Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 123/2024-T
Data da decisão: 2024-09-23  IVA  
Valor do pedido: € 262.129,38
Tema: IVA- Serviços de mediação e gestão imobiliária: isenção do artigo 9º, alínea 27) e subalínea g) do CIVA: reembolso de IVA indevidamente liquidado.
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SUMÁRIO: I – Em caso de repercussão legal de IVA, o repercutido tem legitimidade para requerer diretamente à AT o reembolso de IVA erroneamente liquidado nas faturas emitidas. II - Nos termos do nº 4 do artigo 18º da LGT, o repercutido tem um interesse legalmente protegido, pelo que, nos termos do artigo 9º do CPPT e 65º da LGT, terá direito de agir no procedimento e em processo tributário, designadamente para reaver o pagamento efetuado em excesso, quando alegue e comprove que liquidou e pagou IVA em valor superior ao devido e lhe seja recusada a correção, pelo emitente, das faturas emitidas apesar de todas as diligências feitas para obter essa correção.

 

DECISÃO

 

I-RELATÓRIO

1.Fundo de Investimento Imobiliário Aberto - A..., com o NIF..., com sede na ..., nº ..., ...-... Lisboa (doravante designado por Requerente, Sujeito Passivo ou Fundo), aqui representado pelo seu representante fiscal B... (NIF...), apresentou em 2024-01-29 pedido de constituição de tribunal arbitral, e de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 dos, artigos 2º, 5º, nº alínea a), 6º, nº 1, e 10º, nºs 1 e 2, todos do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, (doravante designado por RJAT) e da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida) com vista à declaração de ilegalidade do indeferimento/rejeição da reclamação graciosa a que coube o número ...2023..., e consequente anulação das autoliquidações de IVA, reportadas ao período compreendido entre Junho e Agosto de 2022, no valor de 262.129,38 €.

2. O pedido de constituição de tribunal arbitral tributário foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 2024-01-31 e notificada à Requerida nessa mesma data.

3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e devidamente notificado às partes, nos prazos previstos, foram  designados como árbitros os signatários que comunicaram àquele Conselho a aceitação do encargo, no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

4. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT na redação que lhes foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5. O tribunal arbitral colectivo ficou constituído em 2024-04-09, de acordo com a alínea c) do n.º 1 artigo 11º do RJAT, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66/2012, de 31 de Dezembro.

6. Devidamente notificada para tanto, através do despacho arbitral, proferido em 2024-04-09 a Requerida apresentou em 2024-05-14 a sua resposta, tendo procedido à junção do processo administrativo nessa mesma data.

7. Por despacho desta mesma data (2024-05-14) foi o Requerente notificado para responder à excepção suscitada pela AT.

8. O Requerente juntou aos autos, em 2024-05-28 a resposta à matéria de excepção.

9. Em 2024-06-05, o Tribunal Arbitral emitiu Despacho relativo à dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e notificou, ainda, as partes para apresentarem alegações escritas no prazo simultâneo de 15 dias.

10. Requerente e Requerida, apresentaram em 2024-06-26 alegações escritas, tendo a AT aí remetido para o seu articulado de resposta, e onde o Requerente fundamentalmente reitera e reforça o argumentário constante das suas peças processuais.

 

II-SANEAMENTO

a. o Tribunal Arbitral Colectivo foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria face ao disposto no artigo 2º, nº 1, alínea a), do artigo 5º, nº 3, alínea a) e no artigo 6º,nº, nº2, alínea a) todos do RJAT,

b. o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que foi apresentado dentro do prazo de noventa dias previsto no artigo 10º, nº 1, alínea a) do RJAT,

c. o processo não enferma de nulidades,

d. inexiste qualquer obstáculo à apreciação da causa,

e. a Requerida suscitou a excepção de ilegitimidade material do Requerente, que importa apreciar prioritariamente.

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questão a decidir:

Está em causa a questão em saber se o Requerente, na qualidade de repercutido legal, tem legitimidade para requerer directamente à AT o reembolso do IVA que alegadamente foi erroneamente liquidado nas facturas a si emitidas pela C..., no período compreendido entre Junho e Agosto de 2022, no montante de 262.129,38 € pago pelo Requerente.

 

posição da Autoridade Tributária e Aduaneira (no que respeita à matéria de excepção)

Em abono da sua posição refere a Autoridade Tributária e Aduaneira o seguinte; (que se menciona maioritariamente por transcrição, e em breve síntese):

“[que] alega a Requerente que, da interpelação conjugada do nº 4 do artº 18º da LGT com o nº 2 do artº 54º da LGT e o artigo 9º, resulta ter legitimidade para deduzir a presente ação não lhe assiste razão.

Conforme bem se distinguiu no Acórdão proferido no processo 513/2021-T, para que o Requerente tenha legitimidade, deve ter legitimidade formal, mas também legitimidade material.

[é] referido naquele Acórdão que (…): “importa recordar novamente a distinção entre legitimidade processual, que constitui um pressuposto adjetivo de que depende o conhecimento do mérito da causa, que se afere pelo interesse do autor em demandar e o do réu em contradizer, e legitimidade substantiva que é um requisito de procedência do pedido, uma vez que tem que ver com a efetividade da relação material, interessando já ao mérito da causa.

Assim, in casu apesar que a Requerente ter legitimidade processual, dado o seu interesse directo em contradizer, o qual decorre do reembolso de imposto que advenha da procedência da acção (artigo 30º, nº 2 do CPC) não tem legitimidade substantiva ou ad actum, na relação controvertida em análise dado ser-lhe inaplicável a invocada possibilidade de proceder à dedução de despesas profissionais, atendendo à efectiva relação material controvertida.

Considerando que “A legitimidade material, substantiva ou “ad actum” consiste num complexo de qualidades que representam pressupostos da tituralidade, por um sujeito, de certo direito que o mesmo invoque ou que lhe seja atribuído, respeitando, portanto, ao mérito da causa”- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. 529/12.0TBMTS.P1.52 – entende-se que não estando a B…, que é titular do direito violado, nesta acção, julga-se verificada excepção peremptória inominada de conhecimento oficioso, de ilegitimidade material da Requerente (artigos 576º, nºs 1 e 3 e 579º do CPC, aplicável ex artigo 29º, nº1  e) do RJAT”.

(…) o Requerente é pessoa a quem o imposto foi repercutido, mas não é o sujeito passivo da relação jurídico tributária da qual resultaram os atos em apreço.

(..)  verificando-se no caso, como se verifica que, a alegação do Requerente se reduz a um erro na liquidação de imposto aquando da emissão de faturas que foram emitidas, registadas e que determinaram que o Requerente enquanto destinatário dos serviços, suportasse o imposto daquelas constante, a retificação do imposto liquidado nas faturas, a verificar-se o direito a tal rectificação (o que não concede), sempre seria através do artº 78º e ss, do CIVA.

