Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 109/2024-T
Data da decisão: 2024-09-06  Liquidação Outros 
Valor do pedido: € 354.737,06
Tema: Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR). Competência dos tribunais arbitrais. Legitimidade processual.
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DECISÃO ARBITRAL

 

SUMÁRIO:

 

1. A Contribuição de Serviço Rodoviário consubstancia um tributo que deve ser qualificado como imposto, pelo que, sob essa qualificação, os tribunais arbitrais têm competência para apreciar os correspondentes actos de liquidação.

2. A Requerente não suportou o encargo da Contribuição de Serviço Rodoviário por repercussão legal, pelo que carece de legitimidade processual para contestar a legitimidade dos actos de liquidação do identificado imposto (CSR), já que as facturas dos fornecedores de combustíveis não permitem atestar que a Requerente suporta, efectivamente, o tributo contra o qual reage.

 

I.       RELATÓRIO

1. No dia 25 de Janeiro de 2023, o  sujeito passivo A..., Unipessoal, Lda, titular do número único de pessoa coletiva ..., com sede em ... ..., Rua ..., n.º ..., ..., ...-... ..., veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar a legalidade dos actos de liquidação da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e dos consequentes atos de repercussão, no montante global € 354.737,06, referentes ao período de 19 de Junho de 2019 a 31 de Dezembro de 2022, e, bem assim, da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa contra eles deduzido em 30 de Junho de 2023, requerendo ainda o reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral apresentado pela Requerente em 25 de Janeiro de 2024, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente comunicado à Requerida que foi do mesmo notificada em 31 de Janeiro de 2024.

3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como Árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo o Professor Doutor Fernando Araújo, o Professor Doutor Luís Menezes Leitão e a Dra. Raquel Franco, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 3 de Abril de 2024, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar os Árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 3 de Abril de 2024.

4. Os fundamentos que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são em súmula, os seguintes:

4.1. As fornecedoras de combustível B..., S.A., C..., S.A., e D..., S.A. entregaram ao Estado, enquanto sujeitos passivos, os valores apurados nos actos de liquidação conjunta de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) e de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) com base nas Declarações de Introdução no Consumo por elas submetidas.

4.2. No período compreendido entre 19 de Junho de 2019 e 31 de Dezembro de 2022, a Requerente adquiriu 3.195.829,38 litros de gasóleo rodoviário, sendo que as fornecedoras de combustível repercutiram nas respectivas facturas a CSR correspondente a cada um dos consumos realizados, e, assim, por força das aquisições de combustível, a Requerente suportou, a título de CSR, a quantia global de € 354.737,06.

4.3. Assim, a Requerente deduziu no passado dia 30.06.2023, junto da Alfândega de Alverca do Ribatejo um pedido de promoção de revisão oficiosa com vista à anulação das referidas liquidações de CSR e dos consequentes atos de repercussão consubstanciados nas faturas emitidas pelas fornecedoras de combustíveis referentes ao gasóleo rodoviário, àquelas adquirido pela requerente, no período compreendido entre 19 de Junho de 2019 a 31 de Dezembro de 2022.

4.4. Sucede que, até à presente data, a Requerente não foi notificada, de qualquer decisão referente ao mencionado pedido de promoção de revisão oficiosa, em consequência verifica-se a presunção de indeferimento tácito das suas pretensões, pelo que, vem a mesma apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral com vista à obtenção da declaração de ilegalidade dos mencionados atos tributários e o reembolso dos montantes indevidamente pagos a esse título.

4.5. A Diretiva n.º 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, veio implementar o regime geral dos impostos especiais de consumo, e do seu artigo 1.º, n.º 2, resulta que os Estados Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e controlo do imposto.

4.6. Analisando essa questão, o Tribunal de Justiça, através do despacho de 7 de Fevereiro de 2022, proferido no caso Vapo Atlantic,  Processo n.º C-460/21, conclui que “o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que não prossegue “motivos específicos”, na acepção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários”.

4.7. Assim, tal como resulta, das decisões proferidas nos processos arbitrais n.º 564/2020-T, 304/2022-T e 305/2022-T, impõe-se concluir que, «a CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, não prossegue “motivos específicos”, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo especifico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental», consubstanciando, por conseguinte, todos os atos tributários praticados ao seu abrigo, designadamente os atos objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, uma violação do Direito da União Europeia.

4.8. E, consequentemente, os actos de repercussão das liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário impugnados, referentes ao período entre 19 de Junho de 2019 a 31 de Dezembro de 2022, padecem de vício de ilegalidade, por erro imputável aos serviços.

4.9. Por conseguinte, deve ser declarada a ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário e gasolina adquiridos pela Requerente no período compreendido entre 19 de junho de 2019 a 31 de dezembro de 2022, bem como das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pela respetiva fornecedora de combustíveis, determinando-se a sua anulação, com as demais consequências legais, designadamente, com o reembolso à Requerente de todas as quantias por esta suportadas a esse título, acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios.

5. Em 26 de Maio de 2024, após notificação à Requerida para apresentação de resposta, a mesma apresentou-a, bem como juntou o respectivo processo administrativo, invocando em síntese o seguinte:

5.1. Em primeiro lugar, a Autoridade Tributária, na sua resposta, suscita as excepções dilatórias da incompetência do tribunal em razão da matéria, a ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, ineptidão da petição inicial e caducidade do direito de acção.

5.2. Quanto à matéria de fundo, considera que a Requerente não logrou fazer prova de ter adquirido e pago combustível e suportado o encargo do pagamento da CSR por repercussão, sendo que, atento o disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, não incumbe à Requerida fazer a prova da não repercussão, nem é possível presumir a existência de repercussão quando, no caso, estamos perante uma repercussão meramente económica.

