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SUMÁRIO:
I - Enquanto a herança se mantiver indivisa, cada herdeiro é titular de um direito a uma quota de uma massa de bens, que constitui um património autónomo e não de um direito individual sobre cada um dos bens que a integram.
II - A alienação de quinhão hereditário, mesmo que a herança seja apenas constituída por bens imóveis, não pode considerar-se “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”, pelo que não estão sujeitos a IRS os eventuais ganhos resultantes dessa alienação.
DECISÃO ARBITRAL[1]
O Árbitro Ana Teixeira de Sousa, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 25-09-2023, decide o seguinte:
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RELATÓRIO
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A..., com o NIF ...,residente na ..., n.º ... – ..., ...-... Venda do Pinheiro, vem, nos termos do artigo 68.º e seguintes do CPPT, apresentar pedido de pronúncia arbitral o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
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Constitui objecto do presente pedido a liquidação de IRS n.º 2022..., de 22.12.2022 relativa ao período de 2020, na quantia de € 4.154,69 (quatro mil cento e cinquenta e quatro euros e sessenta e nove cêntimos).
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Constitui, igualmente, objecto do presente pedido de pronúncia arbitral a decisão de indeferimento da reclamação graciosa nº ...2023... .
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Peticiona anulação da liquidação de IRS acima identificada, com as consequências legais.
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É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
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Em 18-07-2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e, automaticamente, notificado à AT.
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Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), 6.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro deste Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável., a 05-09-2023.
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As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar (artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e c), do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD).
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O Tribunal Arbitral ficou constituído em 25-09-2023.
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Em 02-11-2023 a Requerida apresentou Resposta e juntou o processo administrativo.
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A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) defendeu-se por impugnação, concluindo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente, com as legais consequências.
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Em 07-02-2024 a Requerente apresenta requerimento solicitando a junção ao processo da decisão do CAAD no processo nº 524/2023-T, que se aplica a situação similar e com idênticos requerentes à do processo em crise.
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Em 21-02-2024 a Requerida solicita prorrogação do prazo para se pronunciar sobre a junção ao processo do acórdão proferido no processo 524/2023 por estar ainda a decorrer prazo para a AT apresentar oposição. Refere que, quanto à decisão arbitral proferida no processo 524/2023-T, a mesma foi notificada às partes a 19-01-2024, estando ainda a decorrer o prazo para eventual oposição por parte da AT até ao dia 21-02-2024, razão pela qual se requer a prorrogação do prazo para eventual pronúncia sobre o requerimento da Requerente até ao dia 23-02.2024.
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Em 27-02, a Requerida, na continuação do requerimento de 19/02/2024, informa que a decisão arbitral proferida no processo 524/2023-T não transitou em julgado, tendo a AT apresentado recurso para uniformização de jurisprudência, o qual corre termos no STA com o nº 33/24.1BCLSB com fundamento na oposição com a decisão arbitral proferida no processo 176/2017-T. 2. Pronunciando-se sobre o requerimento da Requerente, e tal como se disse em sede de Alegações no Recurso para Uniformização de Jurisprudência supra referenciado, entende-se que o acórdão proferido no processo nº 524/2023-T enferma de erro de julgamento quanto ao direito, estando também em oposição com a decisão arbitral fundamento.
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Considerando o requerimento da Requerente de 07/02 e os requerimentos da Requerida de 21/02 e 26/02 bem como o facto de ter sido interposto recurso pela AT para uniformização de jurisprudência que poderá ter impacto no presente processo, não sendo ainda conhecida a respectiva decisão, o tribunal determinou a prorrogação do prazo para prolação da decisão nos termos do artigo 21º nº 2 do RJAT por três vezes.
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Por despacho de 03-08-2024, dispensou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e determinou-se a prossecução dos autos com a produção de alegações escritas, por prazo sucessivo de 5 dias, nos termos do art. 120.º do CPPT, ex vi art. 29.º, n.º 1, a), do RJAT.
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Apenas a Requerida ofereceu alegações, nas quais reiterou o entendimento já anteriormente expresso.
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SANEAMENTO
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O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer das liquidações aqui postas em crise, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), 6.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT.