E tal retificação, porquanto não seria a favor do Estado, mas antes e sim, do sujeito passivo, não é obrigatória, sendo pelo contrário facultativa.

O direito de decidir pela regularização ou não de tal imposto (se se verificar o direito à regularização) cabe ao sujeito passivo do imposto e não, àquele a quem o imposto foi repercutido.

Convoca ainda a AT o acórdão arbitral nº 471/2023-T de 18 de Dezembro prolatado sob a égide do CAAD, assim como a decisão nº 474/2023-T, concluindo que (…) “atenta jurisprudência acima referida, deve ser julgada verificada a exceção perentória inominada, de conhecimento oficioso, de ilegitimidade material do Requerente (artigos 576º, nºs 1 e 3 e 579º do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1 e) do RJAT.”

 

posição do requerente (“Fundo”)

Notificado através do despacho arbitral de 2024-05-14, e em cumprimento do disposto no artigo 16º, alínea a) do RJAT, e artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil ex vi alínea e) do nº 1º do artigo 29º do RJAT, veio o Requerente em 2024-05-28, apresentar resposta à excepção suscitada, nos termos seguintes (que de igual forma se mencionam maioritariamente por transcrição e em breve síntese) como segue:

“A título preliminar, entende o Requerente, desde já, que os argumentos apresentados pela Requerida colidem com os princípios que integram o sistema contencioso tributário, mormente no que respeita aos princípios da neutralidade e, bem assim, de efetividade, pelos quais o mesmo se deve pautar imperativamente.

No que tange ao processo em análise, mormente, a contestação dos atos tributários de (auto) liquidação de IVA efetuados pelas entidades que prestaram ao Requerente serviços de administração e gestão de fundos de investimento, o Requerente suportou um montante de IVA superior ao legalmente devido e, por conseguinte, procedeu ao pagamento de imposto em excesso no montante global de € 262.129,38.

Em matéria de legitimidade para apresentação do presente pedido, dispõe o artigo 18º da LGT que “[o] sujeito ativo da relação tributária é a entidade de direito público titular do direito de exigir o cumprimento das obrigações tributárias, que diretamente que através de representante” e que o “ sujeito passivo é a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável” acrescentando o nº 4 que “[não] é sujeito passivo quem ; a) suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias”

(…) dispõe também o nº 2 do artigo 54º da LGT que “[a]s garantias dos contribuintes previstas no presente capítulo aplicam-se também à autoliquidação, retenção na fonte ou repercussão legal a terceiros da dívida tributária, na parte não incompatível com a natureza destas figuras”.

Ainda nos termos do nº 1 do artigo 9º do CPPT, aplicável por força da alínea a) do nº 1 do artº 29º do RJAT “[t] êm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”.

(…) nos termos do nº 4 do artigo 18º da LGT, o repercutido tem um interesse legalmente protegido, pelo que, também nos termos do artigo 9º do CPTT, terá direito de agir em processo, conforme sucede in casu.

Nesta senda e em linha com o supra exposto, o artigo 65º da LGT dispõe que “[t]êm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido”.

 

Conclui o Requerente a sua resposta à excepção suscitada pela AT, no sentido de de “não deverá proceder a exceção invocada pela Requerida na sua Resposta, pelo que a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa em apreço deverá ser anulada para todos os efeitos legais e, igualmente, deverão os atos de (auto) liquidação de IVA subjacentes  à reclamação em crise ser considerados ilegais, devendo os mesmos ser anulados e o  imposto pago pelo Requerente ser-lhe integralmente reembolsado, acrescido de juros indemnizatórios”

 

apreciação /decisão

Neste segmento decisório, perfilha-se o que vem dito no âmbito do processo arbitral nº 472/2023-T, de 26/02/2024, que se subscreve sem quaisquer reservas, quer quanto à motivação, quer quanto ao sentido decisório.

Assim:

“Salvo o devido respeito, existirá alguma confusão por parte da AT quanto à invocação da “ilegitimidade” enquanto “exceção”.

Como ensinam os manuais, a legitimidade é um pressuposto processual (e não uma condição material de procedência da ação). O que, desde logo, torna algo incompreensível falar-se, neste contexto, de “ilegitimidade material”.

A lei processual qualifica a legitimidade das partes como exceção dilatória de conhecimento oficioso.

Quando considere ilegítima alguma das partes, o juiz abster-se-á de conhecer o mérito do pedido, absolvendo o Réu da instância (artº 278º, nº 1, al d) do CPC. Daí a sua natureza de “pressuposto processual”.

O critério aferidor da legitimidade é o interesse relevante ( nº 1 do art. 30º do CPC).

Ora, é indiscutível o interesse do Requerente em demandar: pretende, com recurso à via judicial (arbitral) recuperar o valor do IVA que, a seu ver ilegalmente, suportou.

Por tal razão, por ter a qualidade de repercutido, assiste ao Requerente, indubitavelmente, legitimidade processual, como a lei para mais, o determina, pelo que é de indeferir esta exceção.

O que não significa que as razões suscitadas pela AT a título de “exceção material de ilegitimidade” não devam ser analisadas (possam, até se decisivas) enquanto requisitos substantivos necessários à procedência do pedido, ou seja, no contexto da apreciação do mérito da causa, como bem ensina a jurisprudência por ela citada.”

 

Face ao que vem de dizer-se, e tendo em consideração a decisão do referido processo arbitral (472/2023-T) decide este tribunal pela improcedência da excepção invocada pela AT.

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III-FUNDAMENTAÇÃO

A.Matéria de facto

A.1. Factos dados como provados

Perante os documentos aportados ao processo, da factualidade aceite pelas partes e do processo administrativo anexo, consideram-se provados os seguintes factos:

a-o Requerente era ao tempo um fundo de investimento imobiliário aberto, com duração indeterminada e sede em território nacional, que iniciou a sua atividade em 3 de dezembro de 2007...;

b - ...e exercia a título principal a actividade de gestão de fundo (CE 66300) e a título secundário a actividade de compra e venda de bens imobiliários (CAE 68100) encontrando-se, à datas dos factos, fiscalmente enquadrada, em sede de IVA, no regime normal com periodicidade mensal, com actividade cessada desde 2022-12-22.

c- em 2022-05-18 por si, e em representação de outras sociedades celebrou com a entidade C... Lda., um contrato de mediação imobiliária, em exclusividade, com efeito retroactivo reportado a 2021-06-01.

d-no âmbito do referido contrato, a sociedade C..., foi incumbida de:

  1. Realizar ações de promoção e apresentação dos imóveis a potenciais compradores;
  2. Proceder à partilha de informação, bem como à definição de estratégias de marketing;
  3. Negociar com os potenciais interessados na aquisição de imóveis, procurando obter as melhores condições negociais a verificar-se na esfera do Requerente;
  4. Assumir a responsabilidade pela prestação de necessária assistência administrativa e burocrática em todas as fases do processo até
    à conclusão efetiva;
  5. Intervir ativamente nas negociações e elaboração da documentação necessária.

