DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
A viúva, NIF …, residente em Lisboa, legalmente representada por B, NIF …, residente na Av. …, em Lisboa, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do correspondente Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, para apreciação da legalidade da liquidação de Imposto do Imposto Municipal sobre Imóveis, com nº 2013 …, de 2–3-13, referente ao ano de 2013, com data limite de pagamento (da primeira prestação, no montante de € 615,90) em 30/04/2014, na parte relativa a um prédio urbano agora inscrito na correspondente matriz predial sob o art. …, sito no Concelho de Lisboa, freguesia ….
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 24-07-2014, aceite pelo Senhor Presidente do CAAD a 28 desse mês e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira ainda no dia 29 do mesmo mês.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 29-09-2014.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta.
Por despacho de 9 de Janeiro do ano em curso foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como as alegações das partes.
Posteriormente a Requerente juntou requerimento que por extemporâneo foi desconsiderado e não foi junto aos autos.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas. (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Objecto do litígio
A questão dos autos corresponde a uma parcela da liquidação de IMI referente a 2013, na parte relativa a um prédio urbano sito em Lisboa. Isto porquanto a liquidação, nessa parte, respeita a duas matrizes prediais quando, alegadamente, existe apenas um prédio, por se entender que uma dessas matrizes prediais sucedeu à outra. Ou seja, é liquidado IMI relativo a 2013 quanto a dois prédios urbanos, quando existe apenas um, dado uma das matrizes prediais ter sido extinta.
Mais detalhadamente, a Requerente entende que a matriz predial urbana nº … da freguesia de … em Lisboa, sucedeu à matriz nº … da extinta freguesia de …, entretanto fusionada com a freguesia de …, dando lugar à dita freguesia de …. Assim, ambas as matrizes sobre as quais foi liquidado IMI correspondem ao mesmo prédio urbano, agora descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, freguesia de …, sob o n.º ….
Não obstante essa identidade, a Requerente alega que a AT liquidou o IMI referente a 2013 sobre ambas as matrizes, pelo que a liquidação de IMI relativo àquele ano seria excessiva. Acrescenta que não tendo sido possível obter a correspondente rectificação antes do pagamento da primeira prestação, pagou em excesso a quantia de € 615,90 (correspondente a um terço do excesso, i.e. o montante incluído na primeira prestação), em 30/04/14. Valor esse cujo reembolso peticiona, acrescido de juros indemnizatórios. Pugna ainda pela condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) em custas.
A AT contestou reconhecendo a factualidade invocada, mas acrescentando que o vício apontado (duplicação de colecta) foi já reconhecido, tendo sido efectuada nova liquidação em 26 de Abril de 2014, com o nº …, na qual já não foi considerado o artigo nº … da extinta freguesia de …. E acrescenta que foi considerado como já pago o valor prévia e efectivamente desembolsado no âmbito da primeira nota de cobrança e que, posteriormente, o valor remanescente em dívida (i.e., o valor anual efectivamente devido, deduzido da totalidade do valor em excesso já desembolsado com a primeira prestação) foi dividido em duas prestações de igual valor (correspondentes às segunda e terceira prestações de IMI). Aduz ainda que a nota de cobrança foi notificada à Requerente no primeiro dia de Julho de 2014.
Nesta conformidade entende que a liquidação contestada já não vigorava na ordem jurídica quando foi apresentado o pedido arbitral, por ter sido anulada, concluindo inexistir objecto para a presente acção, pelo que entende dever extinguir-se a instância por impossibilidade originária da lide.
Ademais entende não serem devidos juros indemnizatórios por não se verificarem os respectivos pressupostos e dever a Requerente ser condenada nas custas por ter dado causa à acção.
Subsidiariamente invoca que a considerar-se ser a liquidação corrigida, e vigente, o objecto do pedido, deve a acção ser julgada improcedente por não se verificar o vício invocado (quanto à liquidação anterior, bem entendido).