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As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
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A acção é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
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FUNDAMENTAÇÃO
Matéria de Facto Provada
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
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A Requerente celebrou escritura de transmissão do quinhão hereditário outorgada no dia 18 de Junho de 2020 no Cartório Notarial de B..., conforme (Doc. n.º 5) referente a uma herança da qual fazia parte o imóvel descrito na CRP de Lisboa pela descrição ... da freguesia de ..., e que corresponde na matriz predial aos artigos:...-U-...; ...-U-...;...-U-...;...-U-...;...-U-... .
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Consta da escritura, designadamente, que a Requerente e três outras outorgantes são as únicas herdeiras de C... e de D... .
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Tendo as referidas escrituras de habilitação de herdeiros sido juntas na mencionada escritura.
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Consta igualmente da escritura que a Reclamante e outras três outorgantes “(...) Declararam que da referida herança só faz parte um bem imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Lisboa sob os artigo..., ..., ..., ... e... descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, na freguesia da ..., sob o ... .”
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Através desta escritura foi alienado o quinhão hereditário pertencente à Requerente, na herança ilíquida e indivisa, aberta por óbito de D..., falecida em 01/03/1985, na qualidade de herdeira de E... .
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A Requerente foi notificada para proceder à correcção da sua declaração de IRS de 2020 por forma a alterar o valor declarado em sede de mais valias – Anexo G, designadamente o valor de realização do artigo U-... (...), conforme (Doc. n.º 3).
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A Requerente declarou a alienação na sua declaração de IRS Modelo 3 (Doc. n.º 4) mas o que transmitiu foi o quinhão hereditário do qual esse imóvel fazia parte na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de C... e de D... .
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Tal registo de compra do quinhão hereditário foi registado pela Ap. ..., de 2020/07/10 a favor da compradora F..., S.A., conforme certidão do registo predial (Doc. n.º 6).
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A liquidação impugnada resulta da correção efetuada à declaração de IRS...-2020-... -..., efetuada no âmbito do procedimento de análise de divergências de IRS 2020 nº..., ao abrigo do despacho do CF, datado de 16/12/2022 .(.Doc n.º 1 junto com o PPA e PA junto pela Requerida), que aqui se dão por reproduzidos.
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A Reclamação Graciosa apresentada pela Requerente - RG nº ...2023...– foi indeferida por despacho do Chefe de Serviço de Finanças de Mafra, ao abrigo de delegação de competências do Director de Finanças de Lisboa, proferido em 16-05-2023, notificado pelo Ofício n.º..., da mesma data, o qual se integra no citado Doc. n.º 2.
Factos não Provados
Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.
Motivação da Decisão de Facto
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Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.
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A convicção do Tribunal fundou-se na análise dos documentos existentes nos autos, nomeadamente o PA junto pela Requerida e os anexados com o PPA, conforme está refectido em relação a cada facto considerado provado.
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Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
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Até à data da prolação da decisão neste processo não se conheceu decisão do recurso apresentado pela AT para uniformização de jurisprudência o qual corre termos no STA com o nº 33/24.1BCLSB com fundamento na oposição da decisão arbitral proferida no processo nº 524/2023-T com a decisão arbitral proferida no processo 176/2017-T.
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FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
QUESTÃO A DECIDIR
A questão a resolver consiste em decidir sobre se a alienação do quinhão hereditário, quando este inclua bens imóveis, se encontra abrangida ou não pelo disposto na alínea a) do nº 1 do artº 10º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
APRECIAÇÃO
Alega a Requerente, em síntese:
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As mais-valias resultantes da alienação de um quinhão hereditário, como acontece no caso em apreço, não são sujeitas a incidência de IRS, dado que o conceito de quinhão hereditário não faz parte da alienação onerosa de direito real sobre bens imóveis, como tem sido jurisprudência pacífica e aceite.
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Recentemente, a 23.12.2022 foi prolatada uma decisão arbitral do CAAD no processo n.º 247/2022-T onde consta do sumário o seguinte:
“As mais-valias resultantes da alienação do direito ao quinhão hereditário constituído por imóveis não se encontram abrangidas pela norma de incidência do artigo 10º, nº 1, alínea a) do CIRS, por não integrar o conceito de alienação onerosa do direito real sobre bens imóveis, uma vez que não é transmitido um direito real sobre os bens da herança, mas “um direito abstratamente considerado e idealmente definido” de uma quota-parte na herança ilíquida e indivisa.”
