Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelo Conselho Deontológico do CAAD), Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma e Dra. Sofia Ricardo Borges (árbitras vogais, designadas pela Requente e pela Requerida, respectivamente), para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 11-06-2024, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A, doravante designada por “Requerente”, pessoa coletiva n.º ..., com sede na ..., n.º..., ...‐... Lisboa, veio, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária doravante designado como "RJAT"), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a anulação do acto de liquidação adicional de IMI respeitante a 2022, com o n.º 2022..., no montante de € 40.990,56.
O Requerente pediu ainda a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios desde o pagamento indevido até à data da emissão da nota de crédito a favor do Requerente.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 13-03-2024.
Os signatários comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 20-05-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 11-06-2024.
Notificada nos termos do artigo 17.º do RJAT, a Autoridade Tributária e Aduaneira não respondeu.
Em 03-09-2024, a Autoridade Tributária e Aduaneira comunicou a anulação do acto de liquidação adicional de IMI respeitante a 2022, com o n.º..., requerendo a inutilidade superveniente da lide por falta de objecto.
Em 12-09-2024, o Requerente veio dizer, em suma, que apresentou dois pedidos, a saber, a anulação da liquidação adicional de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) respeitante a 2022, com o n.º 2022 ... e, ainda, a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios desde o pagamento indevido até à data da emissão da nota de crédito a seu favor, e mantém o interesse na apreciação deste segundo pedido
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos, com relevância para a decisão:
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A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação adicional de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) respeitante a 2022, com o n.º 2022... de IMI que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
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Em 28-12-2023, o Requerente pagou a quantia liquidada (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em 11-03-2024, o Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral em que pediu a anulação daquela liquidação e, ainda, a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios desde o pagamento indevido até à data da emissão da nota de crédito a seu favor;
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Em 12-06-2024, foi proferido despacho nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT;
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Em 17-07-2024, o Requerente apresentou um requerimento a que juntou uma resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira apresentada no processo 281/2024-T, cujo teor se dá como reproduzido, em que, além do mais, se refere que «a Entidade Requerida, no âmbito das diligências necessárias à análise da situação apresentada no pedido de pronúncia arbitral, foi informada pelos serviços competentes de que os fundamentos da impugnação apresentados pelo Requerente, quanto à falta de notificação prévia do ato de liquidação (artigo 60º n.º 1 alínea a) da LGT) para efeitos de aplicação da taxa agravada de IMI nos termos previstos no artigoº 112º n.º4 do Código do IMI, bem como à falta de fundamentação do ato de liquidação (artigo 77º n.º 2 da LGT), justificam a anulação das liquidações impugnadas»;
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Em 03-09-2024, a Autoridade Tributária e Aduaneira comunicou a anulação administrativa da liquidação de IMI e pediu que fosse declarada a inutilidade superveniente da lide;
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O Requerente veio dizer que mantém o interesse na apreciação do pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios desde o pagamento indevido até à data da emissão da nota de crédito a seu favor.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se em actos processuais.
Não se provou qual o fundamento de anulação administrativa da liquidação de IMI.
Embora a Autoridade Tributária e Aduaneira não tenha feito a junção do despacho de anulação da liquidação de IMI impugnada, considerou-se provada a anulação por haver acordo das Partes, mas não se apurou qual o seu fundamento.
3. Matéria de direito
3.1. Inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de anulação da liquidação de IMI
O objecto principal do processo arbitral são actos de liquidação de tributos dos tipos referidos no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT.
O interesse em agir ou interesse processual, que é um pressuposto processual ou uma condição da acção que «consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção».( [1] ) Esse interesse tem de existir no momento em que o processo se inicia, mas tem de manter-se ao longo dele, justificando a sua falta a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide. ( [2] )
Se o Sujeito Passivo entende que não tem interesse processual e aceita a inutilidade superveniente da lide proposta pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sequência de anulação administrativa, o Tribunal Arbitral não pode deixar de concluir pela inutilidade superveniente da lide, pois, no âmbito de uma relação processual disponível, não pode substituir-se àquele na definição do seu próprio interesse.
No caso em apreço, conclui-se do requerimento apresentado pelo Requerente em 12-09-2024 que apenas mantém interesse processual quanto ao pedido de juros indemnizatórios, o que tem implícita a não manutenção desse interesse quanto ao pedido de anulação da liquidação.
Sendo assim, tem de decidir-se a inutilidade superveniente parcial da lide quanto ao pedido de anulação da liquidação, como propôs a Autoridade Tributária e Aduaneira.