e- com data de 2022-06-21 a C... emitiu ao FUNDO a fatura nº 23464/2022 [FA] no valor de 569,845,48 € com IVA à taxa legal de 23% de 131.064,69 € no total 700.911,17 € (cfr. documento nº 5 junto com o pedido de pronuncia arbitral);

f-com data de 2022-07-29, a C... emitiu ao FUNDO a factura nº 23812/2022 [FA], no valor de 539,850,27 €, com IVA à taxa legal de 23% de 124,165,56  €, no total de 664,015,83 € (cfr., documento nº 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

g- com data de 2022-08-29, a C... emitiu ao FUNDO a factura nº 24114/2022 [FA], no valor de 29,996,21 €, com IVA à taxa legal de 23% de 6.899,13 € no total de 36.895,34 € (cfr., documento nº 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral)

h- o Requerente em 2023-06-22, apresentou junto do Serviço de Finanças de Lisboa ... reclamação graciosa contra os actos tributários de autoliquidação de IVA relativos ao período de Junho a Agosto de 2022.

i- a reclamação graciosa a que foi atribuído o nº ...2023..., foi objecto de despacho  de rejeição liminar datado de 2023-10-16.

j- datada de 2023-11-23, a Requerente dirigiu à C..., LDA., uma comunicação, sob a epigrafe de “Pedido de Substituição de Faturas”, com o seguinte teor :(cfr., documento nº 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral)

“ FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIAO ABERTO – A...(doravante abreviadamente designado por “A...”, com o número de identificação fiscal ..., com sede na Rua ... nº..., ...-... Lisboa, nesta sede representado pelo seu representante fiscal B..., vem, muito respeitosamente, requerer a substituição das faturas  por Vós emitidas ao A... pela aquisição de serviços de mediação imobiliária durante o período compreendido entre junho e agosto de 2022 (cfr Documento 1) nos termos que seguidamente se expoêm:

1.Na sequência da tomada de conhecimento acerca da mais recente jurisprudência proferida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), bem como do entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, ambos a respeito do enquadramento em sede de IVA a conferir aos serviços de mediação imobiliária prestados pela C..., Lda. (doravante “C...” ao A... durante os meses de junho a agosto de 2022 este constatou que o mesmo não se encontra conforme a legislação aplicável-

2.Neste sentido, à luz da atual jurisprudência proferida pelo TJUE neste particular, o A... que os serviços externalizados pelas sociedades gestoras, ainda que faturados diretamente ao Fundos, sempre que formando um conjunto distinto, tenham um nexo intrínseco com as funções legal ou contratualmente obrigatórias para a gestão da carteira e/ou a gestão os  fundos de investimento devem beneficiar da isenção de IVA prevista na subalínea g) da alínea 27) do artigo 9º do Código do IVA, sendo a mesma aplicável às prestações de serviços de “administração ou gestão de fundos de investimento” (cf, Acórdão do TJUE de 17 de junho de 2021, prolatado nos processos apensos C-58/20 e C -59/20.

3.Atendendo que o A... adquiriu junto da C... serviços de mediação imobiliária que, apresenta, um claro nexo intrínseco com as funções legal ou contratualmente obrigatórias para a gestão de um fundo de investimento imobiliário, encontram-se preenchidos os requisitos elencados pelo TJUE para que estes devam ser considerados isentos ao abrigo da isenção de IVA supra referida.

4.Ora, estabelece o nº 7 do artigo 29º do Código do IVA que “quando o valor tributável de uma operação ou o imposto correspondente sejam alterados por qualquer motivo, incluindo inexatidão, deve ser emitido documento retificativo da fatura

5. Neste contexto e face ao supra exposto, gostaríamos de solicitar a anulação das faturas anteriormente emitidas pela C... ao A... durante o período compreendido entre junho e agosto de 2022 (juntas em anexo enquanto Documento nº 1, e emissão de novas com a respetiva aplicação da isenção deste imposto e consequentemente a restituição do IVA indevidamente suportado pelo A... .

Permaneceremos ao inteiro dispor para apresentar qualquer informação ou esclarecimento que se revele necessário”.

k- Com data de 1 de dezembro de 2023 a C... dirigiu mensagem, via email, ao Requerente, com o seguinte teor,

“As faturas por nós emitidas estão corretas, uma vez que se referem a imóveis sitos em território Português, logo se aplicando o artº 6º,nº 7 à contrari.

Gostaríamos de informar que não iremos emitir notas de crédito relativamente às faturas em questão, uma vez que as mesmas foram corretamente emitidas”

l-em 2024-01-29 o Requerente apresentou junto do CAAD pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

A.2. Factos não provados

Não se provou que, para além da comunicação remetida em 20 de Novembro de 2023 à C... pelo Requerente, tenha este desenvolvido quaisquer diligências no sentido da regularização do IVA em causa nos presentes autos.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada.

A matéria dada como provada assenta nos documentos juntos pelo Requerente e no processo administrativo junto pela AT.

Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de selecionar os factos que importam para a decisão, de discriminar a matéria provada da não provada [(cfr, art. 123º nº 2 do CPPT, e nº 3 do artigo 607º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)].

Deste modo os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica a qual é estabelecida em atenção às várias soluções da (s) questão (ões) de direito.(cfr, artigo 596º do CPC, ex vi artigo 29º, alínea e) do RJAT).

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua íntima convicção tomada a partir do exame de avaliação que faz dos meios de prova aportados ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr, artº 607º, nº 3 do CPCivil, na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 43/2013, de 26 de Junho.

Somente quando a força probatória de certos meios de prova se encontra pré-estabelecido por lei, vg. a força probatória dos documentos autênticos (cfr, artigo 371º, nº 3 do Código Civil) é que não domina na apreciação das produzidas o princípio da livre apreciação.

Deste modo, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, os documentos carreados para o processo, bem assim como o processo administrativo anexo, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

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IV -DO REENVIO PREJUDICIAL

 

O Requerente, a título subsidiário, sugeriu que a questão suscitada no presente processo fosse objecto de reenvio prejudicial para o TJUE.

Como tem vindo já a ser expressado, o reenvio prejudicial é um mecanismo fundamental do direito da União Europeia, que tem por finalidade fornecer aos orgãos jurisdicionais dos Estados-Membros o meio de assegurar uma interpretação, e uma aplicação uniforme deste direito em toda a União.

Por força do artigo 19.º 3/ b) do Tratado da União Europeia e do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o Tribunal de Justiça da União Europeia, é competente para decidir a título prejudicial, sobre a interpretação do direito da União e sobre a validade dos actos adoptados pelas instituições, orgãos ou mecanismos da União.

