Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 71/2024-T
Data da decisão: 2024-09-19  IRC  
Valor do pedido: € 8.702,88
Tema: Preços de Transparência; Princípio de Plena Concorrência
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SUMÁRIO:

1-A AT pode efetuar correções à determinação do lucro tributável nos termos do nº8 do artigo 63º do CIRC, sempre que o Princípio da Plena Concorrência vertido no nº1 do artigo 63º do CIRC não seja respeitado.

2-Compete à AT o ónus da prova de que os valores declarados não traduzem  preço que cumpra o Princípio da Plena Concorrência, para aplicabilidade do nº8 do artigo 63º do CIRC.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

1. No 15 de Janeiro de 2024, A..., S.A, sociedade anónima,  com o número único de matrícula e de identificação fiscal ... e sede na Rua ..., n.º ..., ..., ..., ...-... Porto, apresentou pedido de constituição de tribunal e pronúncia arbitral nos termos  da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, no n.º 2 do artigo 5.º, no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 10.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT),em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira pretendendo a anulação da declaração de liquidação adicional de IRC com o n.º 2023..., relativa ao período de 2019,  com a inerente liquidação de juros compensatórios n.º 2023..., bem como da respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2023..., no valor de €8.702,88 (oito mil setecentos e dois euros e oitenta e oito cêntimos) por entender que esta  é ilegal por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, solicitando a devolução da quantia e o pagamento de juros indemnizatórios.

É requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA e ADUANEIRA (doravante AT).

2. No dia 17 de Janeiro de 2024, foi aceite o pedido de constituição de Tribunal Arbitral.

3. No dia 26 de Março de 2024, foi constituído o Tribunal Arbitral.

4. Em 26 de Março de 2024, foi a Requerida notificada nos termos dos n.º 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, para no prazo de 30 dias, apresentar Resposta e juntar processo administrativo.

5. Em 02 de Maio  de 2024, a Requerida juntou aos autos a sua Resposta.

6. Em 03 de Maio  de 2024, a Requerida juntou aos autos processo administrativo.

7. Em 19 de Julho  de 2024 foi proferido  despacho pelo Presidente do Conselho Deontológico em que foi determinado a substituição do arbitro anteriormente designando pelo árbitro Dr. António Cipriano da Silva.

9. Em  18 de Agosto de 2024, foi proferido despacho em que foi dispensada a reunião do Tribunal Arbitral a que se refere o artigo 18º do RJAT, dado que as questões que subsistem eram essencialmente de direito e, consequentemente, sem necessidade de produção de prova testemunhal e por verificar-se que  tratava-se de processo não passível duma definição de trâmites processuais específicos, diferentes dos habitualmente seguidos pelo CAAD na generalidade dos processos arbitrais, e por não existirem  exceções a apreciar e decidir antes de conhecer do pedido, nem necessidade aparente de correção de peças processuais,  tendo-se facultado às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas.

10. Em 12 de Setembro de 2024, a Requerente e a Requerida juntaram aos autos alegações.

 

II. Descrição Sumária dos Factos

II.1 Posição da Requerente

A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:

