Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 113/2024-T
Data da decisão: 2024-09-19   Outros 
Valor do pedido: € 79.752,16
Tema: Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR); competência dos tribunais arbitrais; legitimidade
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SUMÁRIO:

  1. A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) é um tributo que se qualifica como “imposto” e não como “contribuição”, pelo que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar matérias a ela respeitantes.
  2. Os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de atos de liquidação de CSR.
  3. A Requerente não suportou o encargo da CSR por repercussão legal, pelo que carece de legitimidade processual para contestar a legalidade dos atos de liquidação daquele imposto.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO

 

            1. A... UNIPESSOAL, LDA., NIPC..., com sede na ..., n.º..., ...-... ... (“Requerente”), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º-A, n.º 2, e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, apresentado em 3 de julho de 2023, junto da Alfândega do Jardim do Tabaco, relativo às liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) refletidas nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente no período compreendido entre Abril de 2019 e Dezembro de 2022, aqui identificadas:

 

 

 

 

            2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral apresentado pela Requerente em 30 de janeiro de 2024, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.

 

            3. No pedido arbitral a Requerente invocou, em síntese, que:

  • No caso em apreço, a Requerente pretende que o tribunal arbitral aprecie a legalidade dos atos de liquidação de CSR (cfr. tabela junta como Doc. 2 e correspondentes faturas), atos que são objeto da arbitragem tributária, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/20211, de 22 de março.
  • Nos anos de 2019 a 2022, e no exercício da sua atividade comercial anteriormente descrita, a Requerente adquiriu ao fornecedor B..., S.A., com o número único de matrícula e de identificação fiscal... e sede na Rua ..., ..., ...-... Lisboa, produtos energéticos e petrolíferos, no montante total de € 1.054.936,88.
  • Tais produtos energéticos e petrolíferos estiveram sujeitos a impostos e demais encargos dos quais se destaca a CSR, a qual foi repercutida à Requerente, no montante de € 79.752,16 no período em apreço.
  • O valor de CSR acima referido resulta de todos os atos de liquidação de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (‘ISP’) e CSR praticados pela Autoridade Tributária na sequência da apresentação das correspondentes Declarações de Introdução no Consumo submetidas no período correspondente àquela faturação e cuja identificação nesta sede é feita por referência ao disposto no n.º 2 do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, porque tais elementos encontram-se “em poder da administração tributária”, podendo (e devendo), a Autoridade Tributária proceder à individualização dos referidos atos tributários.
  • Quanto às questões de Direito, como ponto prévio, a Requerente alega que o CAAD é competente para decidir sobre a CSR porque é um verdadeiro imposto (Neste sentido, as decisões do CAAD, de 31 de maio de 2023, relativa ao Proc. n.º 665/2022-T, de 14 de junho de 2023, relativa ao Proc. n.º 24/2023-T e de 31 de julho de 2023, proferida no Proc. n.º 702/2022-T).
  • É, por isso, competente o tribunal arbitral para resolução do presente litígio, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
  • Sobre a correta identificação dos atos tributários, a Requerente reitera que o objeto mediato do presente processo está suficientemente identificado: i) ano em que a CSR foi suportada pela Requerente; ii) número da fatura em que a CSR foi repercutida; (iii) fornecedor responsável pela respetiva repercussão; e (iv) incidência objetiva da CSR.
  • Ainda que assim não se entenda, alega a Requerente que os demais elementos, nomeadamente o número de liquidação, são do conhecimento da Requerida e estão em seu poder, pelo que fica satisfeito o ónus da prova a que está obrigada, nos termos do n.º 2 do artigo 74.º da LGT, conjugado com o n.º 1 do artigo 59.º, também da LGT.
  • Quanto à legitimidade processual, apesar da Requerente não ser o sujeito passivo da relação tributária, é contribuinte, por força da repercussão legal que sofre da CSR, o que lhe confere legitimidade processual nos termos do artigo 18.º, n.º 4, da LGT.
  • Acrescenta ainda que o Fornecedor B..., S.A. assumiu expressamente que foi repercutida economicamente na Requerente a CSR por si entregue.
  • Resulta do artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008 (“Diretiva 2008/118/CE”), que os Estados‐Membros podem liquidar outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo desde que estejam preenchidos dois requisitos cumulativos: a) Estes impostos sejam cobrados por motivos específicos; e b) Estas imposições estejam em conformidade com as normas da União aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao Imposto sobre o Valor Acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto;
  • Um motivo específico nos termos do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE, não pode ser reconduzida a uma finalidade meramente orçamental, sendo necessário que o produto de imposição indireta seja obrigatoriamente utilizado nos invocados fins específicos, de tal forma que exista uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa.
  • A jurisprudência comunitária tem avançado duas alternativas de cumprimento do requisito do “motivo específico”: ou existe (i) um vínculo direto entre a utilização das receitas do imposto e o seu fundamento ou (ii) a possibilidade de influenciar o comportamento dos sujeitos passivos, de modo a que se permita a realização do motivo específico invocado.
  • O Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) já se pronunciou, expressa e especificamente, sobre a incompatibilidade da CSR com direito comunitário na sequência de um pedido de decisão prejudicial apresentado, pelo Tribunal constituído no âmbito do processo arbitral n.º 564/2020‐T, que correu termos no CAAD;
  • Concluiu o TJUE que “o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que não prossegue “motivos específicos”, na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários”;
  • Assim sendo, face à conclusão do TJUE de que a CSR não cumpre os requisitos essenciais para ser configurada como um imposto indireto, por não prosseguir qualquer “motivo específico”, é um tributo ilegal à luz do Direito da UE;
  • Perante esta ilegalidade, deverão os atos tributários de liquidação de CSR refletidos nas faturas acima referidas ser anulados, nos termos e para os efeitos da al. a) do artigo 99.º do CPPT, aplicável ex vi do disposto na al. c) do n.º 2 do artigo 10.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º, ambos do RJAT;
  • Atendendo ao princípio do primado do Direito da UE, existe a obrigação de desaplicação das referidas normas internas por desconformidade com o direito da União Europeia, verifica‐se, consequentemente, erro imputável aos serviços para efeitos do disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT;
  • Assim, impunha‐se à AT determinar, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa que antecede, a anulação dos atos tributários sub judice e, pelos mesmos motivos, proceder ao reembolso das quantias indevidamente suportadas pela Requerente a título de CSR, bem como o pagamento de juros indemnizatórios.

 

            4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 14 de março de 2024, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

            5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo ficou constituído em 3 de abril de 2024, sendo que no dia seguinte foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta.

