Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 804/2023-T
Data da decisão: 2024-09-23  IRS  
Valor do pedido: € 4.232,94
Tema: IRS – acto de liquidação – inutilidade superveniente da lide
Versão em PDF

SUMÁRIO:

Estão verificados os pressupostos para a inutilidade superveniente da lide se, após a constituição do Tribunal Arbitral, a Requerente obtém a satisfação integral do seu pedido

 

DECISÃO ARBITRAL[1]

 

O Árbitro Ana Teixeira de Sousa, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 26-01-2024, decide o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

É Requerente A..., com o NIF ..., de ora em diante designado por Requerente.

 

O Requerente apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral, no CAAD, ao qual foi atribuído o número de processo 804/2023-T.

 

O pedido apresentado no CAAD tem por objeto o acto de indeferimento do procedimento de

Reclamação Graciosa (RG) n.º ...2021..., apresentada contra a liquidação de IRS n.º.

2021..., relativa ao ano de 2017, com valor total de IRS a pagar no valor de € 4.232,94. tendo procedido ao pagamento integral da mesma, em plano prestacional.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

  1. O   Requerente A..., com o NIF ... apresentou pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral, no dia 09-11-2023, ao abrigo do disposto no artigo 2, nº 1, alínea a) e do disposto no artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).
  2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 13-11-2023 e notificado, na mesma data, à Requerida.
  3. Dado que o Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, foi a signatária designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1 do RJAT, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.
  4. Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos do disposto no artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
  5. Em 26-01-2024, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído, tendo sido proferido despacho arbitral em 12-02-2024, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.
  6. Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.
  7. A Requerida remeteu a resposta e o PA em 14-03-2024.
  8. Em 28-05-2024 a Requerida apresentou requerimento no sentido de informar o Tribunal que “(…)  1. Por decisão proferida pela Subdiretora geral da Autoridade Tributária e Aduaneira em 12 de maio de 2024 (em anexo), foi revogado o ato objeto do pedido arbitral.  2. Por conseguinte, deixou de existir na ordem jurídica o ato em dissídio.  3. Pelo que, se requere a inutilidade superveniente da lide.
  9. Em 18-07-2024 o Tribunal determinou que o Requerente fosse notificado para se pronunciar nos seguintes termos: “ (…) No Despacho que anexa a AT determina que o acto de liquidação de IRS n.º. 2021..., do ano de 2017, no valor de € 4.232,94, deve ser objecto de revogação. Igualmente declara que estão verificados os pressupostos que determinam o pagamento de juros indemnizatórios ao Requerente, ao abrigo da lei. Nestes termos solicita-se a notificação ao Requerente para que, no prazo máximo de 5 dias, se pronuncie sobre o requerimento da AT.”
  10. O Requerente, em requerimento apresentado em 22-07-2024, veio informar que considera satisfatória a decisão da AT de revogação do acto de liquidação de IRS aguardando o reembolso  do valor de IRS de € 4.232,94.
  11. Em 24-07-2024 o Tribunal procedeu à prorrogação do prazo para a prolação da decisão ao abrigo do nº 2 do artigo 21º do RJAT.
  12. A taxa subsequente de arbitragem foi paga pelo Requerente.

 

  1. CAUSA DE PEDIR
  1. Nos termos do Despacho da AT de 12-05-2024 o SP, ora Requerente, vem insurgir-se contra a nota de cobrança nº. 2021..., no valor de € 4.232,94, uma vez que é residente no Reino Unido, conforme foi comprovado na RG nº. ...2018..., relativa ao ano de 2016 e à liquidação nº. 2017...;
  2. Na referida RG consta que: «(…) compete ao Serviço de Finanças de Lisboa ..., averbar no cadastro a produção de efeitos da alteração de morada efetuada em 21/02/2018, à data de 01/11/2015 e levantar auto de notícia, devendo fazer-se comunicação interna para esse efeito.»;
  3. A alteração de morada à data de 2015/11/01 nunca foi efectuada, o que resultou em nova nota de cobrança relativa ao ano de 2017;
  4. Como durante o ano de 2017 continuou a ser residente fiscal no Reino Unido, apresentou nova RG (nº. ...2021...) e juntou uma “carta de confirmação de residência” actualizada e emitida pelos serviços fiscais britânicos, respeitante ao ano fiscal de 2017;
  5. Tendo-lhe sido comunicado que, tal documento, que havia sido aceite aquando da RG nº. ...2018..., não comprovava o estatuto de residente fiscal no Reino Unido e que deveria apresentar um “certificado de residência”;
  6. Assim, efectuou novo pedido junto dos serviços fiscais britânicos, tendo recebido novamente uma “carta de confirmação de residência”;
  7. Tendo contactado directamente aqueles serviços, foi-lhe explicado que o “certificado de residência” é emitido apenas nos casos em que o contribuinte tenha rendimentos fora do Reino Unido – não sendo esse o seu caso –, pelo que o único documento que poderiam emitir era a “carta de confirmação de residência”, que anexou à RG, tendo a mesma sido indeferida;
  8. Efectuou atempadamente o pagamento da nota de cobrança impugnada no montante de € 4.232,94;
  9. Peticiona o ressarcimento do valor pago.