5.3. Por outro lado, baseando-se nos considerandos 33. e 34. do despacho do TJUE proferido no Processo n.º C-460/21, a Requerida entende que o TJUE não declarou a existência de desconformidade do regime da CSR com a Diretiva Europeia, e os objetivos que lhe estão subjacentes, analisados à luz da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, não são meramente orçamentais, mas visam a redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, que constituem o motivo específico da criação da contribuição.

5.4. Conclui no sentido da declaração de extinção da instância com base nas excepções dilatórias e peremptórias invocadas e, se assim se não entender, pela improcedência do pedido arbitral.

6. Por despacho de 31 de Maio de 2024, foi a Requerente notificada para exercer o direito ao contraditório sobre as excepções, o que esta veio a fazer em 11 de Junho de 2024, apresentando réplica, onde concluiu pela improcedência de todas as excepções e questões prévias suscitadas pela Requerida, requerendo ainda o reenvio prejudicial, caso subsistam dúvidas quanto à interpretação das disposições de Direito da União Europeia.

7. Por despacho arbitral de 18 de Junho de 2024, foi marcado prazo para alegações, tendo sido as mesmas juntas pelas partes, nas quais reiteraram as posições que tinham assumido nos articulados.

 

II. SANEAMENTO

8. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º a 3.º da n.º 112- A/2011, de 22 de Março (Portaria de Vinculação).

9. Para efeitos de saneamento do processo cumpre apreciar as excepções de:

— Incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria;

— Ilegitimidade processual e substantiva da Requerente;

— Ineptidão do pedido arbitral (por falta de objecto);

— Caducidade do direito de acção.

A apreciação dessas excepções será efectuada pela ordem supra identificada, a título prévio, logo após a fixação da matéria de facto provada e não provada.

 

III. FACTOS PROVADOS

10. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

10.1. No período compreendido entre 19 de Junho de 2019 e 31 de Dezembro de 2022, a Requerente adquiriu 3.195.829,38 litros de gasóleo rodoviário.

10.2. O combustível foi adquirido às empresas fornecedoras B..., S.A.,  C..., S.A., e D..., S.A..

10.3. As aquisições de combustíveis encontram-se documentadas nas facturas que constam dos documentos n.ºs 1 a 11 juntos ao pedido arbitral, que aqui se dão como reproduzidas.

10.4. Das facturas emitidas pelas empresas fornecedoras consta a designação do combustível, a quantidade adquirida, o valor líquido, a taxa de IVA aplicável, o valor de IVA pago e valor total a liquidar.

 

10.5. Em 30 de Junho de 2023, a Requerente apresentou, perante a Alfândega de Alverca, um pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação da Contribuição de Serviço Rodoviário, referente às referidas facturas de aquisição de combustível (documento n.º 12 junto ao pedido arbitral).

10.6. A Autoridade Tributária e Aduaneira não emitiu decisão quanto ao referido pedidos de revisão oficiosa no prazo legalmente cominado para o efeito, considerando-se por isso o pedido tacitamente indeferido.

 

IV- FACTOS NÃO PROVADOS:

11. Não se encontra provado que se tenha verificado a efectiva repercussão da Contribuição de Serviço Rodoviário na esfera jurídica da Requerente relativamente ao combustível adquirido às fornecedoras, no período de 19 de Junho de 2019 a 31 de Dezembro de 2022 e no montante de total de € 354.737,06.

 

V- FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA E NÃO PROVADA

12. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de seleccionar os factos que importa, para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artº 123º, nº 2 do CPPT e artigo 607º, nº 3, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. artigo 596º do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, bem como o processo administrativo e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados, bem como não provados os factos acima referenciados.

Para fazer a prova da repercussão, a Requerente limitou-se a juntar ao pedido arbitral, como documentos n.ºs 1 a 11, um conjunto de facturas de aquisição de combustível referentes no período de 19 de Junho de 2019 a 31 de Dezembro de 2022. No entanto essas facturas não evidenciam a repercussão da CSR no preço de venda, contendo apenas a menção do tipo de combustível e das quantidades adquiridas, do valor líquido, da taxa de IVA aplicável e do valor de IVA pago, nada permitindo concluir se houve lugar ao pagamento do imposto por repercussão e qual tenha sido o montante apurado a esse título.

Acresce que a Requerente não cumpriu o critério a observar na prova da repercussão da CSR, tal qual fixado pelo TJUE no despacho Vapo Atlantic, proferido em 7 de Fevereiro de 2022, no processo n.º C-460/21. Ao que aqui importa, referiu aquele Tribunal o seguinte:

“(…) ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C-147/01, EU:C:2003:533, n.º 96).

45 Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção (Acórdão de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C-192/95 a C-218/95, EU:C:1997:12, n.ºs 25 e 26).

46 O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C-441/98 e C-442/98, EU:C:2000:479, n.º 42). (…)

48 Nestas condições, há que responder à segunda e terceira questões que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros e, consequentemente, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo.”. (destaque nosso)

Da aplicação da jurisprudência do TJUE ao presente caso resulta que a repercussão da CSR sobre terceiros – que não decorre de qualquer imposição legal prevista na Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que instituiu a CSR, sendo tão só “expectável” perante o regime e funcionamento deste tributo –, não pode ser em qualquer caso presumida.