 

            6. Em 2 de maio de 2024, a Requerida apresentou a sua resposta onde invocou, em suma, o seguinte:

  • Como ponto prévio a Requerida alega que, atendendo ao pedido de “anulação das liquidações de CSR”, com o fundamento de ter suportado na qualidade de consumidora a referida CSR, apurando o valor do reembolso com base em faturas, há que distinguir o Documento de Introdução ao Consumo (DIC) – com todos os elementos que permitem a liquidação do tributo – da fatura, da qual não resulta qualquer ato imputável à AT.
  • Independentemente do nomen iuris ou da natureza jurídica da CSR, a verdade é que não é, por definição, um imposto e, portanto, o CAAD não tem competência para decidir sobre esta matéria, por força do disposto nos artigos 2.º, n.º 1 do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (“Portaria de Vinculação”);
  • A incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido da Requerente resulta ainda do facto de esta questionar a legalidade do regime jurídico da CSR no seu todo, tendo em vista a suspensão da eficácia de atos legislativos aprovados por Lei da Assembleia da República, o que extravasa as competências dos Tribunais Arbitrais, que têm competência de mera anulação de atos e não de fiscalização da legalidade de normas em abstrato, sem enquadramento processual impugnatório de ato concreto de liquidação, nem a execução de sentenças/decisões;
  • Afigurando-se inconstitucional uma interpretação que determine que o artigo 2.º do RJAT inclui a apreciação dos pedidos aqui formulados pela Requerente, quando a letra e o espírito da norma não o permitem;
  • Ainda que se considerasse a competência do tribunal arbitral para a apreciação da ilegalidade dos atos de liquidação de ISP/CSR (que a Requerente não consegue identificar), nunca poderia o tribunal arbitral pronunciar-se sobre atos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos dos atos de liquidação de ISP/CSR, e que para mais, não correspondem a uma repercussão legal, mas a uma repercussão meramente económica ou de facto (neste sentido, as decisões proferidas nos processos n.ºs 296/2023-T, 332/2023-T, 375/2023-T, 408/2023-T, 438/2023-T, 466/2023-T, 467/2023-T e 490/2023-T);
  • Neste sentido, verifica-se a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral que determina a absolvição da Requerida da instância nos termos do disposto nos artigos 576.º e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT;
  • Resulta do artigo 15.º do Código do Impostos Especiais sobre o Consumo (“CIEC”) apenas podem solicitar o reembolso do imposto pago, os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto;
  • O que significa que de acordo com os artigos 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto;
  • No caso concreto, ao não ser a Requerente um sujeito passivo nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 4.º do CIEC, não se encontram reunidos os pressupostos para a revisão dos atos tributários, porquanto tal direito não se encontra incluído na esfera jurídica do alegado repercutido económico ou de facto, pelo que a Requerente carece de legitimidade para solicitar a anulação das referidas liquidações e consequente reembolso do montante correspondente;
  • Mesmo que assim não se entendesse, a Requerente continuaria a carecer de legitimidade nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT, já que esta apenas é atribuída ao sujeito passivo que suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sendo que a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que instituiu a CSR, não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal pelo que esta, a existir, será uma mera repercussão económica;
  • Por outro lado, dada a natureza da repercussão da CSR, ainda que o sujeito passivo de ISP/CSR “repasse” o custo da CSR, ou parte dele, no preço de venda dos combustíveis, os seus clientes não são, necessariamente, quem suporta, a final, o encargo do tributo;
  • De facto, a Requerente enquanto sociedade comercial que desenvolve uma atividade com fins lucrativos, repassa, necessariamente no preço dos serviços praticados, os gastos em que incorre, nomeadamente com a aquisição de combustíveis, pelo que as entidades potencialmente lesadas com o encargo da CSR, são os consumidores finais de tais serviços e não a Requerente;
  • A Requerente não consegue demonstrar que o valor pago pelos combustíveis que adquiriu à sua fornecedora, tem incluído o valor da CSR pago pelo sujeito passivo de ISP/CSR, nem que suportou, a final, o encargo de tal tributo, isto é, que não o repassou no preço dos serviços praticados aos seus clientes, enquanto consumidores finais;
  • Com efeito, das faturas juntas aos autos apenas constam valores referentes a IVA, não contendo aquelas qualquer referência a montantes pagos a título de ISP ou CSR; ademais, as faturas, per si, não fazem prova do pagamento; a declaração da B... é dúbia pois não identifica as DIC´s e liquidações a montante.
  • Face ao que antecede, é de concluir que a Requerente não é sujeito passivo de ISP/CSR e não integra a relação jurídica subjacente à liquidação contestada, não sendo o devedor, nem quem estava obrigado ao seu pagamento ao Estado, que está a jusante do sujeito passivo na cadeia económica, que em termos jurídicos não é um terceiro substituído, que não suporta a contribuição por repercussão legal, nem tão pouco corresponde ao consumidor final, pelo que não tem legitimidade para apresentar o pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral.
  • A aceitar-se que a Requerente tenha legitimidade para efetuar o pedido de revisão e de anulação parcial da liquidação do ISP, reclamando o reembolso da CSR, a Requerida poderia vir a ser sucessivamente condenada a pagar os mesmos montantes de CSR, mais do que uma vez, a todo e qualquer operador económico que tenha tido intervenção na cadeia comercial de combustíveis, o que não configuraria uma real situação de reembolso nos termos e para o efeito do disposto no artigo 15.º, n.º 2, do CIEC, mas, sim, um atentado à segurança jurídica e a todo o ordenamento jurídico-constitucional;
  • Em suma, carece a Requerente de legitimidade substantiva que sustente a sua pretensão, o que implica a verificação de exceção de ilegitimidade que determina a absolvição da Requerida da instância nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º, n.ºs 1 e 3 e 579.º todos do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”);
  • Acresce que o deferimento ou indeferimento da pretensão não acarreta qualquer proveito ou prejuízo para a Requerente, porquanto não logrou concretizar, e muito menos provar, os alegados factos referentes ao pagamento do valor da CSR, nomeadamente que a CSR lhe foi repercutida e, que por sua vez, também a não repercutiu aos seus clientes, por forma a poder sustentar que suportou de forma efetiva o encargo do imposto, de tal forma que carece de interesse em agir, verificando-se assim uma exceção dilatória inominada nos termos do vertido nos artigos 576.º, nº 1 e n.º2 e 577.º do CPC, aplicável ao presente processo por via do artigo 29.º, n.º1 al. e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo, consequentemente, a Requerida ser absolvida da instância;
  • Nos termos do da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT impunha-se à Requerente a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido, o que esta não fez, limitando‑se a identificar faturas de aquisição de combustíveis ao seus fornecedor sem identificar qualquer ato tributário de liquidação, o que determina a nulidade de todo o processo e absolvição da Requerida da instância por verificação de exceção de ineptidão da petição inicial, conforme artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º alínea b) e 278.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º do RJAT;
  • Apesar da impossibilidade de aferir a tempestividade do pedido de revisão oficiosa, à data da sua apresentação já teria terminado o prazo de três anos para requerer o reembolso, ainda que parcial, do alegado valor pago por alegada repercussão económica de CSR, pelo menos relativamente às datas anteriores a 03-07-2020.
  • Por impugnação, considera que a Requerente não logrou fazer prova de ter adquirido e pago combustível e suportado o encargo do pagamento da CSR por repercussão, sendo que, atento o disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, não incumbe à Requerida fazer a prova da não repercussão, nem é possível presumir a existência de repercussão quando, no caso, estamos perante uma repercussão meramente económica.
  • 5.3 Considera que nenhum dos elementos de prova apresentados sustentam qualquer facto invocado no pedido, nomeadamente o alegado facto de terem os fornecedores repercutido integralmente o valor da CSR pago pelo sujeito passivo de ISP/CSR e de ter a Requerente suportado integralmente esse encargo, por vai da repercussão legal da CSR no preço dos combustíveis adquiridos, enquanto consumidor final. Das faturas apresentadas não consta qualquer referência a montantes pagos a título de ISP/CSR, nem tão pouco comprovativos do pagamento ao Estado, através do DUC e DAI/DAU.
  • Sem conceber, a Requerida alega ainda que os montantes referenciados no pedido estão incorretos, uma vez que se limitou a aplicar à quantidade de litros fornecidos e constantes das faturas dos fornecedores a taxa de CSR em vigor. Conforme determinado pelo artigo 91.º do CIEC, aqui aplicável, a unidade tributável é de 1000 l convertido para a temperatura de referência de 15.º C. Não tendo existido certificação da medição da temperatura na descarga do combustível, é impossível determinar a unidade tributável para efeitos de determinação da CSR.
  • Por outro lado, baseando-se nos considerandos 33. e 34. do despacho do TJUE proferido no Processo n.º C-460/21, a Requerida entende que o TJUE não declarou a existência de desconformidade do regime da CSR com a Diretiva Europeia, e os objetivos que lhe estão subjacentes, analisados à luz da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, não são meramente orçamentais, mas visam a redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, que constituem o motivo específico da criação da contribuição.
  • Conclui no sentido da declaração de extinção da instância com base nas exceções dilatórias e peremptórias invocadas e, se assim se não entender, pela improcedência do pedido arbitral.