Os tribunais arbitrais integram o conjunto de tribunais nacionais como expressamente resulta do previsto no artigo 209.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Enquanto tal, e no desempenho activo da sua função arbitral, atendendo à natureza excepcional do recurso da decisão dos tribunais arbitrais em matéria tributária, o legislador nacional deixou expresso no preâmbulo do Decreto-Lei nº 10/2011, que “(…) nos casos em que o tribunal arbitral seja a última instância de decisão de litígios tributários, a decisão é susceptível de reenvio prejudicial em cumprimento do n.º 3 do artigo 267.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia”.

Não é pois questionável  que em caso de dúvida sobre a interpretação de normas jurídicas de direito europeu o tribunal arbitral possa recorrer ao mecanismo do reenvio prejudicial.

Os tribunais nacionais são considerados como tribunais comuns da Ordem jurídica da União Europeia, dado o número considerável de normas e de actos comunitários, constituídos por disposições directamente aplicáveis ou com efeito directo, cabendo aos tribunais nacionais dos Estados-Membros aplicá-la aos litígios que lhe sejam submetidos à apreciação. Cabe, pois, aos tribunais nacionais o dever de aplicar o direito comunitário, mesmo contra disposições de direito interno em sentido contrário.

Assim, para recorrer ao processo de reenvio de uma ou mais questões a título prejudicial, para interpretação de uma ou mais normas jurídicas de direito comunitário, originário ou derivado, é necessário que subsistam dúvidas sobre a interpretação do texto em causa. Pelo contrário, se o texto é perfeitamente claro, não se trata de interpretar, mas sim de o aplicar, que é da competência do Tribunal/ Juiz/ Árbitro incumbido da competência de julgar o caso concreto aplicando a lei, a nacional e / ou comunitária se for esse o caso. Este entendimento é amplamente conhecido pela doutrina e jurisprudência como “ teoria do acto claro”.

Nesta conformidade, não se antevendo dúvidas de interpretação que fundamentem o pedido de reenvio nem tão pouco indicando o Requerente as questões concretas que pretenderia ver colocadas ao TJUE, decide-se rejeitar o pedido de reenvio prejudicial.

 

V-DO DIREITO

thema decidendum

Como já referido, a questão central do presente processo e que importa apreciar e decidir consiste em saber se, no caso concreto, o Requerente na qualidade de repercutido legal, tem legitimidade para requerer directamente à AT o reembolso do IVA que foi liquidado nas facturas a si emitidas pela C..., Lda., no período compreendido entre Junho e Agosto de 2022.

Estão em causa os actos tributários de autoliquidação de IVA, com referência aos meses de Junho a Agosto de 2022, consubstanciados nas declarações periódicas de IVA entregues pela entidade denominada C... entidade esta que prestou serviços de mediação imobiliária e gestão de fundos de investimento ao Requerente, no assinalado período temporal e donde resultou o pagamento de IVA no montante de 262.129,38 € na esfera do” Fundo”

 

posição do Requerente

Em brevíssima nota e para o que aqui releva, a Requerente pugna pelo reembolso do IVA no referido montante que por si foi indevidamente suportado com a aquisição de serviços de gestão e administração de fundos de investimento contratualizados com a sociedade C... na medida em que aos mesmos deveria ter sido aplicada a isenção de IVA que resulta do disposto na subalínea g) da alínea 27 do artigo  9º do CIVA, onde se dispõe; estão isentas de IVA “a administração ou gestão de fundos de investimento”.

Invoca a Requerente que celebrou em 18 de Maio de 2022, com a C... um contrato de mediação imobiliária no âmbito do qual esta se comprometeu a diligenciar, em regime de exclusividade, pela angariação de interessados na compra dos ativos imobiliários de que era proprietária.

Tendo a C... enquadrado os serviços prestados ao Requerente como de mediação imobiliária enquanto uma operação sujeita a IVA, e deste imposto não isenta, emitiu as respectivas facturas ao FUNDO e liquidou o respectivo IVA à taxa de 23%.

De acordo com a sua perspectiva, o alegado montante de IVA (262.129,38 €) foi indevidamente suportado por si quando, ao invés, deveria ter sido aplicada a isenção prevista no artigo 9º, alínea 27), subalínea g) do CIVA.

Afirma ainda que após a constatação do erróneo enquadramento em IVA encetou, junto da C... todos os esforços para que este procedesse à substituição das facturas e à inerente emissão de novas que passassem a refletir  o correto enquadramento em IVA.

Peticiona ainda a Requerente o pagamento de juros indemnizatórios.

posição da Requerida

Invoca a AT, em brevíssima síntese e para o que aqui importa, que os custos com a mediação imobiliária, não são custos específicos da gestão do fundo, mas antes e sim, transversais a qualquer operador que desenvolva actividade similar (compra e venda e arrendamento de imóveis), sob qualquer outra forma organizacional.

A ratio legis da isenção em apreço é o de não onerar a opção de sub contratação de gestão de fundos e não, todo e qualquer custo que os fundos suportem.

(…) se não for contratada a gestão do fundo, de igual forma, recorrem os fundos, por norma a serviços de mediação imobiliária e, esses serviços não são isentos.

Aplicar essa isenção aos serviços de mediação imobiliária quando a gestão do fundo seja contratada e, não aplicar, quando o não for, cria distorções no mercado e, essas distorções, que decorreria única e exclusivamente da aplicação do IVA, constituiriam, isso, sim, uma violação flagrante do princípio da neutralidade, princípio basilar da construção do imposto.

(…) é forçoso concluir que não se comprova que seja aplicável, no caso dos autos, a invocada excepção, por não se demonstrar cumprido o regime de subcontratação e/ou porque nem todas as funções exercidas no âmbito da gestão e administração de um fundo de investimento, quando fornecidas em regime de subcontratação às SGOIC, se encontram abrangidas pela isenção.

Conclui a Autoridade Tributária e Aduaneira a sua resposta no sentido de que deve o pedido de pronúncia arbitral ser improcedente por não provado.

POSTO ISTO

Tendo em consideração a identidade factual e de direito subjacentes nos presentes autos, com as que decorrem do já assinalado processo arbitral nº 472/2023-T de 26 de Fevereiro de 2024, prolatado sob a égide do CAAD, e na medida em que este tribunal pugna, na medida do possível, pela uniformização e estabilidade das decisões, transcreve-se em parte significativa, o que vem dito no sinalizado processo, com as necessárias e devidas adaptações:

“Dispõe a subalínea g) da alínea 27 do artº 9 do Código do IVA, que estão isentas de imposto a administração ou gestão de fundos de investimento. Esta norma corresponde à transposição da alínea g) do nº 1 do artº 135 da Diretiva IVA, que dispõe que está isenta de imposto a gestão de fundos comuns de investimento, tal como definidos pelos Estados-Membros”.