Alegação da natureza arbitrária da correção da AT

  1. A Requerente desenvolve  operações com entidades com as quais mantém relações especiais. Para afeitos de cumprimento do artigo 63.º do Código do IRC,  aplica às operações vinculadas o Método do Margem Líquida.
  2. Nos termos do Dossier de Preços de Transferência, tendo por base um conjunto de empresas comparáveis à Requerente, no que respeita às funções desenvolvidas e riscos assumidos, e partindo das respetivas margens sobre os gastos operacionais, a Requerente chegou a Intervalos de plena concorrência,  acolhidos pela Requerida no RIT, com um valor mínimo de 3,4% e um valor máximo de 13%.
  3. Conforme encontra-se descrito no RIT, no período de tributação de 2019, a Requerente obteve na sua atividade de prestação de serviços de desenvolvimento de software uma margem sobre gastos operacionais de 4,1%.
  4. Assim, conforme alega a Requerente, a margem líquida da operação  no ano de 2019, fixada em 4,1%, assume-se como um valor situado dentro do intervalo de plena concorrência que foi identificado.
  5. Não obstante esse facto – e sem que a Requerida  tenha afastado a conclusão de que o preço praticado pela Requerente nesse ano de 2019 corresponde a um preço de mercado –, foi efetuada em sede inspetiva uma correção que se traduz, a final, numa alteração do preço praticado nesses serviços. O que na posição da Requerente é incorreto na justa medida em que dentro dos limites da Lei, as Partes são livres de fixarem o preço dos serviços por si contratados.
  6. Defendendo a Requerente que se o preço por si praticado posiciona-se dentro do intervalo de plena concorrência, detalhado no seu Dossier de Preços de Transferência e acolhido pelos próprios SIT, não pode a Requerida, não obstante aceitar tal facto, pretender substituir-se à liberdade das Partes e fixar um preço distinto a esse respeito.
  7. Alegando que o facto relevante é que, no final, o preço efetivamente praticado gerou uma margem sobre os gastos operacionais de 4,1% no ano de 2019 que se encontra dentro do intervalo de plena concorrência.
  8. Defendendo que a correção subjacente aos autos efetuada pela Requerida não tem enquadramento no regime de preços de transferência nos moldes em que foi feita, encontrando-se em contravenção direta ao disposto no n.º 1 do artigo 63.º do Código do IRC (a contrario sensu).
  9. Assim, defende a Requerente que a liquidação aqui posta em causa, viola, pois, o princípio da legalidade (cf. artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 8.º da LGT), o princípio da autonomia privada, na sua vertente de liberdade contratual e, ao ficcionar arbitrariamente um conjunto de rendimentos que não foram auferidos pela Requerente e não dispondo de base legal para o efeito, o princípio da tributação das empresas pelo seu lucro real (cf. artigo 103.º, n.º 2, da CRP).

Alegação da falta de fundamentação do ato tributário

  1. Entende a Requerente que a Requerida para além do dever geral de fundamentação das suas decisões (artigos 268.º, n.º 3, da CRP e 77.º da LGT) e de recair sobre si o ónus da prova de demonstrar os pressupostos das suas correções (artigo 74.º, n.º 1, da LGT), existe também a obrigação expressa desta fundamentar, por referência a cada uma das alíneas do n.º 3 do artigo 77.º da LGT, com razões que, naturalmente, se afigurem válidas, coerentes e que se mostrem aptas a conduzir à conclusão de correção extraída.
  2. Defendendo a Requerente que a Requerida violou o especial de dever de fundamentação que a lei impõe  na matéria dos Preços de Transferência nesta matéria, em conformidade com a orientação jurisprudencial dominante.
  3. Por outro lado entende a Requerente, verificar-se uma completa incongruência no raciocínio e na fundamentação provida pela AT, na medida em que, ao aceitar e acolher os intervalos de plena concorrência apresentados pela Requerente, reconhece que o preço praticado é um preço de mercado, mas pretende que a Requerente tivesse feito um acréscimo nos termos do n.º 8 do artigo 63.º do Código do IRC, que pressupõe, precisamente, que o preço praticado não era um preço de plena concorrência.
  4. De acordo com a regra de distribuição do ónus probatório, impendia sobre a AT evidenciar (cumprindo o ónus que lhe cabia e o especial dever de fundamentação previsto no n.º 3 do artigo 77.º da LGT) que o preço praticado nas operações vinculadas não era de plena concorrência, assim como aquele que o seria, à luz dos métodos legalmente previstos para o efeito.
  5. Concluindo a Requerente, que  é forçoso concluir que o ato tributário objeto de análise no  pedido de pronúncia arbitral, a respetiva liquidação de juros compensatórios e a inerente demonstração de acerto de contas, que constituem o objeto do mesmo, padecem do vício de violação de lei por falta de fundamentação.

Da alegação de erro na consideração das gratificações de balanço enquanto gasto a incluir no preço a praticar nos serviços prestados

  • Defende a Requerente que a gratificação de balanço não representa um valor a considerar, de um ponto de vista económico-financeiro, na determinação de um preço a praticar: a gratificação de balanço representa o resultado positivo do preço praticado
  • Defendendo a Requerente que na situação em apreço, não só não se está diante de qualquer obrigação legal de atribuição de gratificações de balanço, como também não resulta a existência de uma obrigação (nem os SIT sequer a invocam), para além de que os resultados distribuídos por essa via respeitam ao anterior exercício de 2018.
  • Concluindo que, a correção em causa e, consequentemente, os atos tributários ora impugnados, estão feridos de ilegalidade, por vício de violação de lei, designadamente do disposto no artigo 63.º do Código do IRC, que rege os preços de transferência, em articulação com a NCRF 28.

