Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 165/2024-T
Data da decisão: 2024-09-13   Outros 
Valor do pedido: € 62.730,57
Tema: Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR). Conformidade com o Direito da União. Repercussão de impostos indirectos.
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SUMÁRIO

I.          A Contribuição do Serviço Rodoviário é um tributo que contraria a Directiva 2008/118 relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo porque, pré-existindo um imposto sobre os produtos petrolíferos (o ISP), o Estado português apenas poderia fazer incidir novo imposto sobre os mesmos produtos se este tivesse em vista motivos específicos, o que não acontece, na medida em que não existe uma relação directa entre a utilização das receitas e as invocadas finalidades de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental.

II.        O tribunal arbitral é competente para conhecer do pedido de pronúncia sobre o indeferimento tácito do pedido de revisão dos actos tributários de liquidação da Contribuição do Serviço Rodoviário, uma vez que este tributo deve ser tratado como imposto para efeitos da Portaria 112-A/20111 de 22.3, por não haver um nexo específico entre o benefício emanado da actividade pública titular da contribuição (a Intraestruturas de Portugal, SA) e os sujeitos passivos (as empresas comercializadoras de combustíveis), desaparecendo, por isso, a natureza de contribuição financeira.

III.  A não identificação dos actos de liquidação da CSR cuja devolução é pedida resulta na ineptidão da petição por ficar por demonstrar a existência desses actos e o efectivo pagamento do tributo, o que impossibilita também a demonstração da repercussão e da verificação da tempestividade do pedido de revisão oficiosa em que assenta o pedido de pronúncia arbitral.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros, Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Presidente), António de Barros Lima Guerreiro e Rui M. Marrana (vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Colectivo, acordam no seguinte:

 

Relatório

1.A..., Lda, pessoa colectiva n.º ..., com sede na Rua ..., ..., ...-...  ...- doravante referida por Requerente -, veio requerer, ao abrigo do disposto no art. 10.º do DL 10/2011, de 20.1 (Regime da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT) e dos art.os 1.º e 2.º da Portaria 112-A/2011, de 22.3 a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir o respectivo pedido de pronúncia sobre as liquidações respeitantes a Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) realizadas pela B..., SA, cujos valores foram repercutidos na venda de 565.140,29 litros de gasóleo que esta empresa lhe fez entre 4.7.2019 e 31.12.2022, em face da qual a Requerente suportou 62.730,57 € a título de CSR e, bem assim, sobre a decisão final de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa enviado pela Requerente em 7.7.2023 à Direcção de Finanças de Coimbra.

2.É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por AT ou Requerida.

3.Em 9.2.2024 o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação da AT.

4.De acordo com o preceituado nos art.os 5.º/3 a), 6.º/2 a) e 11.º/1 a) do RJAT, o Ex.mo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

5.Em 27.2.2024 a AT apresentou um requerimento no qual solicitava que a Requerente identificasse os actos de liquidação cuja legalidade pretende ver sindicada, tendo o Ex.mo Presidente do CAAD, nessa data, determinado o envio do mesmo ao tribunal arbitral a constituir, por ser o órgão competente para a sua apreciação.

6.O Tribunal Arbitral ficou constituído em 19.4.2024.

7.Em 25.5.2024 a Requerida apresentou Resposta, com defesa por excepção e impugnação, juntando o processo administrativo.

8.Em 1.6.2024 foi proferido despacho pela Senhora Presidente do Tribunal Arbitral, concedendo à Requerente dez dias para, querendo, exercer o direito ao contraditório quanto à matéria de excepção invocada na Resposta da AT, tendo-se pronunciado a Requerente em 18.6.2024.

9.Em 22.6.2024 foi proferido despacho dispensando a reunião prevista no art. 18.º do RJAT, facultando às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas, sendo, para o efeito, concedido um prazo de 15 dias simultâneos.

10.Em 28.6.2024 a Requerente juntou declaração da B... que assegura ter repercutido a CSR na esfera daquela, tendo a Senhora Presidente do Tribunal Arbitral proferido despacho em 11.7.2024 concedendo à Requerida prazo de 10 dias para se pronunciar sobre o pedido.

11.A Requerida apresentou alegações em 16.7.2024.

 

Posição da Requerente

12.A Requerente é uma sociedade cujo objecto social consiste na exploração de carreiras de serviços públicos e de transportes colectivos de passageiros e de mercadorias, ou ainda, qualquer outro ramo de comércio ou indústria que a sociedade delibere explorar.

13.No contexto da sua actividade, a Requerente realizou entre 4.6.2019 e 31.12.2022 as compras de combustível sujeito a incidência de CSR identificadas no quadro seguinte

Ano

Litros

Preço s/ IVA (€)

Facturas

Comprovativos de pagamento

2019

112.648,86

117.844,72

Doc. 2

Doc. 3

2020

141.402,78

135.821,11

Doc. 4

Doc. 5

2021

149.929,65

224.198,07

Doc. 6

Doc.7

2022

161.159,00

227.198,07

Doc. 8

Doc.9

Total

565.140,29

647.331,32

 

 

 

14.A aquisição dos quantitativos de combustível indicados implicou o pagamento de 62.730,57 € de CSR (correspondente a 111€/1000 litros de gasóleo nos termos do art. 4.º/2 da Lei 55/2007, na redacção introduzida pelo art. 169.º da Lei do Orçamento de 2015 – Lei 82-B/2014).

15.Em 7.7.2023 a Requerente apresentou à Direcção de Finanças de Coimbra um pedido de revisão desses actos tributários de liquidação não se tendo a Autoridade Tributaria pronunciado sobre esse pedido no prazo de 4 meses, referido no art. 57.º/1 da Lei Geral Tributária - LGT, o que obrigou a Requerente a recorrer ao presente procedimento arbitral.

16.Até ao final do ano de 2022, data de alteração da legislação, a CSR constituía um imposto incidente sobre combustíveis rodoviários, que ao nível europeu é enquadrada pela Directiva 2008/118, que fixa a estrutura comum dos Impostos Especiais de Consumo (IEC) harmonizados e pela Directiva 2003/96, a qual cuida especificamente da tributação dos produtos petrolíferos e energéticos.

