Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 221/2024-T
Data da decisão: 2024-09-20  IRS  
Valor do pedido: € 2.200.224,69
Tema: IRS – SIFIDE II no âmbito da transparência fiscal.
Versão em PDF

SUMÁRIO:

 

A dedução à coleta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento empresarial (SIFIDE II), respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6º do Código do IRC, é imputada aos respetivos sócios ou membros referidos  no seu nº 3, em conformidade com o nº 5 do artigo 90º, não lhe sendo aplicável o limite estabelecido no artigo 78.º, n.º 7, do Código do IRS.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Professor Doutor Rui Duarte Morais (árbitro-presidente), Dr. Arlindo José Francisco (Vogal - Relator) e Dr. Francisco Melo (Vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 29-04-2024, acordam no seguinte:

 

 

I – RELATÓRIO

 

 

A..., com o NIF ... e B... com o NIF..., ambos residentes na R. ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa,

C..., com o NIF ... e D..., com o NIF..., ambos residentes na R..., n.º ... – ...-... Lisboa,

E... com o NIF ... e F..., com o NIF..., ambos residentes na ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa,

G..., com o NIF ... e H..., com o NIF..., ambos residentes na R. ..., n.º ..., em Lisboa,

I..., com o NIF..., residente na R. ..., n.º ..., ... ...-... Lisboa,

J..., com o NIF... e K..., com o NIF..., ambos residentes na R. ..., n.º ..., ...-... Lisboa,

L..., com o NIF..., e M..., com o NIF..., ambos residentes na Av..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa

N..., com o NIF ... e O..., com o NIF..., ambos residentes na R. ..., n.º ... ..., ...-... Lisboa,

P..., com o NIF ... e Q..., com o NIF..., ambos residentes na ..., n.º ...ª,...º andar, em Lisboa,

R..., com o NIF ... residente na R. ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, e

S..., com o NIF..., e T..., com o NIF..., residentes na R. ..., n.º ..., ...-... Barcarena, notificados das decisões de indeferimento proferidas no âmbito dos procedimentos de Reclamação Graciosa n.º ...2022..., n.º ...2021..., n.º ...2021..., n.º...2021..., n.º ...2022..., n.º ...2021..., n.º ...2022..., n.º ...2021..., n.º ...2021..., n.º ...2021... e n.º ...2022... .

nos quais se discutiu a legalidade das liquidações de IRS n.º 2021..., n.º 2021..., n.º 2021..., n.º 2021..., n.º 2021...,

n.º 2021..., n.º 2021..., n.º 2021..., n.º 2021..., n.º 2021..., n.º 2021..., n.º 2021... e n.º 2021... e das liquidações de juros compensatórios n.º 2021..., n.º 2021..., n.º 2021..., n.º 2021..., n.º 2021..., e n.º 2021... vieram, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1 alínea a), 3.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1alínea a) e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedir a  pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade e consequente anulação dos referidos atos de liquidação de IRS e de juros compensatórios, emitidos pela Senhora DIRETORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA e, bem assim, das mencionadas decisões de indeferimento total e parcial proferidas pela Senhora CHEFE DE DIVISÃO DE JUSTIÇA TRIBUTÁRIA DA DIREÇÃO DE FINANÇAS DE LISBOA e pelo Senhor DIRETOR DE FINANÇAS ADJUNTO DA DIREÇÃO DE FINANÇAS DE LISBOA.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 19/02/2024 pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

 

Os Requerente não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros signatários, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, os quais comunicaram a respetiva aceitação no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

 

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no seu artigo 11.º n.º 1, sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 29/04/2024, sendo Presidente o Senhor Professor Doutor Rui Duarte Morais e vogais o Dr. Arlindo José Francisco (relator) e o Dr. Francisco Melo, proferindo despacho, em 01/05/2024, nos termos e efeitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, a notificar a Diretora-Geral da AT, para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, e, querendo, solicitar a produção de prova adicional, bem como, para junção, no mesmo prazo, de cópia integral do processo administrativo.