Direito a Juros Indemnizatórios

  1. Requer ainda a Requerente Juros Indemnizatórios nos termos conjugados dos artigos 43º nº1 da LGT e 61º nº3 do  CPPT com fundamento em erro imputável aos serviços da AT.

 

II.2 Posição da Requerida

Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

Da alegada natureza arbitrária da correção empreendida pela AT

  1. Ao contrário do que alega a Requerente não há qualquer arbitrariedade, nem ficção no acréscimo dos rendimentos levados a efeito, ao abrigo das normas legais dos preços de transferência, porquanto os SIT apenas se limitaram a considerar no cálculo da margem líquida da operação todos os gastos com pessoal efetivamente incorridos no período de tributação de 2019, os quais abarcam, também, os prémios auferidos pelos funcionários da Requerente, na sequência dos resultados obtidos em 2018 e que afetaram negativamente o resultado fiscal de 2019, apurado por via extra contabilística, através da inscrição no campo 704 do quadro 07 da Dec. Mod. 22.
  2. Alega a Requerida que os SIT utilizaram adequadamente o método indicado no DPT para apurar o lucro tributável do período de tributação de 2019 isto é, tiveram em linha de conta a estrutura global dos gastos realmente suportados pela Requerente determinada pela imputação dos gastos diretos associados a cada projeto e pela imputação dos gastos indiretos (os quais contemplam os prémios pagos aos empregados associados à ata n.º18 de 15 de julho).
  3. Argumentando a Requerida que os SIT partiram do método de cálculo escolhido pela própria Requerente, com os requisitos por ela definidos, e corrigiram os valores declarados com base em valores fornecidos pela mesma Requerente. Os SIT apenas se limitaram a considerar no cálculo da margem líquida da operação todos os gastos com pessoal efetivamente incorridos no período de tributação de 2019. Tais gastos abarcam, também, os prémios auferidos pelos funcionários da Requerente, na sequência dos resultados obtidos em 2018 e que afetaram negativamente o resultado fiscal de 2019.
  4. Entendendo a Requerida que  no final do ano, os valores faturados devem ser ajustados em função dos gastos reais (efetivamente suportados), tendo os SIT englobado os prémios pagos aos funcionários em 2019, que contabilisticamente não foram reconhecidos como gastos do período de 2018 e que, fiscalmente, foram considerados pela Requerente como uma variação patrimonial negativa dedutível no período de 2019.
  5. Nestes termos, a margem de 4,1% obtida pela Requerente não se revela correta por duas ordens de razões:

- Os rendimentos operacionais foram calculados com base nos gastos teóricos, sem ajustamento aos gastos efetivamente incorridos, contabilisticamente registados; e

- Não incluíram os prémios pagos aos funcionários em 2019 e não registados como gastos em 2018, mas considerados como uma variação patrimonial negativa dedutível do período de 2019.

  1. Concluindo a Requerida que não há qualquer arbitrariedade, nem ficção no acréscimo dos rendimentos levados a efeito, ao abrigo das normas legais dos preços de transferência, porquanto os SIT apenas se limitaram a considerar no cálculo da margem líquida todos os gastos com pessoal efetivamente incorridos no período de tributação de 2019.

Da alegada falta de fundamentação do ato tributário

  1. A Requerida pugna ao contrário do alegado pela Requerente que foi cabalmente respeitado o dever de fundamentação do nº3 do artigo 77º da LGT.
  2. Ao demonstrar que não foram cumpridas as regras estipuladas pela própria Requerente no seu dossier de preços de transferência, os SIT provaram efetivamente que não foram contratados, aceites ou praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes.
  3. Ao afirmar que as correções propostas não são conformes com o princípio da plena concorrência, sendo arbitrárias e ficcionadas, a Requerente cai numa inelutável contradição, uma vez que a metodologia seguida foi por si estipulada no dossier de preços de transferência, certamente porque considerou serem as regras definidas as mais adequadas.
  4. Considerando a Requerida que a fundamentação constante do RIT foi expressa, na medida em que houve uma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, pois foi apresentada de forma a que os destinatários apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decidiram promover correções à matéria tributável declarada; suficiente, possibilitando à Requerente um conhecimento concreto da motivação do ato; e congruente, pois a decisão consubstancia uma conclusão lógica e necessária dos motivos invocados que a justificam, inexistindo contradição entre os fundamentos e a decisão.

