Sumário
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A Contribuição de Serviço Rodoviário tem a natureza de imposto; logo o Tribunal Arbitral tem competência para apreciar os respetivos atos de liquidação.
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A Requerente não é o sujeito passivo da CSR, nem repercutido legal deste imposto. É mero repercutido de facto – e não tem legitimidade, por lei e porque não provou um interesse legalmente protegido (art. 9.º, n.º 1 do CPPT, 18.º, n.º 4, alínea a) e 65.º da LGT).
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Esse interesse consiste em ter suportado, do ponto de vista económico, o imposto [CSR] liquidado ao sujeito passivo fornecedor dos combustíveis.
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Não tendo ficado provado que a Requerente suportou o encargo económico do imposto, não tem legitimidade para pedir a anulação das respetivas liquidações e o reembolso do imposto.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, Carlos Fernandes Cadilha, Hélder Faustino e Tomás Cantista Tavares (relator, em substituição do relator originário, porque vencido), acordam no seguinte:
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Relatório
A..., lda., (doravante A... ou requerente), com o número de matrícula e de pessoa coletiva ... e sede na Rua ..., ..., ..., ...-... Vila Real de Santo António, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”).
A ré é Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT ou Requerida).
A Requerente pretende a anulação, por ilegalidade, dos atos de liquidação e repercussão da Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) consubstanciadas nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pela requerente entre 26/7/2019 e 31/12/2022 e correspondentes liquidações de CSR praticadas pela AT e submetidas à fornecedora de combustível, e respetivo reembolso ao requerente no valor de € 254.465,38.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante “CAAD”). A Requerida solicitou, de imediato, a identificação dos atos de liquidação cuja legalidade a Requerente a anulação. O Presidente do CAAD mandou o processo prosseguir, por entender que essa matéria é da competência do Tribunal Arbitral a constituir.
Foram nomeados os árbitros, que comunicaram, em tempo, a aceitação do cargo. As partes foram notificadas dessa nomeação e não manifestaram oposição.
O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 7 de maio de 2024.
A Requerida apresentou a Resposta, com defesa por exceção e impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”). Por respeito do contraditório, a Requerente pronunciou-se sobre as exceções, em extenso documento escrito, juntando declaração do fornecedor B..., Lda. (doravante B...).
Por Despacho de 23/7/2024, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal, da celeridade, simplificação e informalidade processuais (art. 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT). Pelas mesmas razões e por o processo conter toda a informação factual e jurídica, nomeadamente com a resposta da Requerente, foram igualmente dispensadas as alegações escritas. A Requerida foi notificada para se pronunciar sobre o documento junto pela requerente, na resposta às exceções – o que veio a fazer, como adiante se dará nota e se decidirá.
Posição da Requerente
A Requerente propugna a ilegalidade das liquidações e dos atos de repercussão de CSR referentes aos combustíveis que adquiriu ao fornecedor B..., entre 26/7/2019 e 31/12/2022.
Segundo a Requerente, os atos impugnados (e a CSR) violam a Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, que fixa o regime geral dos impostos especiais de consumo (“IEC”) e também à Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003; porque o legislador nacional não fixou uma afetação da receita da CSR que comprove que esta foi criada por um “motivo específico” distinto de uma finalidade orçamental, nem dotou a CSR de uma estrutura capaz de provar finalidade diferente, como a redução de custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização da rede rodoviária nacional. Nem tão-pouco a CSR dissuade os sujeitos passivos de utilizarem a rede rodoviária.
Ou seja: a CSR foi criada por razões de ordem puramente orçamental; e, por isso, não respeita o regime geral dos IEC vertido nas citadas Diretivas, que condiciona a criação de IEC não harmonizados à existência de um “motivo específico” válido, condição que não se preencheria, na senda do declarado pelo Tribunal de Justiça no processo C-460/21, Vapo Atlantic (por reenvio no processo arbitral n.º 564/2020-T).
Argumenta, ainda, que a AT tinha o dever de proceder à revisão oficiosa dos atos impugnados, por fundamento em erro imputável aos serviços (art. 78.º, n.º 1, da LGT), por violação do direito da União Europeia e por força do Primado (art. 8.º, n.º 4, da CRP). E arroga-se o direito a juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º, n.º 3, al. d), da LGT.
Posição da Requerida
Por exceção: na resposta a Requerida alega inúmeras exceções, que, a proceder, impedem o conhecimento do mérito da causa.
Desde logo, a incompetência em razão da matéria, por a CSR ser uma contribuição financeira e o CAAD apenas pode sindicar os diferendos relativos a impostos (art. 2.º da Portaria de vinculação 112-A/2011).
Depois, por incompetência material do CAAD, por entender que a requerente pretende a apreciação da legalidade de todo o regime da CSR, pela sua natureza e conformidade jurídica – e não a declaração de ilegalidade de liquidações de impostos, no contencioso do CAAD que é de mera anulação.
Por outro lado, caso o Tribunal Arbitral se arrogue competente, solicita-se no processo a apreciação da legalidade de atos de repercussão de CSR, algo que extravasa a competência da arbitragem tributária, por não serem atos tributários (mas de direito privado).
E conclui, pela exceção dilatória de incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, que prejudica o conhecimento do mérito, nos termos dos art. 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável por via do art. 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
A Requerida invoca outras exceções: ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, falta de interesse em agir, ineptidão da petição inicial por falta de objeto e por fim, a caducidade do direito de ação.
Em relação à ilegitimidade processual, salienta que, nos termos do art. 15.º, n.º 2 do Código dos IEC (aplicável por remissão do art. 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que criou a CSR), tal pressuposto apenas assiste aos sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do imposto.
Em relação à revisão do ato tributário e reembolso, defende serem aplicáveis as normas dos artigos 15.º a 20.º do Código dos IEC que, como disposições especiais, prevalecem sobre as regras gerais da LGT e CPPT. Como tal, a Requerente, na qualidade de adquirente dos produtos, que não é sujeito passivo da CSR para efeitos do disposto no artigo 4.º do Código dos IEC, não tem legitimidade para solicitar a revisão do ato tributário e o reembolso do imposto, nem, consequentemente, o pedido arbitral, pois não integra a relação tributária relativa à liquidação originada pela Declaração de Introdução no Consumo (“DIC”).