 

Os Requerentes, em síntese, suportam o pedido por entenderem que, nas liquidações em causa, a AT desconsiderou ilegalmente uma dedução à coleta associada ao Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento (SIFIDE), originariamente gerada na esfera de uma sociedade transparente e imputada aos seus sócios pessoas singulares (os ora Requerentes) e que a utilização dessa dedução na esfera pessoal de cada um fica sujeita aos (baixíssimos) limites previstos para as deduções de natureza pessoal no n.º 7 do artigo 78.º do CIRS. Segundo os Requerentes, esta tese da AT não tem qualquer suporte legal e já foi afastada pelo Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) por Acórdão de 7 de junho de 2023, no Pº. 01301/21. OBERG e, também .por algumas decisões arbitrais do CAAD, transitadas em julgado, designadamente o Pº 260/2023-T. Juntaram ainda Pareceres, que vão no sentido por eles preconizado, um da autoria dos Professores JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS, e outro do Professor JOSÉ CASALTA NABAIS.

 

Por sua vez a AT, também em síntese, conclui, na sua resposta,  pela  inutilidade superveniente da lide relativamente à liquidação 2021..., em nome de N... NIF ... e O... NIF ..., relativamente ao montante de 38,86€ de benefício fiscal de SIFIDE que caberia ainda no limite do n.º 7 do art.º 78.º do CIRS, não aceitando a dedução da parte restante do benefício fiscal por já ultrapassar o aludido limite.

Quanto às restantes liquidações, remete para as decisões de indeferimento proferidas nas reclamações graciosas apresentadas oportunamente pelos Requerentes, no essencial sustentadas nas considerações de o beneficio fiscal (SIFIDE II), ser dedutível à coleta por força da alínea k) do n.º 1 do art.º 78º do CIRS, mas ficar sujeito à ordem nele estabelecida e à limitação a que alude o seu nº 7, consoante o escalão de IRS em que estiver incluído o sujeito passivo. Ou seja, entende existir um teto global, considerando ainda que a referida alínea k) não faz qualquer distinção sobre a forma de manifestação dos benefícios fiscais elegíveis para dedução à coleta, ou seja, dos benefícios fiscais previstos no Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) e demais legislação complementar, pelo que, onde a lei não distingue não pode o intérprete distinguir (cfr. art.º 9º do CC), e, se fosse essa a intenção do legislador, este tê-lo-ia feito em termos precisos, concluindo pela improcedência do pedido.

 

Por despacho de 06/06/2024, o Tribunal Arbitral notificou os Requerentes para, querendo, se pronunciarem sobre a exceção invocada pela Requerida na sua Resposta.

 

Em 14/06/2024, vieram os Requerentes, em sede de pronúncia, dizer que a instância deve prosseguir nos termos propostos pelos Requerentes no pedido de pronúncia arbitral, exceto no que se refere aos € 38,86 anulados pela AT.

 

II – SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido, em conformidade com o preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, do RJAT (com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro), tendo o pedido sido tempestivamente apresentado nos termos dos artigos 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se devidamente representadas de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

O processo não enferma de nulidades, nem existem exceções ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

 

III- FUNDAMENTAÇÃO

 

  1. As questões a dirimir são as seguintes:
  1.  Se os atos de indeferimento das reclamações graciosas já referidas padecem ou não de ilegalidade, com a consequente anulação ou manutenção na ordem jurídica das liquidações de IRS contra as quais as mesmas se dirigiam, também já identificadas;
  2. Em caso de procedência do pedido com consequente reembolso dos valores pagos indevidamente, se há ou não lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 43.º da LGT, relativamente aos Requerentes que optaram pelo pagamento;
  3. Quanto aos Requerentes que optaram por não efetuar o pagamento e prestaram garantias com vista à suspensão dos processos de execução fiscal, saber se  têm ou não direito aos pagamentos das indemnizações pelos encargos suportados com a prestação das garantias.
  4. E, por último, se há ou não lugar a condenar a AT ao pagamento juros de mora nos termos do nº 5 do artigo 43º da LGT em caso de procedência do pedido.

 

2 – Matéria de facto

 

2.1 Factos provados

 