Do alegado erro na consideração das gratificações de balanço enquanto gasto a incluir no preço a praticar nos serviços prestados

  1. Entende a Requerida  que a  margem de 4,1% obtida pela Requerente não se revela correta por duas ordens de razões: Os rendimentos operacionais foram calculados com base nos gastos teóricos, sem ajustamento aos gastos efetivamente incorridos, contabilisticamente registados; e não incluíram os prémios pagos aos funcionários em 2019 e não registados como gastos em 2018, mas considerados como uma variação patrimonial negativa dedutível do período de 2019.
  2. Considerando que, também nesta parte carece a Requerente de razão, pois o método da margem líquida da operação reflete a quase totalidade dos gastos operacionais da Requerente, onde se incluem, na mesma proporção, todas as componentes dos gastos com pessoal (prémios, igualmente, os quais resultaram do desenvolvimento positivo da atividade operacional da Requerente) e a quase totalidade dos rendimentos operacionais obtidos (99%).
  3. Pelo que a atuação dos SIT cumpre integralmente o regime legal dos preços de transferência, não ocorrendo a alegada violação de qualquer princípio constitucional, mormente o princípio da legalidade. Bem como, não ocorre a alegada violação dos princípios constitucionais da tributação pelo rendimento real e da liberdade de iniciativa económica.
  4. Pelo exposto, conclui a Requerida pela total improcedência da argumentação expendida pela Requerente, a qual não logrou contraditar a legalidade da correção ao lucro tributável, em cumprimento do Princípio de Plena Concorrência, consagrado no artigo 63.º do CIRC, e do disposto na Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, a qual deve ser mantida.
  5. Dos juros indemnizatórios
  6. Considera a Requerida que resulta claro que os atos tributários são válidos, porque conformes ao regime legal em vigor à data dos factos tributários, pelo que, não ocorreu, in casu, qualquer erro imputável aos serviços.
  7. Assim sendo, não se encontram reunidos os pressupostos legais que conferem o direito aos juros indemnizatórios
  8. Concluindo a  Requerida a sua Resposta, que o  pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.

 

III. Saneamento

 

O Pedido de Pronúncia Arbitral é tempestivo. O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regulamente constituído, nos termos dos artigos 2.º n.º 1 alínea a), 5º n.º 1 e 2 do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e têm legitimidade.

A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.

Pelo que não há qualquer obstáculo à apreciação da causa, pelo que cumpre proferir decisão.

 

IV-Matéria de Facto

IV.A- Factos Dados com Provados

 

1. A Requerente é uma sociedade comercial constituída em 28 de agosto de 2014, sob a forma de sociedade anónima, com sede e direção efetiva em território português, que tem por objeto social “concepção, engenharia, desenvolvimento, modificação, teste e assistência a programas informáticos (software); programação e engenharia de sistemas e aplicações de alta performance, disponibilidade e resiliência; atividades de fornecimento de infraestruturas para domiciliação, serviços de processamento de dados e atividades relacionadas; outras atividades relacionadas com as tecnologias de informação e informática; atividades de formação profissional e coaching; organização e/ou participação em eventos tais como feiras, congressos, conferências e outros eventos similares; atividades de design, nomeadamente de escritórios; compra e venda de materiais necessários à implementação de projetos de design, nomeadamente mobiliário de escritório; atividades de consultoria para os negócios e a gestão (dentro dos limites da lei e sem exercício de atividades exclusivas das instituições de crédito ou sociedade financeiras)”, encontrando-se, à data dos factos, fiscalmente enquadrada, em sede de IVA, no regime normal com periodicidade mensal e, em sede de IRC, no regime geral de tributação (cfr. pág. 5. do RIT e artigo 4º e 5º PPA).

2. A Requerente disponibiliza um vasto conjunto de serviços customizados nos domínios da consultoria e desenvolvimento tecnológico, desenvolvimento de  produto e teste de performance e scalability (cfr. art. 7º do PPA).

3. Em julho de 2018, a Requerente, que antes revestia a forma de sociedade por quotas, foi transformada em sociedade anónima, passando a ser controlada pela B... LIMITED, sediada no Reino Unido e detentora, em Portugal, do número de identificação fiscal de pessoa coletiva não residente .... (cfr. Pag.6 do RIT e artigo 6º do PPA).

4. estrutura de participações sociais do grupo B... LIMITED, à data de 31 de

dezembro de 2019, é a seguinte:

 

5. Requerente presta, sobretudo, os seus serviços num contexto intra-grupo, os quais em 2019, correspondem a cerca de 99% do total de rendimentos obtidos (cfr. Pag.6 do RIT) e artigo 26º do PPA).