Por isso, verifica-se uma excepção dilatória que é causa de extinção parcial da instância e implica a absolvição da Requerida da instância, na parte respectiva, nos termos dos artigos 277.º, alínea e), e 278.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
3.2. Utilidade do processo quanto à apreciação do pedido de juros indemnizatórios
Tendo o Requerente apresentado, cumulativamente com o pedido de anulação da liquidação de IMI, um pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios, a não satisfação deste pedido pela decisão administrativa que anulou a liquidação, justifica a manutenção do interesse processual quanto ao pedido de juros indemnizatórios.
Por isso, não ocorre inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de juros indemnizatórios.
3.3. Apreciação do pedido de juros indemnizatórios
Importa, assim, apreciar o pedido de juros indemnizatórios.
Por força do disposto no artigo 137.º do CIMI, «são devidos juros indemnizatórios nos termos previstos no artigo 43.º da Lei Geral Tributária, liquidados e pagos nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário».
O artigo 43.º da LGT estabelece o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1. São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, apenas há direito a juros indemnizatórios em caso de anulação por vício que constitua «erro», entendendo-se como tal os vícios que na dogmática administrativa têm tal designação, que são os vícios de erro sobre os pressupostos de facto e erro sobre os pressupostos de direito.
Neste sentido tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo como pode ver-se pelos seguintes acórdãos: de 05-05-1999 processo n.º 05557-A; de 17-11-2004 processo n.º 0772/04; de 01-10-2008 processo n.º 0244/08; de 29-10-2008 processo n.º 0622/08; de 25-06-2009 processo n.º 0346/09; de 09-09-2009 processo n.º 0369/09; de 04-11-2009 processo n.º 0665/09; de 08-06-2011 processo n.º 0876/09; de 07-09-2011, processo n.º 0416/11; de 30-05-2012, processo n.º o410/12; e de 22-05-2013, processo n.º 0245/13.
Actualmente, esta jurisprudência está consolidada pelo acórdão uniformizador n.º 4/2024, do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, de 21-06-2023, proferido no processo n.º 11/23.8BALSB, em se fixou jurisprudência no sentido de que
«Quando os atos tributários são anulados por vícios de forma (incompetência do autor do ato, vício procedimental, falta de fundamentação, ou equivalente), não são devidos juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos do artigo 43.º n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT)».
No caso em apreço, o Requerente imputou à liquidação impugnada vícios de violação de lei substantiva (que configura vício de erro sobre os pressupostos de direito), vício de forma (falta de fundamentação) e vício procedimental (violação do direito de audição prévia).
Não se apurou quais os fundamentos de anulação, por nenhuma das Partes ter efectuado a junção do despacho de anulação.
Por isso, desde logo, não se pode concluir que a anulação tenha se tenha baseado em algum vício de violação de lei (erro sobre os pressupostos de facto ou direito) e, consequentemente, não se pode considerar demonstrada uma situação em que haja direito a juros indemnizatórios.
De resto, infere-se do requerimento apresentado pelo Requerente em 17-07-2024, em que afirma que aguarda que lhe seja dado pela Autoridade Tributária e Aduaneira o mesmo tratamento que deu ao Sujeito Passivo no processo arbitral 281/2024-T, que a anulação administrativa se terá baseado apenas na «falta de notificação prévia do ato de liquidação (artigo 60º n.º 1 alínea a) da LGT) para efeitos de aplicação da taxa agravada de IMI nos termos previstos no artigoº 112º n.º4 do Código do IMI, bem como à falta de fundamentação do ato de liquidação (artigo 77º n.º 2 da LGT)», como se informa no artigo 8.º da Resposta apresentada naquele processo.
Isto é, o tratamento que o Requerente disse que aguardava que lhe fosse dado no presente processo pela Autoridade Tributária e Aduaneira era apenas a anulação por vício procedimental e por vício de forma, situações em que a anulação não confere direito a juros indemnizatórios, à face da jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Assim, não se demonstrando a verificação dos pressupostos do direito a juros indemnizatórios, o pedido de pronúncia arbitral tem de improceder, nesta parte, sem prejuízo do eventual reconhecimento por via administrativa em sede de execução, nos termos do artigo 61.º do CPPT.
4. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
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Julgar parcialmente extinta a instância quanto ao pedido de anulação da liquidação de IMI impugnada e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância;
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Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios, sem prejuízo de o respectivo direito poder vir a ser reconhecido por via administrativa.
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 40.990,56.
Lisboa, 13-09-2024
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Clotilde Celorico Palma)
(Sofia Ricardo Borges)
[1] ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 170.
[2] ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 179.