  1. Os Requerentes são sócios de uma sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal previsto no artigo 6.º do CIRC designada por U..., S.P., R.L, pessoa coletiva n.º..., conforme se alcança do Anexo G da declaração de Informação Empresarial Simplificada de 2020 - documento 34;
  2. Por aplicação do referido regime de transparência fiscal e dos estatutos da sociedade, a matéria coletável desta entidade é imputável aos Requerentes, a título de rendimento da Categoria B de IRS,  na percentagem que a cada um cabe, conforme a seguir se refere: A... 7,81%, C... 8,44%, E... 10,20%, G... 9,81%, I... 3,52%, J... 10,53%, L... 5,72%, N... 7,70%, P... 10,78% R... 3,78%, S... 10,89%
  3.  No exercício de 2020, a sociedade  apurou matéria coletável no valor de € 6.946.150,10, tendo no mesmo exercício feito um investimento relevante em unidades de participação de um fundo de investimento, no montante de € 2.475.000,00, que tem como objeto o financiamento de empresas dedicadas sobretudo à investigação e desenvolvimento, nos termos previstos no artigo 37.º, n.º 1, alínea f), do Código Fiscal do Investimento, que veio a ser deferido pela Agência Nacional de Inovação, conforme documento 35.
  4. Tal investimento gerou na esfera da sociedade transparente uma dedução à coleta de igual montante, tendo os Requerentes nos respetivos anexos D da declaração modelo 3 de IRS do ano de 2020 feito a respetiva imputação, conforme documentos 36 a 46 que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
  5. Nessa imputação da dedução à coleta que cabe a cada um, os SÓCIOS Requerentes cometeram um lapso que afeta a repartição do benefício entre eles, mas que não altera o valor global da dedução, tudo conforme quadro anexo.

 

Sócios

% de cada um

Rendimento imputado

Valor correto

Valor declarado

A...

  7,81%

542 285,82€ 

193 223,21€

198 994,97€

C...

  8,44%

586 196,45€

208 869,11€

211 432,16€

E...

  10,20% 

708 197,51€

252 339,61€

248 743,72€

G...

   9,81%

681 456,45€

242 811,44€

248 743,72€

I...

   3,52%

244 452,05€

87 101,32€

 99 497,49€

J...

 10,53%

731 280,56€

260 564,39€

261 180,90€

L...

   5,72%

397 074,26€

141 482,52€

136 809,05€

N...

   7,70%

534 883,98€

190 585,84€

186 557,79€

P...

  10,78%

749 082,41€

266 907,41€

261 180,90€

R...

    3,78%

262 268,68€

93 449,60€

 99 497,50€

S...

  10,89%

756 501,07€

269 550,78€

261 180,90€

Valor total da ST

100,00%

6 946 150,10€

2 475 000,00€

2 475 000,00€

 

 

  1. Nas respetivas liquidações levadas a efeito em 2021 respeitantes ao exercício de 2020 a AT desconsiderou a dedução à coleta relativa ao SIFIDE.
  2. Em dezembro de 2021, os REQUERENTES apresentaram as Reclamações Graciosas já referidas contra todos os atos de liquidação de IRS e de juros compensatórios aqui contestados, pedindo à Administração Tributária que anulasse aquelas liquidações com todas as consequências legais daí advindas.
  3. Entre dezembro de 2023 e janeiro de 2024, os REQUERENTES foram notificados das 11 decisões negativas (indeferimento) proferidas pela Administração Tributária no âmbito daqueles procedimentos de Reclamação Graciosa.
  4. Nas decisões relativas aos Requerentes A... e B... e I..., a Administração Tributária admitiu pequenos erros de cálculo na aplicação do regime e determinou, por isso, a anulação de dois montantes muito reduzidos € 451,56 no primeiro caso e € 77,93 no segundo caso.
  5. Já no decorrer do presente processo a AT alegou a inutilidade superveniente da lide relativamente à liquidação 2021..., em nome de N... NIF ... e O... NIF..., relativamente ao montante de 38,86€ de benefício fiscal de SIFIDE que caberia ainda no limite do n.º 7 do art.º 78.º do CIRS, não aceitando a dedução da parte restante do benefício fiscal por já ultrapassar o aludido limite.
  6. Os Requerentes G... e H..., L... e M..., N... e O..., P... e Q..., R... e S... e T..., optaram por fazer, dentro do prazo legal, o pagamento integral do IRS que lhes foi liquidados pela AT.
  7. Já os Requerentes C... e D...; E... e F...; I...; J... e K... optaram por assegurar a suspensão da cobrança dos valores que lhes foram liquidados, oferecendo, para tal, garantias sobre a forma de penhores sobre unidades de participação no âmbito dos processos de execução n.º ...2021..., relativo aos Requerentes C... e D..., n.º...2021... relativo aos Requerentes E... e F..., n.º ...2021..., relativo ao Requerente I... e n.º ...2021..., relativos aos Requerentes J... e K... .
  8.  E os Requerentes A... e B... optaram inicialmente por pedir a suspensão da cobrança do imposto e dos juros compensatórios que lhes foram liquidados, oferecendo uma garantia sob a forma de penhores sobre unidades de participação no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...2021..., mas em janeiro de 2023 decidiram fazer o pagamento integral do valor apurado pela AT, tendo sido levantado o penhor, notificado em março de 2023.
  9. Aos Requerentes C... e D..., E... e F..., além do IRS também lhe foram calculados juros compensatórios, que tal como imposto ficou suspenso o seu pagamento por força das garantias prestadas nos respetivos processos executivos. 
  10. Os Requerentes C... e B..., L... e M..., S... e T..., também lhe foram calculados juros compensatórios que pagaram juntamente com o imposto.
  11. Por despacho de 24/04/2024 da Senhora Subdiretora Geral para a Área de Gestão Tributária dos Impostos sobre o Rendimento, foi determinada a correção da Liquidação nº 2021... de 30/06/2021, em nome de N..., com o NIF..., e O..., com o NIF..., no sentido de considerar-se a dedução à coleta do montante de 38,86€, a título do benefício fiscal de SIFIDE.
  12. Em 16/02/2024 os Requerentes apresentaram o pedido de constituição do tribunal arbitral e o pedido de pronúncia arbitral que deram origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