6. Num contexto de organização das participações, os acionistas da Requerente optaram por concentrar, nesta última, toda a atividade de business development no mercado inglês, cabendo à Requerente a execução dos projetos de acordo com o caderno de encargos previamente aprovado entre as partes envolvidas. Deste modo, cabe à Requerente o processo de desenvolvimento e operacionalização das soluções solicitadas pelo cliente final, nos moldes definidos no caderno de encargos e nos timings estabelecidos com o cliente. (pag 36. do Dossier de Preços de Transferência).

7. Para cumprimento do Princípio da Plena Concorrência na prestação dos serviços pela Requerente foi aplicado o Método do Margem Líquida da operação (“transactional net margin method”).

8.No cálculo do preço de transferência das operações realizadas, foi utilizado o Método da Margem Líquida da Operação, método que tem em consideração a estrutura global dos rendimentos e gastos da Empresa, considerando quer os custos diretos incorridos na sua atividade (tais como os custos com o pessoal), quer os custos indiretos e outras despesas operacionais (custos administrativos, entre outros);

- As partes acordam o pagamento de um fee pelos serviços prestados, correspondente à totalidade dos gastos incorridos pela Requerente (gastos diretos e indiretos) com o desenvolvimento da prestação de serviços, designadamente:

(i) Gastos salariais dos colaboradores envolvidos nesta atividade, incluindo salários, encargos com a segurança social, viagens e alojamentos, prémios, seguros de saúde, entre outros;

(ii) Depreciações e custos de capital;

(iii) Despesas com formações, comunicações e subsistência;

(iv) Subcontratações;

(v) Gastos administrativos e consumíveis, incluindo prémios de seguro;

(vi) Renda do edifício ocupado por tais colaboradores, incluindo os custos administrativos relacionados com o mesmo.

- Após apuramento dos gastos enumerados anteriormente, é ainda acrescido um mark-up de 10% (diferença entre o custo de um bem ou serviço e seu preço de venda) sobre os custos. Após apuramento dos gastos enumerados anteriormente, é ainda acrescido um mark-up de 10% apenas

sobre os custos diretos, o qual garante a rentabilidade da Requerida no desenvolvimento da atividade de prestação de serviços de desenvolvimento de software e de aplicações web. (cfr. pag 36. do Dossier de Preços de Transferência).

9. A Requerente no período de tributação de 2019 obteve na atividade de prestação de serviços de desenvolvimento de software uma margem sobre gastos operacionais de 4,1%.

 

(cfr. Pag 11. RIT)

10. Comparando a margem sobre os gastos operacionais obtida pela empresa com as de outras empresas com atividade similar (pesquisa do próprio sujeito passivo), verifica-se que a mesma está situada entre o mínimo e o primeiro quartil:

 

(Cfr. Pag 11 do RIT, e pag. 46 do Dossier dos Preços de Transferência)

11. Na aprovação das contas de 2018 (ata n.º 18, de 15 de julho de 2019), foram atribuídos prémios aos funcionários, no montante de €334 450,55, os quais não foram reconhecidos como gastos do período de 2018, afetando diretamente a conta de resultados transitados no ano de 2019 e sendo deduzidos como variação patrimonial negativa no quadro 07 da modelo 22 de IRC deste período (cfr. Pág. 11 do RIT);

12. A Requerida apresentou os seguintes valores na declaração modelo 22 de IRC:

 

(cfr. Pag 12. RIT)

13. As variações patrimoniais negativas indicadas na declaração modelo 22 de IRC, no montante de €334 508,55 correspondem a prémios pagos ao pessoal relativos ao ano de 2018, não previstos como gastos no respetivo exercício. Este montante foi deduzido ao resultado líquido do período de 2019. (cfr. Pag 12. RIT)

14. Em 1 de março de 2023, teve início uma ação de inspeção tributária de natureza externa e âmbito parcial (IRC e IVA), instaurada pela Direção de Finanças do Porto ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2022..., por referência ao período de 2019 da atividade da Requerente.

15. Do procedimento inspetivo, resultaram correções de natureza meramente aritmética à Matéria Tributável de IRC no montante de €750.032,10

 

 

 

(cfr. Pag 3. RIT)

16.  No decurso do procedimento inspetivo, a Requerente regularizou voluntariamente as correções propostas no montante de €2 300,00, mantendo-se correções aritméticas à matéria tributável de 2019, no montante de €747 732,10.