17.A qualidade de imposto vem sendo unanimemente reconhecida pela jurisprudência do CAAD (cf. proc.os 564/2020-T, 304/2022-T, 305/2022-T, 113/2023-T, 24/2023-T e 410/2023-T), pelo que a legalidade da sua aplicação é arbitralmente apreciável, nos termos do art. 2.º/1 do RJAT (cf. proc.os 113/2023-T, 24/2023-T e 410/2023-T).

18.A Requerente é parte legítima por ter um interesse legalmente protegido (art. 9.º/1 do Código de Procedimento e Processo Tributário - CPPT), sendo que não é necessária a qualidade de sujeito passivo para efeitos de reclamação, recurso, impugnação ou pedido de pronúncia arbitral (art. 18.º/4 a) da LGT) – sempre beneficiando, de qualquer forma, do direito a uma tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º/1 e 268.º da Constituição - CRP) e ainda genericamente do princípio do Estado de Direito Democrático (art. 2.º CRP). De facto, foi o seu património que suportou o desfalque resultante da aplicação da CSR.

19.A legitimidade processual do repercutido para questionar a legalidade intrínseca da liquidação repercutida tem sido, aliás, reconhecida pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) – cf. ac. 25.3.2015, 17.6.2020 e 14.10.2020 –

20.Não fazendo sentido considerar que caberia à Requerentes reclamar junto do vendedor o imposto indevido, já que quem se locupletou com ele foi o Estado.

21.Não colhe também o argumento segundo o qual admitir a legitimidade do repercutido criará o risco de o reembolso poder ser pedido igualmente pelo sujeito passivo o que redundaria na duplicação da devolução. Isto porque caberá à AT – e não aos contribuintes – arcar com as insuficiências demonstrativas, alegatórias e de organização.

22.Recusar a legitimidade processual da Requerentes implicaria ainda uma violação do próprio Direito da União Europeia, cuja aplicabilidade está garantida pelo art. 8.º/4 CRP. Ora, neste âmbito, foi expressamente reconhecida a obrigação dos Estados-membros reembolsarem os impostos cobrados em violação daquele direito (ac. 9.11.1983, San Giorgio, proc. 199/82 e 1.3.2018. Petrotel Lukoil e Georgescu, proc. C-76/17).

23.É aliás a própria AT quem reconhece implicitamente a legitimidade dos repercutidos quando arguiu a ilegitimidade das empresas introdutoras ao consumo de combustível para solicitarem o reembolso de CSR por ter ocorrido repercussão do mesmo (cf. proc. 24/2023-T).

24.O pedido da Requerente é tempestivo nos termos do art. 10.º/1 a) do RJAT, porquanto, invocando a contrariedade do regime da CSR face ao art. 2.º/1 da Directiva 2008/118, esta apresentou o pedido de revisão dos actos tributários em 10.7.2023 – ou seja, dentro do prazo de 4 anos previsto no art. 78.º/1 da LGT, já que existe um erro (de direito) imputável aos serviços (cf. ac. STA 29.5.2013, proc. 0140/13) – tendo-se formado presunção de indeferimento tácito (art. 57.º/1 LGT).

25.Sendo a CSR repercutida no consumidor final – que, no caso, é a Requerente – nos termos do art. 2.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo - CIEC e sendo esse imposto incompatível com o art. 1.º/2 da Directiva 2008/118 por não prosseguir motivos específicos (já que as receitas são genericamente afectadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária), tal como foi reconhecido pelo Despacho do proc. C-460/21 do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), caberá ao Estado reembolsá-lo.

26.Devem, por isso, ser declaradas ilegais as liquidações de CSR, bem como a sua cobrança e repercussão, ordenando-se a sua devolução acrescida de juros indemnizatórios (art. 43.º/1 LGT).

Posição da Requerida

27.A Autoridade Tributária, na sua resposta, começa por fazer um enquadramento da situação explicando a criação da CSR pela Lei 55/2007, a qual assumia a finalidade de  financiar a rede rodoviária nacional, no que respeitava à respectiva concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento.  Essas funções eram atribuídas à EP – Estradas de Portugal, EPE, entidade que, na sequência do Decreto-Lei 91/2015 foi incorporada, por fusão, na Rede Ferroviária Nacional – REFER, EPE., que foi transformada em sociedade anónima, assumindo a designação Infraestruturas de Portugal, SA. 

28.Nos termos do art. 3.º/1 da Lei 55/2007, a CSR representava a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, incidindo sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário, sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) e dele não isentos (art. 4.º/1 do mesmo diploma), sendo devida pelos sujeitos passivos desse ISP, com a introdução ao consumo (formalizada através da respectiva declaração, processada por transmissão electrónica de dados). Na prática a CSR acrescia ao ISP, sendo as respectivas taxas estabelecidas pela Portaria 16-C/2008, de 9.1.

29.As introduções no consumo efectuadas num determinado mês pelos sujeitos passivos que detenham um dos estatutos previstos no CIEC são globalizadas no mês seguinte, numa única liquidação, processada de forma automática (art. 10.º-A do CIEC) sendo estes notificados da liquidação do imposto até ao dia 15 do mês da globalização, devendo o tributo ser pago até ao último dia útil do mês em que foi notificada a liquidação (art. 11.º e 12.º do CIEC).

30.  Depois de introduzidos no consumo (feitas as respectivas declarações) estes combustíveis são, por sua vez, destinados a uma multiplicidade de destinos/clientes (grossistas, distribuidores, postos de abastecimento e consumidores finais) .

31.Feito o enquadramento da CSR, a Autoridade Tributária suscita seguidamente as excepções da incompetência do tribunal em razão da matéria e em razão da causa de pedir.

32.Neste ponto, contrariando a argumentação da Requerente, a AT lembra que a sua vinculação à jurisdição dos Tribunais arbitrais ocorre nos termos da Portaria 112-A/2011, de 22.3, sendo que no objecto desta vinculação definido pelo art. 2.º se refere a apreciação das pretensões relativas a impostos. Apenas impostos, portanto, deixando de fora outras contribuições ou tributos, como é o caso da CSR.

33.Fundamenta o seu entendimento no facto de o legislador não ter enquadrado a CSR no conceito, tal como é referido no art. 4.º da LGT. Cita, a propósito, o entendimento convergente de alguma jurisprudência do CAAD, nomeadamente do Conselheiro Lopes de Sousa no proc. 31/2023-T, o qual encontra do regime definido na Portaria 112-A/2011 um intuito claramente restritivo de onde deriva uma leitura necessariamente no mesmo sentido.