Não há factos não provados com relevância para a decisão

 

2.3. Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto

O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas Partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objeto do litígio no direito aplicável (conforme artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes, no teor dos documentos juntos aos autos, por elas não contestados.

 

3. MATÉRIA DE DIREITO

 

O Tribunal irá apreciar em primeira linha a exceção de inutilidade superveniente da lide suscitada pela Requerida na sua resposta, relativamente aos Requerentes N... e O... . A  AT na apreciação da respetiva reclamação graciosa, considerou haver uma inutilidade superveniente da lide, relativamente ao montante de 38,86€ de benefício fiscal de SIFIDE pois que caberia ainda no limite do n.º 7 do art.º78.º do CIRS, não aceitando a dedução da parte restante do benefício fiscal por já ultrapassar o aludido limite, considerando, com este alcance, a reclamação parcialmente deferida.

 

Diz-se que há inutilidade superveniente da lide quando, na pendência da instância, a resolução do litígio deixe de interessar ao Autor por ter conseguido a satisfação do seu interesse fora do âmbito da instância, não foi o caso, tendo os Requerentes manifestado interesse no prosseguimento do pedido e admitindo apenas a inutilidade da lide, relativamente ao montante de €38,86 que a AT considerou ainda dentro do limite do nº 7 do artigo 78º do CIRS.

 

O Tribunal acompanha o ponto de vista dos Requerentes pelo que a instância prossegue com vista à apreciação decisões de indeferimento das reclamações graciosas, dos atos de liquidação de IRS e de juros compensatórios e considera apenas a inutilidade superveniente da lide relativamente ao montante de 38,86€ de benefício fiscal de SIFIDE, imputável à Requerida.

 

Considerando a matéria de facto dada como provada e fazendo o seu enquadramento com o direito aplicável, a questão de fundo a decidir com vista à composição do litígio está em saber se, relativamente à dedução à coleta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais SIFIDE II, reguladas pelo artigo 38º do CFI, quando oquando corridas no âmbito de sociedades transparentes, a sua imputação aos sócios, pessoas singulares, fica ou não sujeitas aos limites estabelecido no n.º 7 do artigo 78.º do Código do IRS, na redação da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro vigente em 2020. 

 

Os Requerentes entendem ao considerarr aplicável, o  disposto no artigo 78.º, n.º 1 do Código do IRS. Ao aplicar estes limites às deduções geradas na esfera das sociedades transparentes, a AT está, em seu entender, a agir frontalmente contra a vontade do legislador, fazendo letra morta da imputação consagrada no artigo 90.º, n.º 5, do Código do IRC, que é uma parte fundamental do regime de transparência fiscal.

 

Consideram que, apesar da Lei estabelecer que as sociedades transparentes não sofrem tributação em IRC, exceto no que respeita a tributações autónomas, (artigo 12º do CIRC), este especial regime de tributação determina que a matéria coletável das sociedades transparentes é apurada nos termos do CIRC e imputada aos sócios, integrando-se no seu rendimento tributável de IRS ou de IRC, consoante a respetiva natureza, de acordo com o artigo 6.º, n.º 1 do CIRC. Relativamente aos sócios que sejam pessoas singulares, aquela matéria coletável apurada nos termos previstos no CIRC é qualificada como rendimento líquido da categoria B e sujeita a englobamento, conforme estabelece o artigo 20.º, n.ºs 1 e 2, do CIRS.