Advoga, continuando, que a Requerente não tem legitimidade, por se encontrar fora do âmbito de aplicação do artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT, porque o diploma que institui a CSR não prevê qualquer mecanismo de repercussão legal, pelo que, no caso concreto, está em causa uma eventual repercussão de natureza económica ou de facto. E, por consequência, as faturas exibidas pela Requerente não corporizam atos de repercussão de CSR, apenas titulam operações de compra e venda de combustíveis, sem qualquer menção ao ISP ou à CSR, e não demonstram que os fornecedores repercutiram à Requerente aquele imposto, nem fez tal prova.
Por outro lado, ainda que a CSR, ou parte dela, tivesse sido repassada à Requerente não é esta, necessariamente, quem suporta, a final, o encargo do tributo, pois não é consumidora final e, enquanto operadora económica, repassa, no todo ou em parte, os gastos incorridos no preço dos serviços que presta. A Requerente alega, sem provar, que suportou de forma efetiva o encargo da CSR na veste de repercutida e consumidora final.
A fornecedora que introduz os bens é o sujeito passivo da CSR: e só ela, enquanto tal, que pode solicitar o reembolso; pelo que o contencioso da Requerente pode representar uma duplicação de pedidos, com a restituição do mesmo imposto, em simultâneo, aos sujeitos passivos da CSR e aos repercutidos.
Por isso, a Requerente não teria legitimidade processual, como exceção dilatória, nos termos dos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, alínea e) e 578.º, todos do CPC (ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT), que prejudica o conhecimento do mérito da causa e implica a absolvição da Requerida da instância; ou, se assim não se entender, a Requerente careceria de legitimidade substantiva, o que se traduz em exceção perentória, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 3 e 579.º do CPC (ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT), devendo a Requerida ser absolvida do pedido.
Para a Requerida, a requerente não teria interesse em agir, pois não demonstrou que pagou os valores referentes à CSR, inexistindo a necessidade objetiva de tutela de um direito legalmente protegido. A falta deste pressuposto consubstancia uma exceção dilatória inominada (v. artigos 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º do CPC [ex vi art. 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT]), que obsta ao conhecimento do mérito e importa a absolvição da instância.
A Requerida argui ainda a ineptidão da petição inicial por falta de objeto, em virtude de não terem sido identificados pela Requerente os atos tributários praticados pela AT, impugnados nesta ação, nem as DIC submetidas pelo sujeito passivo do imposto, o que viola o art. 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT. Acrescenta que não é possível à AT identificar os atos de liquidação e/ou estabelecer qualquer correspondência entre esses atos originados nas DIC apresentadas pelo fornecedor e as faturas apresentadas pela Requerente, nem sobre a AT recai tal ónus, ficando afastada a aplicabilidade do artigo 74.º, n.º 2 da LGT. A Requerida aduz que esta situação não é superável por atuações processuais.
Donde, considera verificada a exceção de ineptidão do pedido arbitral, por falta de identificação do ato tributário, que determina a nulidade de todo o processo e consequente absolvição da Requerida da instância, conforme disposto nos artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, alínea b) e 278.º, n.º 1, alínea b), todos do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Por fim, invoca a impossibilidade de se aferir em pleno da tempestividade dos pedidos de revisão oficiosa e de reembolso, dada a falta de identificação dos atos de liquidação em causa, uma vez que a contagem do prazo para a apresentação dos pedidos se inicia a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do ato de liquidação. Todavia, caso assim não se entenda, conclui que, quer o pedido de revisão oficiosa, quer o pedido arbitral, são intempestivos, suscitando a exceção de caducidade do direito de ação.
A este respeito sustenta que a Requerente não se pode valer do prazo de quatro anos previsto no artigo 78.º, n.º 1 da LGT, II parte, por não se verificar o requisito de erro imputável aos serviços, uma vez que as liquidações de CSR foram efetuadas de acordo com a disciplina legal aplicável e não enfermam de qualquer vício.
Estando em causa aquisições no período compreendido entre julho de 2019 e dezembro de 2022, na data de apresentação do pedido de revisão oficiosa, em 3/8/2023, há muito estava ultrapassado o prazo de 120 dias para deduzir a reclamação graciosa, previsto na primeira parte do artigo 78.º, n.º 1 da LGT. Donde, o pedido de revisão oficiosa é extemporâneo, com a consequente intempestividade da ação arbitral, o que consubstancia uma exceção perentória que determina a absolvição da Requerida do pedido, ou, a título subsidiário, uma exceção dilatória, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 89.º, n.ºs 1, e 2 4 alínea k) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), devendo, nessa medida, ser absolvida da instância.
À cautela, alega ainda que, no âmbito dos IEC, os pedidos de reembolso apresentados devem ser apreciados à luz do regime específico previsto nos artigos 15.º a 20.º do Código dos IEC, que prevê o prazo de caducidade de 3 anos (v. artigo 15.º, n.º 3), também ultrapassado.
Por impugnação: a Requerida invoca que a Requerente não provou a alegação de que pagou e suportou, enquanto consumidora, o encargo da CSR por repercussão, ónus que sobre si impendia (v. artigos 74.º, n.º 1 da LGT e 342.º, n.º 1 do Código Civil), não se podendo presumir a existência da repercussão económica ou de facto.
Acrescenta que admitir-se a condenação da AT à restituição dos montantes que a Requerente alegadamente suportou, a título de CSR, sem a exata identificação dos atos tributários em causa, poderia conduzir ao absurdo de a AT vir a ser, sucessivamente, condenada a pagar os mesmos montantes de CSR, a todos os intervenientes no circuito económico de comercialização de combustíveis rodoviários, que se veriam indevidamente enriquecidos em claro prejuízo do erário público, o que configuraria um atentado à segurança jurídica.
Mais: mesmo a admitir-se que a CSR tinha sido repercutida à Requerente, os montantes de imposto por esta indicados são incorretos, pois a unidade tributável é de 1000 litros convertidos para a temperatura de referência de 15ºC. Não existindo certificação da medição da temperatura na descarga do combustível adquirido (temperatura ambiente), não é possível realizar a correspondência para o número de litros a 15º C, pelo que é impossível, na fase da cadeia logística em que a Requerente se encontra, determinar a unidade tributável para efeitos de CSR e saber a eventual parte da CSR incluída no preço pago pelo combustível adquirido.