34.Nestes termos (encontrando-se a CSR excluída da arbitragem tributária por força do disposto nos art.os 2.º e 3.º do RJAT e art. 2.º da Portaria 112-A/2011, pelas quais a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição), não se encontra verificada a arbitrabilidade do thema decidendum), não sendo, portanto, os tribunais arbitrais do CAAD materialmente competentes para conhecer do mérito do pedido em apreço, o que prejudica o conhecimento do mérito da causa.

35.Além disso, entende e AT que a incompetência material do tribunal em razão da matéria é alcançável por outra via: é que o pedido de pronúncia arbitral visa a não aplicação da CSR o que supõe a apreciação genérica da sua legalidade, o que excede a competência da instância arbitral, enquanto contencioso de mera anulação.

36.Há, portanto, novamente incompetência material do tribunal arbitral, tal como tem sido reconhecido em diversos processos (212/2020-T, 707/2019-T, 131/2019-T e 117/2021-T).

37.Também os tribunais superiores se pronunciaram já (embora no âmbito da competência dos tribunais administrativos e fiscais), em acções administrativas, sobre a impugnação de actos legislativos, designadamente nos acórdãos do STA de 01.10.2018 (proc. 01390/17 - ISV), n.º 0637/15, de 07.02.2015, e acórdão de 21.04.2016, do TCA Norte (proc. 00502/15.4BEPRT).

38.Insiste a AT numa terceira linha de fundamentação da aludida incompetência material do tribunal arbitral: nos termos do art. 2.º do RJAT, este nunca se poderia pronunciar sobre actos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos da sua liquidação, já que a repercussão não constitui um acto tributário, sendo que nem sequer corresponde a uma repercussão legal, mas sim meramente económica ou de facto.

39.A favor do seu entendimento a AT invoca as decisões nos processos 296/2923-T, 332/2023-T, 375/2023-T, 408/2023-T, 438/2023-T, 466/2023-T, 467/2923-T e 490/2023T.

40.Argui, depois, a Requerida, a ilegitimidade processual da Requerente, por esta não ser o sujeito passivo que procedeu à introdução no consumo dos produtos no território nacional, provando o pagamento dos respectivos ISP/CSR.

41.A introdução ao consumo dos combustíveis adquiridos pela Requerente terá sido feita pela B..., SA a quem caberia identificar os actos de liquidação e solicitar, em caso de erro, a sua revisão, com vista ao reembolso dos montantes cobrados (art.os 15.º e 16.º do CIEC, ex vi art. 5.º/1 L 55/2007; tb. art. 78.º/1 da LGT), já que estamos na presença de impostos monofásicos.

42.Não se encontram, portanto, reunidos os pressupostos para a revisão dos actos tributários, porquanto tal direito não se encontra incluído na esfera jurídica do repercutido económico ou de facto, não podendo a entidade, em que alegadamente teria sido repercutido o imposto, apresentar pedido de revisão ou de reembolso por erro. Donde, não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no art. 4.º do CIEC, não tem legitimidade nos termos supra nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral.

43.Esta situação é reforçada pelo facto de a Requerente não ser o sujeito passivo que suporta o encargo do imposto por repercussão legal, pelo que a falta de legitimidade decorre também do disposto no art. 18.º/4 a) da LGT.

44.No caso em apreço, não existe repercussão legal, mas meramente de facto ou económica, ou seja, os sujeitos passivos poderão eventualmente, no âmbito das suas relações comerciais proceder (ou não), à transferência, parcial ou total, da carga fiscal para outrem (os seus clientes), tendo em conta a política de definição dos preços de venda e as consequências para a sua actividade.

45.Em todo o caso, fica claro que a Requerente não é sujeito passivo e não integra a relação tributária subjacente à liquidação contestada, não havendo, por isso, identificação das liquidações na origem das imposições objecto da alegada repercussão, nem a identificação da alfândega, ou outra estância aduaneira, que tenha efectuado essas mesmas liquidações, e que seria o serviço com competência para apreciar o pedido de revisão ou anulação da liquidação.

46.Aliás, as facturas apresentadas não corporizam actos de repercussão de CSR, nem atestam que tal tributo foi suportado pela Requerente enquanto consumidor final,

47.Verificando-se que a Requerente não consegue demonstrar que o valor pago pelo combustível que adquiriu à sua fornecedora, tem incluído o valor da CSR pago pelo sujeito passivo de ISP/CSR, nem que suportou, a final, o encargo de tal tributo, isto é, que não o repassou no preço dos serviços praticados aos seus clientes, enquanto consumidores finais.

48.Conclui-se, portanto, pela ilegitimidade da Requerente, no sentido de diversas decisões arbitrais (proc. 296/2023-T, 332/2023-T, 375/2023-T, 408/2023-T, 438/2023-T, 466/2023-T,  467/2023-T e 490/2023-T). Na verdade, a Requerente não é sujeito passivo de ISP/CSR e não integra a relação tributária subjacente à liquidação, ou liquidações, contestadas, não sendo devedora, nem quem estava obrigada ao seu pagamento ao Estado. Ela está a jusante do sujeito passivo na cadeia económica, o qual, em termos jurídicos, não é um terceiro substituído.

49.A Requerente não suporta a contribuição por repercussão legal, nem tão pouco corresponde ao consumidor final, pelo que não tem legitimidade nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral, nos termos do artigo 15.º/2 do CIEC e do art. 18.º/3 e 4 a) da LGT.

50.A AT levanta ainda um problema prático concorrente: caso se aceite que a Requerente tenha legitimidade para efectuar o pedido de revisão e de anulação parcial da liquidação do ISP, reclamando o reembolso da CSR alegadamente suportada, poder-se-ia estar perante uma situação de ilegítima, infundada e indevida restituição reiterada de elevadas quantias monetárias a diversas entidades com base nos mesmos (alegados) factos, sem qualquer possibilidade de controlo.

51.De facto, sem a possibilidade de se identificar o registo de liquidação correspondente às transacções posteriores, a Requerida poderia vir a ser sucessivamente condenada a pagar os mesmos montantes de CSR a qualquer operador económico que tenha tido intervenção na cadeia comercial de combustíveis: desde o sujeito passivo de imposto, passando pelos grossistas, distribuidores e revendedores, até ao consumidor final (tenham ou não estes suportado os valores em causa) – tal como se refere no voto de vencida no proc. 491/2023-T.