 

Assim, deste regime resultaria que, apesar de não haver coleta na esfera das sociedades transparentes, as deduções à coleta de que estas poderiam beneficiar se fossem tributadas, são calculadas nos termos do regime aplicáveis às sociedades, imputadas aos respetivos sócios, e deduzidas à coleta dos sócios que tenha resultado da imputação da matéria coletável das sociedades, de harmonia com o artigo 90.º, n.º 5, do CIRC, resultando daqui uma dupla imputação, isto é, além da matéria coletável é-lhe também imputado direito a deduções à coleta que seriam dedutíveis no âmbito da sociedade transparente se tivesse tributação em IRC que, em seu entender, terão como único limite a coleta resultante da transferência da matéria coletável da sociedade transparente.

 

Só este entendimento permitirá que as sociedades transparentes e os seus sócios não sejam duplamente tributados pelo mesmo rendimento e que as sociedades transparentes não sejam negativamente discriminadas relativamente às suas concorrentes sujeitas ao regime comum de IRC, porque as deduções à coleta a que teriam direito são integralmente transferidas para a esfera dos sócios conjuntamente com o rendimento tributável e que, assim sendo, o limite previsto no n.º 7 do artigo 78.º do CIRS não se aplica às deduções à coleta geradas na esfera da sociedade e imputadas aos sócios por efeito do disposto no artigo 90.º, n.º 5 do CIRC, termos em que pugnam pela declaração de ilegalidade e consequente revogação das respetivas decisões de indeferimento das reclamações graciosas, anulação das liquidações contra as quais as mesmas se dirigiam e reembolso do imposto indevidamente pago, nas situações em que ocorreu, acrescidos de juros indemnizatórios.

 

Por sua vez a AT considera que embora as despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II), realizadas pela sociedade transparente de que os Requerentes são sócios ficam sujeitas ao limite estabelecido nas alíneas do n.º 7 do artigo 78.º do Código do IRS, quando imputadas, nos termos do artigo 6º do CIRC, a cada um deles e respetiva situação.

 

Considera que o nº 5 do artigo 90º do CIRC estabelece que as deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respetivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo, estando englobadas nessas deduções a referente a benefícios fiscais.

Por outro lado refere que o nº 1 do artigo 20º do CIRS determina que constitui rendimento dos sócios ou membros das entidades referidas no artigo 6º do CIRC, que sejam pessoas singulares, o resultante da imputação efetuada nos termos e condições dele constante ou, quando superior, as importâncias que, a título de adiantamento por conta de lucros, tenham sido pagas ou colocadas à disposição durante o ano em causa, dispondo o nº 2 do referido artigo 20º que para efeitos de tributação, as respetivas importâncias integram-se como rendimento líquido na categoria B.

 

Levando em conta que o nº 1 do artigo 38º do CFI circunscreve as deduções do SIFIDE à coleta de IRC, por força do disposto nas disposições conjugadas do nº 5 do artigo. 90º do CIRC e dos nºs 1 e 2 do artigo 20º do CIRS, os sócios das sociedades transparentes podem deduzir os benefícios fiscais SIFIDE na coleta de IRS, após a imputação aos sócios da matéria coletável, efetuada no âmbito do CIRC, não se poderá deixar de se observar, na liquidação, as disposições do CIRS, nomeadamente o nº 7 do seu artigo 78º, sustentando  que se o  legislador quisesse que as deduções do SIFIDE, em sede de IRS, tivessem um tratamento específico, teria autonomizado e regulado essas dedutibilidades, o que não foi feito, termos em que conclui pela improcedência do pedido.

 

Em termos gerais os argumentos aduzidos pelas partes estão definidos, cabendo a este Tribunal pronunciar-se e decidir em conformidade com Direito que considera aplicável.

 

A composição do litígio passa por analisar e decidir qual o limite da dedução à coleta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito SIFIDE II, quando haja lugar à imputação da matéria coletável ao rendimento tributável dos sócios de sociedade profissionais no âmbito do regime de transparência fiscal. Deveremos seguir o disposto no nº 7 e 8 artigo 78º do CIRS?

 

A doutrina junta pelos Requerentes, que muito apreciamos e respeitamos, pugna pela inaplicabilidade ao caso concreto dos limites a que alude o artigo 78º do CIRS, o que vai ao encontro da perspetiva dos Requerentes.

O Direito aplicável, quanto ao benefício fiscal, encontra-se plasmado no artigo 38º do CFI que, na parte que consideramos aplicável, se transcreve:

 

Âmbito da dedução

1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante da coleta do IRC apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação com início entre 1 de janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2025, numa dupla percentagem:

a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período;

 b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000,00.