Em relação ao Despacho do Tribunal de Justiça no processo C-460/21, a Requerida sustenta que em momento algum se considera ilegal a CSR.
Na perspetiva da Requerida, existe um vínculo intrínseco entre o destino da CSR e o motivo específico que levou à sua criação, que se prende com a redução da sinistralidade rodoviária e a sustentabilidade ambiental, ambos distintos de uma finalidade orçamental. Deste modo, a CSR é conforme ao direito da União Europeia, não se constatando erro imputável aos serviços.
Por outro lado, ainda que a repercussão económica viesse a ser provada, de acordo com o Tribunal de Justiça, um Estado-Membro pode opor-se a um pedido de reembolso de um imposto indevido, apresentado pelo comprador sobre quem esse imposto tenha sido repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma ação civil de repetição do indevido.
Por fim, entende não serem devidos juros indemnizatórios, por não existir uma desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva acima citada, nem qualquer decisão judicial transitada em julgado que assim o declare, nem, bem assim, a Requerente provou que efetuou qualquer pagamento de CSR.
Em síntese: requer a extinção e absolvição da instância arbitral, por incompetência do Tribunal Arbitral, e/ou ilegitimidade processual e/ou falta de interesse em agir, e/ou ineptidão do pedido arbitral, ou, se assim não se entender, a absolvição do pedido, por verificação da exceção de caducidade do direito de ação, e/ou da exceção de falta de legitimidade substantiva; ou, por fim, caso assim não se entenda, a improcedência total do pedido, por infundado e não provado.
Posição da Requerente quanto às exceções
Relativamente à incompetência, a Requerente pronuncia-se no sentido de que a CSR é arbitrável, por ser um imposto.
Sobre a repercussão, considera não existir obstáculo a que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre o fundamento de ilegalidade dos atos de liquidação. Em relação à ilegitimidade, entende que a questão deve ser analisada à luz da Diretiva 2008/118/CE e não do Código dos IEC, concluindo que pode impugnar os atos de liquidação, ao abrigo do disposto no artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT e 9.º, n.º 1 do CPPT, por lhe ter sido repercutida a CSR e ser o consumidor efetivo.
A Requerente identificou os atos de repercussão legal, via faturas, (e juntou declaração do fornecedor em que repercutiu o valor que lhe foi liquidado pela AT). É a AT é que tem de identificar as liquidações, porque a requerente não as conhece (nem as pode conhecer) e nos termos do art. 74.º, n.º 2, da LGT. E contesta os dois atos na PI: a liquidação de CSR e os atos de repercussão legal.
A Requerente entende que a ação é tempestiva, por aplicação do art. 74.º, n.º 2, da LGT (a requerente não sabe as datas das liquidações – e mas sim a AT); e não se aplica o art. 15.º e 16.º do CIEC, mas os procedimentos e prazos previstos na LGT e no CPPT, com erro imputável aos serviços nos termos do art. 78.º, n.º 1, da LGT. E que não impugnou qualquer ato legislativo (ou o corpo legal total ou parcial da CSR), mas antes atos tributários passiveis de análise pelo Tribunal Arbitral.
Advoga, por outro lado, que o terceiro repercutido tem legitimidade, por não aplicação do art. 15.º e 16.º do CIEC; o art. 18.º da LGT confere-lhe legitimidade de forma direta e clara; e que se trata de uma repercussão jurídica, nos termos desse preceito, e não de uma repercussão económica ou de facto; e em consequência, a intervenção da requerente é ao abrigo de normas de direito fiscal e não nos termos de uma relação privada. E tem real interesse em agir, pela necessidade de ressarcimento dos valores de CSR por si suportados.
Para a Requerente, cabe à AT demonstrar, em cada caso, que houve uma efetiva repercussão do imposto nos consumidores, para se admitir que o reembolso do imposto, por violação do direito da União Europeia, se pode traduzir numa situação de enriquecimento sem justa causa. E junta declaração da B... nesse sentido.
Sobre a matéria da ineptidão, afirma ter identificado os atos tributários, consubstanciados nas faturas em causa e, além do mais, indica a quantia total suportada a esse título. Não lhe é possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso, quando a AT se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios, o que é desproporcional e incompatível com o direito à tutela judicial efetiva (v. artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP).
Sobre a caducidade, reitera a posição do pedido arbitral, no sentido de que é aplicável o prazo de quatro anos, previsto na II parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, por estarmos perante uma situação de erro imputável aos serviços, pelo que a ação é tempestiva. Afasta a aplicabilidade do regime dos IEC, por não estar em causa um pedido de reembolso, mas a declaração de ilegalidade de atos tributários e a aplicação de uma garantia do contribuinte. E, por fim, que o valor do pedido está bem calculado, porque a introdução no consumo faz-se sempre nas condições legais, temperatura a 15 graus e que, a repercussão, a jusante, tem de assentar nesse fator que determina a vertente quantitativa do pedido arbitral.
III. Questões a Apreciar
A questão de mérito a decidir respeita a apreciação da compatibilidade do regime da CSR subjacente aos atos tributários (de liquidação de CSR) impugnados com o direito da União Europeia, em concreto, com o disposto no artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118/CE.
No entanto, a Requerida invocou múltiplas exceções, quer dilatórias, quer perentórias, de que o Tribunal Arbitral deve conhecer a título prévio, logo após a fixação da matéria de facto, a começar pelas dilatórias, pois a sua procedência, impede a apreciação do mérito da causa.
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Fundamentação de Facto
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Factos Provados
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:
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A..., lda., efetuou aquisições de 2.292.480,92 litros de gasóleo rodoviário, entre 26/7/2019 e 31/12/2022 – cf. faturas juntas como Documentos 1 a 4 no requerimento inicial.
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Estas aquisições foram efetuadas ao fornecedor B..., Lda. – cf. faturas juntas como Documentos 1 a 4 do requerimento inicial.
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As faturas que titulam a aquisição do gasóleo rodoviário acima referido não contêm qualquer menção à CSR – cf. faturas juntas como Documentos 1 a 4 do requerimento inicial.