3. Matéria de facto
3.1. Factos provados
a) No ano de 2013 a Requerente era proprietária do prédio urbano inscrito na correspondente matriz sob o art. … e sito na nova freguesia de …, em Lisboa e que se incluí na liquidação de IMI relativa ao ano de 2013, com o número 2013…, no montante total de € 6.907,37;
b) Aquela liquidação de IMI incluía ainda uma liquidação de IMI sobre o prédio alegadamente constante da matriz nº … da extinta freguesia de …, no concelho de Lisboa;
c) O IMI correspondente a essa liquidação ascendeu a € 1.847,78;
d) Esta segunda matriz havia sido extinta, correspondendo agora à primeira matriz predial urbana acima indicada;
e) Isto porque ambas as matrizes correspondem ao prédio sito na Av. … em Lisboa, tendo a segunda das referidas matrizes sido extinta por ocasião e por causa da fusão de duas freguesias com a criação da nova freguesia …;
f) Não obstante, a liquidação relativa a 2013 incluía o IMI alegadamente devido por referência à acima referida segunda matriz predial;
g) E a correspondente nota de cobrança da primeira prestação, com o nº 2013 …, com data de 2-3-2014, no valor total de € 2.302,46, incluía o IMI alegadamente devido por referência à acima referida segunda matriz predial;
h) A totalidade da primeira prestação foi paga no prazo legal pela Requerente, mais concretamente no dia 30 daquele mês de Abril;
i) Posteriormente foi emitida uma nova liquidação pela AT, com o nº 2013 …, datada de 26-4-2014, na qual o valor patrimonial tributário e a colecta relativos à dita matriz … aparecem indicados a zero, encontrando-se ainda listadas outras matrizes que conduzem a uma colecta total de € 5.059,67;
j) A nota de cobrança da segunda prestação, a pagamento em Julho de 2014, com o nº 2013 …, datada de 26-4-2014, totalizou o valor de € 1.378,61, sendo pois inferior ao valor da primeira prestação;
k) A nota de cobrança da terceira prestação, totalizou o valor de € 1.378,60, sendo pois igualmente inferior à primeira prestação;
l) Dos registos no sistema informático da AT decorre que a primeira prestação correspondente à primeira liquidação se encontra paga e as duas subsequentes anuladas (todas com data de criação de 5-3-2014);
m) Dos mesmos registos resulta ainda que se encontra paga a primeira das duas notas de cobrança relativas à segunda liquidação emitida, ambas com data de criação de 10-5-2014 e relativas às segundas e terceiras prestações do IMI do ano em causa;
n) A Requerente foi notificada da segunda nota de cobrança a 1-7-2014;
o) Em 24-07-2014 a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
3.2. Factos não provados
Inexistem factos não provados com relevo para a decisão da causa.
3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nas alegações das partes e nos documentos oferecidos, cuja correspondência à realidade não é controvertida.
4. Matéria de direito
4.1 IMI
As partes reconhecem que a liquidação de IMI de 2013 enferma de vício de duplicação de colecta quanto a um dos prédios considerados. A questão objecto da presente acção é assim a de saber se o manifesto vício de duplicação de colecta da AT relativo a um prédio urbano propriedade da Requerente pode ainda ser invocado por esta, não obstante a posterior rectificação desse vício pela AT e a repercussão dessa rectificação na pretensão de juros indemnizatórios e na responsabilidade por custas.
Como referido, é manifesto que a AT liquidou erroneamente duas vezes IMI referente a 2013 sobre o mesmo prédio e que tal erro se deveu à consideração, simultânea, da nova matriz do prédio, referente à nova freguesia de …, e também da precedente matriz, correspondente à extinta freguesia de …. Esse erro corresponde pois a manifesto vício de duplicação de colecta, o que tornaria o acto tributário anulável.
Porém, em obediência ao princípio da legalidade, a AT procedeu oficiosamente à anulação parcial desse acto tributário, na parte em que enfermava de duplicação de colecta. E como se encontrava excessivamente liquidada e paga a parcela correspondente àquela duplicação incluída na primeira prestação, a AT deduziu esse montante ao valor a pagar nas duas prestações subsequentes (tendo naturalmente desconsiderado a parcela da indevida liquidação ainda não paga pela Requerente).
Quer isto dizer que a Requerente se encontra já ressarcida do valor pago em excesso. E que o reembolso desse excesso foi implicitamente efectuado pela AT em duas parcelas de igual valor: a primeira parcela do reembolso ocorreu com a segunda prestação e a segunda parcela do reembolso do excesso indevidamente pago ocorreu com a terceira prestação do IMI relativo a 2013.
O efeito útil pretendido com a acção, nessa parte, encontra-se pois já obtido. Mas, simultaneamente, a obtenção desse efeito útil só é alcançado com a presente acção! É que um destinatário normal da segunda nota de liquidação e do documento de cobrança da segunda prestação, pelo menos esta recebida pela Requerente, não concluiria que a liquidação anterior havia sido parcialmente anulada, em virtude do referido vício de duplicação de colecta e que o valor pago em excesso, porque indevido, seria regularizado por compensação nas duas prestações subsequentes do imposto.