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Reproduz-se parte da fundamentação do Acórdão proferido pelo SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:
“Por isso, não tendo ocorrido uma alienação de bens imóveis, uma vez que a Requerente não detém a propriedade de bens imóveis, mas apenas um direito ao quinhão hereditário desses bens imóveis, não estamos perante uma alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis a que se refere o artigo 10.º, nº 1, alínea a) do CIRS. Tal como é referido no acórdão do STA de 28.01.2015, processo n.º 0450/14, “os ganhos resultantes da alienação de quinhão hereditário constituído também por imóveis não estão abrangidos pela incidência do art. 10º nº 1 al. a) do CIRS, conforme o Supremo Tribunal Administrativo já fixou jurisprudência no aresto proferido em 25/11/2009, no processo n.º 0975/09”.”
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Termina peticionando que o presente pedido de pronúncia arbitral seja considerado procedente, por provada, determinando-se, em consequência, a anulação da liquidação de IRS n.º 2022..., de 22.12.2022, na quantia de € 4.154,69 (quatro mil cento e cinquenta e quatro euros e sessenta e nove cêntimos), com fundamento na violação do princípio da legalidade fiscal consagrado no artigo 103.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e no artigo 8.º n.º 1 da LGT, tudo o mais com as necessárias consequências legais.
A Autoridade Tributária (requerida) contrapõe, resumidamente:
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A única questão sub judice, prende-se como o facto de se determinar se as alienações do quinhão hereditário, se encontram abrangidas ou não pelo disposto na alínea a) do nº 1 do artº 10º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
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Em face da factualidade apurada e que serviu de fundamento à decisão, a Recorrente entende que o Tribunal Arbitral incorreu em erro de julgamento quanto ao direito, mais concretamente quanto ao âmbito de aplicação do nº 1 do art. 10º do CIRS ao concluir pela não sujeição a IRS dos ganhos obtidos com a alienação do referido imóvel, único bem que compõe a herança.
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No caso dos autos em apreço, a herança é composta por um único bem imóvel e a quota parte de cada herdeira relativamente à herança, mesmo antes da partilha, já se encontra definida como sendo uma quota-parte sobre o referido imóvel, e não outro qualquer bem, numa proporção de contitularidade idêntica à sua quota-parte na herança.
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Defende nas suas alegações que a decisão arbitral proferida no processo 524/2023-T não transitou em julgado, tendo a AT apresentado recurso para uniformização de jurisprudência, o qual corre termos no STA com o nº 33/24.1BCLSB com fundamento na oposição com a decisão arbitral proferida no processo 176/2017-T.
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A decisão arbitral sob recurso está em clara oposição com a decisão arbitral fundamento, a qual considerou, conforme se transcreve do respectivo teor a fls. 11, o seguinte: 37. O quinhão hereditário do Requerente, traduz-se no direito de propriedade sobre uma quota do imóvel aqui em apreciação. 38. Tratando-se de uma quota-parte de um imóvel e do respetivo direito de propriedade sobre o mesmo, à sua alienação aplicam-se as regram dos respetivo negocio jurídico necessário para o alienar, respetivamente, um contrato de compra e venda. 39. Conforme consta da escritura-pública, o resultado da venda não foi auferido pela herança como um todo indivisível, mas sim foi repartido pelos herdeiros de acordo com a proporção da sua quota. 40. O Requerente é herdeiro de uma quota-parte do imóvel, e nessa qualidade detém um direito real sobre o respetivo imóvel. 41. Essa quota-parte detida pelo Requerente foi acordada com os restantes herdeiros, tal como decorre da escritura pública de compra e venda, pelo que nos termos do artigo 2091.º n.º 1, se conclui que foi outorgada com o consentimento e presença de todos os herdeiros. 42. Perante o exposto, conclui-se que o Requerente como herdeiro adquiriu o domínio e posse dos bens da herança no momento da sua aceitação (Artigo 2050.º do CC). 43. O presente negócio jurídico, enquadra-se no caso típico de mais-valias, resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imoveis, mediante um contrato de compra e venda, por meio de escritura pública. 44. Atendendo a que o Requerente aceitou a herança e a sua quota-parte no imóvel vendido, responde pelos direitos e deveres que advêm desse direito de propriedade. 45. Com efeito, ao Requerente é-lhe imputado o rendimento na proporção da respetiva quota, nos termos do disposto no artigo 19.º do CIRS. 46. Alias mesmo que a quota do Requerente não tivesse sido determinada, a mesma seria presumivelmente determinada em partes iguais, nos termos do disposto no artigo 19.º.