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Em 3/8/2023, a Requerente apresentou, junto da Alfândega de Alverca, Ribatejo, pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação da CSR que alega ter suportado, no montante de € 254.564,38, por repercussão nas faturas de aquisição de combustíveis, no período compreendido entre 26/7/2019 e 31/12/2022, tendo em vista o reembolso da CSR – cf. PA.
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Até ao momento, a Requerente não foi notificada de qualquer decisão da AT sobre o referido pedido de revisão oficiosa – provado por acordo.
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Em 23/2/2024, a Requerente apresentou o presente pedido arbitral – cf. registo de entrada do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) no SGP do CAAD.
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A B... declarou, para os devidos efeitos, “que a CSR entregue, na qualidade de sujeito passivo, junto dos cofres do Estado – Autoridade Tributária e Aduaneira, por referência ao combustível fornecido à empresa A..., lda foi por si integralmente repercutido na esfera da referida empresa” – documento junto com resposta às exceções.
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Factos não Provados
Não se provou que a Requerente suportou, do ponto de vista económico, o imposto [CSR] liquidado a B... e por ela repercutido à Requerente.
A Requerente não provou que suportou o encargo económico do imposto (CSR), sem o haver repercutido no seu negócio para os seus clientes, repercussão económica essa que ocorre, em geral, relativamente a todos os gastos suportados pelas empresas.
De resto, não há factos não provados que importem para a decisão deste processo.
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Motivação da Decisão da Matéria de Facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal Arbitral que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, nomeadamente à declaração de B..., que se entendeu credível, isenta e tempestivamente apresentada.
Em relação à alegação de que a CSR foi ou não repercutida à Requerente, ao cêntimo, a prova prende-se com a análise do documento emitido por B... junto pela requerente com a resposta às exceções.
No exercício do contraditório, a Requerida invoca a extemporaneidade do documento junto com a réplica e requer a não admissão e desentranhamento, por entender que o deveria ter apresentado antes e que já não o pode fazer com a réplica. Mas não tem razão: por força das
disposições conjugadas dos artigos 423.º e 425.º do CPC, os documentos podem
ser juntos até ao encerramento da discussão, o que só ocorreu, no presente
processo, com o despacho de 23 de julho que dispensou as alegações – e o documento foi antes junto, pelo que a junção do documento é tempestiva.
Em relação ao facto não provado: a Requerida não o provou; e por regra – ou seja, não se provando – assume-se que os agentes económicos repercutem economicamente todos os gastos por si suportados, por inclusão via preço dos seus bens e serviços junto dos seus clientes.
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Do Direito
Questões Prévias
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Sobre a Ineptidão do Pedido de Pronúncia Arbitral
A AT defende que o pedido de pronúncia arbitral é inepto, porque a Requerente não identificou os atos que são objeto do pedido arbitral, como exige o artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT. A Requerente refuta e pugna que os atos impugnados são da autoria da AT, sobre quem recai o ónus da sua identificação.
O artigo 98.º, n.º 1, alínea a) do CPPT (ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT) indica a ineptidão da petição inicial, como nulidade insanável do processo judicial tributário – sem esclarecer, contudo, as situações que configuram essa ineptidão. Desta forma, deve aplicar-se, a título subsidiário (v. artigos 2.º, alínea e) do CPPT e 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT), o disposto no compêndio processual civil que, no artigo 186.º, rege esta matéria (v. neste sentido a decisão do processo arbitral n.º 410/2024-T, de 13 de novembro de 2023, que a seguir se acompanha).
No citado artigo 186.º, n.º 1 do CPC, indicam-se as seguintes situações de ineptidão da petição inicial: a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir; c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
O n.º 3 do mesmo artigo determina que “se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial”.
Em relação à identificação dos atos tributários, não tendo a Requerente a qualidade de sujeito passivo da CSR, nem sendo substituto tributário, não lhe é exigível que disponha das liquidações correspondentes, uma vez que não é o seu destinatário, nem participou na sua emissão. Aliás, tal exigência comprometeria a sindicabilidade dos atos tributários por repercutidos legais, ou, no caso de retenções na fonte, pelos substituídos, com a consequente contração do acesso ao direito, incompatível com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva e com o princípio da proporcionalidade (v. artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição).
A não identificação dos atos tributários não impediu o exercício do contraditório pela Requerida, que, pelo teor da extensa e circunstanciada resposta, manifestou compreender o alcance da pretensão da Requerente e os argumentos que a alicerçam, não se suscitando, portanto, um problema de ininteligibilidade do pedido e/ou da causa de pedir. Nem essa identificação é necessária para aferir da legalidade da cobrança de CSR.
Afigura-se, assim, que o pedido formulado é perfeitamente inteligível e idóneo ao meio processual (ação arbitral tributária), pois, como indicado no requerimento inicial, o pedido reconduz-se à anulação, por ilegalidade, de atos de liquidação de CSR, não merecendo qualquer reparo.
Pelo exposto, improcede a exceção da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral, pois não se verifica nenhuma das situações elencadas no artigo 186.º do CPC.
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Da Competência Material do Tribunal Arbitral
A Requerida qualifica a CSR como contribuição financeira e não como imposto, daí retirando a consequente exclusão do âmbito da jurisdição arbitral por falta de vinculação da AT (v. artigo 4.º, n.º 1 do RJAT[1]). Isto porque a Portaria de Vinculação[2], no art. 2.º, delimita o respetivo âmbito à “apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida [à AT]”, sem prever outros tributos. (sublinhado nosso)
A questão releva do ponto de vista da competência “relativa” do Tribunal Arbitral e não “absoluta”, em razão da matéria, já que a norma que rege a competência, o artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, faz referência a “atos de liquidação de tributos”, categoria ampla que compreende a tripartição clássica refletida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição e no artigo 3.º, n.º 2 da LGT – impostos, taxas e contribuições financeiras –, pelo que aí tem claro enquadramento a CSR.
Porém, mesmo na perspetiva da competência “relativa” não assiste razão à Requerida, porquanto, apesar de o artigo 2.º da citada Portaria parecer limitar o âmbito da vinculação da AT à jurisdição arbitral aos “impostos” e de o nomen juris da CSR sugerir que estamos perante uma contribuição financeira, a sua natureza é, na realidade, a de um imposto administrado pela AT, ainda que de receita consignada, não sendo a denominação determinante.