 

  1. RESPOSTA DA REQUERIDA
  1. Na Resposta que apresentou ao Tribunal a Requerida considera que a PPA deve ser julgada improcedente com diversos fundamentos.
  2. Alega a exceção dilatória de conhecimento oficioso, por falta de patrocínio por advogado, que determina a absolvição da instância, nos termos das disposições dos artigos 578.º, 577.º, alínea h) e 576.º, n.º 2 do CPC, aplicáveis por remissão da norma do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT;
  3. Caso assim não se entenda,
  4. Deve ser julgada procedente a exceção de intempestividade da prática do ato processual anteriormente denominada caducidade do direito de ação, exceção dilatória nos termos previstos na alínea k) do n.º 4 do art.º 89 do CPTA, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea c), do CPPT e al. c) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT;
  5. Efectivamente, tendo o prazo de noventa dias para a apresentação do PPA se esgotado no dia 03.07.2022 e, tendo o PPA apenas sido apresentado dia 09.11.2023, tem de se concluir por verificada a exceção de intempestividade da prática do ato processual;
  6. Ou caso assim não se entenda,
  7. Deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação (nota de cobrança n.º 2021...) e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido;
  8. Efectivamente, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, é sobre o Requerente que recai o ónus de provar a sua condição de não residente em Portugal / residente no Reino Unido no ano de 2017, uma vez que foi ele que a invocou contrariando o seu cadastro fiscal à data;
  9. Sendo que tal prova deveria ter sido efetuada mediante a apresentação e um certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais inglesas, como aliás já lhe tinha sido indicado em sede de reclamação graciosa;
  10. A entidade competente para as questões referentes à residência alegadamente no estrangeiro é a Direção de Serviços de Relações Internacionais (DSRI);
  11. Pelo que, consultada esta Entidade informou que o documento “letter of confirmation of residence” não serve para efeitos de prova do estatuto de residência para efeitos fiscais;
  12. De acordo quer com os documentos juntos pelo Requerente, quer com os documentos que constituem o processo administrativo, que se junta, constatou-se que os mesmos não atestavam a residência fiscal do Requerente no Reino Unido, nem a sua sujeição plena a imposto naquela jurisdição, para o efeito deveria ter sido exibido um certificado de residência fiscal emitido nos termos do artigo 4.º da CDT Portugal-Reino Unido;
  13. A liquidação oficiosa em causa teve por base a informação proveniente da troca automática de informação, que tem origem na Diretiva 2011/16/EU do Conselho de 15 de fevereiro de 2011 (DACC1), relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade, transposta para a ordem jurídica nacional através do Decreto-Lei 61/2013 de 10 de maio, o qual estabelece a obrigação dos Estados –Membros comunicarem às autoridades competentes de outros Estados-Membros, mediante troca automática, as informações disponíveis relativas a residentes nesses ou noutros Estados, no que se refere a determinados tipos de rendimentos, designadamente rendimentos de trabalho dependente;
  14. Pelo que, constando o Requerente como residente no registo de contribuintes e atendendo ao valor probatório das informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado (artigo 76.º n.º 4 da LGT), tinha a AT legitimidade para proceder à liquidação do imposto sore aqueles rendimentos, face ao disposto no artigo 16.º n.º 1 do CIRS;
  15. A Requerida, após o prazo de Resposta, em 28-05-2024, apresentou requerimento no sentido de informar o Tribunal de que o acto de liquidação em crise foi revogado por despacho da Subdiretora-geral, datado de 12-05-2024.
  16. A Requerida considera que deixou de existir na ordem jurídica o ato em dissídio pelo que requere a inutilidade superveniente da lide.
  17. No despacho de revogação do acto de liquidação em crise a Requerida vem fundamentar o processo de revogação com base nos seguintes argumentos:
    1. Nos termos das instruções internas da AT, respeitantes à alteração de morada, com retroactividade, de residente para não residente, quando estejam em causa países com os quais Portugal tenha celebrado Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT), será necessária a apresentação de um Certificado de Residência Fiscal (CRF) emitido pela respectiva AF (no caso, pela AF UK -‘HMRC’), para os anos que estiverem em causa, para efeitos de aplicação da respectiva CDT em causa.