17. Em face das regularizações voluntárias efetuadas pela Requerente e da proposta de correção convertida em definitivo, o apuramento da matéria tributável em IRC para o ano de 2019 foi o seguinte:

 

(cfr. Pag 19. RIT)

18. Na sequência da referida ação de inspeção tributária, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2023..., relativa ao período de 2019, no montante de € 8.702,88 a pagar até dia 16 de Outubro de 2023, acompanhada da respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2023 ... e da inerente demonstração de acerto de contas, identificada com o n.º 2023 ... . (cfr. Doc nº 1 a 3 do PPA)

19. A Requerente efetuou o pagamento da liquidação adicional de IRC em 16 e Outubro de 2023 (cfr. Doc. nº5 do PPA).

 

 

IV.B- Factos que não se consideram provados

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

 

IV. C. – Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

 

1. Os factos elencados supra, foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, nos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo (PA).

2. Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123.º, 2, do CPPT e arts. 596.º, 1 e 607.º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29.º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e arts. 5.º, 2 e 411.º do CPC).

3. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16.º, e) do RJAT, e art. 607.º, 4, do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, 1, e) do RJAT).

4. Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607.º, 5, do CPC, ex vi art. 29.º, 1, e) do RJAT).

5. Além disso, não se deram como provadas nem não foram provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

 

 

 

IV.D. Do Direito

 

A  matéria decidenda  deste litígio centra-se na análise da forma como foi cumprindo/incumprido o Princípio de Plena Concorrência  vertido no regime jurídico dos Preços de Transferência, constante  do artigo 63º do CIRC e na Portaria nº1446-C/2001 de 21 de Dezembro (em vigor à época dos factos). Decidir se as correções efetuadas pela Requerida que desembocaram  na liquidação adicional de IRC  tem cabimento nas normas supra mencionadas e no Princípio de Plena Concorrência .

 

Para o efeito a Requerente alega como vícios a arbitrariedade da correção empreendida pela AT (insusceptibilidade de enquadramento no regime de Preços de Transferência da correção nos moldes em que a mesma foi feita), a violação do dever de fundamentação, e erro na consideração das gratificações de balanço enquanto gasto a incluir na determinação dos Preços de Transferência. Análise de vícios apontados que será feita por este Tribunal Arbitral, sem prejuízo de a solução dada a certa questão poder prejudicar o conhecimento de outra ou outras questões - cfr. artigo 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT.

 

A questão em apreço tem enquadramento no Princípio de Plena Concorrência, no âmbito dos Preços de Transferência. Estamos perante a matéria de Preços de Transferência quando existem operações efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais. De acordo com o consagrado no n.º 1 do artigo 63.º do CIRC, nestas operações tem de ser garantido a preservação de plena concorrência, exigindo-se que devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticas aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.  Pretende-se com o regime dos Preços de Transferência proteger o objetivo da manutenção das receitas fiscais face à opção de transferência de resultados entre entidades com relações especiais.

 

O regime jurídico dos Preços de Transferência é construído como um mecanismo de garantia da preservação do Princípio da Plena Concorrência (arm’s length principle). Este é um princípio com plena aceitação internacional estando consagrado no artigo 9º do Modelo da OCDE que estipula:

“Quando (…), as duas empresas, nas suas relações comerciais ou financeiras, estiverem ligadas por condições aceites ou impostas que difiram das que seriam estabelecidas entre empresas independentes, os lucros que, se não existissem essas condições, teriam sido obtidos por uma das empresas, mas não foram por causa dessas condições, podem ser incluídos nos lucros dessa empresa e, consequentemente, tributados”.

 

Assim, o Princípio da Plena Concorrência estabelece que empresas especialmente relacionadas, na definição dos preços das suas transações, devem seguir os mesmos pressupostos que seriam seguidos por empresas independentes, nas condições e práticas normais de mercado. Princípio  que estabelece que na valorização das transações entre entidades relacionadas, se pressupõe, que os preços estabelecidos deverão ser os mesmos, ou semelhantes, aos que seriam praticados em operações comparáveis entre entidades independentes.

 

Princípio da Plena Concorrência vertido no nº1 do artigo 1º da Portaria nº1446-C/2001 de 21 de Dezembro e no artigo 63º nº1 do CIRC que refere: “Nas operações efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis”.