“Conforme refere o TJUE, “a isenção prevista nessa disposição tem por finalidade favorecer o acesso dos pequenos investidores ao mercado de valores mobiliários. Efetivamente, a gestão comum dos investimentos nos fundos comuns de investimento oferece-lhes a possibilidade de deter, apesar de um investimento modesto, uma carteira diversificada que os protege dos riscos inerentes à flutuação do valor dos títulos e permite-lhes repartir o custo de uma gestão especializada. Na falta de isenção, os detentores de unidades de participação nos organismos de investimento coletivo são tributados mais pesadamente do que os investidores, a priori de maior dimensão, que investem diretamente o seu dinheiro em títulos sem recorrer a prestações de gestão de fundos. Ora, o princípio da neutralidade fiscal opõe-se a que os operadores económicos que efetuam as operações sejam tratados de forma diferente em matéria de cobrança do IVA”.

“As isenções previstas no nº 1 do artigo 135º da Diretiva IVA constituem conceitos autónomos do direito da União, que tem por objetivo evitar divergência na aplicação do regime do IVA na União e devem, consequentemente, ser objeto de uma definição comum, cujo conteúdo não pode ser modificado pelos Estados-Membros. Não obstante, tal não é o caso quando o legislador da União Europeia confia aos Estados-Membros a definição de determinados termos de uma isenção. No que respeita à mencionada alínea g), o TJUE já esclareceu que (i) o conceito de “gestão” aí mencionado é um conceito autónomo do direito da União; diferentemente, (ii) cabe aos Estados-Membros a definição de “fundos comuns de investimento”.

 

“No caso em apreço, não restam dúvidas que o Requerente, na qualidade de fundo de investimento imobiliário regulado pela CMVM, se enquadra no conceito de fundo comum de investimento para efeitos do artº 135 da Diretiva IVA.”

“Por sua vez, quanto ao conceito de “gestão” de fundos comuns de investimento previsto na alínea g) do nº 1 do artº 135 da Diretiva IVA, é entendimentos do TJUE que:

i.As operações abrangidas por esta norma são as que são específicas e essenciais à atividade dos organismos de investimento coletivo, abrangendo, para além da gestão da carteira de investimento (em títulos ou em ativos imobiliários), as funções de administração dos próprios organismos de investimento coletivo (como serviços jurídicos e de contabilidade de gestão do fundo, etc.); e

ii.Este conceito é definido em função da natureza das prestações de serviços que são efetuadas e não em função do prestador ou do destinatário do serviço, não sendo necessário, para efeitos da aplicação da isenção, que os serviços em causa sejam totalmente externalizados (porquanto tal interpretação limitaria o efeito útil da isenção de IVA quando fornecida por terceiro)”.

“Face ao exposto, são, portanto, abrangidas pela isenção de IVA acima identificadas as prestações que “tenham um nexo intrínseco com a gestão de fundos comuns de investimento e sejam exclusivamente fornecidas para efeitos da gestão de fundos, independentemente de serem totalmente externalizadas”. Como tal, o facto de estarmos, in casu, perante serviços prestados por uma entidade terceira (…) ao Requerente, não afasta, por si só, a aplicação da isenção da subalínea g) da alínea 27) do artº 9 do Código do IVA, desde que os serviços de mediação imobiliária e de gestão imobiliária prestados cumpram os requisitos acima identificados pelo TJUE e, em particular formem um conjunto distinto, apreciado de modo global, que tenha por efeito preencher as funções específicas e essenciais da gestão de fundos comuns de investimento”.

 

“Para aferir, em concreto, no âmbito e conteúdo das funções específicas e essenciais da gestão de fundos comuns de investimento devemos socorrer-nos, a nível europeu, da Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13.07.2009 (“Diretiva OICVM”) e, a nível nacional, do RGA, que transpõe esta Diretiva europeia para o ordenamento nacional”.

“No que respeita à Diretiva OICVM, estabelece o nº 2 do seu artigo 2º que “a atividade habitual de uma sociedade gestora (de um fundo comum de investimento) inclui as funções referidas no anexo II”, o qual de forma não exaustiva, enuncia as seguintes funções incluídas na atividade de gestão coletiva de carteiras:

  1. Gestão de investimento
  2. Administração:
  1. Serviços jurídicos e de contabilidade de gestão de fundos;
  2. Consultas dos clientes;
  3. Avaliação da carteira e determinação do valor da unidades de participação (incluindo declarações fiscais);
  4. Controlo da observância da regulamentação;
  5. Registo dos participantes;
  6. Distribuição de rendimentos;
  7. Emissão e resgate de unidades de participação;
  8. Procedimento de liquidação e compensação (incluindo o envio de certificados;
  9. Registo e conservação de documentos.

c) Comercialização

“Por sua vez, o artigo 63º do RGA regula, para o ordenamento nacional, as funções das sociedades gestoras de organismos de investimento, as quais diferem consoante se trate (i) de organismos de investimento coletivos (“OIC”) ou (ii) de organismos de investimento alternativo (“OIA”) imobiliário. E, no que respeita à gestão de OIA (in casu, o Requerente é um fundo de investimento imobiliário que assume a natureza de OIA ), determina o nº 3 do referido artº 63 que a sociedade gestora destes organismos desempenha as seguintes funções (que são, portanto, as funções específicas e essenciais da gestão destes fundos):
a) Gere instalações  e presta serviços de  imobiliária;

b) Presta aconselhamento de empresas sobre a sua estrutura de capital, estratégia comercial e assuntos conexos;

c) Presta aconselhamento e serviços na área das fusões e aquisição de empresas e outros servições relacionadas com a gestão do OIA e das empresas e outros ativos em que o mesmo tenha investido”.

 

“Complementarmente, o artigo 225º do RGA determina as operações permitidas aos OIC imobiliária (como é o caso do Requerente), especificando que estes podem:

  1. Adquirir imóveis para arrendamento ou destinada a outra formas de exploração onerosa;
  2. Adquirir imóveis para revenda;
  3. Adquirir outros direitos sobre imóveis, tendo em vista a respetiva exploração económica;
  4. Realizar obras de melhoria, ampliação e de requalificação de imóveis em carteira;
  5. Desenvolver projetos de construção e de reabilitação de imóveis com uma das finalidades previstas nas alíneas a) e b).

 

“Face ao exposto, entende este Tribunal que os serviços prestados pela [ (leia-se C..., Lda.)] ao Requerente, quer na vertente de mediação imobiliária (que com vimos compreende a análise de propostas de aquisição e de arrendamento, identificação de potenciais compradores e arrendatários, preparação da estratégia de venda de imóveis, etc.) quer na vertente de property management (colaboração na definição da estratégia dos ativos, coordenação dos contratos de arrendamento e dos processos de venda dos imóveis, elaboração e implementação de comercialização e comunicação dos ativos imobiliários, etc.). correspondem a funções específicas da gestão de um fundo de investimento imobiliário, que teriam de ser desempenhadas pela sociedade gestora, no exercício das funções core não fossem externalizadas. De facto, estamos na presença de funções nucleares que seriam sempre necessárias, e essenciais, ao funcionamento de um fundo de investimento imobiliário e à efetiva gestão do seu património (i.e., dos seus ativos), e que apresentam um nexo direto e intrínseco com a especificidade da natureza do fundo em causa (OIA imobiliário), não sendo transversais a todos os tipos de fundos de investimentos.”.