 

            7. Em 8 de maio de 2024, foi a Requerente notificada para exercer o direito ao contraditório quanto à matéria de exceção invocada pela Requerida e documento junto com a Resposta, o que fez em 23 de maio.

 

            8. Em 5 de junho de 2024, foi proferido despacho arbitral a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações, remetendo-se para a decisão final a apreciação da matéria de exceção, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT.

 

II. SANEAMENTO

 

            10. O Tribunal Arbitral coletivo foi regularmente constituído, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT e nos artigos 1.º a 3.º da Portaria de Vinculação.

 

            11. Para efeitos de saneamento do processo cumpre apreciar as exceções de (i) incompetência do Tribunal Arbitral, (ii) ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, (iii) Ineptidão da petição inicial – Da falta de objeto, (vi) caducidade do direito de ação por intempestividade do pedido de revisão oficiosa, o que será feito por esta ordem a título prévio no âmbito da análise do mérito da causa, logo após a fixação da matéria de facto provada e não provada.

 

II. MATÉRIA DE FACTO

 

§12 – Factos provados

 

Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

  • Nos períodos de 2019 a 2022, a Requerente adquiriu 718 487,90 litros de produtos energéticos e combustíveis à sociedade B..., S.A., no valor total de € 1.054.936,88.
  • As aquisições de combustíveis encontram-se documentadas nas faturas que constam do documento n.º 3 junto ao pedido arbitral, que aqui se dão como reproduzidas.
  • Das faturas emitidas consta a designação do combustível, a quantidade adquirida, o valor líquido, a taxa de IVA aplicável, o valor de IVA pago e valor total a liquidar.
  • Em 30 de junho de 2023, a Requerente apresentou, junto da Direção das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, um pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação da Contribuição de Serviço Rodoviário, referentes a faturas de aquisição de combustível identificadas no Doc. 3 juntas ao pedido arbitral, invocando que o encargo tributário foi repercutido na sua esfera jurídica.
  • A Autoridade Tributária e Aduaneira não emitiu decisão quanto aos pedidos de revisão oficiosa no prazo legalmente cominado para o efeito, considerando-se os pedidos tacitamente indeferidos no dia 30 de outubro de 2023.
  • O pedido arbitral deu entrada a 30 de janeiro de 2024.

 

§2 – Factos não provados

 

            13. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa, não se consideram provados os seguintes factos:

  1. A AT liquidou a quantia global de € 79.752,16 a título de CSR em relação aos produtos petrolíferos referente às faturas emitidas à Requerente (não foram sequer juntas as DIC ao processo);
  2. A B... pagou integralmente o montante de CSR referido na alínea anterior;
  3. A Requerente suportou economicamente o encargo da CSR, na quantia global de € 79.752,16, referente às faturas de produtos petrolíferos adquirido à B...;
  4. A Requerente é o consumidor final dos combustíveis rodoviários adquiridos à B..., não tendo repercutido o encargo da CSR no preço dos bens e serviços prestados aos seus clientes.

 

§3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

14. O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar os factos pertinentes para a decisão da causa, com base na sua relevância jurídica e tendo em consideração as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas pelas partes, bem como o dever de discriminar os factos provados e não provados. Porém, o Tribunal Arbitral não tem um dever de pronúncia quanto a toda a matéria de facto alegada pelas partes, em conformidade com o disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e nos artigos 596.º, n.º 1 do CPC e 607.º, n.º 3, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

15. O Tribunal formou a sua íntima e prudente convicção quanto aos factos provados e não provados através do exame de todos os elementos probatórios carreados aos autos, que foram apreciados e avaliados com base no princípio da livre apreciação dos factos e nas regras da experiência, normalidade e racionalidade, em conformidade com os ditames fixados nos artigos 16.º, alínea e) do RJAT e 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

16. Relativamente aos factos dados como não provados nos pontos 1) e 2) supra, considerou este Tribunal Arbitral que a declaração junta pela B..., desacompanhada das DIC globalizadas, dos consequentes atos de liquidação e dos respetivos comprovativos de pagamento não permitiam certificar a efetiva liquidação e pagamento da CSR pela introdução no consumo das quantidades de gasóleo rodoviário referidas no ponto a) da matéria de facto dado como provada.