 

Sendo que nos termos nº2 do artigo 2º  da Portaria nº1446-C/2001 de 21 de Dezembro, o Princípio da Plena Concorrência deve-se “basear-se numa análise individualizada das operações, exceto naquelas situações, (….) em que a análise pode ser efetuada numa base agregada ou por séries de operações, desde que se trate de operações tão intimamente interligadas ou continuadas que a sua desagregação conduziria à perda de funcionalidade ou valor, ou quando se revele impraticável a determinação do preço para cada operação, quer pelos elevados custos associados quer pela inexistência ou insuficiência de informação sobre operações comparáveis”.

 

Pelo que a validação do cumprimento do Princípio da Plena Concorrência está dependente de um juízo de comparabilidade entre a operação vinculada e a operação que seria praticada entre entidades independentes.  Operacionalizando-se o Princípio da Plena Concorrência, por via de um princípio da comparabilidade, que impõe uma comparação entre o preço praticado entre empresas especialmente relacionadas e a aquele que supostamente, seria adaptado entre empresas independentes. Por conseguinte, é sobre este juízo de compatibilidade  que recai a avaliação dos Preços de Transferência adotados, e concludentemente a sua aceitação ou rejeição, como preços que garantem o cumprimento do Princípio da Plena Concorrência. Porém, a validação do juízo de compatibilidade  exige que que se esteja a comparar realidades comparáveis, ou seja, que as características económicas das operações vinculadas e não vinculadas sejam similares.

 

“A aplicação do referido princípio assenta, de um modo geral, numa comparação entre as condições praticadas numa operação vinculada e as operações praticadas numa operação entre empresas independentes (operação não vinculada). Para que essa comparação tenha significado, é necessário que as características económicas das situações em apreço sejam comparáveis. Isto significa que não deve haver diferenças entre as situações comparadas suscetíveis de afetar os itens que se pretendem examinar ou que, a existirem algumas diferenças, podem ser efetuados ajustamentos razoavelmente fiáveis a fim de eliminar o efeito dessas diferenças. (…) Para determinar o grau de comparabilidade efetiva e efetuar em seguida os ajustamentos apropriados para estabelecer as conduções (ou um leque de condições) de plena concorrência, há que comparar as características das operações ou das empresas suscetíveis de ter impacto sobre as condições inerentes às operações de plena concorrência”[1].

 

Para o efeito do juízo de comparabilidade, o nº3 do artigo 63º do CIRC determina para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o sujeito passivo tendo em conta, entre outros aspetos, a natureza da operação, a disponibilidade de informações fiáveis e o grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efetua e outras substancialmente idênticas, efetuadas entre entidades independentes. Para esse efeito deve adotar qualquer dos métodos previsto nas alienas do nº3 do artigo 63º do CIRC.

 

Sendo que nos termos do nº2 do artigo 4º da Portaria  nº 1446-C/2001 de 21 de Dezembro “considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é suscetível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordos, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades selecionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis.”

 

No caso em apreço, a Requerente por ser controlada societariamente totalmente pela B... e por quase  a totalidade das prestações de serviços (99%) estar direcionada para entidades relacionadas, esta sujeita ao regime legal do artigo 63º do CIRC. Assim, nas operações vinculadas (99% das prestações de serviços efetuadas a partes relacionadas), a validação do cumprimento do Princípio da Plena Concorrência determina que a Requerente tivesse de selecionar para efeitos de comparabilidade, um dos métodos previstos no nº3 do artigo 63º do CIRC.

 

Conforme Dossier de Preços de Transferência da Requerida, foi selecionado o Método da Margem Liquida da Operação (transactional net margin method). Método de validação do Princípio da Plena Concorrência que foi aceite pela Requerida, não sendo facto ou matéria controvertida.

 

Nos termos do nº1 do artigo 10º da Portaria  nº 1446-C/2001 de 21 de Dezembro “o método da margem líquida da operação baseia-se no cálculo da margem de lucro líquido obtida por um sujeito passivo numa operação ou numa série de operações vinculadas tomando como referência a margem de lucro líquido obtida numa operação não vinculada comparável efetuada pelo sujeito passivo, por uma entidade pertencente ao mesmo grupo ou por uma entidade independente.”