Para o Tribunal Arbitral, a CSR é na realidade um imposto, louvando-se, para tal, no decidido no proc. arbitral 304/2022-T, de 5 de janeiro de 2023[3], que se acompanha nesta matéria, e que, com suporte na jurisprudência dos Tribunais superiores, incluindo o Tribunal Constitucional, conclui que a CSR é um imposto.
Desde logo, a designação dada ao tributo não vincula o aplicador do direito, que, no seu labor interpretativo, se rege antes pela natureza do tributo; e o facto do tributo ter receita consignada, não faz dele, imediatamente, uma contribuição financeira (v. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 539/2015; 369/99 e 232/2022, respetivamente), existindo vários impostos que têm a sua receita consignada.
O elemento decisivo para a qualificação da CSR como contribuição financeira é a existência de uma estrutura paracomutativa[4], ou dito de outra forma, de um nexo de bilateralidade/causalidade que se estabelece entre o ente beneficiário da receita [Estado] e os sujeitos passivos do tributo. A prestação deve destinar-se a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos, “(...) acabando por se reconduzir à categoria de impostos de receita consignada as prestações pecuniárias coativas cobradas com o intuito de financiar despesa pública – mesmo que se trate de despesa pública concretamente identificada no âmbito da consignação das receitas – sempre que essa despesa se não possa reconduzir ao suporte financeiro de medidas ou atividades administrativas provocadas pelos sujeitos passivos ou de que estes sejam beneficiários” (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2022, citado na decisão arbitral 304/2022-T).
No caso da CSR, constata-se que a mesma não tem por finalidade compensar prestações administrativas realizadas de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário e também não se identificam prestações administrativas a que o sujeito passivo tenha dado causa.
Conforme explicita a decisão arbitral 304/2022-T:
“Desde logo, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007).
Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa – que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” – é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”
Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial – a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. – não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, afigura-se inexistir um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade.
A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art.º 1º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento.
No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respetivos sujeitos passivos.
Embora a Autoridade Tributária afirme que a posição dos revendedores de produtos petrolíferos é a de uma “espécie de substituição tributária”, não entendemos assim, pois tal entendimento não tem apoio na lei.
[…]
Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede.
Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira.”
No mesmo sentido, salienta a decisão arbitral 629/2021-T, de 3 de agosto de 2022, que “o nexo grupal – que faria das contribuições financeiras uma espécie de taxas coletivas – não se estabelece com os sujeitos passivos da CSR, mas sim com terceiros não participantes na relação tributária.”.
A qualificação da CSR como um imposto foi também a seguida pelo Tribunal de Contas, na Conta Geral do Estado de 2008, e resulta da análise da sua génese. Interessa a este respeito notar que a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, criou a CSR por desdobramento do ISP, em relação ao qual é indiscutível a sua qualificação como imposto. Esta relação umbilical merece destaque na decisão arbitral 332/2023-T: “A CSR, durante algum tempo legalmente autonomizada do ISP, a partir do qual nasceu e ao qual voltou, constituiu sempre um pseudónimo deste – e, portanto, sempre foi um imposto”.
Em síntese, a CSR é enquadrável como imposto, uma vez que não reúne as características de bilateralidade difusa e de responsabilidade de grupo inerente às contribuições, estando, deste modo, abrangida pela autovinculação da AT à jurisdição arbitral, nos termos da citada Portaria n.º 112-A/2011, sendo este Tribunal competente para proceder à sua apreciação.
A Requerida suscita ainda a incompetência material deste Tribunal, por entender que a Requerente visa a apreciação da legalidade de todo o regime da CSR, pretendendo, em rigor, suspender a eficácia de atos legislativos. Contudo, não é assim.
O pedido formulado pela Requerente é especificamente dirigido à anulação dos atos tributários e reflexamente da decisão silente de segundo grau que os manteve, não tendo sido peticionada a ilegalidade ou ineficácia da Lei n.º 55/2007 ou de alguma(s) das suas normas. E a pronúncia jurisdicional será, se a ação for procedente, meramente anulatória (constitutiva) dos atos impugnados, não consubstanciando uma declaração de ilegalidade do (ou dirigida ao) regime da CSR em bloco.
A Requerente não pretende, nem do seu articulado se infere, a “fiscalização da legalidade de normas em abstrato”. O que está em causa nos autos é a apreciação de atos individuais e concretos – de liquidação de CSR – em relação aos quais foi suscitada a questão da respetiva ilegalidade por erro de direito. A alegada ilegalidade do regime da CSR por violação do direito da União Europeia é causa de invalidade dos atos, mas não o objeto da pronúncia jurisdicional. A pretendida decisão anulatória de atos individuais e concretos com fundamento da desconformidade da disciplina da CSR com o direito europeu, mais não é do que a expressão do princípio do primado do direito da União Europeia, sem paralelo com uma alegada declaração de ilegalidade do próprio regime.
A Requerida invoca ainda a falta de competência material do Tribunal Arbitral para se pronunciar sobre a legalidade dos atos de repercussão de CSR, subsequentes e autónomos dos atos de liquidação da própria CSR. Se é verdade que os atos de repercussão da CSR não constam do elenco dos atos passíveis de arbitragem tributária (art. 2.º do RJAT), a verdade é que a Requerente, não solicita apenas a anulação dos atos de repercussão, mas também e sobretudo a anulação dos atos de liquidação da CSR sobre o operador que introduziu no consumo e, na medida em que depois lhe foram repercutidos. A repercussão é fundamento da legitimidade (como se verá depois); a anulação da CSR é o pedido da Requerente – pedido esse que o Tribunal Arbitral pode conhecer.
À face do exposto, julga-se improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, encontrando-se a AT ao mesmo vinculada, por estar em causa um pedido de anulação de atos de liquidação de imposto, a CSR (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
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Da Ilegitimidade
Quanto a este ponto seguir-se-á, de perto, o disposto no proc. arbitral n.º 1034/2023-T, de que o agora relator foi um dos árbitros.
O RJAT não contém a regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso, cuja conformação jurídica tem, assim, de proceder do direito subsidiariamente aplicável, por via da aplicação do seu artigo 29.º, n.º 1, que remete para as disposições legais de natureza processual do CPPT, do CPTA e do CPC.