    2. O Requerente não apresentou essa prova, não comprovando que o Reino Unido o tivesse considerado como seu residente fiscal no ano de 2017 e a AF UK comunicou à AT os rendimentos que o Requerente obteve nesse Estado, naquele período (e também nos anos de 2016, 2018 e 2019), o que pressupõe, desde logo, que essa jurisdição o considerou como residente fiscal em Portugal.
    3. Pese embora a falta dessa aprova, deverá ter-se em atenção que o Requerente contactou novamente a AF UK, que o informou que a emissão de CRF está dependente do facto de o contribuinte ter rendimentos no estrangeiro, não sendo esse o seu caso. Assim, o único documento que lhe enviaram foi a ‘letter of confirmation of residence’.
    4. Sendo do conhecimento da DSRI que o Reino Unido apenas emite CRF quando o SP obtém rendimentos fora desse Estado, não é, possível ao contribuinte apresentar tal prova, encontrando-se, assim, esgotados os meios internos para a obtenção da prova que lhe é exigida,
    5. Mostrando-se imprescindível esclarecer se essa jurisdição considerou, ou não, o Requerente como seu residente fiscal nos termos do artigo 4º da CDT celebrada entre Portugal e o Reino Unido, nos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018.
    6. Deste modo, por despacho do Sr. Director da DSRI de 2024/02/27, foi determinado o recurso ao mecanismo de troca de informações com aquele Estado, o abrigo do disposto no artigo 25º da CDT Portugal-Reino Unido.
    7. Em 2024/04/12, foi recepcionada a resposta ao pedido de troca de informações formulado pela DSRI, nos termos do qual foi referido que :«Tanto quanto é do conhecimento do HM Revenue & Customs, o Sr. A... é considerado residente no Reino Unido para efeitos do artigo 4.º da convenção entre Portugal e o Reino Unido relativamente aos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018. Não se sabe o que motivou a comunicação a Portugal dos rendimentos obtidos pelo Sr. A... relativamente ao ano de 2017. A informação que vos foi enviada, foi enviada automaticamente no âmbito do DAC1».
    8. Deste modo, face à resposta da AF UK, terá de concluir-se que se está perante um caso de dupla residência fiscal: no ano de 2017 (e também nos anos de 2015 e 2016): o Requerente é considerado como residente em Portugal e, do mesmo modo, é considerado como residente no Reino Unido, ao abrigo do direito interno deste Estado.
    9. Nestas situações de conflito positivo de residência, o nº. 2 do artigo 4.º da CDT Portugal –Reino Unido, estabelece regras de ‘desempate’, as quais se encontram numa relação de subsidiariedade, ou seja, apenas se aplica o critério seguinte quando o anterior não seja apto a resolver a dupla residência.
    10. Começando pelo critério da habitação permanente previsto na 1ª parte da alínea a) do n.º 2 do artigo 4º da mencionada CDT, resulta do supra exposto que o contribuinte dispunha de habitação permanente em ambos os Estados.
    11. Assim, encontrando-se provada a habitação permanente em ambos os Estados, será necessário recorrer à aplicação do segundo critério de desempate: o centro de interesses vitais.
    12. E, para a aplicação deste critério ao caso em apreço, é fundamental sopesar duas situações: por um lado, no ano de 2017 não existem registos de rendimentos pagos ao contribuinte e declarados por entidades com sede em território nacional; por outro, da consulta ao SITI constata-se que a entidade pagadora dos seus rendimentos de fonte britânica é a ‘B... LTD’.
    13. Ou seja, os elementos disponíveis, permitem concluir, com algum grau de certeza, que o centro de interesses vitais do Requerente situava-se naquele Estado, onde trabalhava e tinha a sua vida organizada.
    14. Pelo que, deverá considerar-se que o Requerente logrou provar a sua pretensão: a alteração de morada efectuada em 2018/02/21, deverá retroagir à data de 2015/11/01, porquanto foi residente fiscal no Reino Unido desde esta data.
    15. Devendo, em consequência, a AT proceder à revogação da liquidação controvertida (nº. 2021...) que o considerou como residente em Portugal, tributando os rendimentos que auferiu no Reino Unido.
  18.  Por último, de referir ainda que, embora a tributação do contribuinte tenha sido originada em virtude de um erro por parte da AF UK, tal erro deverá considerar-se como imputável à AT, para efeitos de aplicação do nº. 1, do artigo 43º da Lei Geral Tributária (LGT), já que o organismo que recebe informação sobre rendimentos obtidos no estrangeiro por pessoas consideradas fiscalmente residentes em Portugal é a AT, devendo entender-se que será esta que, ao aceitar os dados comunicados por outra AF e proceder à consequente liquidação em consonância com os mesmos, terá de assumir eventuais erros decorrentes de uma informação incorrecta por parte de outra jurisdição.
  19. Encontrando-se, assim, verificados os pressupostos que determinam o pagamento de juros indemnizatórios ao Requerente, ao abrigo da citada disposição legal.