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A AT entende que a disposição dos bens da herança não está dependente de uma partilha, desde que essa disposição seja efetuada conjuntamente por todos os herdeiros, conforme o prevê o disposto no nº 1 do artº 2091.º do CC: “os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros”.
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Nos termos do disposto no artigo 2124.º do C.C. a “(…) alienação de quinhão hereditário está sujeita às disposições reguladoras do negócio jurídico que lhe deu causa”, tendo, cfr. n.º do artigo 2126.º do mesmo Código, de ser “(…) feita por escritura pública ou documento particular autenticado se existirem bens cuja alienação deva ser efetuada por uma dessas formas”, como sucede na alienação de bens imóveis, artigo 875.º do C.C, que ocorreu no caso sub judice.
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Tal como estabelece o artigo 2128.º do C.C., o adquirente do “(…) quinhão hereditário sucede nos encargos respetivos” e segundo decorre do artigo 2119.º do C.C, feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos.
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Do plasmado no artigo 1404.º do C.C. “As regras da compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão de quaisquer outros direitos (…)”, afigurando-se pacífico que a alienação de quotas em propriedade de bens imóveis é subsumível à previsão contida na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS e que as suas regras são aplicáveis às situações de comunhão, como sucede com os quinhões hereditários, e, bem assim, é também comummente aceite a retroatividade da partilha, não se vislumbrando, assim, qual o fundamento para não se considerar as alienações de quinhões hereditários contendo imóveis como abrangidas por aquela previsão legal.
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A alienação de quinhões hereditários quando nestes se compreendam bens imóveis surge expressamente prevista como sujeita a IMT na parte final da alínea c) do n.º 5 do artigo 2.º do CIMT, sendo o valor relevante para efeitos de liquidação deste tributo que será considerado para efeitos de determinação de valor aquisitivo em sede de IRS.
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Como resulta do n.º 3 do artigo 11.º da LGT, na determinação do sentido da norma, in casu, a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS, o intérprete deve ter presente a substância económica dos factos tributários, a qual não varia consoante um imóvel seja transmitido de “per si” ou se inserido num quinhão hereditário.
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O quinhão hereditário detido pela Requerente traduz-se no direito de propriedade sobre uma quota do imóvel, na qualidade de herdeira adquiriu o domínio e posse dos bens da herança no momento da sua aceitação (Artigo 2050.º do CC), sendo evidente que a alienação do direito ao quinhão hereditário constituído também por bens imóveis cabe no âmbito da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS.
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Assim, o presente negócio jurídico, encontra-se sujeito a mais-valias tal como previsto na alínea a) do nº 1 do artº 10º do CIRS, sendo imputado como rendimento da categoria G, a proporção da respetiva quota, nos termos do disposto no artigo 19.º do CIRS.
Cumpre decidir.
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O CIRS, no seu artigo 10.º, sob a epígrafe Mais-Valias, estabelece o seguinte:
“1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis;
(...)”
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E a questão que se coloca é, como visto, a de determinar se eventuais ganhos emergentes da alienação de quinhão hereditário, quando este integre bens imóveis, pode ou não assimilar-se à alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, para efeitos de tributação em mais-valias, à luz do preceituado naquele inciso legal.
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Ora, a ampla, plural e abrangente jurisprudência sobre a matéria, conhecida até ao momento, aponta num sentido praticamente unanime, para uma solução legal de interpretação da lei no sentido de que a alienação de quinhão hereditário composto por bens imóveis, não constitui alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis.
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Efectivamente os arestos existentes apontam sempre no mesmo sentido.
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Quanto ao tipo de direito de que são titulares os herdeiros antes da partilha, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto no processo nº 7083/09.6T2AGD-A.P1de 1 de Julho de 2021:
I - Com o acto de aceitação da herança ilíquida e indivisa os herdeiros apenas assumem uma quota ideal e abstracta do todo hereditário, e só com a partilha, ainda que com efeitos retractivos à abertura da herança, é que cada um dos herdeiros fica a conhecer e obtém a qualidade de sucessor dos concretos bens que lhe foram atribuídos. II - Aceite a herança, como universalidade de direito que é, o património hereditário, apesar de devidamente titulado, continua indiviso até ser feita a partilha. III - Até á realização da partilha cada um dos herdeiros apenas tem, na sua esfera jurídica individual, no seu património próprio, o direito a uma quota ou fracção ideal do conjunto e não o direito a uma parte específica ou concretizada dos bens que constituem o acervo hereditário IV - É legalmente admitida a penhora do direito a uma herança por partilhar, o que é equivalente a penhora de um quinhão hereditário, ou seja, admite-se a penhora do direito que a esses bens, ainda não determinados nem concretizados, tiver o executado. V - No entanto, a lei já obsta a que se proceda à penhora de uma parte especificada de bem indiviso, como é o caso da herança, atento o que decorre do disposto nos artigos 743º, nº 1 e 781º, nºs 1 e 2, ambos do Cód. de Processo Civil. VI - A penhora do direito a herança indivisa não está sujeita a registo, nem pode ser registada, porque o direito à herança não partilhada é um direito a uma parte indeterminada de bens, desconhecendo-se assim que bens virão a formar a parte do executado.