 

17. Quanto ao facto dado como não provado no ponto 3) supra, impõe-se desde logo registar que a prova da repercussão pressupõe inevitavelmente como ponto de partida a demonstração de que a CSR foi inicialmente liquidada e paga pelo sujeito passivo daquele tributo aquando da introdução no consumo dos produtos a ele sujeitos – o que, conforme se viu supra, não foi demonstrado pela Requerente.

 

18. Acresce que a Requerente não cumpriu o critério a observar na prova da repercussão da CSR, tal qual fixado pelo TJUE no despacho Vapo Atlantic, proferido em 7 de Fevereiro de 2022, no processo n.º C‑460/21. Ao que aqui importa, referiu aquele Tribunal o seguinte:

 

“(…) ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C-147/01, EU:C:2003:533, n.º 96).

45 Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção (Acórdão de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C-192/95 a C-218/95, EU:C:1997:12, n.ºs 25 e 26).

46 O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C-441/98 e C-442/98, EU:C:2000:479, n.º 42).

(…)

48 Nestas condições, há que responder à segunda e terceira questões que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros e, consequentemente, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo.”. (destaque nosso)

 

            19. Da aplicação da jurisprudência do TJUE ao presente caso resulta que a repercussão da CSR sobre terceiros – que não decorre de qualquer imposição legal prevista na Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto que instituiu a CSR, sendo tão só “expectável” perante o regime e funcionamento deste tributo –, não pode ser em qualquer caso presumida.

 

            20. O que é compreensível, se se tiver em consideração que a repercussão opera aqui como um fenómeno económico, com uma configuração e amplitude variáveis. Como explica Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2019, p. 399:

A repercussão (…) pod[e] operar por mais que uma forma sobre os preços. A forma mais comum é a da repercussão descendente, que se verifica quando o vendedor soma o tributo ao preço de um bem, fazendo com que o comprador o suporte: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes sobem o preço na mesma medida, fazendo com que os consumidores o suportem. A repercussão transversal verifica-se quando o vendedor soma o tributo ao preço de um bem diferente daquele que é onerado pelo tributo: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes diluem esse aumento através do agravamento do preço da generalidade das bebidas alcoólicas. Enfim, a repercussão ascendente verifica-se quando o vendedor subtrai o tributo ao preço de um bem de que é comprador, obrigando os fornecedores a suportar-lhe o peso económico: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes obrigam as empresas cervejeiras a baixar o preço nessa mesma medida.

A repercussão constitui um fenómeno que depende em larga medida das condições económicas que rodeiem uma transacção”.

 

            21. Portanto, a ocorrência do fenómeno de repercussão descendente não pode simplesmente ser presumida por mais que tenha sido querida na lógica de funcionamento do tributo. Pelo contrário, impõe-se uma análise do contexto e dos vários fatores que conformam cada transação comercial para daí extrair a conclusão de que o encargo da CSR foi total ou parcialmente “repassado” ao longo dos vários intervenientes do circuito económico até atingir o consumidor final.

 

            22. Ora, este exercício de prova não foi realizado pela Requerente, que se limitou a estabelecer meros juízos presuntivos de que suportou a CSR em virtude de uma suposta – embora inexistente – obrigação legal de repercussão do encargo daquele tributo.

 

23. A Requerente procurou provar a repercussão através da junção aos autos de faturas e da declaração referida no ponto b) da matéria de facto provada, emitidas pela B..., onde esta entidade se limita a afirmar de forma genérica e abstrata que repercutiu o encargo da CSR.

 

24. Sucede que das faturas e da referida declaração não decorre, sem mais, a prova da repercussão. É que tal declaração não versa as concretas transações realizadas entre a fornecedora de combustível e a Requerente; não faz a correspondência entre as operações praticadas e as declarações de introdução no consumo dos combustíveis transacionados; não estabelecem a relação entre as transações e as DIC com as correspondentes liquidações emitidas pela AT e, finalmente, não demonstram a incorporação do encargo da CSR nas faturas de venda de produtos petrolíferos à Requerente, nem tão pouco em que grau e/ou medida em que tal incorporação se processou.

 

            25. Acresce que mesmo que a Requerente tivesse demonstrado a liquidação e repercussão da CSR, sempre inexistiriam elementos nos autos que permitam certificar que o encargo da CSR se cristalizou na sua esfera jurídica, isto é, que foi a Requerente a entidade que em última instância foi onerada com o tributo em causa, porquanto não incorporou o seu custo no preço do serviços prestados aos seus clientes que podem situar‑se no circuito ou cadeia económico-comercial como os verdadeiros consumidores finais. Foi por isso que não se deu como provado o facto constante do ponto 4) supra do probatório não provado.

 

            26. Por fim, regista-se que não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, que apesar de serem apresentadas como factos, consistem em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

Quanto às exceções suscitadas pela Requerente seguimos, no essencial, o teor e sentido dos Acórdãos do CAAD relativas aos processos n.ºs 375/2023-T, 408/2023-T, 409/2023-T, 889/2023-T, 987/2023-T, 1036/2023-T, 5/2024-T, 224/2024-T e 327/2024-T.

 

— Questão prévia: incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria

Quanto à competência deste Tribunal, impõe-se em primeiro lugar aferir se, em termos gerais, o pedido formulado pela Requerente é arbitrável, isto é, se a apreciação de pretensões referentes à CSR se encontra ou não inserida no âmbito de competência material da arbitragem tributária.

A competência dos Tribunais Arbitrais é delimitada no RJAT nos seguintes termos:

“Artigo 2.º

Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável

1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”. (negrito nosso)

Este âmbito material é, por sua vez, circunscrito na Portaria de Vinculação, nos seguintes termos:

Artigo 2.º

Objecto da vinculação

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;

e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.” (negrito nosso)

Ainda que a conjugação das referidas normas jurídicas não apresente uma resposta incontestável quanto à arbitrabilidade de atos de liquidação de contribuições, que parecem ter sido em parte excluídos do âmbito material da arbitragem tributária pela Portaria de Vinculação, o que tem reflexo na jurisprudência arbitral que não é uniforme nesta matéria, o certo é que resulta incontroversa a inclusão no âmbito da competência material dos Tribunais Arbitrais a apreciação da legalidade de atos de liquidação de impostos.