 

  1. SANEADOR

4.1.    O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT e é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente.

4.2.    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

4.3.    O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

  1. A Requerida informou o Tribunal, no prazo da Resposta, de que “(…) por despacho da Subdiretora-geral de 2024-01-19, foi revogado o ato impugnado nos presentes autos (…)”.
  2. Neste âmbito, configurando a revogação do acto tributário uma excepção (da inutilidade superveniente da lide), a sua análise será efectuada, preliminarmente, no Capítulo 6. Matéria de Direito.
  3. Não foram suscitadas quaisquer outras excepções de que cumpra conhecer nem se verificam nulidades.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

5.1.    Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

5.2.    Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

Factos provados

5.3.    Com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos: 

a)  Em 26-01-2024, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído.

b) A Requerida remeteu a resposta e o PA em 14-03-2024.

c) Em 28-05-2024 a Requerida apresentou requerimento no sentido de informar o Tribunal que “(…)  1. Por decisão proferida pela Subdiretora geral da Autoridade Tributária e Aduaneira em 12 de maio de 2024 (em anexo), foi revogado o ato objeto do pedido arbitral.  2. Por conseguinte, deixou de existir na ordem jurídica o ato em dissídio.  3. Pelo que, se requere a inutilidade superveniente da lide.

d) No Despacho que anexa, a AT determina que o acto de liquidação de IRS n.º. 2021..., do ano de 2017, no valor de € 4.232,94, deve ser objecto de revogação. Igualmente declara que estão verificados os pressupostos que determinam o pagamento de juros indemnizatórios ao Requerente, ao abrigo da lei.

e) Na Informação que sustenta o Despacho de revogação a AT reconhece: (……) 24. Pelo que, deverá considerar-se que o Requerente logrou provar a sua pretensão: a alteração

de morada efectuada em 2018/02/21, deverá retroagir à data de 2015/11/01, porquanto foi residente fiscal no Reino Unido desde esta data.

25. Devendo, em consequência, a AT proceder à revogação da liquidação controvertida (nº. 2021...) que o considerou como residente em Portugal, tributando os rendimentos que auferiu no Reino Unido.

26. Por último, de referir ainda que, embora a tributação do contribuinte tenha sido originada em virtude de um erro por parte da AF UK, tal erro deverá considerar-se como imputável à AT, para efeitos de aplicação do nº. 1, do artigo 43º da Lei Geral Tributária (LGT), já que o organismo que recebe informação sobre rendimentos obtidos no estrangeiro por pessoas consideradas fiscalmente residentes em Portugal é a AT, devendo entender-se que será esta que, ao aceitar os dados comunicados por outra AF e proceder à consequente liquidação em consonância com os mesmos, terá de assumir eventuais erros decorrentes de uma informação incorrecta por parte de outra jurisdição.

Informação

27. Encontrando-se, assim, verificados os pressupostos que determinam o pagamento de juros indemnizatórios ao Requerente, ao abrigo da citada disposição legal.