2 - Para os sujeitos passivos de IRC que se enquadrem na categoria das micro, pequenas ou médias empresas, tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, que ainda não completaram dois exercícios e que não beneficiaram da taxa incremental fixada na alínea b) do número anterior, aplica-se uma majoração de 15 % à taxa base fixada na alínea a) do número anterior.

3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.

(…)

 

O artigo 90.º do CIRC, para que remete o transcrito n.º 3 do artigo 38.ºdo CFI, estabelece o seguinte na redação vigente em 2020, e no que aqui interessa:

 

Artigo 90.º

Procedimento e forma de liquidação

1 - A liquidação do IRC processa-se nos termos seguintes:

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se

referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria coletável que delas conste;

(...)

2 - Ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as seguintes

deduções, pela ordem indicada:

a) A correspondente à dupla tributação jurídica internacional;

b) A correspondente à dupla tributação económica internacional;

c) A relativa a benefícios fiscais;

d) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;

e) A relativa a retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso nos

termos da legislação aplicável.

(...)

5 - As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime

de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respetivos sócios ou

membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado

com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no

mesmo artigo”

 

Aplicável ainda o artigo 78.º do CIRS, cuja redação vigente em 2020 que ao caso se aplica, era a seguinte:

“Artigo 78.º

Deduções à coleta

1 - À coleta são efetuadas, nos termos dos artigos subsequentes, as seguintes deduções

relativas:

(...)

k) Aos benefícios fiscais.

(...)

7 - A soma das deduções à coleta previstas nas alíneas c) a h) e k) do n.º 1 não pode

exceder, por agregado familiar, e, no caso de tributação conjunta, após aplicação do

divisor previsto no artigo 69.º, os limites constantes das seguintes alíneas:

a) Para contribuintes que tenham um rendimento coletável igual ou inferior ao valor do

1.º escalão do n.º 1 artigo 68.º, sem limite;

b) Para contribuintes que tenham um rendimento coletável superior ao valor do 1.º

escalão e igual ou inferior ao valor do último escalão do n.º 1 do artigo 68.º, o limite

resultante da aplicação da seguinte fórmula:

(euro) 1 000 + [(euro) 2 500 - (euro) 1 000) x [valor do último escalão - Rendimento

Coletável]] valor do último escalão - valor do primeiro escalão;

c) Para contribuintes que tenham um rendimento coletável superior ao valor do último

escalão do n.º 1 do artigo 68.º, o montante de (euro) 1 000.”

(...)

 

Como é patente, não está em causa a elegibilidade para o benefício fiscal do SIFIDE II, surgindo as divergências entre Requerentes e Requerida apenas quanto ao facto da aplicabilidade ou não dos limites a que alude o nº. 7 do artigo 78º do CIRS. Para a Requerida esses limites são de aplicar, enquanto que os Requerentes entendem que o limite previsto no n.º 7 do artigo 78.º não é aplicável às deduções imputadas aos sócios de sociedades transparentes por efeito do disposto no artigo 90.º, n.º 5, do CIRC.

 

Na verdade, o artigo 38.º do CFI estabelece que a dedução do benefício fiscal do SIFIDE à coleta de IRC, com remissões para o artigo 90.º do CIRC e, no seu n.º 2, menciona as deduções e, entre elas, constam os benefícios fiscais dedutíveis à coleta de IRC. Ora, não tendo as sociedades transparentes tributação em IRC, por força do artigo 12º do CIRC, poder-se-á pensar a sua inaplicabilidade às sociedades transparentes. Porém, como já se viu, o n.º 5 do artigo 90.º do CIRC, ao estabelecer que as deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal a que alude artigo 6º do mesmo diploma, são imputadas aos respetivos sócios ou membros e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no citado artigo 6º.

Parece-nos inequívoco que o legislador transferiu as referidas deduções in totum para o IRS, dado que o nº 5 do artigo 90º do CIRC não fixa qualquer limitação à dedução dos benefícios fiscais em sede de IRS.

 

Por outro lado, o SIFIDE não é um benefício fiscal em sede de IRS, sendo determinado no âmbito do IRC, por isso de natureza empresarial e transferido para os sócios das sociedades transparentes por força da imputação do artigo 6º e do nº 5 do artigo 90º do CIRC, como já se viu. Nesta perspetiva fica afastado dos limites de deduções à coleta referidas no nº 7 do artigo 78º do CIRS, que são deduções de âmbito pessoal.