Para o efeito de se responder a esta questão, torna-se necessário qualificar a CSR enquanto “contribuição” ou “imposto”, para daí extrair as necessárias consequências quanto à competência material deste Tribunal Arbitral. Esta análise tem sido amplamente discutida e desenvolvida pela jurisprudência, que importa aqui considerar em cumprimento do desiderato de interpretação e aplicação uniforme do direito que emana do artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil.

Nas decisões arbitrais proferidas, entre outras, nos processos n.ºs 508/2023-T e 520/2023-T, a CSR foi qualificada como uma contribuição, o que levou aqueles Tribunais Arbitrais a julgar procedente a exceção de incompetência material. No acórdão proferido em 16 de Novembro de 2023, no processo n.º 520/2023-T, referiu-se a este respeito o seguinte:

(…) nem se pode aceitar, à face da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), que fosse atribuída à CSR a designação de «contribuição» se legislativamente se pretendesse que ela fosse considerada como um «imposto» e não como uma das «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas» a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e o artigo 3.º, n.º 2, da LGT. A expressão do pensamento em termos adequados faz-se necessariamente através da expressão correcta e não uma outra que o dissimule.

Assim, em boa hermenêutica, é de concluir que o artigo 2.º da Portaria n.º 112- A/2011, quando se refere a «impostos», está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação (como, por exemplo, o IVA, o IRC e o IRS) e àqueles que, embora tenham outra designação, a própria lei explicitamente considera «impostos» (como sucede com as «contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», que o n.º 3 do artigo 4.º da LGT identifica e expressamente considera «impostos»). E, paralelamente, aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas», que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir que devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos.

No caso da CSR, é manifesto que não se está perante uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no n.º 3 do artigo 4.º da LGT, pois não assenta «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», pelo que não há suporte literal mínimo para que seja considerada, na perspectiva legislativa, um dos «impostos» a que alude o artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011”.

Em sentido contrário, pronunciaram-se os Tribunais Arbitrais nas decisões proferidas nos processos n.ºs 564/2020-T, 629/2021-T, 304/2022-T, 305/2020-T, 644/2022-T, 665/2022-T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T e 410/2023-T, que qualificaram a CSR como imposto e, consequentemente, consideraram-na arbitrável. Para o efeito, o acórdão proferido no âmbito do processo n.º 644/2022-T, de 24 de Outubro de 2023, decidiu no seguinte sentido:

“Afigura-se a este tribunal que a CSR, não obstante um nomen iuris que pareceria integrá-la na categoria das “contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (art. 165º, 1, i) da CRP), preenche todos os requisitos de conteúdo pecuniário, carácter coactivo, unilateralidade, definitividade, ausência de cariz sancionatório, tendo como credor o Estado ou outros entes públicos, e a afectação à realização de fins públicos – que definem um imposto. Essa qualificação não se modifica pela circunstância de surgirem algumas correspectividades como a da obtenção de receitas para financiamento da utilização de vias públicas – pois as contribuições que assentam no especial desgaste de bens públicos são impostos, como estabelece o art. 4º, 3 da LGT. Falta à CSR o carácter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou colectiva que é necessária à contribuição financeira. O seu regime não determina, para o sujeito activo respectivo, qualquer dever de prestar específico, qualquer contraprestação exigível pelo contribuinte, o que significa que tem o carácter unilateral de um verdadeiro imposto (quando muito, alguma “paracomutatividade”, referente à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários – mas não a correspectividade bilateral estrita de uma taxa, sem uma contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo, como sucede numa taxa).

Basta percebermos que, enquanto a CSR é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal (inicialmente, Estradas de Portugal), sendo esta a entidade titular da correspondente receita, os sujeitos passivos da contribuição são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários, e, portanto, não são os destinatários da actividade da Infraestruturas de Portugal. Na sua concepção, a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos, e é devida pelos sujeitos passivos do ISP, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo.

Trata-se, assim, de um imposto de receita consignada (a consignação, desacompanhada de qualquer comutatividade, não subverte a sua natureza), e esta conclusão reforça-se com a posição veiculada pelo Tribunal de Contas na Conta Geral do Estado de 2008 (…)

Lembremos, por fim, que a CSR nasceu, com a Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, como um mero desdobramento do ISP, e, sobre este último, nem o nomen iuris permite dúvidas sobre a respectiva natureza.

Não há, nesse ponto, qualquer paralelo entre a CSR e a CESE (Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético), relativamente à qual uma decisão arbitral (Proc. n.º 714/2020-T) entendeu procedente a excepção de incompetência ratione materiae. A CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é tida como uma contribuição extraordinária cuja receita é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, tendo por base, portanto, uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou colectivas que integram o sector energético nacional, o que configura uma bilateralidade genérica ou difusa – que pura e simplesmente não encontramos na CSR.”.

Assim sendo, cabendo tomar posição sobre a querela jurídica, este Tribunal Arbitral subscreve e acompanha a jurisprudência maioritária que qualifica a CSR como um imposto, uma vez que este corresponde a um tributo que efetivamente não reúne as características de bilateralidade difusa e de responsabilidade de grupo inerente às contribuições. Consequentemente, nem se revela necessário indagar se as contribuições se inserem ou não no âmbito material da arbitragem, uma vez que resulta incontroverso do RJAT e da Portaria de vinculação que tal âmbito abrange a apreciação da legalidade de questões referentes a impostos.

Apesar de, em termos gerais, as matérias referentes à CSR serem arbitráveis, para se concluir pela competência material do Tribunal Arbitral é ainda necessário analisar e confrontar os concretos pedidos formulados pela Requerente com a delimitação que resulta do RJAT e da Portaria de Vinculação.

No pedido de pronúncia arbitral a Requerente peticionou “a ilegalidade dos atos tributários e decisório acima identificados (...) determinando-se a anulação dos referidos atos tributários, nos termos do artigo 163.º do CPA; e

(iii) na medida da procedência do pedido anterior, condene a Entidade Requerida no reembolso à Requerente da CSR indevidamente suportada, no montante global de 21.813, 86 (vinte e um mil oitocentos e treze euros e oitenta e seis cêntimos), acrescido de juros indemnizatórios...”.