O que é compreensível, se se tiver em consideração que a repercussão opera aqui como um fenómeno económico, com uma configuração e amplitude variáveis. Como explica SÉRGIO VASQUES:

“A repercussão (…) pod[e] operar por mais que uma forma sobre os preços. A forma mais comum é a da repercussão descendente, que se verifica quando o vendedor soma o tributo ao preço de um bem, fazendo com que o comprador o suporte: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes sobem o preço na mesma medida, fazendo com que os consumidores o suportem. A repercussão transversal verifica-se quando o vendedor soma o tributo ao preço de um bem diferente daquele que é onerado pelo tributo: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes diluem esse aumento através do agravamento do preço da generalidade das bebidas alcoólicas. Enfim, a repercussão ascendente verifica-se quando o vendedor subtrai o tributo ao preço de um bem de que é comprador, obrigando os fornecedores a suportar-lhe o peso económico: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes obrigam as empresas cervejeiras a baixar o preço nessa mesma medida.

A repercussão constitui um fenómeno que depende em larga medida das condições económicas que rodeiem uma transacção”. [Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2019, p. 399].

Consequentemente, a ocorrência do fenómeno de repercussão descendente não pode simplesmente ser presumida por mais que tenha sido querida na lógica de funcionamento do tributo. Ao invés, impõe-se uma análise do contexto e dos vários factores que conformam cada transação comercial para daí extrair a conclusão de que o encargo da CSR foi total ou parcialmente “repassado” ao longo dos vários intervenientes do circuito económico até atingir o consumidor final. É que, conforme se referiu, a Requerente não demonstrou que suportou em definitivo o encargo da CSR, ou seja, que no preço dos serviços que presta aos seus clientes não estava contemplada a repercussão da CSR, por forma a poder sustentar que suportou, de forma efetiva, o encargo do imposto.

Ora, este exercício de prova não foi realizado pela Requerente, que se limitou a estabelecer meros juízos presuntivos de que suportou a CSR em virtude de uma suposta – embora inexistente – obrigação legal de repercussão do encargo daquele tributo.

Acresce que mesmo que a Requerente tivesse demonstrado a liquidação e repercussão da CSR, sempre inexistiriam elementos nos autos que permitam certificar que o encargo da CSR se cristalizou na sua esfera jurídica, isto é, que foi a Requerente a entidade que em última instância foi onerada com o tributo em causa, porquanto não incorporou o seu custo no preço do serviços prestados aos seus clientes que podem situar-se no circuito ou cadeia económico-comercial como os verdadeiros consumidores finais.

Por fim, regista-se que não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, que apesar de serem apresentadas como factos, consistem em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

VI. MATÉRIA DE DIREITO

— Questão prévia: incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria

13. Quanto à competência deste Tribunal, impõe-se em primeiro lugar aferir se, em termos gerais, o pedido formulado pela Requerente é arbitrável, isto é, se a apreciação de pretensões referentes à CSR se encontra ou não inserida no âmbito de competência material da arbitragem tributária.

A competência dos Tribunais Arbitrais é delimitada no RJAT nos seguintes termos:

“Artigo 2.º

Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável

1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”. (negrito nosso)

Este âmbito material é, por sua vez, circunscrito na Portaria de Vinculação, nos seguintes termos:

Artigo 2.º

Objecto da vinculação

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;

e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.” (negrito nosso)

Ainda que a conjugação das referidas normas jurídicas não apresente uma resposta incontestável quanto à arbitrabilidade de atos de liquidação de contribuições, que parecem ter sido em parte excluídos do âmbito material da arbitragem tributária pela Portaria de Vinculação, o que tem reflexo na jurisprudência arbitral que não é uniforme nesta matéria, o certo é que resulta incontroversa a inclusão no âmbito da competência material dos Tribunais Arbitrais a apreciação da legalidade de actos de liquidação de impostos.

Para o efeito de se responder a esta questão, torna-se necessário qualificar a CSR enquanto “contribuição” ou “imposto”, para daí extrair as necessárias consequências quanto à competência material deste Tribunal Arbitral. Esta análise tem sido amplamente discutida e desenvolvida pela jurisprudência, que importa aqui considerar em cumprimento do desiderato de interpretação e aplicação uniforme do direito que emana do artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil.

Nas decisões arbitrais proferidas, entre outras, nos processos n.ºs 508/2023-T e 520/2023-T, a CSR foi qualificada como uma contribuição, o que levou aqueles Tribunais Arbitrais a julgar procedente a excepção de incompetência material. No acórdão proferido em 16 de Novembro de 2023, no processo n.º 520/2023-T, referiu-se a este respeito o seguinte:

(…) nem se pode aceitar, à face da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), que fosse atribuída à CSR a designação de «contribuição» se legislativamente se pretendesse que ela fosse considerada como um «imposto» e não como uma das «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas» a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e o artigo 3.º, n.º 2, da LGT. A expressão do pensamento em termos adequados faz-se necessariamente através da expressão correcta e não uma outra que o dissimule.

Assim, em boa hermenêutica, é de concluir que o artigo 2.º da Portaria n.º 112- A/2011, quando se refere a «impostos», está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação (como, por exemplo, o IVA, o IRC e o IRS) e àqueles que, embora tenham outra designação, a própria lei explicitamente considera «impostos» (como sucede com as «contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», que o n.º 3 do artigo 4.º da LGT identifica e expressamente considera «impostos»). E, paralelamente, aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas», que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir que devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos.

No caso da CSR, é manifesto que não se está perante uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no n.º 3 do artigo 4.º da LGT, pois não assenta «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», pelo que não há suporte literal mínimo para que seja considerada, na perspectiva legislativa, um dos «impostos» a que alude o artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011”.