Da regra geral do direito processual, constante do artigo 30.º do CPC, resulta que é parte legítima quem tem “interesse direto” em demandar, sendo considerados titulares do interesse relevante, para este efeito, na falta de indicação da lei em contrário, “os sujeitos da relação controvertida”. A mesma regra é reproduzida no processo administrativo, que confere legitimidade ativa a quem “alegue ser parte na relação material controvertida” (v. artigo 9.º, n.º 1 do CPTA).
A legitimidade no processo é, pois, recortada pelo conceito central de “relação material” que, no âmbito fiscal, há de ser uma relação regida pelo direito tributário, à qual subjaz um ato tributário, cujo sujeito passivo é delimitado no artigo 18.º, n.º 3 da LGT, como “a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.”.
Neste domínio, a legitimidade não pode deixar de ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares ou coletivas e entidades equiparadas (v. artigo 1.º, n.º 2 da LGT).
O CPPT consagra uma norma específica à legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (v. artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).
No mesmo sentido, ainda que se refira somente à legitimidade no procedimento, a LGT determina no seu artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.”. E o artigo 78.º da LGT, no âmbito da revisão dos atos tributários, assegura a mesma posição apelando aos conceitos de sujeito passivo e de contribuinte.
Em relação aos sujeitos passivos não originários, o legislador teve a preocupação de justificar, especificadamente, a razão pela qual lhes é concedida legitimidade processual. Assim, quanto aos responsáveis solidários, a legitimidade processual deriva “da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal” (v. artigo 9.º, n.º 2 do CPPT). E, relativamente aos responsáveis subsidiários, está associada ao facto “de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários” (v. artigo 9.º, n.º 3 do CPPT). Em ambas as situações, constitui-se uma relação jurídico-tributária entre estas categorias de sujeitos passivos derivados e o credor tributário Estado, que encerra prestações – principais (de pagamento da obrigação tributária) e acessórias –, o que sucede igualmente com outra categoria de sujeito passivo (não originário), o substituto.
Compreende-se que o legislador não tenha adotado um conceito irrestrito de legitimidade ativa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura suscitaria, quer na ligação entre o ato de liquidação do imposto, a determinação da sua efetiva repercussão (económica) e a determinação do seu quantum; quer ainda no potencial desdobramento/duplicação de devoluções de imposto indevidas: simultaneamente ao sujeito passivo e ao(s) múltiplos repercutido(s) económicos da cadeia de valor. A ser assim, o mesmo imposto poderia ser restituído a diversos intervenientes, de forma dificilmente controlável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.
In casu, a Requerente não é o sujeito passivo da CSR – isso é a entidade originária a quem o imposto é liquidado pela AT; e arroga-se a qualidade de repercutido legal, diversa e inconciliável com o sujeito passivo, como diz o art. 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT, que dispõe não ser sujeito passivo quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”, sem prejuízo do direito de deduzir pedido de pronúncia arbitral, nos termos das leis tributárias.
Apesar de a LGT estender a legitimidade ativa ao repercutido legal[5], que, como acabámos de ver, não é sujeito passivo, a CSR não constitui um caso de repercussão legal.
A Lei n.º 55/2007, que institui a CSR, não contém qualquer referência sobre quem deve recair o encargo do tributo. Basta atentar, para esta conclusão, no seu artigo 5.º, n.º 1: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.”. Assim, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma, pelo que o artigo 5.º, n.º 1 não remete para o artigo 2.º do Código dos IEC, mas apenas para as normas desse código que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo.
Em síntese, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que instituiu a CSR não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, nem sequer, adiante-se, de repercussão meramente económica, isto, sem prejuízo de ser um dado que, em princípio, as empresas repassam nos preços praticados os gastos em que incorrem, independentemente da sua natureza (e, portanto, incluindo os gastos tributários), por forma a concretizarem o objetivo lucrativo que preside à sua criação e manutenção (vide artigos 22.º do Código das Sociedades Comerciais e 980.º do Código Civil)[6].
De salientar que a mera repercussão económica não é, por si só, atributo de legitimidade processual, que reclama, nos termos da lei, a demonstração de um interesse legalmente protegido, i.e., que mereça a tutela do direito substantivo. Sendo que, na situação concreta, nem sequer tal repercussão foi minimamente evidenciada.
Interessa ainda sublinhar que a Requerente não tem a qualidade de consumidor de combustíveis, no sentido de consumidor final sobre o qual recai ou deve recair o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”). Na verdade, o combustível adquirido é um fator de produção no circuito económico, pelo que, se a CSR se destina a ser suportada pelo consumidor, à partida, a Requerente não faz parte das entidades potencialmente lesadas, que são os consumidores e não os operadores económicos (v. neste sentido as decisões dos processos arbitrais n.ºs 408/2023-T, de 8 de janeiro de 2024, e 375/2023-T, de 15 de janeiro de 2024).
Ora, ao não revestir a qualidade de sujeito passivo de CSR (seja como contribuinte direto, substituto ou responsável), nos termos do citado artigo 18.º, n.º 3 da LGT, nem sendo parte em contratos fiscais, a Requerente só teria legitimidade para demandar a Requerida e solicitar o reembolso do imposto [CSR] se comprovasse que é titular de um interesse legalmente protegido (v. artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).
Assim, teria de alegar e demonstrar factos que suportassem a aplicação da norma residual atributiva de legitimidade, em concreto, que o sujeito passivo lhe tinha transferido o encargo económico da CSR e, cumulativamente, que esse encargo tinha sido por si suportado a final, ou seja, sem que tivesse sido repassado no âmbito da atividade desenvolvida (por via do preço dos serviços praticado com os seus clientes).
Conforme referido, a Requerente não logrou alegar e provar se repercutiu ou não esses valores nos preços praticados aos seus clientes, como sucede, por regra, em qualquer negócio, e com repercussão económica.
Por fim, em cumprimento do desiderato do direito nacional e da União Europeia, não se diga que a Requerente ficou desprovida de tutela, pois nada impede o ressarcimento, através de uma ação civil de repetição do indevido instaurada contra os seus fornecedores, se reunir os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (pontos 24 a 29). Nesta perspetiva, está acautelada a observância do princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva (v. artigo 20.º da Constituição).