 

Aliás, esta  era uma prática que vinha sendo aceite pela AT, conforme circular 8/90 e mais recentemente em Despacho da substituta do Diretor Geral de 2013/12/04, Pº 2013003058 respeitante a CFI e informação vinculativa 15282, processo 2019 001072 respeitante a benefício fiscal da Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos.

 

A jurisprudência do CAAD tem vindo maioritariamente a dar razão à perspetiva dos Requerentes, designadamente os Acórdãos proferidos nos processos 93/2022-T e 260/2023-T.

 

O STA, no acórdão de 07-06-2023, processo n.º 1301/21.0BEBRG, decidiu que “…a dedução à colecta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II), quando haja lugar à imputação da matéria colectável aos sócios (pessoas físicas) de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, rege-se pelo disposto nos artigos 90.º e 92.º do Código do IRC e 35.º a 38.º do CFI, não lhes sendo aplicável, assim, o limite estabelecido no artigo 78.º, n.º 7, do Código do IRS…”.

 

Entendemos ser de seguir o consagrado no nº 3 do artigo 8º do Código Civil, que se transcreve: “Nas decisões que proferir o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniforme do direito”.

 

 

Pelo exposto, os Despachos de indeferimento das reclamações graciosas dirigidas às respetivas liquidações de IRS enfermam de ilegalidade e por isso deverão ser revogados com todas as consequências legais daí advindas incluindo a anulação das respetivas liquidações de IRS e juros compensatórios quando liquidados, da forma como se segue:

  1. Os Requerentes G... e H..., N... e O..., P... e Q... e R..., que optaram por fazer, dentro do prazo legal, o pagamento integral do IRS, em face da anulação decretada, têm direito, ao reembolso integral do imposto indevidamente pago;
  2. Os Requerentes L... e M... e S... e T... que optaram por fazer, dentro do prazo legal, o pagamento integral do IRS e dos juros compensatórios que lhes foram liquidados pela AT, em face da anulação decretada têm direito, ao reembolso integral do imposto e juros compensatórios indevidamente pagos;
  3. Os Requerentes A... e B..., que inicialmente optaram pela suspensão da dívida no âmbito do processo de execução fiscal e mais tarde optaram pelo pagamento integral do IRS e dos juros compensatórios que lhes foram liquidados pela AT, em face da anulação decretada, têm direito, ao reembolso integral do imposto e juros compensatórios indevidamente pagos;
  4. Aos Requerentes C... e D..., E... e F... que além do IRS lhe foi também liquidado juros compensatórios e que optaram por pedir a suspensão da dívida no âmbito do processo de execução fiscal têm direito à sua anulação; e
  5. Os Requerentes I...; J... e K..., a quem foi apenas liquidado IRS e que optaram por pedir a suspensão da dívida no âmbito do processo de execução fiscal têm direito à sua anulação.

 

4. REEMBOLSO DAS QUANTIAS PAGAS E JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito. O que está de acordo com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago e ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na LGT, artigo 43.º, n.º 1 e no CPPT, artigos 61.º, n.º 5, que serão devidos desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Havendo assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IRS, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições calculados sobre as quantias a reembolsar de IRS que na execução de julgados venha a ser apurada aos Requerentes G... e H..., N... e O..., P... e Q..., e R... .

 

Relativamente aos Requerentes L... e M... e S... e T... na sequência de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IRS e juros compensatórios, há também lugar ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos das citadas disposições calculados sobre as quantias a reembolsar de IRS e juros compensatórios que na execução de julgados venha a ser apurada.

 

5. JUROS DE MORA

 

Os Requerentes G... e H..., N... e O..., P... e Q... e R..., L... e M... e S... e T..., I...; J... e K..., A... e B..., pretendem a condenação da AT ao pagamento eventual de juros de mora ao dobro da taxa dos juros devidos ao Estado, caso a Requerida não proceda ao cumprimento voluntário da decisão no prazo legalmente estabelecido, de harmonia com o nº 5 do artigo 43º da LGT.

 

Na verdade no período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida no normativo acima referido da LGT.

 

Sobre esta matéria já o STA se pronunciou, designadamente (acórdão de 01/02/2017, proferido no processo n.º 0285/16), que com a devida vénia transcrevemos o seu sumário: “Os juros de mora previstos no artigo 43º, n.º 5 da LGT, a favor do contribuinte, ao contrário dos juros indemnizatórios, perdem a natureza indemnizatória/reparatória que poderiam ter e apenas assumem a natureza de sanção, pelo que são devidos em simultâneo com os juros indemnizatórios devidos ao abrigo do n.º 1 do mesmo artigo 43º.”