No que concerne à análise do primeiro pedido, sem necessidade de mais valorações, reconhece-se o presente Tribunal Arbitral competente para apreciar o segundo pedido formulado pela Requerente, de declaração de ilegalidade das liquidações de CSR dirigidas às sociedades fornecedoras de combustíveis, porque subsumível ao âmbito material previsto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. Saber se tal impugnação pode ser feita pela Requerente, na qualidade de (alegada) repercutida, ou apenas às fornecedoras de combustíveis, enquanto sujeitos passivos primários a quem foi (alegadamente) liquidada e por quem foi (alegadamente) paga a CSR, é uma questão que não releva para efeitos de determinação de competência, mas tão só para efeitos de apuramento de legitimidade, pelo que será apreciada de seguida.

Quanto ao pedido de reembolso à “Requerente do montante pago em excesso”, este resultará, nos termos apresentados pela Requerente, da procedência do pedido principal, cabendo também nessa circunstância verificar se a Requerente tem legitimidade para requerer tal reembolso.

 

Questão prévia: ilegitimidade processual

Não consta do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) a regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso, cuja conformação jurídica tem, assim, de proceder do Direito subsidiariamente aplicável, por via da aplicação do artigo 29.º, n.º 1 do RJAT, que remete para as disposições legais de natureza processual do Código de Processo e de Procedimento Tributário (“CPPT”), do CPTA e do CPC.

Da regra geral do direito processual, constante do artigo 30.º do CPC, resulta que é parte legítima quem tem “interesse directo” em demandar, sendo considerados titulares do interesse relevante, para este efeito, na falta de indicação da lei em contrário, “os sujeitos da relação controvertida”. A mesma regra é reproduzida no processo administrativo, que confere legitimidade ativa a quem “alegue ser parte na relação material controvertida” (v. artigo 9.º, n.º 1 do CPTA).

A legitimidade no processo é, pois, recortada pelo conceito central de “relação material” que, no âmbito fiscal, há-de ser uma relação regida pelo Direito Tributário, à qual subjaz um acto tributário, cujo sujeito passivo é delimitado no artigo 18.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária (“LGT”), como “a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.”.

No domínio tributário, a legitimidade não pode deixar de ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares ou coletivas e entidades equiparadas (vide artigo 1.°, n.º 2, da LGT).

Do CPPT resulta a existência de uma norma específica sobre a legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (vide artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT). No mesmo sentido, ainda que se refira somente à legitimidade no procedimento, a LGT determina no seu artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.”. E o artigo 78.º da LGT assegura a mesma posição de legitimidade ou ilegitimidade conferida pelas regras gerais sobre o tema.

Em relação aos responsáveis (sujeitos passivos não originários, tal como os substitutos), o legislador teve a preocupação de justificar a razão pela qual lhes é concedida legitimidade processual.

Quanto aos responsáveis solidários, deriva “da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal” (vide artigo 9.º, n.º 2 do CPPT), enquanto no que respeita aos responsáveis subsidiários, está associada ao facto “de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários” (vide artigo 9.º, n.º 3 do CPPT). Em ambas as situações, apesar de não corresponderem à figura do sujeito passivo originário, constitui-se uma relação jurídico-tributária entre estas categorias de sujeitos passivos derivados e o credor tributário Estado, que encerra prestações – principais (de pagamento da obrigação tributária) e acessórias, o que sucede igualmente com o substituto.

In casu, a Requerente invoca a qualidade de repercutido para deduzir a acção arbitral. Nesse contexto, SÉRGIO VASQUES, afirma que “Se o repercutido estará à margem da relação tributária, não estará por isso à margem do direito.” (vide Manual de Direito Fiscal, 2.ª ed., p. 401), referindo que a LGT lhe reconhece o direito “à reclamação, recurso, impugnação ou pronúncia arbitral”.

Contudo, importa começar por referir que a figura do repercutido não se enquadra na categoria de sujeito passivo, nos termos do citado artigo 18.º, n.º 3 da LGT, pelo que, não sendo parte em contratos fiscais, a legitimidade, neste caso, só pode advir da comprovação de que é titular de um interesse legalmente protegido (vide artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).

Apesar de o repercutido não ser sujeito passivo, a alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, pressupõe que assiste o “direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias” a quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”, estendendo a posição jurídica adjetiva ao repercutido (apesar de não o considerar sujeito passivo), na condição de estarmos perante um caso de “repercussão legal”. A lei implica desta forma que o repercutido legal é titular de um interesse legalmente protegido, condição exigida para que possa intervir em juízo (vide artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).

Conforme resulta da jurisprudência do CAAD, entre outros, do acórdão 296/2023-T, de 1 de Fevereiro de 2024:

Qualquer que seja a posição a adoptar em tese geral – e, salvo disposição legal em contrário, não há razões para pôr em causa a possibilidade de os contribuintes de facto serem admitidos a invocarem perante os Tribunais, incluindo arbitrais, a ilegalidade dos impostos que efectivamente pagaram –, tem de se ter em conta o quadro legislativo, e este foi invocado pela AT na sua Resposta para pôr em causa a possibilidade de a repercutida poder vir pedir a revisão de liquidações que lhe eram alheias. (...)”

Neste âmbito, JORGE LOPES DE SOUSA, refere que:

nos casos de repercussão legal do imposto, apesar de aquele que suporta o encargo do imposto não ser sujeito passivo, é-lhe assegurado o direito de reclamação, recurso e impugnação [artigo 18. °, n.º 4, da LGT]. São casos de repercussão legal os do IVA e dos impostos especiais de consumo, pois, em face do (…) respetivo regime legal, a lei exige o pagamento dos tributos aos intervenientes no processo de comercialização dos bens ou serviços, visando fazer com que eles venham a ser pagos pelos consumidores finais, que são os titulares da capacidade contributiva que se pretende tributar.” (vide Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª edição, 2011, I volume, p. 115).

é de considerar ser titular de um interesse suscetível de justificar a intervenção no procedimento tributário quem possa ser diretamente afetado pelo que nele possa vir a ser decidido, inclusivamente quando esteja em causa uma mera situação de vantagem derivada do ordenamento jurídico, o que será a interpretação que melhor se compagina com o direito constitucionalmente garantido de participação dos cidadãos nas decisões que lhes disserem respeito (art . 267.°, n.° 5, da CRP), como tal se tendo de considerar, necessariamente, todas as que tenham repercussão direta na sua esfera jurídica.” (vide Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª edição, 2011, I volume, p. 120).

Ora, a verdade é que a CSR não constitui um caso de repercussão legal.

A Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que instituiu a CSR não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, nem sequer, adiante-se, de repercussão meramente económica, isto, sem prejuízo de ser um dado que, em princípio, as empresas repassam nos preços praticados os gastos em que incorrem, independentemente da sua natureza (e, portanto, incluindo os gastos tributários), por forma a concretizarem o objetivo lucrativo que preside à sua criação e manutenção (vide artigos 22.º do Código das Sociedades Comerciais e 980.º do Código Civil).