Em sentido contrário, pronunciaram-se os Tribunais Arbitrais nas decisões proferidas nos processos n.ºs 564/2020-T, 629/2021-T, 304/2022-T, 305/2020-T, 644/2022-T, 665/2022-T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T e 410/2023-T, que qualificaram a CSR como imposto e, consequentemente, consideraram-na arbitrável. Para o efeito, o acórdão proferido no âmbito do processo n.º 644/2022-T, de 24 de Outubro de 2023, decidiu no seguinte sentido:

“Afigura-se a este tribunal que a CSR, não obstante um nomen iuris que pareceria integrá-la na categoria das “contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (art. 165º, 1, i) da CRP), preenche todos os requisitos de conteúdo pecuniário, carácter coactivo, unilateralidade, definitividade, ausência de cariz sancionatório, tendo como credor o Estado ou outros entes públicos, e a afectação à realização de fins públicos – que definem um imposto. Essa qualificação não se modifica pela circunstância de surgirem algumas correspectividades como a da obtenção de receitas para financiamento da utilização de vias públicas – pois as contribuições que assentam no especial desgaste de bens públicos são impostos, como estabelece o art. 4º, 3 da LGT. Falta à CSR o carácter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou colectiva que é necessária à contribuição financeira. O seu regime não determina, para o sujeito activo respectivo, qualquer dever de prestar específico, qualquer contraprestação exigível pelo contribuinte, o que significa que tem o carácter unilateral de um verdadeiro imposto (quando muito, alguma “paracomutatividade”, referente à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários – mas não a correspectividade bilateral estrita de uma taxa, sem uma contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo, como sucede numa taxa).

Basta percebermos que, enquanto a CSR é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal (inicialmente, Estradas de Portugal), sendo esta a entidade titular da correspondente receita, os sujeitos passivos da contribuição são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários, e, portanto, não são os destinatários da actividade da Infraestruturas de Portugal. Na sua concepção, a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos, e é devida pelos sujeitos passivos do ISP, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo.

Trata-se, assim, de um imposto de receita consignada (a consignação, desacompanhada de qualquer comutatividade, não subverte a sua natureza), e esta conclusão reforça-se com a posição veiculada pelo Tribunal de Contas na Conta Geral do Estado de 2008 (…)

Lembremos, por fim, que a CSR nasceu, com a Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, como um mero desdobramento do ISP, e, sobre este último, nem o nomen iuris permite dúvidas sobre a respectiva natureza.

Não há, nesse ponto, qualquer paralelo entre a CSR e a CESE (Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético), relativamente à qual uma decisão arbitral (Proc. n.º 714/2020-T) entendeu procedente a excepção de incompetência ratione materiae. A CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é tida como uma contribuição extraordinária cuja receita é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, tendo por base, portanto, uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou colectivas que integram o sector energético nacional, o que configura uma bilateralidade genérica ou difusa – que pura e simplesmente não encontramos na CSR.”.

Assim sendo, cabendo tomar posição sobre a querela jurídica, este Tribunal Arbitral subscreve e acompanha a jurisprudência maioritária que qualifica a CSR como um imposto, uma vez que este corresponde a um tributo que efetivamente não reúne as características de bilateralidade difusa e de responsabilidade de grupo inerente às contribuições. Consequentemente, nem se revela necessário indagar se as contribuições se inserem ou não no âmbito material da arbitragem, uma vez que resulta incontroverso do RJAT e da Portaria de vinculação que tal âmbito abrange a apreciação da legalidade de questões referentes a impostos.

Apesar de, em termos gerais, as matérias referentes à CSR serem arbitráveis, para se concluir pela competência material do Tribunal Arbitral é ainda necessário analisar e confrontar os concretos pedidos formulados pela Requerente com a delimitação que resulta do RJAT e da Portaria de Vinculação.

No pedido de pronúncia arbitral a Requerente peticionou, por um lado, a declaração de “(...) a ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário adquiridos pela requerente no período compreendido entre maio de 2019 e dezembro de 2022” e, por outro lado, a declaração de ilegalidade “(...) das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira com base nas DIC submetidas pela respetiva fornecedora de combustíveis”.

Em face do conteúdo do pedido apresentado pela Requerente, é notório que não assiste razão à Requerida quando sustenta que a Requerente questiona a desconformidade jurídico-constitucional do regime da CSR como um todo, peticionando a suspensão da eficácia de ato legislativo emanado pela Assembleia da República no exercício das suas competências. Tal pedido não foi definitivamente formulado pela Requerente, pelo que improcedem quaisquer desconformidades que lhe pudessem ser assacadas.

No que concerne à análise do primeiro pedido, cumpre referir que a apreciação da legalidade de actos de repercussão de CSR extravasa o âmbito material da arbitragem tributária, tal como se decidiu no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 375/2023-T, de 15 de Janeiro de 2024, em que se entendeu que:

Em relação aos “atos de repercussão” impugnados, o Tribunal não pode conhecer dos mesmos, pois não são actos tributários, não estando prevista a sua sindicabilidade (vd. Art. 2.º do RJAT). No entanto, como foram, em simultâneo, contestados pelas Requerentes os actos de liquidação de CSR, é sobre estes que recai a pronúncia do Tribunal” (negrito nosso)

Os actos de repercussão materializam “um fenómeno que consiste na transferência do peso económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo e com quem este está em relação, através da sua integração no preço de um qualquer bem”, tal como evidencia SÉRGIO VASQUES, ob. cit., p. 399. Este fenómeno não se subsume a nenhuma das realidades visadas pelo artigo 2.º do RJAT anteriormente transcrito, que determina que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de actos de liquidação (alínea a) do n.º 1) e de actos de fixação da matéria tributável/matéria colectável/valores patrimoniais na eventualidade de não terem originado qualquer ato de liquidação (alínea b) do n.º 1).