52.Entende, assim, a AT subsidiariamente que a Requerente será parte ilegítima (o que decorrerá da eventual repercussão do encargo nos seus próprios clientes).

53.A AT invoca, de seguida, a ineptidão do pedido arbitral por falta de objecto, dado não estarem identificados os actos tributários objecto do pedido, conforme determina o art. 10.º/2 b) do RJAT – questão que, aliás, havia referido logo no requerimento apresentado ainda antes da constituição do tribunal (cf. supra §5) – sendo que, se não dispunha da documentação necessária para o efeito, cabia-lhe especificar os actos em causa e solicitar essa documentação, sob pena de indeferimento da petição (art. 429.º, 146.º/2 b) do CPT).

54.Não tendo procedido à identificação dos actos nem solicitado no momento adequado a documentação que os comprovasse (sendo certo que a mera indicação de facturas de aquisição não permite a esta identificar as correspondentes liquidações que terão sido efectuadas pelos sujeitos passivos de ISP, nos termos do art. 4.º do CIEC, na sequência da necessária Declaração de Introdução no Consumo - DIC), o pedido arbitral é inepto.

55.A Requerida fundamenta ainda a pretendida ineptidão do pedido arbitral na  ininteligibilidade do pedido e contradição entre este e sua causa de pedir.

56.Assim, a Requerente vem pedir a declaração de ilegalidade e anulação das liquidações de CSR subjacentes às vendas e facturas no período de 4.7.2019 a 31.12.2022, e das liquidações praticadas pela AT, com base nas DIC supostamente submetidas pela sua fornecedora de combustíveis, apresentando como causa de pedir, para efeitos do reembolso do que alegadamente pagou, a repercussão de um tributo que seria inválido por desconformidade com o Direito da União.

57.Ora, vindo a Requerente formular um pedido de pronúncia sobre legalidade de liquidações, ao impugnar as alegadas repercussões não identifica qualquer acto, bem como não identifica qualquer nexo entre as repercussões e as liquidações da CSR.

58.É que uma eventual ilegalidade das liquidações não redunda necessariamente na ilegalidade das repercussões (até por não existir repercussão legal), o que torna impossível discernir se o objecto do pedido seriam aquelas ou estas.

59.Esta contradição (entre pedido e causa de pedir) é fatal para o prosseguimento da acção, porque o tribunal pode pronunciar-se sobre a legalidade de liquidações, que são actos tributários, mas não pode pronunciar-se sobre a legalidade de fenómenos de repercussão económica, que não são actos tributários: pelo que o pedido poderia ser apreciado por este tribunal, mas não com uma tal causa de pedir.

60.Invoca depois a Requerida a caducidade do direito de acção, resultante do facto de o pedido de revisão oficiosa (cujo indeferimento tácito fundamenta o pedido de pronúncia arbitral apresentado em 7.2.2024) ter ocorrido em 10.7.2023.

 61.Assim, terá decorrido um período temporal muito superior ao prazo da reclamação graciosa (120 dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR), previsto no art. 78.º/1 1.ª parte, da LGT.

62.Terá sido por isso que a Requerente fundamentou o pedido de revisão oficiosa em erro dos serviços, a estes imputável, o que lhe permite utilizar o prazo de 4 anos previsto na segunda parte do art. 78.º/1 da LGT, ao fundamentar o pedido de revisão na ilegalidade das liquidações, por entender que a CSR é um imposto desconforme com o Direito da União Europeia, nomeadamente, com o art. 1.º/2 da Directiva 2008/118.

63.Todavia, as liquidações de CSR foram efectuadas de acordo com a disciplina legal aplicável, pelo que as mesmas não enfermam de qualquer vício, pois, encontram-se em total consonância com as normas aplicáveis, não cabendo á AT deixar de aplicar a norma, com base num julgamento de não conformidade com o Direito da União. Nesse sentido, não lhe pode ser imputado qualquer erro.

64.Por outro lado, também se encontrava precludido o prazo de 3 anos, previsto no art. 15.º/3 do CIEC para requerer o reembolso do alegado valor pago por alegada repercussão económica de CSR, ainda que parcialmente, pelo menos no que se refere a todas as aquisições efectuadas pela Requerente em data anterior a 10.07.2020.

65.Assim, o vício do pedido arbitral decorrente da falta de identificação do(s) acto(s) tributário(s) em crise tem, entre outros, como efeito a impossibilidade de se aferir em pleno da tempestividade dos pedidos de revisão oficiosa e de reembolso por alegado pagamento de valores a título de alegada repercussão económica da CSR, e, consequentemente, da tempestividade do pedido arbitral.

66.Respondendo por impugnação a AT considera que os documentos juntos aos autos que pretendem demonstrar a repercussão não sustentam tais pretensões, uma vez que deles não decorre sequer que tenha pago e suportado integralmente o encargo da CSR por repercussão (sendo que o ónus da prova, nos termos do art. 74.º da LGT recai sobre quem invoque os factos).

67.De facto, não é admissível nem exigir da AT a prova da não repercussão, nem assumir como provados factos sobre meros raciocínios ou presunções sem carácter legal.

68.Assim, as facturas de aquisição à B..., SA por si só, não fazem prova do alegado pagamento da CSR, pois não consubstanciam factura-recibo, nem recibo, nem nota de crédito, nem a conjugação de documentos (contabilísticos ou outros), que permitam comprovar o pagamento dos montantes de CSR alegados pela Requerente. De facto, estas não demonstram a repercussão da CSR (que não é referida), apenas titulando operações de compra e venda (nas quais, deve realçar-se, surgem descontos não especificados o que evidencia a falta de rigor das próprias declarações para o efeito pretendido).

69.Fica, portanto, por demonstrar o próprio pagamento da CSR.

70.Da mesma maneira que fica por demonstrar que, tendo havido repercussão da CSR esta não foi, por sua vez, repercutida também nos clientes da Requerente.

71.Assim, a ser admitida a pretensão da Requerente – sem demonstrar o efectivo pagamento da CSR, ou a sua repercussão a montante (e a inexistência desta a jusante) – estar-se-ia a permitir que a AT pudesse  vir a ser, sucessivamente, condenada a pagar os mesmos montantes de CSR, mais do que uma vez, a todos os intervenientes no circuito económico de comercialização de combustíveis rodoviários, o que constituiria  um atentado à segurança jurídica e a todo o ordenamento jurídico-constitucional.