Mais, não se encontra uma declaração da AT na qual se reconheça o vício, a anulação e a compensação. Ou seja, até aos presentes autos inexistiu uma declaração da AT que conferisse ao sujeito passivo um mínimo de certeza e segurança sobre o entendimento desta sobre a liquidação em crise e que o colocasse a salvo de um entendimento subsequente diverso. Tal declaração, a começar pelo reconhecimento da ilegalidade do acto tributário inicial, só no decurso da presente acção foi obtido.
Tal basta para concluir pelo interesse processual do pedido e da acção, a qual tem um objecto concreto e legítimo: a anulação do acto tributário cujo conhecimento não havia sido levado ao conhecimento da Requerente.
4.2 Juros indemnizatórios
Ora, sendo assim, também se conclui que a Requerente efectuou um pagamento excessivo, o qual só lhe foi implicitamente reembolsado com as segundas e terceiras prestação do imposto, com a dedução do excesso indevidamente pago em função da errónea liquidação de imposto.
Assim sendo, no caso dos autos, não se vê como não imputar à AT o erro pela duplicação de colecta, em virtude da qual se liquidou e foi desembolsado imposto indevido. É pois evidente serem devidos juros indemnizatórios nos termos referidos.
Por essa razão deve a AT ser condenada a juros indemnizatórios, contados desde a data do indevido pagamento.
4.3 Custas
Como se viu, a Requerente pretende a anulação da liquidação de IMI relativo a 2013 e respeitante ao artigo matricial com o número … da freguesia de …, entretanto substituído por um outro artigo, por extinção daquela freguesia.
Ora, as partes parecem entender que o valor do processo deve ser calculado com base na primeira prestação do IMI relativo ao ano em causa, pois foi assim que a Requerente calculou o correspondente valor, sem reparo por parte da Requerida.
Porém, por força do disposto no artigo 3.º, n.º 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária «o valor da causa é determinado nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário». E nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º.A do CPPT, o valor atendível para efeito de custas quando seja impugnada a liquidação é o da importância cuja anulação se pretende.
Nestes termos, o valor do processo deve ser o da liquidação cuja declaração de ilegalidade se peticiona e não o valor da primeira prestação do imposto, pois é a ilegalidade da liquidação anual que a Requerente pretende (neste mesmo sentido cfr. o Acórdão do CAAD de 6/11/14, Proc. 442/14-T e nesta parte aqui seguido de muito perto). Acresce que como se viu já, o facto da AT ter corrigido a liquidação indevida (ainda que sem disso dar conhecimento à Requerente de modo inteligível para um destinatário normal), não torna a pretensão da Requerente extemporânea ou irrelevante e, por identidade de razão, é também irrelevante para efeitos de fixação do valor dos autos.
Ora, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD abrange pedidos de declaração de ilegalidade de actos de liquidação e não das prestações através das quais se faz a cobrança das quantias liquidadas. E como se viu a liquidação anual em crise (art. matricial nº …) é de € 1.847,78 e não € 615,90. Assim, o valor da causa ascende a € 1.847,78, por ser essa a utilidade económica do processo.
Atenta a imputação da autoria do erro que deu lugar à duplicação de colecta e a explicitação inteligível apenas nos presentes autos das correspondentes revogação parcial do acto e rectificação da liquidação, com inerente reembolso (por compensação) do valor indevidamente pago, é manifesto o interesse da acção, quem a ela deu causa e quem nela decaiu. A responsabilidade por custas deve pois ser imputada à AT.
5. Dispositivo
De harmonia com o exposto, não se procede à anulação parcial do acto de liquidação acima identificado por este já não vigorar na ordem jurídica, facto cujo conhecimento foi levado ao conhecimento da Requerente nos presentes autos, declarando-se o direito a juros indemnizatórios calculados sobre a quantia desembolsada em excesso, desde a data do respectivo desembolso, nos termos legais.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306.º, nºs 1 e 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.847,78.
7. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 306,00 (trezentos e seis euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, integralmente a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Texto elaborado em computador, nos termos do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, regendo-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, com versos em branco e revisto pelos árbitros signatários.
Lisboa, 17-03-2015
O Árbitro Singular
(Jaime Carvalho Esteves)