Com efeito, independentemente da posição que se adopte sobre a natureza jurídica dos actos de repercussão, quanto a se saber se são actos que integram uma relação jurídico-tributária complexa ou se são um fenómeno económico de natureza estritamente privada, é certo é que aqueles não são actos tributários em sentido lato, porque não envolvem o apuramento da matéria colectável/tributável através da aplicação de uma norma tributária substantiva a um caso concreto e muito menos atos tributários de liquidação stricto sensu, que tornam certa, líquida e exigível a obrigação tributária através da operação aritmética de aplicação da taxa legal à matéria tributável previamente determinada (Neste sentido, vide SERENA CABRITA NETO e CARLA CASTELO TRINDADE, Contencioso Tributário, vol. I, Almedina, 2017, p. 278).

Este é o entendimento que vem sendo seguido pela jurisprudência, que se pronunciou sobre esta questão nos processos arbitrais n.º 296/2023-T, 375/2023-T, 332/2023-T e 408/2023-T. A título de exemplo, no acórdão proferido em 1 de Fevereiro de 2024, no processo n.º 296/2023-T, decidiu-se que:

 “Como os Colectivos que decidiram os processos n.ºs 408/2023-T e 375/2023-T, o presente Tribunal arbitral entende que não tem competências para apreciar directamente – e sem mais – actos de repercussão. Ainda que se possam integrar numa relação tributária complexa, tais actos ocorrem a jusante dos actos de liquidação e a competência que o legislador atribuiu aos tribunais arbitrais esgota-se – no que ao caso importa – na sindicância dos actos de liquidação. Isso decorre directamente das normas legais, mas corresponde também ao ensinamento da doutrina: Alberto Xavier, distinguindo a substituição tributária da repercussão, escrevia que nesta temos “um devedor de imposto, que é do mesmo passo contribuinte, e um terceiro que não desempenha qualquer papel na obrigação tributária.”

Para Leite de Campos/Benjamim Rodrigues/Lopes de Sousa, entre o terceiro repercutido “e o sujeito activo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do sujeito activo. A sua obrigação não nasce da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de o sujeito passivo de repercutir e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito. Daqui decorre, nomeadamente, que as relações entre o sujeito passivo e o repercutido inadimplente se regem pelo Direito privado.”

Sendo isso assim em tese geral, face ao elenco das competências dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, e que constam dos artigos 2.º a 4.º do RJAT, nem sequer é preciso discutir a natureza jurídica desses actos de repercussão porque, qualquer que seja, não estão contemplados na única potencial norma atributiva de competência a este Tribunal: a da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT: “A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;”. Quer dizer que este Tribunal se declara liminarmente incompetente para apreciar o primeiro pedido da Requerente (declarar a ilegalidade dos actos de repercussão da CSR consubstanciados nas facturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pela Requerente).”.

Portanto, há que declarar o presente Tribunal Arbitral incompetente, em razão da matéria, para conhecer o pedido de apreciação da legalidade de actos de repercussão de CSR, impondo-se a absolvição parcial da Requerida da instância quanto a este concreto pedido, em conformidade com o disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea a) todos do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

Em sentido oposto, e sem necessidade de mais valorações, reconhece-se o presente Tribunal Arbitral competente para apreciar o segundo pedido formulado pela Requerente, de declaração de ilegalidade das liquidações de CSR dirigidas às sociedades fornecedoras de combustíveis, porque subsumível ao âmbito material previsto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. Saber se tal impugnação pode ser feita pela Requerente, na qualidade de (alegada) repercutida, ou apenas pelas fornecedoras de combustíveis, enquanto sujeitos passivos primários a quem foi (alegadamente) liquidada e por quem foi (alegadamente) paga a CSR, é uma questão que não releva para efeitos de determinação de competência, mas tão só para efeitos de apuramento de legitimidade, pelo que será nessa sede apreciada.

 

Questão prévia: ilegitimidade processual

14. Não consta do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) a regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso, cuja conformação jurídica tem, assim, de proceder do Direito subsidiariamente aplicável, por via da aplicação do artigo 29.º, n.º 1 do RJAT, que remete para as disposições legais de natureza processual do Código de Processo e de Procedimento Tributário (“CPPT”), do CPTA e do CPC.

Da regra geral do direito processual, constante do artigo 30.º do CPC, resulta que é parte legítima quem tem “interesse directo” em demandar, sendo considerados titulares do interesse relevante, para este efeito, na falta de indicação da lei em contrário, “os sujeitos da relação controvertida”. A mesma regra é reproduzida no processo administrativo, que confere legitimidade activa a quem “alegue ser parte na relação material controvertida” (v. artigo 9.º, n.º 1 do CPTA).

A legitimidade no processo é, pois, recortada pelo conceito central de “relação material” que, no âmbito fiscal, há de ser uma relação regida pelo Direito Tributário, à qual subjaz um acto tributário, cujo sujeito passivo é delimitado no artigo 18.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária (“LGT”), como “a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.”.

No domínio tributário, a legitimidade não pode deixar de ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares ou coletivas e entidades equiparadas (vide artigo 1.°, n.º 2, da LGT).

Do CPPT resulta a existência de uma norma específica sobre a legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (vide artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT). No mesmo sentido, ainda que se refira somente à legitimidade no procedimento, a LGT determina no seu artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.”. E o artigo 78.º da LGT assegura a mesma posição de legitimidade ou ilegitimidade conferida pelas regras gerais sobre o tema.

Em relação aos responsáveis (sujeitos passivos não originários, tal como os substitutos), o legislador teve a preocupação de justificar a razão pela qual lhes é concedida legitimidade processual.