72.Impugna ainda a Requerida o montante de CSR alegadamente suportado pela Requerente por se limitar a aplicar à quantidade de litros fornecidos e constantes das facturas dos fornecedores, a taxa de CSR que se encontrava em vigor às datas das mesmas. Ora nos termos do art. 91.º do CIEC a unidade tributável dos produtos petrolíferos e energéticos (e consequentemente da CSR) é de 1000 litros convertidos para a temperatura de referência de 15º C, o que faz com que, não tendo existido certificação da medição da temperatura ambiente na descarga do combustível adquirido, não seja possível realizar a correspondência para o número de litros a 15º C.

73.Prossegue a Requerida considerando que em momento algum o TJUE considerou ilegal a CSR, não existindo qualquer decisão judicial nacional transitada em julgado nesse mesmo sentido, o que faz com que a AT tenha agido em conformidade com a legislação nacional e europeia em vigor,

74.Assim se afastando um qualquer erro imputável aos serviços.

75.Acresce que existia à data dos factos, um vínculo intrínseco entre o destino da CSR e um motivo específico (nomeadamente a redução da sinistralidade e a sustentabilidade ambiental).

76.Recorda finalmente que, tal como reconhece o TJUE, ainda que se verificassem os pressupostos legais e processuais, e se considerasse efectuada a prova da repercussão económica da CSR, o Estado pode recusar ou opor-se a um pedido de reembolso, apresentado pelo comprador repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma acção civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo, tal como ocorre no direito nacional.

77.A AT termina contestando o pedido do pagamento de juros indemnizatórios, os quais serão devidos apenas depois de decorrido um ano após a apresentação dos pedidos de revisão oficiosa, e não desde a data do pagamento do imposto (ac.s STA de 28.1.2015, proc. 0722/14, de 11.12.2019, proc. 058/19.9BALSB, 20.5.2020, proc. 05/19.8BALSB e de 26.5.2022, proc. 159/21.3BALSB – e, no mesmo sentido, as decisões do CAAD nos proc. 296/2020-T, 18/2021-T, 785/2020-T e 271/2021-T) – o que, no caso, significaria que a Requerente nunca teria direito ao seu recebimento.

Posição da Requerente relativamente às excepções

78.Respondendo às excepções a Requerente começou por salientar genericamente que, existindo um imposto ilegal, deve o Estado devolvê-lo.

 79.Insistiu depois ter a CSR natureza de imposto, tal como vem sendo reconhecido maioritariamente pelo CAAD.

 80.Defendeu ainda a legitimidade substantiva por remissão para o art, 9.º CPPT e recordou a dualidade de critérios da AT nessa matéria quando, nos processos arbitrais em que sejam Requerentes os sujeitos passivos, a AT defende a ilegitimidade processual deles por considerar haver repercussão, mas quando os Requerentes sejam os consumidores finais dos combustíveis, a AT sustenta que estes não têm legitimidade, por não serem os sujeitos passivos do tributo.

81.Prosseguiu considerando desnecessária a identificação dos actos de liquidação suja validade seja impugnada, por ser alegada a ilegalidade abstracta da CSR (o que dispensará a apreciação da ilegalidade concreta) e por serem identificados os fornecedores  (o que permitirá à AT identificar, por sua vez os actos de introdução ao consumo).

82.E invocou, finalmente, o carácter inelástico [da oferta] dos combustíveis o que implica a sua repercussão directa de toda a carga fiscal.

Alegações

83.Em sede de alegações a Requerida remeteu para os termos da sua Resposta, insistindo que  as facturas juntas pela Requerente não corporizam actos de repercussão de CSR nem reflectem ou suportam as liquidações de CSR, que terão sido pagas a montante por sujeitos passivos de ISP/CSR.

84.Donde, não constando das facturas qualquer referência a montantes pagos a título de ISP ou CSR, nem tendo sido  apresentadas as DIC e os respectivos Documentos Únicos de Cobrança (DUC) e/ou Declarações Aduaneiras de Importação/Documentos Administrativos Únicos (DAI/DAU), permanecem por identificar as liquidações impugnadas.

85.Pronunciando-se, finalmente, sobre o documento junto pela Requerente nos termos da qual a B..., SA afiança ter repercutido a CSR nas vendas de combustível, a Requerida salienta que a mesma declaração (cujo signatário não é especificado nem são referidos os seus poderes de representação) não identifica as liquidações e os montantes alegadamente repercutidos, pelo que não deve ser considerada prova bastante.

 

Saneamento

86.O tribunal foi regularmente constituído e as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. art.os 4.º e 10.º/2 do RJAT e art. 1.º da Portaria 112-A/2011, de 22.3).

87.Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito, remetendo-se o tratamento das excepções para a análise da matéria de Direito.

 

Matéria de facto

Factos provados

88.Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes:

  1. A Requerente é uma sociedade cujo objecto social consiste, entre outros, na exploração de carreiras de serviços públicos e de transportes colectivos de passageiros e de mercadorias.
  2. No período compreendido entre 4.7.2019 e 31.12.2022, a Requerente adquiriu à B..., SA 565.140,29 litros de gasóleo.
  3. Alegando ter sido integralmente repercutido sobre si o montante de 62.730,57 € de CSR, através das facturas emitidas pela B..., SA, a Requerente apresentou em 7.7.2023, um pedido de revisão oficiosa com vista à anulação das referidas liquidações de CSR, e dos consequentes actos de repercussão consubstanciados nas facturas emitidas pelas fornecedoras de combustíveis.
  4. Esse pedido foi tacitamente indeferido.
  5. Em 9.2.2024 a Requerente apresentou no CAAD o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem ao presente processo.

 

Factos não provados

89.Com relevância para a questão a decidir, ficou por provar (dado o standard de prova estabelecido pelo TJUE no seu despacho de 7.2.2022 no proc. C-460/21, nomeadamente vedando presunções):

  1. Quem foram os sujeitos passivos de CSR dos combustíveis adquiridos pela Requerente e quais os valores de CSR liquidados e pagos;
  2. Que a CSR tenha sido repercutida total ou parcialmente a Requerente;
  3. Quais os efeitos económicos de tais repercussões.

