agosto de 2023 e até integral reembolso do referido montante ao Requerente

tudo com as demais consequências legais.

 

VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 283.028,05.

 

CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.202,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida, em razão do decaimento.

 

Notifique-se.

 

CAAD, 30 de setembro de 2024    

 

Os árbitros,

 

Prof. Doutor Vitor Calvete (Presidente, vencido em parte, nos termos seguintes):

Votei vencido quanto ao conhecimento das questões que foram objecto de pedido de revisão oficiosa porque, como tenho entendido (em outros processos e em M. Porto/V. Calvete, “Sobre a revisão oficiosa dos actos tributários”, Estudos em Homenagem à Professora Doutora Maria da Glória Garcia, UCP Ed., Lisboa, 2023, pp. 1635 e ss.) nem a Requerente estava em condições de recorrer ao mecanismo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT (por não ser “contribuinte” e não estar em tempo), nem a desconformidade da legislação interna com o Direito da União – sendo, como é, um “erro do legislador” susceptível de gerar responsabilidade civil extra-contratual –, se pode reconduzir a um “erro imputável aos serviços” da AT. Demais, entendo que do indeferimento tácito de um oximórico “pedido de revisão oficiosa” não se pode retirar o que da sua decisão expressa nunca poderia resultar: o afastamento de lei interna vigente por invocação de uma suposta desconformidade com a Constituição ou com o Direito Europeu (a apurar necessariamente à margem do due process: sem contraditório, sem imparcialidade e sem possível controlo do Ministério Público ou recurso ao reenvio prejudicial). Quer dizer que importaria fazer um distinguo no âmbito da jurisprudência que se tem ocupado das ficções de indeferimento de “pedido de revisão oficiosa”: nos casos em que não está em causa uma errada determinação dos factos ou uma equivocada interpretação da lei – ie,  nos casos em que a lei não é o parâmetro mas sim a própria origem da desconformidade invocada, como acontece nas situações em que se invocam inconstitucionalidades ou desconformidades com o Direito da União – julgo que tais decisões da AT nunca poderiam comportar a apreciação da legalidade dos actos de liquidação (e, portanto, fossem elas expressas ou tácitas, nunca poderiam fundamentar a dispensa da reclamação graciosa para efeitos de credenciar a sua impugnação arbitral).

Vencido também quanto à atribuição de juros na parte em que admiti que fosse conhecido e deferido o pedido (a parte em que houve reclamação graciosa) – ou seja, no que corresponde à alínea b) do n.º 3 do decisório: nos termos do Acórdão do STA de 30 de Janeiro de 2019 (proc. 0564/18.2BALSB), e em estreita correspondência com o que me parece ser a exacta percepção do que pode constituir “erro imputável aos serviços”, entendo que nenhuns juros seriam devidos pela AT (sem prejuízo da reponsabilidade do legislador).

 

Victor Calvete

 

   

 

Fernando Miranda Ferreiro (árbitro Adjunto)

 

Manuel Faustino (árbitro Adjunto e Relator)