Quanto aos responsáveis solidários, deriva “da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal” (vide artigo 9.º, n.º 2 do CPPT), enquanto no que respeita aos responsáveis subsidiários, está associada ao facto “de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários” (vide artigo 9.º, n.º 3 do CPPT). Em ambas as situações, apesar de não corresponderem à figura do sujeito passivo originário, constitui-se uma relação jurídico-tributária entre estas categorias de sujeitos passivos derivados e o credor tributário Estado, que encerra prestações – principais (de pagamento da obrigação tributária) e acessórias, o que sucede igualmente com o substituto.

In casu, a Requerente invoca a qualidade de repercutido legal para deduzir a acção arbitral. Nesse contexto, SÉRGIO VASQUES, afirma que “se o repercutido estará à margem da relação tributária, não estará por isso à margem do direito.” (vide Manual de Direito Fiscal, 2.ª ed., p. 401), referindo que a LGT lhe reconhece o direito “à reclamação, recurso, impugnação ou pronúncia arbitral”.

Contudo, importa começar por referir que a figura do repercutido não se enquadra na categoria de sujeito passivo, nos termos do citado artigo 18.º, n.º 3 da LGT, pelo que, não sendo parte em contratos fiscais, a legitimidade, neste caso, só pode advir da comprovação de que é titular de um interesse legalmente protegido (vide artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).

Apesar de o repercutido não ser sujeito passivo, a alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, pressupõe que assiste o “direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias” a quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”, estendendo a posição jurídica adjetiva ao repercutido (apesar de não o considerar sujeito passivo), na condição de estarmos perante um caso de “repercussão legal”. A lei implica desta forma que o repercutido legal é titular de um interesse legalmente protegido, condição exigida para que possa intervir em juízo (vide artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).

Conforme resulta da jurisprudência do CAAD, entre outros, do acórdão 296/2023-T, de 1 de Fevereiro de 2024:

Qualquer que seja a posição a adoptar em tese geral – e, salvo disposição legal em contrário, não há razões para pôr em causa a possibilidade de os contribuintes de facto serem admitidos a invocarem perante os Tribunais, incluindo arbitrais, a ilegalidade dos impostos que efectivamente pagaram –, tem de se ter em conta o quadro legislativo, e este foi invocado pela AT na sua Resposta para pôr em causa a possibilidade de a repercutida poder vir pedir a revisão de liquidações que lhe eram alheias. (...)”

Neste âmbito, JORGE LOPES DE SOUSA, refere que:

nos casos de repercussão legal do imposto, apesar de aquele que suporta o encargo do imposto não ser sujeito passivo, é-lhe assegurado o direito de reclamação, recurso e impugnação [artigo 18. °, n.º 4, da LGT]. São casos de repercussão legal os do IVA e dos impostos especiais de consumo, pois, em face do (…) respetivo regime legal, a lei exige o pagamento dos tributos aos intervenientes no processo de comercialização dos bens ou serviços, visando fazer com que eles venham a ser pagos pelos consumidores finais, que são os titulares da capacidade contributiva que se pretende tributar.” (vide Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª edição, 2011, I volume, p. 115).

é de considerar ser titular de um interesse suscetível de justificar a intervenção no procedimento tributário quem possa ser diretamente afetado pelo que nele possa vir a ser decidido, inclusivamente quando esteja em causa uma mera situação de vantagem derivada do ordenamento jurídico, o que será a interpretação que melhor se compagina com o direito constitucionalmente garantido de participação dos cidadãos nas decisões que lhes disserem respeito (art . 267.°, n.° 5, da CRP), como tal se tendo de considerar, necessariamente, todas as que tenham repercussão direta na sua esfera jurídica.” (vide Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª edição, 2011, I volume, p. 120).

Ora, a verdade é que a CSR não constitui um caso de repercussão legal.

A Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que instituiu a CSR não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, nem sequer, adiante-se, de repercussão meramente económica, isto, sem prejuízo de ser um dado que, em princípio, as empresas repassam nos preços praticados os gastos em que incorrem, independentemente da sua natureza (e, portanto, incluindo os gastos tributários), por forma a concretizarem o objetivo lucrativo que preside à sua criação e manutenção (vide artigos 22.º do Código das Sociedades Comerciais e 980.º do Código Civil).

Infere-se do articulado da Requerente que esta legitima a sua intervenção processual do facto singelo de lhe ter sido repercutida a CSR pelas empresas fornecedoras de combustíveis, caracterizando-se como um consumidor de combustíveis, sobre o qual recai, nos termos da lei, o encargo daquele tributo.

Contudo, a repercussão económica não é, por si só, atributo de legitimidade processual, pois o artigo 9.º do CPPT requer a demonstração de um interesse legalmente protegido, i.e., que mereça a tutela do direito substantivo. Além de que a Requerente não tem a qualidade de consumidor de combustíveis, no sentido de consumidor final sobre o qual recai ou deve recair o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”). Na verdade, o combustível adquirido é um factor de produção no circuito económico, pelo que se a CSR, conforme alega a Requerente, se destina a ser suportada pelo consumidor, à partida esta não faz parte das entidades potencialmente lesadas, que são os consumidores e não os operadores económicos.

Nos termos da lei que prevê a CSR, não existe qualquer referência sobre quem deve recair o encargo do tributo do ponto de vista económico, pelo que é errónea a afirmação da Requerente de que é sobre si que recai tal encargo. Basta atentar, para esta conclusão, no artigo 5.º, n.º 1 da citada lei: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.”. Assim, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma, pelo que o artigo 5.º, n.º 1, não remete para o artigo 2.º do CIEC (que prevê a repercussão legal nos impostos especiais sobre o consumo), mas apenas para as normas desse código que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo.