 

Estamos em presença de juros sancionatórios que terão lugar apenas no caso de incumprimento pela AT dentro do prazo de execução espontânea da decisão transitada em julgado. Nos termos do artigo 24º do RJAT, a AT está vinculada ao cumprimento integral das decisões arbitrais, nos prazos legalmente estabelecidos, (ver nºs 1 e 3 do artigo 175º do CPTA). Daí que para haver lugar a esta sanção tem que ter decorrido o referido prazo de execução espontânea pela administração, o que no presente caso não se coloca uma vez que esse prazo ainda não se iniciou, não havendo ainda qualquer incumprimento, termos em que vai o pedido indeferido, sem prejuízo de, em caso de incumprimento da AT, os Requerentes verem os seus direitos reconhecidos em execução de julgado, meio processual que consideramos adequado para os definir.

 

6. INDEMNIZAÇÂO POR GARANTIA INDEVIDA

 

Os Requerentes C... e D...; E... e F...; I...; J... e K... prestaram garantias para suspender os processos de execução fiscal instaurados para cobrança coerciva das respetivas liquidações impugnadas pretendendo ser ressarcidos de todos os gastos suportados, nos termos do artigo 53º da LGT.

 

O artigo 53.º da LGT estabelece o seguinte:

“Garantia em caso de prestação indevida

1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3 - A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.”

 

Por sua vez o artigo 171.º do CPPT dispõe que “a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência”.

 

Ora, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até será o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação subjacente.

 

Porém, do ponto de vista do Tribunal, não estamos em presença de garantia bancária ou equivalente, pois os Requerentes em causa ofereceram como garantias, com vista à suspensão dos respetivos processos executivos, penhores sobre unidades de participação. Como refere A. LIMA GUERREIRO, em anotação ao art.º 53º na sua "Lei Geral Tributária Anotada", «o presente preceito compreende apenas o prejuízo sofrido pela prestação de garantia bancária ou equivalente (como o seguro-caução). Não abrange o prejuízo sofrido pela prestação de outro tipo de garantia (ver, por exemplo, a constituição de penhor ou hipoteca legal), o que resulta da muito maior dificuldade em se configurar então a existência de um prejuízo efectivo sofrido pelo executado nesse tipo de circunstâncias, o que não significa que tal não possa ocorrer, devendo, então, o ressarcimento do lesado fazer-se pelos meios indemnizatórios gerais» - pág.245. Termos em que consideramos inaplicável ao caso a legislação enunciada. Por outro lado, as garantias foram prestadas no âmbito de processos de execução fiscal, pelo que de acordo com o nº 2 do artigo 103º da LGT, a apreciação dos atos administrativos praticados nos processos de execução fiscal pelos órgãos da administração tributária, a sua apreciação não cabe a este Tribunal, mas ao Juiz de Execução, termos em que consideramos improcedente o pedido.

 

IV – DECISÃO

 

De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Declarar a superveniência da lide relativamente à liquidação 2021..., em nome de N... NIF... e O... NIF ..., no montante de 38,86€
  2. Julgar, no mais, procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  3. Revogar os despachos de indeferimento das reclamações graciosas e anular as liquidações de IRS e juros compensatórios do ano de 2020, contra as quais as mesmas se dirigiram, nas partes em que têm como pressuposto a não dedução à coleta de IRS da quantia que beneficia do SIFIDE;
  4. Julgar procedente o pedido de reembolso das quantias pagas indevidamente de IRS e Juros compensatórios a apurar pela AT na execução do presente Acórdão, acompanhadas dos respetivos juros indemnizatórios;
  5. Julgar improcedentes os pedidos relativos a juros de mora, previstos no nº. 5 do artigo 43º da LGT;
  6. Julgar improcedentes os pedidos de indemnização por garantia indevida;
  7. Fixar o valor do Processo em € 2.200.224,69 (dois milhões duzentos mil duzentos e vinte e quatro euros e sessenta e nove cêntimos), nos termos do disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
  8. Fixar as custas em € 28.764,00, ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, que ficam a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Notifique.

 

Lisboa, 20 de Setembro de 2024.

 

 

O Presidente,

 

(Professor Doutor Rui Duarte Morais)

 

O Vogal – Relator

 

Dr. Arlindo José Francisco

 

O Vogal

 

 

Dr. Francisco Melo