Infere-se do articulado da Requerente que esta legitima a sua intervenção processual do facto singelo de lhe ter sido repercutida a CSR pelas empresas fornecedoras de combustíveis, caracterizando-se como um consumidor de combustíveis, sobre o qual recai, nos termos da lei, o encargo daquele tributo.

Contudo, a repercussão económica não é, por si só, atributo de legitimidade processual, pois o artigo 9.º do CPPT requer a demonstração de um interesse legalmente protegido, i.e., que mereça a tutela do direito substantivo. Além de que a Requerente não tem a qualidade de consumidor de combustíveis, no sentido de consumidor final sobre o qual recai ou deve recair o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”). Na verdade, o combustível adquirido é um factor de produção no circuito económico, pelo que se a CSR, conforme alega a Requerente, se destina a ser suportada pelo consumidor, à partida esta não faz parte das entidades potencialmente lesadas, que são os consumidores e não os operadores económicos.

Nos termos da lei que prevê a CSR, não existe qualquer referência sobre quem deve recair o encargo do tributo do ponto de vista económico, pelo que é errónea a afirmação da Requerente de que é sobre si que recai tal encargo. Basta atentar, para esta conclusão, no artigo 5.º, n.º 1 da citada lei: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.”. Assim, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma, pelo que o artigo 5.º, n.º 1, não remete para o artigo 2.º do CIEC (que prevê a repercussão legal nos impostos especiais sobre o consumo), mas apenas para as normas desse código que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo.

Como salienta o acórdão do CAAD, de 8 de Janeiro de 2024, proferido no âmbito do processo 408/2023-T, com o qual se concorda:

“1. A Lei n.º 55/2007 define o sujeito passivo e devedor da CSR, mas não contém qualquer regra de repercussão legal, nem se pronuncia sobre a sua repercussão económica;

2. A Requerente não é consumidor final, o que significa que os gastos em que incorre são presumivelmente, de acordo com as regras da experiência comum, repercutidos no elo subsequente do circuito económico até atingirem os consumidores finais, esses sim, onerados com o encargo económico do imposto e demais gastos incorridos na produção dos bens e serviços;

3. Se a CSR foi economicamente repercutida pelos distribuidores de combustíveis à Requerente, não há razões para crer que esta, no exercício de uma atividade económica que visa o lucro e dentro dessa racionalidade, não tenha também repassado de alguma forma o encargo da CSR, no todo ou em parte, para os seus clientes, que nem sequer são os consumidores finais (os próprios clientes)”.

Ora, não sendo a Requerente o sujeito passivo da CSR, nem repercutido legal desta contribuição, não lhe assiste legitimidade processual, a menos que, como interessada, alegue e demonstre factos que suportem a aplicação da norma residual atributiva de legitimidade, i.e., que evidencie um interesse direto e legalmente protegido na sua esfera, passível de justificar a faculdade de demandar a Requerida em juízo, ónus que sobre si impende.

Contudo, o único facto que a Requerente alega para este efeito é o de lhe ter sido repercutida a CSR.

Acresce que, sem prejuízo de a CSR ter sido consagrada como “contrapartida” da utilização da rede rodoviária nacional, a lei não indica ou sequer sugere sobre quem é que deve constituir encargo. Na realidade, a Requerente é tão-só um cliente comercial dos sujeitos passivos que liquidaram a CSR.

Portanto, tal como foi afirmado no acórdão do CAAD, de 8 de Janeiro de 2024, proferido no âmbito do processo 408/2023-T:

Não integra, nem é parte da relação tributária, nem é repercutido legal. Também não se descortina, nem disso foi feita prova, que tenha sido a Requerente a suportar economicamente o imposto, para o que seria necessário demonstrar duas vertentes cumulativas:

− Que a CSR foi repercutida à Requerente, qual o montante e em que períodos;

− Que, por sua vez, o preço dos serviços de transportes que presta aos seus clientes não comportam a repercussão de CSR e em que medida, por forma a poder sustentar que suportou de forma efetiva o encargo do imposto”.

Conforme anteriormente referido, a Requerente limitou-se a juntar faturas dos seus fornecedores de combustíveis e uma declaração genérica da sociedade B..., S.A., que estão longe de conter os elementos concretos indispensáveis à comprovação do acima exposto (não identifica as concretas transações realizadas entre a fornecedora de combustível e a Requerente; não faz a correspondência entre as operações praticadas e declarações de introdução no consumo dos combustíveis transacionados; não estabelecem as relações entre as transações e as DIC com as correspondentes liquidações emitidas pela AT e, finalmente, não demonstram a incorporação do encargo da CSR nas faturas de venda de gasóleo à Requerente, nem tão pouco em que medida tal incorporação se processou).

Posto isto, a Requerente não logrou, por isso, atestar que suportou o tributo contra o qual reage. E esta seria, segundo entendemos, a única forma de lhe poder ser reconhecida a legitimidade residual para a presente ação arbitral, tendo em conta que não é sujeito passivo, nas diversas modalidades que o conceito acomoda, nem repercutido legal da CSR.

Igualmente, como acima referido, e tal resulta dos acórdãos do CAAD, de 8 de Janeiro de 2024 e de 1 de Fevereiro de 2024, proferido no âmbitos dos processos n.ºs 408/2023-T e 296/2023-T, compreende-se que o legislador não tenha adotado um conceito irrestrito de legitimidade ativa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura suscitaria, quer na ligação entre o ato de liquidação do imposto, a determinação da sua efetiva repercussão (económica) e a determinação do seu quantum; quer ainda no potencial desdobramento/duplicação de devoluções de imposto indevidas: simultaneamente ao sujeito passivo e aos múltiplos repercutidos económicos da cadeia de valor.

Isto é, o mesmo imposto poderia ser restituído a diversos intervenientes, de forma dificilmente controlável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.

Por fim, em cumprimento do desiderato do Direito nacional e da União Europeia, não se diga que a Requerente ficou desprovida de tutela, pois nada impede o ressarcimento, através de uma ação civil de repetição do indevido instaurada contra os seus fornecedores, se reunir os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de Outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (pontos 24 a 29). Nesta perspetiva, está acautelada a observância do princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva (vide artigo 20.º da Constituição).

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel (correspondente ao atual Imposto sobre Veículos), que o adquirente não tem legitimidade para impugnar a respetiva liquidação, precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal (vide Acórdão de 1 de outubro de 2003, processo n.º 0956/03).