Acresce que, frequentemente, os prestadores de serviços especializados no mercado de ativos imobiliários detêm um know-how relevante e significativo, de que as sociedades gestoras querem beneficiar, sendo, como tal, prática comum do mercado a celebração deste tipo de contratos de parceria. Ou seja, existe um racional económico e funcional por detrás da externalização deste tipo de funções pelas sociedades gestoras, que se baseia num reconhecimento de que determinados players do mercado imobiliário estão em melhores condições do que estas, face ao seu know-how acumulado, de desempenhar funções de gestão e administração de ativos imobiliários de fundos de investimento imobiliários. E, como tal, seria contrário ao princípio da neutralidade do imposto, e contrário à racionalidade objetivo da própria isenção de IVA aqui subjacente, que o desempenho de tais funções por entidades terceiras não pudesse beneficiar da isenção do imposto”.

 

Recortando – se ainda do acórdão arbitral que vimos citando.

“Face ao exposto, conclui-se que os serviços prestados pela [leia-se C...] ao Requerente aqui em análise têm cabimento, quer na anexo II da Diretiva OICVM, quer nas funções a desempenhar pelas sociedades gestoras de OIA nos termos do disposto no RGA, e formam um conjunto distinto e autónomo, para efeitos do conceito de gestão de fundos de investimento da alínea g) do nº 1 do artº 135º da Diretiva IVA. Consequentemente, tais serviços estão abrangidos pela isenção de IVA da subalínea g) da alínea 27) do artº 9 do Código do IVA”

“Tendo concluído supra pela aplicação da isenção de IVA da subalínea g) da alínea   27) do artº 9 do Código do IVA aos serviços de mediação imobiliária e de property management prestados pela [leia-se C...] ao Requerente, é igualmente, de concluir pela liquidação indevida de impostos, de que o Requerente pretende agora ser reembolsado por esta via, no que respeita aos serviços prestados” [entre Junho e Agosto de 2022].

 

“Da conjugação da alínea c) do nº 1 do artigo 2º, e do artº 27, ambos do Código do IVA resulta que IVA que seja indevidamente faturado se torna devido por força dessa menção da fatura, e deve, consequentemente, ser entregue ao Estado. Tal justifica-se por razões de salvaguarda da receita fiscal, porquanto o adquirente dos bens ou serviços pode, por sua vez, exercer o direito à dedução, na sua esfera, do montante de IVA constante dessa fatura”.

In casu, no entanto, ficou provado que o Requerente, na qualidade de adquirente dos serviços, não deduziu [no período de Junho a Agosto de 2022], pelo que o objetivo pretendido com esta cláusula de proteção do erário público já foi assegurado por via da não dedução original do imposto”.

“Também não foram suscitadas questões de abuso ou de fraude fiscal, que pudessem justificar medidas especiais de proteção da receita fiscal por via da recusa, ao destinatário, do reembolso do IVA indevidamente faturado e pago.”

“Segundo jurisprudência constante do TJUE, na falta de disposição na Diretiva IVA sobre a regularização do imposto indevidamente faturado pelo emitente da fatura, em princípio cabe aos Estados-Membros determinar as condições em que esse IVA pode ser regularizado, devendo essas condições respeitar os princípios da equivalência e efetividade. E, como tal, a fim de assegurar a neutralidade do IVA, cabe aos Estados-Membros prever, na sua ordem jurídica interna a possibilidade de regularização de qualquer imposto indevidamente faturado, desde que o emitente da fatura demonstre a sua boa fé.”

“Em particular, resulta da jurisprudência do TJUE que “uma legislação nacional nos termos da qual, o prestador de serviços que pagou por erro o IVA às autoridades tributárias pode exigir o seu reembolso e, por outro, o destinatário dos serviços pode intentar uma ação cível para obter a repetição do indevido contra esse prestador de serviços, respeita os princípios da neutralidade do IVA e da efetividade. Com efeito, esse sistema permite que o destinatário que suportou o encargo do IVA faturado por erro obtenha o reembolso dos montantes pagos indevidamente”. E “se o reembolso do IVA se tornar impossível ou excessivamente difícil, (…) os princípios da neutralidade do IVA e da efetividade exigem que os Estados-Membros prevejam os instrumentos e vias processuais para permitir ao destinatário recuperar o IVA indevidamente faturado, nomeadamente em resposta ao seu pedido de reembolso diretamente dirigido à Autoridade Tributária”.

“Recentemente, o TJUE voltou a afirmar este princípio no processo C-453/22, de 07.09.2023 (…) no âmbito do qual concluiu que a Diretiva IVA e os princípios da neutralidade do imposto e da efetividade devem ser interpretados no sentido de que ”exigem que o beneficiário de entregas de bens, disponha diretamente junto da Autoridade Tributária, de um direito ao reembolso do IVA indevidamente faturado que ele pagou aos seus fornecedora e que estes por seu turno pagaram à Fazenda Pública, acrescido dos juros correspondentes, nas circunstância de, por um lado, nenhuma fraude, abuso ou negligência lhe poderem ser imputados, ele já não poder reclamar este reembolso aos seus fornecedores por força de norma prevista no direito nacional (no caso, uma norma de prescrição), e, por outro lado, haver uma possibilidade formal de, posteriormente, os referidos fornecedores reclamarem à Autoridade Tributária o reembolso do montante cobrado em excesso depois de retificadas as faturas inicialmente emitidas ao beneficiário destas  entregas.”