De notar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel (correspondente ao atual Imposto sobre Veículos), que o adquirente não tem legitimidade para impugnar a respetiva liquidação, precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal (v. Acórdão de 1 de outubro de 2003, processo n.º 0956/03).
Em síntese, não tendo ficado provada a exata repercussão da CSR pelo fornecedor de combustível, nem que a Requerente suportou o encargo económico do imposto, falece-lhe legitimidade para pedir a anulação das respetivas liquidações e o reembolso do imposto, solução que se enquadra numa interpretação conforme à Constituição (v. artigo 268.º, n.º 4), porquanto o direito à impugnação dos atos lesivos não pode deixar de reportar-se aos sujeitos cuja esfera jurídico-patrimonial sofreu a lesão (os lesados) e não a outros.
A conclusão da ilegitimidade da Requerente também se retira da exegese do Código dos IEC, aplicável à CSR na parte referente à liquidação, cobrança e pagamento do imposto (por remissão do artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007). Conforme declara o acórdão do CAAD, de 1 de fevereiro de 2024, proferido no âmbito do processo 296/2023-T, “qualquer que seja, em tese geral, a possibilidade de o repercutido invocar a ilegalidade das liquidações que originam a repercussão, no âmbito dos impostos especiais de consumo há uma norma que o veda e que o legislador manteve incólume ao longo das 25 alterações que, em 24 anos, introduziu no CIEC: a do n.º 2 do artigo 15.º (epigrafado “Regras gerais do reembolso”).” (realce nosso)
A referida norma [artigo 15.º, n.º 2, do Código dos IEC] estabelece que “Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.”.
Desde a redação inicial destas normas, dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho, a única alteração substancial registada foi o aditamento (pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro) do “destinatário certificado” entre os sujeitos passivos identificados à cabeça da norma sobre “Incidência subjetiva”. Quer dizer que nenhum legislador – nem mesmo o que entendeu atribuir natureza interpretativa à alusão à tipicidade da repercussão dos impostos especiais de consumo – considerou necessário, para o que ora importa, alargar o círculo dos “sujeitos passivos” para lá do “destinatário certificado”.
Quer dizer que só os sujeitos passivos aí identificados (no artigo 4.º), e só quando preencham requisitos adicionais, podem suscitar questões sobre, tal como resulta do n.º 1 desse artigo 15.º, “o erro na liquidação”. Ora, esta solução apresenta total cabimento face à impraticabilidade que seria fazer a gestão de um sistema demasiadamente aberto a todo o género de reembolsos, com uma duvidosa forma de controlo. A esta mesma conclusão chegaram, entre outras, as decisões proferidas nos processos arbitrais n.ºs 296/2023-T, 408/2023-T, 375/2023-T e 633/2023-T.
Importa, ainda, notar que, contrariamente ao que a Requerente afirma, sem, contudo, indicar qualquer base jurídica, a questão de legitimidade processual não tem de ser analisada à luz da Diretiva 2008/118/CE, nem da jurisprudência do Tribunal de Justiça. O direito da União Europeia não se projeta no domínio do direito adjetivo, seja procedimental, ou processual, que continua a fazer parte das competências próprias dos Estados-Membros, sem prejuízo do seu controlo (negativo) por conformação aos parâmetros (princípios) do direito da União Europeia, nomeadamente da proporcionalidade, na medida em que afetem posições substantivas regidas por este direito.
A Requerente faz apelo aos princípios (europeus) da equivalência e da efetividade, mas não justifica a sua aplicação e pertinência à situação em análise, nem este Tribunal a consegue alcançar. O enunciado do princípio da equivalência é o de que as regras nacionais não podem tratar de modo mais desfavorável um direito decorrente da ordem jurídica europeia por comparação a direitos decorrentes da ordem jurídica nacional. No caso, não há qualquer tratamento diferenciado.
Por outro lado, o princípio da efetividade postula que as regras nacionais não podem tornar impossível ou excessivamente difícil a efetivação de um direito decorrente da ordem jurídica europeia. Circunstância que também aqui não se verifica, pois o direito de ação contra o credor tributário é assegurado ao sujeito passivo ou a quem demonstre que suportou o imposto (não o tendo demonstrado a Requerente). Acresce que o Tribunal de Justiça, como atrás referido, já se pronunciou no sentido de que nos demais casos o ressarcimento pode ser acedido através de uma ação civil dirigida aos fornecedores.
À face do exposto julga-se verificada a exceção de ilegitimidade da Requerente, constituindo uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o Tribunal Arbitral conheça a questão de fundo e demais questões suscitadas, com a consequente absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT, ficando prejudicados todos os passos seguintes no iter cognoscitivo acima delineado.
Por fim, não identifica este Tribunal Arbitral qualquer situação de má fé ou de abuso de direito nos argumentos apresentados pela AT no sentido de ser aplicável o regime do Código dos IEC (como aliás, a Lei n.º 55/2007 postula de forma expressa no seu artigo 5.º, a respeito da liquidação e cobrança), em simultâneo com a caracterização da CSR como contribuição. Diferentes interpretações do direito aplicável não significam, per se, que estejamos perante condutas censuráveis e contraditórias.
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Questões Prejudicadas
A procedência da questão prévia da ilegitimidade ativa da Requerente, prejudica o conhecimento das restantes exceções suscitadas e impede o conhecimento do mérito da causa (v. artigos 608.º e 130.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).
Com referência ao indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, dado tratar-se de uma mera ficção jurídica destinada a abrir a via contenciosa, servindo, no caso do processo arbitral tributário, para a fixação do dies a quo do prazo para apresentação do pedido arbitral, nos termos do art.º 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, não tem este Tribunal de se pronunciar sobre a respetiva anulação ou confirmação.
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Decisão
Atento o exposto, este Tribunal Arbitral Coletivo decide:
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Julgar improcedentes as exceções dilatórias de ineptidão do pedido de pronúncia arbitral e de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar os atos de liquidação de CSR;
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Julgar procedente a exceção ilegitimidade ativa da Requerente para deduzir o pedido de declaração de ilegalidade de atos de liquidação de CSR e, em consequência, absolver a Requerida da instância;
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Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
Tudo com as legais consequências.