Em suma, à face do exposto deve julgar-se verificada a exceção de ilegitimidade da Requerente, constituindo uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o Tribunal conheça a questão de fundo e demais questões suscitadas, com a consequente absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.

Em conclusão, resulta da lei da lei que a Requerente é parte ilegítima para suscitar os atos de liquidação da CSR que pudessem ter alguma ligação com os ditos atos de repercussão, conclui-se que a Requerida terá de ser absolvida da instância, ficando prejudicados todos os passos seguintes no iter cognoscitivo acima delineado.

Não se opinando sobre o mérito, fica igualmente prejudicado o conhecimento dos pedidos de “restituição” e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

 VII. DECISÃO

Termos em que, com os fundamentos de facto e de direito que supra ficaram expostos, decide o Tribunal Arbitral:

  1. Julgar improcedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar atos de liquidação de CSR.
  2. Julgar procedente a exceção dilatória de ilegitimidade quanto ao pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de CSR, e, em consequência absolver a Requerida da instância;
  3. Em consequência, condenar a Requerente no pagamento das custas, nos termos abaixo fixados.

 

VALOR DO PROCESSO

Fixa-se ao processo o valor de € 79,752,16 (setenta e nove mil, setecentos e cinquenta e dois euros e dezasseis cêntimos), de acordo com o disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º- A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicáveis por força do que se dispõe no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2 do RCPAT.

 

CUSTAS

Custas no montante de 2.448,00 (dois mil e quatrocentos e quarenta e oito euros), a cargo da Requerente, por ter sido total o seu decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com os artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT, e 527.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 19 de setembro de 2024

 

Os árbitros,

 

(José Poças Falcão)

Voto a decisão, com a declaração no sentido de que não me repugnaria, bem pelo contrário, a improcedência total do pedido na medida em que não se comprovam, no caso, os factos essenciais em que se estriba o pedido formulado e na consideração de que a ilegitimidade é, em princípio, mero pressuposto processual que resulta ou se analisa em face da forma como está configurado o pedido de pronúncia arbitral independentemente, portanto, da prova, ulterior, dos próprios factos em que assenta (cfr artigo 30º, do CPC e, v.g., Acórdãos do TCAN   e TCAS nos processos nºs 00036/06.8, de 13-12-2019 e 07902/14, de 9-6-2016, in www.dgsi.pt

 

 

 

Magda Feliciano

(Com declaração de voto)

 

 

 

Amândio Silva

(relator)

 

Declaração de Voto Vencido da Árbitra Magda Feliciano:

Entendo não poder subscrever a posição que fez vencimento, no que concerne à arbitrabilidade do thema decidendum, pelas razões que, sinteticamente, passo a expor:

 

Por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais reporta-se apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição (Vide, entre outros, CAAD, Proc. 138/2019-T, Proc. 248/2019-T, Proc. 123/2019-T, Proc. 182/2019-T, Proc. 585/2020-T, Proc. 714/2020-T).

 

Na verdade, a interpretação correcta, alicerçada no teor literal deste artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 e nas regras interpretativas que constam do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil,  tendo também em conta as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), é a de que se pretendeu restringir a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a litígios em que estejam em causa tributos classificados como impostos.

 

É hoje consensual que a jurisdição arbitral abrange apenas pretensões relativas a impostos, não incluindo outros tributos cuja administração seja conferida por lei à Autoridade Tributária, decorrente do artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112‑A/2011, de 22 de março, não sendo tal limitação nem inconstitucional nem violadora do princípio da igualdade, na vertente de proibição do arbítrio, previsto no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição, nem por violação do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição (Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional (TC) n.º 545/2019, de 16.10.2019, Decisão Sumária do TC n.º 70/2024, de 8.02.2024).

Ora, contrariamente ao defendido na Decisão, entende-se que a CSR é uma contribuição financeira e não um imposto, razão pela qual este Tribunal deveria declarar-se incompetente em razão da matéria.

Na verdade, de acordo com letra da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, a CSR foi concebida e designada de Contribuição (e não de imposto), com o objectivo de financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal, E.P.E., actualmente Infraestruturas de Portugal (IP), através dos respectivos utilizadores e, subsidiariamente pelo Estado, constituindo receita própria da IP.

Segundo o referido regime legal, a CSR constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, que constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EPEstradas de Portugal.

Configurando-se a CSR numa lógica bilateral assente numa óptica grupal (utilizadores) para financiar a IP, a quem cabe desenvolver a actividade de concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional entende-se que a CSR não é um imposto, uma vez que só é devido pela utilização de gasolina e gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) e dele não isentos.

Também não se afigura concebível qualificar a CSR como uma taxa, na medida em que a CSR não assenta numa equivalência estritamente individual, não se dirige à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, numa relação de bilateralidade genérica.

Assim, entende-se que as contribuições financeiras, mesmo que ilegais (como parece ser a CSR em face da decisão de Reenvio Prejudicial de 7.02.2022, Proc C-460/21, do TJUE) não constituem por presunção/atracção/conversão ou residualidade um imposto (Vide Filipe de Vasconcelos Fernandes, As contribuições financeiras no sistema fiscal português, pág. 71 e ss, Gestlegal). Na verdade, entende-se que as contribuições financeiras constituem figuras “híbridas” ou “tertium genius” entre as taxas e os impostos “que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa)” (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa Anotada,” I vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora). Na mesma linha, seguem, por exemplos, as decisões proferidas pelo TC n.º 539/2015, 344/2019, 255/2020

Considerando-se que, à luz do regime legal da CSR, esta constitui um tributo que resulta da necessidade financiar uma entidade pública que tem como propósito gerir a rede rodoviária nacional, encontrando-se a sua receita consignada a esse fim/entidade; a CSR incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, que beneficiam da gestão da IP, enquanto utilizadores das estradas da rede nacional; e o facto gerador do tributo consubstancia uma prestação administrativa (a cargo da IP) presumivelmente provocada ou aproveitada por um grupo em que o sujeito passivo se integra, concluímos que estamos perante uma contribuição – (Cfr. Acórdão do TC n.º 255/2020).

Pelo exposto, classificando-se e qualificando-se a CSR como uma contribuição financeira, a questão material submetida a este Tribunal é, no m entender, não arbitrável.

Louvo-me, assim, da Decisão do CAAD n.º 508/2023, de 16.11.2023.

É o que se me oferece dizer.

Razões pelas quais voto vencido.

 

Magda Feliciano