Como salienta o acórdão do CAAD, de 8 de Janeiro de 2024, proferido no âmbito do processo 408/2023-T, com o qual se concorda:

“1. A Lei n.º 55/2007 define o sujeito passivo e devedor da CSR, mas não contém qualquer regra de repercussão legal, nem se pronuncia sobre a sua repercussão económica;

2. A Requerente não é consumidor final, o que significa que os gastos em que incorre são presumivelmente, de acordo com as regras da experiência comum, repercutidos no elo subsequente do circuito económico até atingirem os consumidores finais, esses sim, onerados com o encargo económico do imposto e demais gastos incorridos na produção dos bens e serviços;

3. Se a CSR foi economicamente repercutida pelos distribuidores de combustíveis à Requerente, não há razões para crer que esta, no exercício de uma atividade económica que visa o lucro e dentro dessa racionalidade, não tenha também repassado de alguma forma o encargo da CSR, no todo ou em parte, para os seus clientes, que nem sequer são os consumidores finais (os próprios clientes)”.

Ora, não sendo a Requerente o sujeito passivo da CSR, nem repercutido legal desta contribuição, não lhe assiste legitimidade processual, a menos que, como interessada, alegue e demonstre factos que suportem a aplicação da norma residual atributiva de legitimidade, i.e., que evidencie um interesse direto e legalmente protegido na sua esfera, passível de justificar a faculdade de demandar a Requerida em juízo, ónus que sobre si impende.

Contudo, o único facto que a Requerente alega para este efeito é o de lhe ter sido repercutida a CSR. Qualifica esta repercussão, erradamente, como legal, que, a ser “legal”, sempre teria de constar de uma norma com essa natureza, a qual, porém, não existe.

Também não tem qualquer pertinência a equiparação que a Requerente pretende estabelecer entre a CSR e o Imposto do Selo que tanto pode incidir sobre o sujeito passivo originário (em relação ao qual se verifica a capacidade contributiva) como sobre outra entidade. Neste último caso, como sucede de forma paradigmática com as operações financeiras, a doutrina e jurisprudência têm qualificado o fenómeno como substituição tributária sem retenção (vide, a título de exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25 de Março de 2015, processo n.º 01080/13).

Conforme atrás referido, o substituto é uma espécie do género “sujeito passivo”, logo dispõe de legitimidade activa para demandar o Estado, além de que, à semelhança do IVA, a liquidação do imposto é perfeitamente controlável através da documentação emitida, pois, nos termos do artigo 23.º, n.º 6 do Código do Imposto do Selo, “nos documentos e títulos sujeitos a imposto são mencionados o valor do imposto e a data da liquidação, com exceção dos contratos previstos na verba 2 da tabela geral [arrendamento e subarrendamento], cuja liquidação é efetuada nos termos do n.º 8.”.

Acresce que, sem prejuízo de a CSR ter sido consagrada como “contrapartida” da utilização da rede rodoviária nacional, a lei não indica ou sequer sugere sobre quem é que deve constituir encargo, contrariamente ao que a Requerente afirma. Na realidade, a Requerente é tão-só um cliente comercial dos sujeitos passivos que liquidaram a CSR.

Portanto, tal como foi afirmado no acórdão do CAAD, de 8 de Janeiro de 2024, proferido no âmbito do processo 408/2023-T:

Não integra, nem é parte da relação tributária, nem é repercutido legal. Também não se descortina, nem disso foi feita prova, que tenha sido a Requerente a suportar economicamente o imposto, para o que seria necessário demonstrar duas vertentes cumulativas:

− Que a CSR foi repercutida à Requerente, qual o montante e em que períodos;

− Que, por sua vez, o preço dos serviços de transportes que presta aos seus clientes não comportam a repercussão de CSR e em que medida, por forma a poder sustentar que suportou de forma efetiva o encargo do imposto”.

Conforme anteriormente referido, a Requerente limitou-se a juntar facturas dos seus fornecedores de combustíveis, que estão longe de conter os elementos concretos indispensáveis à comprovação do acima exposto. Posto isto, a Requerente não logrou, por isso, atestar que suportou o tributo contra o qual reage. E esta seria, segundo entendemos, a única forma de lhe poder ser reconhecida a legitimidade residual para a presente acção arbitral, tendo em conta que não é sujeito passivo, nas diversas modalidades que o conceito acomoda, nem repercutido legal da CSR.

Igualmente, como acima referido, e tal resulta dos acórdãos do CAAD, de 8 de Janeiro de 2024 e de 1 de Fevereiro de 2024, proferido no âmbitos dos processos n.ºs 408/2023-T e 296/2023-T, compreende-se que o legislador não tenha adoptado um conceito irrestrito de legitimidade activa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura suscitaria, quer na ligação entre o acto de liquidação do imposto, a determinação da sua efectiva repercussão (económica) e a determinação do seu quantum; quer ainda no potencial desdobramento/duplicação de devoluções de imposto indevidas: simultaneamente ao sujeito passivo e aos múltiplos repercutidos económicos da cadeia de valor.

Isto é, o mesmo imposto poderia ser restituído a diversos intervenientes, de forma dificilmente controlável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.

Por fim, em cumprimento do desiderato do Direito nacional e da União Europeia, não se diga que a Requerente ficou desprovida de tutela, pois nada impede o ressarcimento, através de uma acção civil de repetição do indevido instaurada contra os seus fornecedores, se reunir os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de Outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (pontos 24 a 29). Nesta perspetiva, está acautelada a observância do princípio fundamental da tutela jurisdicional efectiva (vide artigo 20.º da Constituição).