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Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de € 254.564,38, que corresponde à importância de CSR cuja anulação a Requerente pretende e não contestado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
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Taxa de Arbitragem
Fixam-se as custas no montante de € 4.896,00, a suportar pela Requerente por decaimento, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT e com a Tabela I anexa ao RCPAT.
Notifique-se.
Porto, 6 de setembro de 2024
Os árbitros,
Carlos Fernandes Cadilha (Presidente) – com declaração de voto de vencido
Hélder Faustino
Tomás Cantista Tavares (relator)
Declaração de voto de vencido
Nos termos do artigo 9.º, n.º 1, do CPTA, subsidiariamente aplicável, e da correspondente disposição do artigo 30.º, n.º 3, do CPC, a legitimidade processual é aferida pela relação jurídica controvertida tal como é apresentada pelo autor. E, deste modo, há que atender à relação jurídica tal como o autor a apresenta e configura, isto é, à pretensa relação jurídica, e não à relação jurídica material, tal como ela se constituiu na realidade, sendo por isso indiferente, para a verificação da legitimidade, a questão de saber se o direito existe na titularidade de quem o invoca ou contra quem é feito valer, matéria que diz antes respeito à questão de fundo e poderá, quando muito, determinar a improcedência da ação (cfr. Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Coimbra, 1999, págs. 45 e segs.).
Alegando a Requerente, na petição inicial, que pretende impugnar os atos tributários de liquidação da contribuição de serviço rodoviário (CSR) incidentes, em determinado período de tempo, sobre os fornecedores de combustíveis e cujo encargo tributário se repercutiu na sua esfera jurídica, não pode deixar de entender-se que o contribuinte dispõe de legitimidade processual para deduzir o pedido, independentemente de saber se houve uma efetiva repercussão ou se as faturas de aquisição de combustível corporizam o valor pago a título de CSR.
A propósito da questão que assim vem colocada, cabe recordar a norma do artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, que é do seguinte teor:
4 - Não é sujeito passivo quem:
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Suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso ou impugnação nos termos das leis tributárias.
Ainda segundo o disposto no n.º 3 desse artigo, como sujeito passivo entende-se “a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável”.
Como se depreende do transcrito artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT, o preceito recusa a qualidade de sujeito passivo a quem não estiver sujeito diretamente a uma obrigação fiscal, como é o caso do consumidor final de bens ou serviços, mas admite que da repercussão do imposto possa resultar a violação de um interesse legalmente protegido, e, nesse sentido, confere ao repercutido o direito à impugnação administrativa ou judicial como meio adequado de reação contra a repercussão ilegal do imposto, o que se justifica, no plano de política legislativa, por razões de similitude com a lesão que seja causada por um ato ilegal de liquidação (cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, 2001, págs. 116-117).
Como resulta da redação originária do artigo 2.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que regula o financiamento da rede rodoviária nacional e cria a contribuição de serviço rodoviário, o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal “é assegurado pelos respetivos utilizadores”, e, nos termos do subsequente artigo 3.º, “a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”. E, por outro lado, segundo o disposto no artigo 2.º do Código dos Impostos Especiais do Consumo (CIEC), na redação da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro - disposição essa a que foi atribuída natureza interpretativa (artigo 6.º dessa Lei) -, “os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.
Quer as disposições da Lei n.º 55/2007, especificamente aplicáveis à contribuição de serviço rodoviário, quer a disposição geral do artigo 2.º do CIEC, consagram um princípio de repercussão legal do imposto, significando que o encargo do imposto não seja suportado pelo sujeito passivo, mas pelo contribuinte que intervém no processo de comercialização dos bens ou serviços. Havendo de admitir-se, por efeito da norma do artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, que as entidades repercutidas dispõem de legitimidade procedimental e processual para deduzirem reclamação graciosa ou recurso hierárquico ou impugnação judicial contra o acto tributário de liquidação do imposto que é objeto de repercussão (cfr. Lopes de Sousa, Código de Processo e Procedimento Tributário Anotado e Comentado, vol. I, Lisboa, 2011, pág. 115, e Serena Cabrita Neto/Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. I, Coimbra, 2017, pág. 98).
Para além da legitimidade ativa da Requerente se encontrar coberta pela referida disposição da LGT, essa legitimidade é também reconhecida pela regra geral do artigo 9.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”. Ou seja, ainda que se entendesse que a situação do caso não corresponde a repercussão legal, mas a mera repercussão económica ou de facto, não pode deixar de considerar-se que a entidade que alega suportar o imposto no âmbito da cadeia de comercialização dispõe de legitimação para impugnar o ato de liquidação com fundamento em ilegalidade.
Por tudo, teria considerado verificada a legitimidade ativa da Requerente, tal como se decidiu, entre outros, nos acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 790/2023, 808/2023, 914/2023, 1049/2023, 131/2024 e 151/2024, e julgado improcedente o pedido arbitral por se não encontrar provado que se tenha verificado a efetiva repercussão da CSR na esfera jurídica da Requerente.
Lisboa 6 setembro de 2024
Carlos Fernandes Cadilha
[1] Dispõe o n.º 1 do artigo 4.º do RJAT o seguinte: “A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria […]”.
[2] V. Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
[3] De referir ainda, a título de exemplo, as decisões arbitrais dos processos 564/2020-T, 629/2021-T, 305/2022-T, 644/2022-T, 665/2022-T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T, 332/2023-T e 410/2023-T.
[4] V. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/2019.
[5] Desta forma, a lei implica (e pressupõe) que o repercutido legal é titular de um interesse legalmente protegido, condição exigida para que possa intervir em juízo (vide artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT), não o fazendo, porém, em relação ao mero repercutido de facto, pelo que, neste caso, a repercussão tem de ser demonstrada, não se podendo presumir.
[6] De referir que a alteração legislativa do Código dos IEC, ocorrida em dezembro de 2022, que passou a consagrar a repercussão nos IEC, além de não ser subsidiariamente aplicável à CSR, por falta de norma remissiva, mesmo que o fosse, não poderia reger a situação em análise porque é posterior à data dos factos. Esta conclusão não resulta afastada pela atribuição de natureza interpretativa pelo legislador (artigo 6.º da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro), pois a retroatividade inerente às leis interpretativas “é necessariamente material e, caso esteja em causa a interpretação legal de normas fiscais, não pode deixar de estar abrangida pela proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.” (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, de 16 de dezembro de 2020).