90.Os factos elencados supra foram dados como provados, ou não-provados, com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, e nos documentos juntos.

91.Cabe ao Tribunal Arbitral seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123º/2 do CPPT e art.os 596º/1 e 607º/3 e 4 do Código de Processo Civil - CPC, aplicáveis ex vi art. 29.º/1 a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.os 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - CPTA e art.os 5º/2 e 411.º do CPC).

92.Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16º e) do RJAT e art. 607º/4 do CPC, aplicável ex vi art. 29º/1 e) do RJAT).

93.Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do art. 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607º/5 do CPC ex vi art. 29º/1 e) do RJAT).

94.Além disso, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade que se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

95.O tribunal considera que as facturas da fornecedora de combustível, apresentadas pela Requerente não identificam os originais sujeitos passivos de ISP e de CSR, não podendo substituir-se a documentos que possam comprovar a liquidação conjunta destes tributos pelos sujeitos passivos: as Declarações de Introdução no Consumo, ou o Documento Administrativo Único/Declaração Aduaneira de Importação ou documentos que, ao menos, permitissem identificar, com um mínimo de certeza, quem foram esses sujeitos passivos originários.

 

Matéria de Direito

96.Reconhece este tribunal que a CSR é um tributo que contraria a Directiva 2008/118 relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo.

97.De facto, pré-existindo um imposto sobre os produtos petrolíferos (o ISP), o Estado português apenas poderia fazer incidir novo imposto sobre os mesmos produtos se este tivesse em vista motivos específicos (cf. art. 1.º/1 a) e 2 da referida Directiva), o que não acontece, já que a mera afectação do produto desse tributo ao financiamento da concessionária da rede rodoviária nacional não é suficiente, mesmo se associada à redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental.

98.Na verdade, não existe uma relação directa entre a utilização das receitas e essas finalidades (já que o produto da CSR não se destina exclusivamente ao financiamento de operações que supostamente concorrem para a realização desses dois objectivos), nem é evidente uma real vontade de desencorajar a utilização quer da rede quer dos principais combustíveis rodoviários, pelo que subsiste uma finalidade puramente orçamental.

99.Não obstante, no caso em apreço são arguidas pela AT diversas excepções. A saber: a incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria (por não se tratar de um imposto mas de mera contribuição), a ilegitimidade da Requerente (por não ser o sujeito passivo da CSR mas mero repercutido eventual), a ineptidão da petição inicial (por falta de objecto, dada a não identificação dos actos tributários cuja nulidade é arguida) e a caducidade do direito de acção (por não ser possível efectuar contagem dos prazos dado não haver identificação – e consequentemente data – dos actos de liquidação).

Excepções

100.A primeira excepção invocada pela AT refere-se à incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, por considerar que a contribuição de serviço rodoviário deve ser qualificada como contribuição financeira, e não como imposto, encontrando-se excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos art.os 2.º e 3.º do RJAT e do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.3, defendendo, a este propósito, o entendimento do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, expresso no acórdão proferido no processo arbitral 31/2023-T.

101.Importa, portanto, analisar esta questão, o que faremos seguindo os termos do proc. 23/2024-T, com a devida vénia ao Relator (Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha).

102.A competência contenciosa dos tribunais arbitrais em matéria de arbitragem tributária, tal como resulta do referido art. 2.º do RJAT, compreende a apreciação de pretensões que visem a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta e a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.

103.O art. 4.º/1 do RJAT faz ainda depender a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que deverá estabelecer, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.

104.E o diploma que, em execução desse preceito, define o âmbito e os termos da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é a Portaria 112-A/2011, de 22.3 a qual, no seu n.º 2, sob a epígrafe Objecto de vinculação, na redacção dada pela Portaria 287/2019, de 3.9, dispõe o seguinte:

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação;

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;

e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição anti abuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.

105.A referência a serviços e organismos que se vinculavam à jurisdição arbitral era feita para a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, que foram, entretanto, extintas, tendo-lhes sucedido a Autoridade Tributária e Aduaneira.

106.A Portaria 112-A/2011, também chamada Portaria de vinculação, fixa, por conseguinte, um segundo nível de delimitação das pretensões que poderão ser sujeitas à jurisdição arbitral. Tratando-se de um mero regulamento de execução, a Portaria não poderia ir além do estabelecido na lei quanto ao âmbito de competência material dos tribunais arbitrais, mas poderia estabelecer restrições quanto ao âmbito da vinculação à arbitragem tributária, mormente por referência ao tipo de litígios e ao valor do processo.

107.Ainda a este propósito, o acórdão proferido no proc. 48/2012-T, depois seguido por diversos outros arestos, consignou o seguinte:

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do [RJAT].

Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.

Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este tribunal arbitral.

108.No caso, a Portaria de vinculação, aparentemente, estabelece duas limitações: refere-se a pretensões relativas a impostos, de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos tribunais arbitrais, e a impostos cuja administração esteja cometida à AT. Haverá de concluir-se, nestes termos, que a vinculação se reporta a qualquer das pretensões mencionadas no art. 2.º/1 do RJAT que respeitem a impostos - com a exclusão de outros tributos - e a impostos que sejam geridos pela AT.

109.A constitucionalização das contribuições financeiras resultou da alteração introduzida no art. 165.º/1 i), da Lei Fundamental, pela revisão constitucional de 1997, que autonomizou as contribuições financeiras a favor das entidades públicas como uma terceira categoria de tributos.

110.A LGT, aprovada em 1998, passou a incluir entre os diversos tipos de tributos, os impostos e outras espécies criadas por lei, designadamente as taxas e as contribuições financeiras a favor das entidades públicas, definindo, em geral, os pressupostos desses diversos tipos de tributos no subsequente art. 4.º.

111.A doutrina tem caracterizado as contribuições financeiras como um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas colectivas, na medida em que visam retribuir os serviços prestados por uma entidade púbica a um certo conjunto ou categoria de pessoas. Como referem Gomes Canotilho/Vital Moreira, a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto que as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas (responsáveis pelas prestações públicas de que as contribuições são contrapartida), aos quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas (Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4.ª Ed., Coimbra, pg. 1095). Neste sentido, as contribuições são tributos com uma estrutura paracomutativa, dirigidos à compensação de prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelos contribuintes, distinguindo-se das taxas que são tributos rigorosamente comutativos e que se dirigem à compensação de prestações efectivas (Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, pg. 287).