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel (correspondente ao atual Imposto sobre Veículos), que o adquirente não tem legitimidade para impugnar a respetiva liquidação, precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal (vide Acórdão de 1 de outubro de 2003, processo n.º 0956/03).

Em suma, à face do exposto deve julgar-se verificada a exceção de ilegitimidade da Requerente, constituindo uma excepção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o Tribunal conheça a questão de fundo e demais questões suscitadas, com a consequente absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.

A título conclusivo, em resultado da apreciação das questões prévias referentes à incompetência em razão da matéria e à ilegitimidade processual, o presente Tribunal arbitral é incompetente para se pronunciar sobre o primeiro pedido da Requerente (porque não pode pronunciar-se sobre actos subsequentes aos (e autónomos dos) actos de liquidação), e resultando da lei que a Requerente é parte ilegítima para suscitar o segundo (questionar os actos de liquidação da CSR que pudessem ter alguma ligação com os ditos actos de repercussão), conclui-se que a Requerida terá de ser absolvida da instância, ficando prejudicados todos os passos seguintes no iter cognoscitivo acima delineado.

Não se opinando sobre o mérito, fica igualmente prejudicado o conhecimento dos pedidos de “restituição” e de pagamento de juros indemnizatórios, bem como o pedido de reenvio prejudicial.

 

 VII. DECISÃO

15. Termos em que, com os fundamentos de facto e de direito que supra ficaram expostos, decide o Tribunal Arbitral:

— Considerar o presente Tribunal Arbitral incompetente para se pronunciar sobre o pedido de declaração de “ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário e gasolina adquiridos pela requerente no período compreendido entre 19 de Junho de 2019 e 31 de dezembro de 2022”.

— Considerar o Tribunal Arbitral competente para apreciar o pedido de declaração de ilegalidade e anulação das liquidações de CSR praticadas pela AT com base nas DIC submetidas pelas respetivas fornecedoras de combustíveis.

— Considerar a Requerente parte ilegítima para suscitar a declaração de ilegalidade “(...) das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira com base nas DIC submetidas pela respetiva fornecedora de combustíveis”.

Em consequência, absolver a Requerida da instância, condenando a Requerente nas custas, nos termos abaixo fixados.

 

 

VALOR DO PROCESSO

Fixa-se ao processo o valor de 354.737,06 (trezentos e cinquenta e quatro mil setecentos e trinta e sete euros e seis cêntimos) de acordo com o disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º- A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicáveis por força do que se dispõe no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2 do RCPAT.

 

 

CUSTAS

Custas no montante de € 6.120,00 (seis mil, cento e vinte euros), a cargo da Requerente, por ter sido total o seu decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com os artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT, e 527.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 6 de Setembro de 2024

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

(Fernando Araújo)

(Estou de acordo com o sentido último da decisão, com a ressalva de que tenderia a apreciar a ineptidão do pedido antes da excepção de ilegitimidade, e entendo verificar-se ineptidão por ininteligibilidade do pedido, dado que, na ausência de uma repercussão formalizada, ao estilo do IVA, não é possível identificar as liquidações de CSR às quais corresponderiam – a existir repercussão – as facturas dadas como prova, pelo que o acto impugnado não está satisfatoriamente identificado, em violação dos arts. 10º, 2, b) do RJAT, 108º do CPPT e 78º do CPTA. Isso acarretaria a consequência da nulidade de todo o processo, constituindo uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, geradora da absolvição da instância, nos termos dos arts. 193º, 1, 493º, 1 e 2, 494º, b) e 495º do CPC).

 

 

O Árbitro vogal

 

 

(Luís Menezes Leitão)

 

O Árbitro vogal

 

 

(Raquel Franco)

(Acompanho o sentido final da decisão, mas teria adotado fundamentos diferentes dos que foram adotados pelo Tribunal. Considero verificada a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral, por entender que existem motivos para se considerar a CSR como contribuição financeira e não como imposto e, adicionalmente, por considerar que os tributos que se enquadram nesta última categoria se encontram excluídos do âmbito material da competência dos tribunais constituídos junto do CAAD. Por outro lado, quanto à questão da legitimidade, entendo que as entidades utilizadoras da rede rodoviária nacional, que suportam o encargo tributário da CSR por efeito da repercussão, têm legitimidade processual para impugnar judicialmente os atos de liquidação que incidam sobre combustíveis que tenham adquirido, como meio de reação contra a ilegalidade da repercussão e que, nos termos do disposto no artigo 9.º, n.º 1, do CPTA, subsidiariamente aplicável, e da correspondente disposição do artigo 30.º, n.º 3, do CPC, a legitimidade processual é aferida pela relação jurídica controvertida tal como é apresentada pelo autor. Deste modo, há que atender à relação jurídica tal como o autor a apresenta e configura, isto é, à pretensa relação jurídica, e não à relação jurídica material, tal como ela se constituiu na realidade, sendo por isso indiferente, segundo se entende, para a verificação da legitimidade, a questão de saber se o direito existe na titularidade de quem o invoca ou contra quem é feito valer, matéria que diz antes respeito à questão de fundo e que poderá, quando muito, determinar a improcedência da ação (cfr. Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Coimbra, 1999, págs. 45 e ss.). Recordando a norma contida no artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, assim como a regra geral do artigo 9.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”, entendo que, ainda que se considere que a situação do caso não corresponde a repercussão legal, mas a mera repercussão económica ou de facto, não pode deixar de considerar-se que a entidade que suporta o imposto no âmbito da cadeia de comercialização dispõe de legitimidade para impugnar o ato de liquidação com fundamento em ilegalidade.)