Conclusão

Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral e tendo em conta todo o exposto,

afigura-se-nos que o acto de liquidação de IRS n.º. 2021..., do ano de 2017, no valor de € 4.232,94, deverá ser objecto de revogação.”

e) O Requerente procedeu ao pagamento integral da nota de cobrança, em plano prestacional (liquidação a que respeita a referida nota de cobrança, vide informação da DF de Setúbal de 18 de outubro de 2023).

f) O Requerente, em requerimento apresentado em 22-07-2024, veio informar que considera satisfatória a decisão da AT de revogação do acto de liquidação de IRS  aguardando o reembolso  do valor de IRS de € 4.232,94.

 

Motivação quanto à matéria de facto

  1. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes, no teor dos documentos juntos aos autos pelo Requerente e pela Requerida.

Dos factos não provados

  1. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

 

  1. No caso, o objecto principal do processo, em conformidade com o pedido arbitral apresentado, respeita ao pedido de anulação da liquidação de IRS n.º 2021..., referente ao ano de 2017, com valor total de IRS a pagar no valor de € 4.232,94, tendo o Requerente procedido ao pagamento integral da mesma, em plano prestacional.
  2. No pedido é referido que no ano de 2017, o Requerente considerou que a sua residência fiscal se situou no Reino Unido, e nesta medida, não tem de pagar qualquer imposto referente ao ano de 2017, uma vez que se considera um Não Residente naquele ano fiscal.
  3. Peticionando o reembolso do IRS pago relativo ao ano de 2017.
  4. Contudo, tendo em consideração o requerimento da Requerida, de 28-05-2024  no sentido de informar o Tribunal que “(…)  1. Por decisão proferida pela Subdiretora geral da Autoridade Tributária e Aduaneira em 12 de maio de 2024 (em anexo), foi revogado o ato objeto do pedido arbitral.  2. Por conseguinte, deixou de existir na ordem jurídica o ato em dissídio.  3. Pelo que, se requere a inutilidade superveniente da lide.
  5. E no Despacho que anexa a AT determina que o acto de liquidação de IRS n.º. 2021..., do ano de 2017, no valor de € 4.232,94, deve ser objecto de revogação. Igualmente declara que estão verificados os pressupostos que determinam o pagamento de juros indemnizatórios ao Requerente, ao abrigo da lei.
  6. Assim, tendo sido invocada a excepção da inutilidade superveniente da lide cumpre analisar e decidir preliminarmente.
  7. Da análise da documentação anexada aos autos, pela Requerida, o Tribunal Arbitral obteve evidência de que a liquidação de IRS objecto do pedido de pronúncia arbitral foi revogada por despacho datado de 12-05-2024 originando uma inutilidade superveniente da lide.
  8. Como resulta dos factos provados, com a revogação da liquidação impugnada nos autos, a pretensão impugnatória de anulação da liquidação de imposto, no montante de EUR 4.232,94, apresentada pelo Requerente ficou satisfeita, pelo que se torna inútil o prosseguimento da presente lide quanto ao pedido, na medida em que do seu prosseguimento não resultará qualquer efeito sobre a relação jurídica material controvertida.
  9. Com efeito, verifica-se a inutilidade superveniente da lide quando, por facto ocorrido na pendência da causa, a solução do litígio deixe de ter interesse e utilidade, o que justifica a extinção da instância (cfr. artigo 277º, al. e), do Código de Processo Civil).[2]
  10. Nestes termos, este Tribunal Arbitral entende verificar-se a inutilidade superveniente da lide no que diz respeito ao pedido de anulação do acto tributário identificado, o que implica a extinção da instância nos termos do disposto no artigo 277º, alínea e) do CPC (aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT) quanto àquela pretensão.

 

  1. DECISÃO

Nestes termos, tendo em consideração as conclusões apresentadas no Capítulo anterior, decidiu este Tribunal Arbitral Singular:

a) Julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 277º do Código do Processo Civil, aplicável ex vi art. 29º, nº 1, alínea e) do RJAT;

b) Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

Tendo em consideração o acima exposto nesta decisão, bem como o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 4.232,94 (quatro mil, duzentos e trinta e dois euros e noventa e quatro cêntimos)..

 

  1. VALOR DAS CUSTAS

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 612,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 23 de Setembro de 2024

 

O Árbitro

 

(Ana Teixeira de Sousa)

 



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.

[2] Quanto a esta temática, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo, em 30-07-2014, em Acórdão proferido no âmbito do processo nº 0875/14, nos termos do qual se refere que “a inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.