Em jeito conclusivo;

“Face ao exposto, resulta claro da jurisprudência do TJUE que:

  1. Os sujeitos passivos que tenham suportado indevidamente imposto na aquisição de bens ou serviços aos seus fornecedores têm direito ao reembolso desse montante indevidamente pago, nos casos em que estejam de boa-fé, e, portanto, inexista abuso ou fraude fiscal, bem como perda da receita fiscal, não obstante tal imposto se ter tornado devido, num primeiro momento, por via da sua menção em fatura;
  2. O direito ao reembolso de IVA indevidamente liquidado deve ser, em primeira linha, exercido pelo sujeito passivo adquirente junto do fornecedor que procedeu à liquidação, e respetiva entrega, desse imposto ao Estado (e a legislação nacional tem mecanismos processuais que permitem o exercício desse direito em juízo cível);
  3. Complementarmente, o TJUE reconhece um direito ao reembolso direto do Estado ao adquirente/repercutido (apenas ) em circunstâncias especiais, i.e., se e na medida em que o reembolso do IVA pelo fornecedor se torne impossível ou excessivamente difícil – por exemplo, quando o fornecedor não esteja em condições de promover esse reembolso por estar insolvente (C-397/21) ou quando já não seja possível ao adquirente dos bens ou serviços atuar judicialmente, por via da caducidade ou prescrição do seu direito (C-453/22). São portanto, cenários de extrema e comprovada dificuldade ou, mesmo, absoluta impossibilidade, em que o reembolso do imposto pelo Estado ao adquirente seria manifestamente gravoso e injustificado, porquanto este (adquirente) já não conseguirá obter tal reembolso do seu fornecedor;
  4. Nos casos em que o reembolso seja concedido ao adquirente dos bens ou serviços e não ao fornecedor, cabe às administrações fiscais adotarem os procedimentos necessários (neste caso de recusa) para evitar o risco de duplo reembolso, caso o fornecedor desses bens ou serviços pretenda a posteriori, ser igualmente reembolsado desse montante.”.

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No caso concreto, e como consta do probatório, o Requerente enviou à sua prestadora de serviços C... em 20 de Novembro de 2023, comunicação escrita solicitando a substituição das faturas a si emitidas por esta com datas de 2022-06-21,2022-07-29 e 2022-08-05, relativas à prestação de serviços no período compreendido entre Junho e Agosto de 2022.

Nesta sequência, a C..., através de e-mail de 1 de Dezembro de 2023, respondeu à referida comunicação do Requerente no sentido de que “as faturas por nós emitidas estão corretas, uma vez que se referem a imóveis sitos em território Português, logo se aplicando o art. 6º nº 7 a) a contrari.

Gostaríamos de informar que não iremos emitir notas de crédito relativamente às faturas, uma vez que as mesmas foram corretamente emitidas”.

 

Por outro lado, não há registo ou prova nos autos de quaisquer outras diligências ou iniciativas promovidas pelo Requerente no que concerne à regularização do IVA indevidamente por si suportado, nem tão pouco que tenha realizado “ todos os esforços e diligências possíveis junto do fornecedor para que este efetuasse a substituição das faturas em apreço (…)” (cfr., artigo 76º do ppa).

Com efeito, o direito ao pedido de reembolso do IVA apenas se verifica no que se refere ao repercutido legal, desde que se afigure “impossível ou excessivamente difícil” para o adquirente obter junto dos seus fornecedores, o reembolso do IVA.

É este o sentido que decorre dos parágrafos 22 e 23 do acórdão relatado no Processo C-453/22 de 7 de Setembro de 2023.

Cumprirá pois perceber se, na situação subjacente se verificam a dita impossibilidade ou excessiva dificuldade por parte do Fundo.

Ora, como supra referido, para além da troca de comunicações entre o Requerente e a C..., não decorre do probatório que o Requerente tenha promovido quaisquer outras diligências, iniciativas ou esforços necessários ao reconhecimento do direito a que se arroga, não tendo assim cumprido o ónus de prova que lhe competia, improcedendo deste modo o seu pedido.

 

VI-JUROS INDEMNIZATÓRIOS

Na sequência da improcedência do pedido de pronúncia arbitral, fica prejudicado o conhecimento do pedido de juros indemnizatórios por não serem devidos.

 

VII-DECISÃO

Face ao exposto decide este Tribunal Arbitral Colectivo:

1.julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral com todas as legais consequências;

ii. condenar o Requerente no pagamento das custas do processo.

 

VALOR DO PROCESSO

De conformidade ao estabelecido nos artigos 296º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 46/2013, de 26 de Junho, 97ºA do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 262.129,38 € (duzentos e sessenta e dois mil, cento e vinte e nove euros, e trinta e oito cêntimos).

 

CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigo 12º, nº 1, 22º do RJAT, e artigos 3º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem, e Tabela 1 à mesma anexa, fixa-se o montante de custas em 4.896,00 € (quatro mil oitocentos e noventa e seis euros).

  • Notifique.

Lisboa, 23 de  Setembro de dois mil e vinte e quatro

O árbitro Presidente,

 

(José Poças Falcão)

O árbitro vogal e relator,

 

(José Coutinho Pires)

 

 

 

O árbitro vogal

 

(Gonçalo Marquês de Menezes Estanque; com declaração de voto vencido que se anexa)

 

Declaração de voto de vencido do árbitro adjunto Gonçalo Estanque

 

 

            Em primeiro lugar, noto que, na minha opinião, deveria ter sido considerado provado que o Requerente, à data dos factos, não tinha direito à dedução do IVA. As partes estão, inclusive, de acordo quanto a este facto (vide, artigo 41.º da Resposta da AT e artigo 78.º do pedido de pronúncia arbitral). Tal facto é bastante relevante, pois, por um lado, significa que, da perspectiva do princípio da neutralidade do IVA, a única forma do IVA em crise não consubstanciar um encargo económico para o Requerente seria, in casu, através da correção das faturas e reembolso do IVA. Por outro lado, não existindo qualquer direito à dedução na esfera do Requerente fica, também, eliminado o risco de fraude ou abuso (por exemplo, pela via de obter um reembolso de IVA que fora igualmente deduzido).

 

Adicionalmente, entendo que, relativamente ao facto provado c), não se extrai do Doc. n.º 4, junto aos autos pelo Requerente, que este esteja a agir em representação de outras sociedades. Com relevo para o presente processo dever-se-ia, na minha opinião, simplesmente ter dado como provado que o Requerente, juntamente com outras entidades, celebrou, em 2022-05-18, com a entidade C... Lda., um contrato de mediação imobiliária, em exclusividade, com efeito retroactivo reportado a 2021-06-01.

 

Feita esta nota introdutória, passarei a indicar as razões pelas quais discordo da decisão de julgar improcedente o pedido do Requerente com base no facto não decorrer do probatório “terem sido promovidas outras diligências, iniciativas e esforços necessários ao reconhecimento do direito a que se arroga, não tendo assim cumprido o ónus de prova que lhe competia”.

 

Devo, no entanto, referir que acompanho a decisão na parte em que, seguindo a decisão arbitral proferida no processo n.º 472/2023-T, de 26 de Fevereiro de 2024, conclui pela aplicação da isenção de IVA aos serviços em causa. Assim, concluindo-se, in casu, pela aplicação da isenção de IVA e, na minha opinião, tendo ficado provado que (i) o Requerente, à data dos factos, não tinha direito à dedução do IVA - vide, os meus comentários acima - e (ii) o IVA foi faturado pelo prestador dos serviços e pago pela Requerente - vide, factos provados e) a g) -, naturalmente, existe um direito ao reembolso do IVA erroneamente pago.

 

A questão que se coloca é, pois, qual o meio para a obtenção desse reembolso e quem pode fazê-lo?