112.Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem também reconhecido a existência dessas diferentes categorias jurídico-tributárias, designadamente para efeito de extrair consequências quanto à competência legislativa, admitindo que as taxas e outras contribuições de carácter bilateral só estão sujeitas a reserva parlamentar quanto ao seu regime geral, mas não quanto à sua criação individual e quanto ao regime concreto, podendo portanto ser criadas por diploma legislativo governamental e reguladas por via regulamentar desde que observada a lei-quadro (cfr., entre outros, o acórdão 365/2008).

113.Fica, portanto, claro que as contribuições financeiras se distinguem dos impostos.

114.A Contribuição de Serviço Rodoviário, criada pela Lei 55/2007, de 31.8, visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, EPE (art. 1.º), que, entretanto, passou a denominar-se Infraestruturas de Portugal, SA, sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo desta entidade é assegurado pelos respectivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (art. 2.º).

115.A mesma contribuição corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, e constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, SA, no que respeita à respectiva concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras formas de financiamento (art. 3.º).

116.A contribuição incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (art. 4.º/1) e é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (art. 5.º/1).

117.O produto da Contribuição de Serviço Rodoviário constitui receita própria da actualmente denominada Infraestruturas de Portugal, SA (art. 6.º).

118.A actividade de concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, que é objecto de financiamento através da Contribuição de Serviço Rodoviário foi atribuída, em regime de concessão, à EP - Estradas de Portugal, EPE. pelo Decreto-Lei 380/2007, de 13.11, que aprovou as bases da concessão e nas quais se prevê que, entre outros rendimentos, essa contribuição constitua receita própria dessa entidade (Base 3 b)). E, por outro lado, nelas se estabelece, como uma das obrigações da concessionária, a prossecução dos objectivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental (Base 2/4 b)).

119.À luz do regime jurídico sucintamente descrito, dificilmente se poderia concluir que a CSR constitui uma contribuição financeira.

120.Como se refere no acórdão proferido no proc. 269/2021, corroborado pelo acórdão tirado no processo 304/2022, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa colectiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP - Estradas de Portugal, EPE (art. 3.º/2), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art. 6.º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da actividade da EP - Estradas de Portugal, EPE, a qual consiste na concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas (art. 3.º/2).

121.Por outro lado, nada permite afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da actividade administrativa que se encontra atribuída à EP - Estradas de Portugal, EPE é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Quando é certo que o art. 2.º da Lei 55/2007 declara expressamente que o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P.E. (...) é assegurado pelos respectivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.

122.Nestes termos, o financiamento da rede rodoviária nacional é assegurado pelos respectivos utilizadores, que são os beneficiários da actividade pública desenvolvida pela EP - Estradas de Portugal, EPE, verificando-se, no entanto, que a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do CIEC, são os depositários autorizados e os destinatários registados.

123.Não existindo, deste modo, qualquer nexo específico entre o benefício emanado da actividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos sujeitos passivos.

124.Por todo o exposto, improcede a alegada excepção da incompetência material do tribunal arbitral com fundamento na qualificação da CSR como contribuição financeira.

125.A AT suscita ainda a excepção da incompetência do tribunal arbitral para conhecer do presente pedido na medida em que se pretende discutir a legalidade do regime da CSR no seu todo. Invoca, portanto, a incompetência do tribunal em razão da causa de pedir.

126.A arguição assenta num evidente equívoco (eventualmente facilitado pelos termos usados no p.p.a.).

127.A Requerente formulou um pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade dos actos de liquidação de CSR referente ao período compreendido entre 4.7.2019 e 31.12.2022, invocando como fundamento (ou causa de pedir), a desconformidade da contribuição com a Directiva 2008/118, relativa ao Regime Geral dos Impostos Especiais de Consumo.

128.Estando em causa, no caso vertente, a desconformidade da CSR com a Directiva 2008/118/, não pode deixar de concluir-se pela competência contenciosa do tribunal para a apreciação do litígio.

129.De facto, como é sabido, as directivas são actos através dos quais os órgãos competentes da União impõem aos Estados-membros a transposição do respectivo regime, ou seja, a adopção de actos subsequentes que adeqúem a sua ordem jurídica às regras por elas fixadas.

130.Por não se dirigirem aos particulares, entende-se genericamente que não podem ser invocadas por estes como tendo criado direitos na respectiva esfera jurídica (não têm, portanto, efeito directo).

131.A jurisprudência europeia reconheceu, todavia, uma excepção (ac. 17.12.70 SACE, proc. 33/70): tratando-se de disposições precisas e incondicionais de directivas, a não transposição destas (ou a transposição incorrecta) no prazo por elas estabelecido, permite aos particulares invocá-las contra entes públicos (efeito directo vertical), já que, caso contrário, esses entes estariam a retirar vantagem de um incumprimento das obrigações gerais face ao Direito da União, privando esses mesmos particulares de direitos que teriam sido constituídos na sua esfera jurídica se a transposição tivesse ocorrido nos termos previstos.

132.Essa será a situação em apreço (e a que adiante se voltará): saber se a proibição constante do art. 1.º da Directiva 2008/118 pode ser invocada pela Requerente para arguir a ilegalidade dos actos de liquidação de CSR que a contrariam, por não se verificarem os necessários motivos específicos.

133.Isso mesmo foi reconhecido explicitamente pelo TJUE – a quem cabe determinar em exclusivo a interpretação do Direito da União (art. 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia - TFUE) – no Despacho de 2.2.2022 (Vapo Atlantic SA c. Autoridade Tributária, proc. C-460/21).

134.Ora, o Direito da União aplica-se na ordem interna portuguesa nos termos por ele definidos (art. 8.º/4 CRP), sendo que esses termos determinam a sua prevalência sobre o Direito nacional, por força do princípio do primado (ac. 15.07.1964 Costa c. ENEL, proc. 6/64 e Declaração sobre o primado do direito comunitário, anexa ao TFUE).

135.A impugnação judicial de um acto de liquidação pode ser deduzida com fundamento em qualquer ilegalidade (art. 99.º do CPPT), nada permitindo distinguir entre a ilegalidade resultante de normas de direito interno, de Direito Internacional ou de Direito da União.