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Do elenco jurisprudencial do Supremo Tribunal Administrativa destacam-se os arestos seguintes:
- do STA, de 25-11-2009, no P. 0975/09,
“I – Enquanto a herança se mantiver indivisa, cada herdeiro é titular de um direito a uma quota de uma massa de bens, que constitui um património autónomo e não um direito individual sobre cada um dos bens que a integram.
II – Assim, porque a alienação (no caso dos autos, permuta com outros bens de terceiro) de quinhão hereditário, mesmo que a herança seja apenas constituída por bens imóveis, não pode considerar-se “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”, não estão sujeitos a IRS os eventuais ganhos resultantes dessa alienação.
III – A impugnação judicial deduzida na sequência de indeferimento de reclamação graciosa e com o mesmo fundamento desta, tem por objecto a anulação do acto tributário.
IV – Deste modo, julgando o juiz procedente a impugnação por ilegalidade do acto tributário, deve anular esse acto e não anular o despacho de indeferimento da reclamação graciosa e ordenar a sua substituição por outro que, reconhecendo a ausência de norma de incidência acima exposta, decida a reclamação”.
- do STA no acórdão de 28-01-2015 no processo nº 0450/14:
Como bem se refere na sentença recorrida é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, que “enquanto a herança se mantiver indivisa, cada herdeiro é titular de um direito a uma quota de uma massa de bens, que constitui um património autónomo e não um direito individual sobre cada um dos bens que a integram”. (Acórdão do STJ, de 07.05.2009 - Processo nº 08B3572 que aqui seguimos. Em sentido idêntico, entre outros, v. os Acórdãos da Relação do Porto, de 04.03.2002 - Processo nº 0151906 e da Relação de Lisboa, de 12.06.96 - Processo nº 1936 e de 26.11.96 - Processo nº 740.)
Efectivamente só com a partilha é que o herdeiro é considerado sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos cfr artigo 2119 do CC.
Embora cada um dos herdeiros tenha desde a abertura da sucessão direito a uma parte ideal da herança, é apenas com a partilha que esse direito se concretiza tornando certos e determinados os bens que couberem ao herdeiro
E só após a partilha é que o herdeiro se torna pleno titular dos direitos que por ela lhe couberem. E, ainda que a herança seja constituída por bens imóveis, só com a partilha passa a ser titular do direito de propriedade sobre eles e nessa qualidade a poder exercer os direitos correspondentes.
No caso dos autos, como se referiu, com a cessão foi transmitido o direito ao quinhão hereditário pelo que o que se transmite é, como se refere no Ac. do STJ de 09.02.2012 - Proc. 2752/07.8TBTVD.L1.S1, “um direito abstractamente considerado e idealmente definido, como expressão patrimonial ainda incerta e cujas demarcação e abrangência também se patenteiam inseguras”.
Não ocorreu, portanto, uma alienação de imóveis concretamente identificados, até porque só com a realização da partilha seria possível estabelecer a titularidade do direito de propriedade sobre tais imóveis. Como se referiu já no acórdão de 25 11 2009 do STA in processo 0975/09 citado na sentença sob recurso “Assumindo o cessionário a posição do herdeiro cedente a sua situação jurídica não é igual à do proprietário, o qual dispõe de direito pleno sobre o bem que pretende alienar, pelo que não estamos perante a “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis” a que se refere o citado artº 10º do CIRS:
E face à clareza da norma da incidência - artigo 10 do CIRS al a) em causa, não há também que fazer apelo ao critério económico que o artigo 11/3 da LGT consagra, já que a tal subsidariedade só é de acorrer quando persistir dúvida sobre o sentido da norma de incidência a interpretar, o que, aqui, manifestamente, não ocorre.