 

Na minha opinião o Requerente pode requerer o reembolso do IVA diretamente / junto da AT apenas quando não é possível a correção/reembolso junto do prestador de serviços. Ora, consta do probatório que o Requerente efetuou diligências, junto do prestador de serviços, para que fossem corrigidas as faturas e ficou, igualmente, provado que o pedido do Requerente junto do prestador de serviços foi recusado (vide, factos provados j) e k)).

 

Importa recordar, ainda, que o Requerente era uma entidade sem direito à dedução do IVA, pelo que não houve, pois, qualquer dedução do IVA em causa.

 

Assim, tendo ficado provado que o Requerente efetuou as referidas diligências e, conforme referido acima, sendo de aplicar a isenção de IVA, deveria, pois, a AT ter dado provimento ao pedido de reembolso. É isso mesmo que, salvo melhor entendimento, se extrai da Jurisprudência do TJUE.

Perante uma situação como esta, havendo IVA cobrado incorretamente, o Requerente deve, em primeira instância, solicitar ao Requerente para corrigir as faturas incorretas e emitir uma fatura com o valor correto do IVA (ou, in casu, isenta de IVA).

 

O TJUE decidiu anteriormente que o princípio da efetividade permite que um adquirente (in casu, o Requerente) possa pedir agir diretamente contra as autoridades fiscais se for impossível ou excessivamente difícil recuperar o IVA entregue ao Estado em excesso pelo fornecedor.

Por exemplo, no acórdão de 15 de março de 2007, proferido pelo TJUE no processo C-35/05 (Reemtsma), o TJUE decidiu que um adquirente tem direito a pedir diretamente às autoridades fiscais o reembolso do IVA em excesso pago a um prestador de serviços, se não receber um reembolso desse mesmo prestador de serviços ou se o reembolso for excessivamente difícil de obter  (vide, parágrafo 42 do referido Acórdão do TJUE).

 

No processo C-397/21 (HUMDA), o TJUE decidiu, também, que um adquirente de um serviço pode requerer às autoridades fiscais um reembolso do IVA cobrado erroneamente: “(...) a Diretiva IVA, lida à luz dos princípios da efetividade e da neutralidade do IVA, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro em aplicação da qual um sujeito passivo, ao qual outro sujeito passivo prestou um serviço, não pode pedir diretamente à Autoridade Tributária o reembolso do montante correspondente ao IVA que lhe foi indevidamente faturado pelo referido prestador e que este último pagou à Fazenda Pública, quando a recuperação desse montante junto do prestador de serviços for impossível ou excessivamente difícil pelo facto de este último ter sido objeto de um processo de liquidação, e quando não for possível imputar a estes dois sujeitos nenhuma fraude ou abuso, de modo que não há risco de perda de receitas fiscais para este Estado‑Membro” (vide, parágrafo 30; negrito nosso).

 

Mais recentemente, em 7 de setembro de 2023, o TJUE, no processo C-453/22 (Schütte), veio reiterar que “(...) se for impossível ou excessivamente difícil para o adquirente obter, junto dos fornecedores, o reembolso do IVA indevidamente faturado e pago, este adquirente, não lhe sendo imputado nenhum abuso, fraude ou negligência, tem o direito de dirigir o seu pedido de reembolso diretamente à Autoridade Tributária” (vide, parágrafo 26). Note-se que, in casu, em momento algum, foi demonstrada - ou sequer invocada - uma prática abusiva ou fraudulenta por parte do Requerente.

 

Por outro lado, importa referir, ainda, que o Acórdão Schütte tem subjacente uma situação onde os prestadores dos serviços negaram o reembolso / correção do IVA em excesso com fundamento na prescrição da dívida nos termos da lei civil. Sendo que, tal facto, de acordo com o TJUE, é uma das circunstâncias em que pode ser impossível ou excessivamente difícil obter o reembolso do IVA indevidamente faturado e pago e, como tal, um adquirente de serviços pode requerer diretamente o reembolso do IVA.

 

No entanto, a insolvência, liquidação ou prescrição não são as únicas circunstâncias que permitem a um adquirente apresentar diretamente junto da respetiva autoridade tributária um pedido de reembolso. Neste particular, o Acórdão Schütte é, na minha opinião, claro ao indicar que “é pacífico que a utilização sistemática do advérbio «designadamente» nesta jurisprudência demonstra que a hipótese da insolvência dos fornecedores é apenas uma das circunstâncias em que pode ser impossível ou excessivamente difícil obter o reembolso do IVA indevidamente faturado e pago” (vide, parágrafo 29).

 

Aliás, na minha opinião, seria “caricato” que o Requerente tivesse de aguardar pela prescrição da dívida nos termos do Direito Civil para poder agir diretamente junto da AT com vista a obter o reembolso do IVA, principalmente quando, como sucede in casu, ficou demonstrado que o prestador dos serviços não irá corrigir as faturas. Tal recusa é, pois, na minha opinião uma das circunstâncias em que é excessivamente difícil obter o reembolso do IVA.

 

Ademais, o TJUE, também, no Acórdão Schütte refere que “(...) uma regulamentação nacional ou uma prática nacional que conduza a recusar ao adquirente de bens o reembolso do IVA a montante que lhe foi indevidamente faturado e que pagou em excesso aos seus fornecedores não é apenas contrária ao princípio da neutralidade do IVA e ao princípio da efetividade, sendo também desproporcionada, quando lhe seja impossível pedir aos seus fornecedores este reembolso por força da prescrição que estes invocam” (parágrafo 25).

É certo que a decisão arbitral invoca, citando a decisão arbitral 472/2023-T, a possibilidade do recurso à ação cível porém, na minha opinião, in casu, tal possibilidade terá como obstáculo a “prática nacional” dos tribunais comuns não se considerarem competentes para apreciar isenções de IVA, conforme se extrai do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no âmbito do Proc. 1399/06-2, de 12/10/2006, “Torna-se manifesto - e as partes estão de acordo neste conspecto - que os tribunais comuns não são competentes para se pronunciarem sobre matéria de isenção de IVA (decidir se uma determinada operação está isenta de IVA)”. Sendo que, recorde-se, o ponto de partida deste processo é, precisamente, determinar, em primeiro lugar, se haveria ou não lugar à aplicação da isenção de IVA e este Tribunal Arbitral concorda - e bem, na minha opinião - com a aplicação da isenção de IVA.

 

Sucede, porém, que, perante tudo o que acima se referiu, e com o devido respeito, entendo que deveria este Tribunal Arbitral ter confirmado a existência do direito do Requerente requerer o reembolso do IVA diretamente junto da AT. Face ao exposto, teria julgado procedente o pedido do Requerente e, consequentemente, ordenado o reembolso do montante de €262.129,38.

 

 

(Gonçalo Marquês de Menezes Estanque)