136.Não existe, portanto, qualquer obstáculo a que o tribunal arbitral se pronuncie sobre o fundamento de ilegalidade do acto de liquidação baseado em desconformidade da CSR com o direito da União, sendo manifestamente improcedente a invocada excepção de incompetência do tribunal em razão da causa de pedir.

124. Improcede, portanto, a excepção de incompetência do tribunal.

125. Relativamente às outras excepções invocadas pela Requerida (ilegitimidade da Requerente, ineptidão da petição e caducidade do direito de acção), abordá-las-emos conjugadamente a partir de um elemento que, da análise do processo e da jurisprudência (nem sempre convergente) que vem surgindo na matéria, nos parece determinante: a imprescindibilidade da identificação dos actos tributários impugnados.

126. Essa identificação, conforme se referiu supra (§ 95) não resulta das facturas dos fornecedores de combustível, apresentadas pela Requerente, já que nenhuma referência nelas  surge sobre originais sujeitos passivos de ISP e de CSR (os quais constarão das Declarações de Introdução no Consumo, ou do Documento Administrativo Único/Declaração Aduaneira de Importação ou eventualmente de outros documentos que lograssem tal identificação com um mínimo de certeza).

127. Ora essa identificação é imprescindível já que a pretendida devolução dos montantes pagos em sede de CSR se funda na nulidade do acto de liquidação (que fundamenta o pedido de revisão oficiosa). E se dificilmente pode ser apreciado o vício do acto sem se demonstrar a sua existência, impossível será conferir da sua repercussão efectiva. O que redundará necessariamente na ineptidão da petição.

128. Assim, assume a Requerente que, tendo as compras das mercadorias ocorrido na vigência do regime que as sujeitava obrigatoriamente à CSR (Lei 55/2207), a liquidação terá ocorrido. Isso poder-se-ia genericamente aceitar, embora se trate de mera presunção de facto.

129. Todavia, o que está em questão, mais do que saber se os combustíveis em causa foram ou não presumivelmente sujeitos a CSR, será saber, também, quem terá suportado esse encargo originaria e efectivamente, pois só a partir daí será possível atestar da sua existência e, além disso, conferir se foi efectivamente pago e repercutido na Requerente.

130. É que, não havendo repercussão legal da CSR, esse efeito não poderá presumir-se, carecendo de prova, a qual depende - novamente - da identificação dos actos tributários de liquidação originários.

131. Chega-se, assim, à ilegitimidade da Requerente, a qual, não sendo sujeito passivo, mas mero repercutido (eventual) de facto, terá de demonstrar essa repercussão. E a prova desta repercussão só poderá fazer-se a partir do acto tributário da liquidação da CRS. Não sendo o mesmo identificado, impossível se torna a demonstração da repercussão.

132. Atente-se ao facto de que este tribunal arbitral não afasta a possibilidade de uma eventual repercussão, mas também não dispensa a sua demonstração, a qual depende - como se referiu - da identificação do acto tributário original de liquidação.

133. Neste ponto, releva o argumento da AT quando salienta o risco de o pedido de devolução de CSR poder ser feito por todos os intervenientes no processo de comercialização dos combustíveis.

134. Esse risco só é controlável na medida em que, sendo identificado o acto ou actos tributários originais de liquidação, possa ser conferida a efectiva repercussão do imposto, a qual determinará o titular do direito à sua devolução, com exclusão dos demais (na medida em que tenham repercutido, a montante e não tenham sido repercutidos, a jusante, se surgirem no referido processo).

135. Neste ponto, será, no entanto, excessivo pretender que seja a AT a identificar os actos tributários em causa, por força de um dever genérico de colaboração. Esse dever não pode equivaler (como parece pretender a Requerente) a uma verdadeira inversão do ónus da prova, mesmo que o tributo seja ilegal. E, por outro lado, nada impede que o consumidor obtenha dos seus fornecedores cópia das DIC.

136. Atente-se, finalmente, a que a referida imprescindibilidade da identificação do acto tributário se justifica ainda enquanto elemento essencial para a conferência dos prazos relevantes.

137. De facto, a contagem do prazo para o pedido de revisão oficiosa (e subsequentemente para a apresentação do pedido arbitral), dependem da identificação do acto tributário. Sem este será impossível fazer-se a necessária conferência. Trata-se, mais uma vez, de um elemento de prova cuja produção compete ao interessado.

138. Nestes termos, entende o tribunal que, a imprescindibilidade da identificação do acto tributário cuja declaração de nulidade é requerida faz com que a inexistência dessa identificação torne a petição inepta por falta de objecto (art. 186.º e 576.º/2 do CPC ex vi art. 29.º/1 e) do RJAT) - para além de conduzir simultânea e subsidiariamente à ilegitimidade da Requerente, tornando ainda impossível conferir da tempestividade do exercício do direito de revisão do acto e do pedido arbitral (art. 576º/2 e 3 e 577.º a)  ex vi art. 29.º/1 e) do RJAT).

139. A procedência das excepções impede o conhecimento da demais matéria da presente acção arbitral.

 

Decisão

Em face do supra exposto, decide-se

1.Julgar procedentes as excepções de ineptidão da petição, ilegitimidade da parte e caducidade do direito de acção, com as consequências legais;

2.Condenar a Requerente no pagamento integral das custas do presente processo.

 

Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em 62.730,57 € (sessenta e doi mil setecentos e trinta euros e cinquenta e sete cêntimos) nos termos do disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º/1 a) e b), do RJAT, e do art. 3.º/2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de 2.448,00 € (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros), a pagar pela Requerente, nos termos dos art.os 12.º/2, e 22.º/4, do RJAT e art. 3.º/2 do RCPAT e Tabela I anexa a esse Regulamento.

 

Notifique-se.

Lisboa, 13 de Setembro de 2024

 

A Presidente do Tribunal Arbitral

 

Com a seguinte declaração: voto o sentido da decisão (da procedência em matéria de excepção), mas não acompanho os fundamentos, conforme decorre das decisões arbitrais proferidas designadamente nos processos n.ºs 1064-2023-T e 62/2024-T .

 

 

( Fernanda Maçãs)

 

O Árbitro vogal

 

 

(António de Barros Lima Guerreiro)

 

O Árbitro vogal, relator

 

 

(Rui M. Marrana)

 

Texto elaborado em computador.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.