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- do STJ, de 09-12-2012, no P. 2752/07.8TBTVD.L1. S1,
“1. A transmissão do direito à meação e bem assim do direito ao quinhão hereditário fazem operar a passagem para a esfera jurídica dos compradores o conteúdo de um direito abstractamente considerado e idealmente definido, como expressão patrimonial ainda incerta e cujas demarcação e abrangência também se patenteiam inseguras.
2. O que aos adquirentes destes direitos fica atribuída é a possibilidade de poderem exercer naquela universalidade jurídica um seu direito próprio perante os restantes interessados no "direito à meação” e no “quinhão hereditário”, designadamente legitimando-os a, com vista a concretizar esta sua prerrogativa, se e quando assim o entenderem, darem os passos necessários tendentes a haver para si a quota-parte dos bens determinados que integram tal herança.
3. Enquanto se não constatar a efectiva titularidade de algum (ou alguns) bem concreto que constitui tal universalidade jurídica, os protegidos com esta venda não desfrutam do atinente direito sobre certo e determinado bem.
(...)”
- do STJ, de 30-01-2013, no P. 1100/11.7TBABT.E1.S1,
“I - Tanto a jurisprudência, como a mais abalizada doutrina da especialidade, apontam decisivamente no sentido de que só se pode dividir os bens da herança de que se seja proprietário, ou seja, que tenham sido atribuídos aos herdeiros em partilha previamente realizada.
II - A ratio de tal solução é muito simples: é que, até à partilha, os co-herdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortis-causa, não são donos dos bens que integram o acervo hereditário, nem mesmo em regime de compropriedade, pois apenas são titulares de um direito sobre a herança (acervo de direitos e obrigações) que incide sobre uma quota ou fracção da mesma para cada herdeiro, mas sem que se conheça quais os bens concretos que preenchem tal quota.
III - É pela partilha (extrajudicial ou judicial e, neste caso, através do processo de inventário-divisório) que serão adjudicados os bens dessa universalidade que é herança e que preencherão aquelas quotas.
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E ainda a doutrina citada no acórdão arbitral no processo nº 524/2023-T, a que se adere:
IV - O Ilustre Professor de Coimbra, Doutor Rabindranath Capelo de Sousa assim ensina nas sua Lições de Direito das Sucessões: «Nos casos em que haja lugar à partilha da herança, segundo a opinião dominante, o domínio e posse sobre os bens em concreto da herança só se efectivam após a partilha, uma vez que até aí a herança constitui um património autónomo nada mais tendo os herdeiros do que o direito a uma quota parte do património hereditário» ( Lições de Direito das Sucessões, pg. 185).
V - Por sua vez, outro Professor de Coimbra, o Doutor Pereira Coelho, assim escreveu nas sua obra de Direito das Sucessões: «Não se trata uma vulgar compropriedade entendida como participação na propriedade de bens concretos e determinados. Pelo contrário, contitularidade do direito à herança significa tanto como um direito a uma parte ideal, não de cada um dos bens de que se compõe a herança, mas sim da própria herança em si mesma considerada» (Pereira Coelho, Direito das Sucessões, 2ª ed. 1966-1967).”[1]
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Face à força, consistência, e robustez da citada jurisprudência e doutrina o presente tribunal entende aderir à mesma, concluindo que a alienação de quinhão hereditário composto por bens imóveis, não constitui alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, designadamente para efeitos do disposto na alínea a) do nº 1 do artº 10º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. Nessa medida, cumpre declarar a procedência do pedido formulado pela Requerente.
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DECISÃO
Pelo exposto, decide este Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral e, em consequência, determinar:
- I) a a anulação da liquidação de IRS n.º 2022..., de 22.12.2022, na quantia de € 4.154,69 (quatro mil cento e cinquenta e quatro euros e sessenta e nove cêntimos), com fundamento na violação do princípio da legalidade fiscal.
- II) a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira aqui Requerida nas custas do processo.
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VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo na quantia de € 4.154,69 (quatro mil cento e cinquenta e quatro euros e sessenta e nove cêntimos) ), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e do artigo 306.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
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CUSTAS
Custas no montante de 612,00 €, a cargo da Requerida, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5, do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 24 de Setembro de 2024
O Árbitro
(Ana Teixeira de Sousa)
[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.
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