 

Conforme refere Paula Rosado Pereira “o método da margem líquida da operação consiste na avaliação da margem líquida normal obtida por entidades similares, comparando-a, depois, com a margem líquida obtida pelas entidades relacionadas. O preço conforme ao princípio do preço de plena concorrência é aquele cuja prática permite às entidades relacionadas obter um nível de lucro, em resultado da operação, que seja similar ao nível de lucro normal de entidades independentes em operações comparáveis.”[2]

 

Como refere José Campos Amorim  “ o método da margem liquida da operação  é assim baseado na rentabilidade das transações, isto é, na comparação dos resultados operacionais da entidade relacionada com os resultados operacionais das entidades independentes. (….) Este método tem a vantagem de não estar sujeito diretamente à variabilidade dos preços praticados, tal como sucede aliás no método do preço comparável, de não depender das funções exercidas e das responsabilidades assumidas, de não estar condicionado à participação das empresas do grupo nas suas atividades empresariais e de não necessitar de conhecer a repartição dos custos entre as empresas.”[3]

 

Assim, em termos sumativos podemos dizer que o método da margem líquida da operação consiste na avaliação da margem líquida normal obtida por entidades similares, comparando-a, depois, com a margem líquida obtida nas operações com entidades relacionadas.

 

A Requerida em sede de Dossier de Preços de Transferência, efetuou um estudo de compatibilidade a um universo alargado de empresas com atividade similares, de que resultou como conclusão para efeitos de margem de lucro liquido  de operações similares  por entidades independentes, margens de plena concorrência  situadas entre um mínimo de 3,4% e valor máximo de 13%.

Amostra,  e valores de margem liquida de operação, não contestados pela Requerida em sede de RIT, não sendo assim matéria controvertida.

 

Por sua vez a Requerente apresenta, no Dossier de Preços de Transferência para o período de tributação de 2019 uma margem sobre gastos operacionais de 4,1%.

 

Margem de 4,1% que como reconhece a Requerida no RIT (RIT, página 11) esta dentro da margem de plena concorrência, situada entre o mínimo e o primeiro quartil. Reforça-se que a Requerida em sede de RIT não contestou o estudo do intervalo de plena concorrência, considerando-o assim, como critério adequado de compatibilidade para efeitos da valoração do Princípio de Plena Concorrência.

 

Vem em sede RIT, a Requerida alegar para fundamento das correções efetuadas, que a margem sobre os gastos da Requente não se situa nos 4,1%, mas ao invés nos 8,4%  (posicionando a margem da Requerente entre o 3º quartil e o máximo identificado no intervalo de plena concorrência). Isto por,

 na sua posição, os custos imputáveis aos serviços prestados a entidades relacionadas terem de ter em consideração os prémios pagos ao pessoal a título de gratificações de balanço no valor de €334.450,55. Correção que justifica na ótica da Requerida a correção do lucro tributável e a consequente emissão da liquidação adicional de IRC, aqui em crise.

 

De facto nos termos do nº8 do artigo 63º do CIRC: “sempre que as regras enunciadas no n.º 1 não sejam observadas, a Autoridade Tributária e Aduaneira pode efetuar as correções na determinação do lucro tributável, pelo montante correspondente ao que teria sido obtido se as operações se tivessem efetuado numa situação normal de mercado”.

 

A supra citada norma tem aplicabilidade sempre que o nº1 do artigo 63º do CIRC não seja respeitado. Ou seja, quando o sujeito passivo numa situação de relações especiais não garanta que  as operações vinculadas  foram contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

 

Competindo à AT o ónus da prova que que os valores declarados  não traduzem o preço que cumpra o Princípio de Plena Concorrência.

Veja-se nesse sentido o  Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo processo nº 0766/11.2BEAVR de 12.05.2021 que refere:

“IV - A correção a que se refere o art. 58º do CIRC não pode, pois, assentar em indícios ou presunções, impondo-se à AT que prove os supra mencionados pressupostos legais para que possa corrigir a matéria coletável do contribuinte ao abrigo de tal regime.

(…)

VII - Face à presunção de veracidade da contabilidade e das declarações do contribuinte (art. 75º da LGT), cabe à AT o ónus de prova dos pressupostos que justificam a correcção bem como do valor do preço de plena concorrência, não podendo a correcção a que se refere o art. 58º do CIRC (atual artigo 63º do CIRC) assentar em indícios ou presunções, impondo-se à AT que prove os supra mencionados pressupostos legais para que possa corrigir a matéria colectável do contribuinte ao abrigo do art. 58º do CIRC.”

 

Pelo que concludentemente compete à AT o ónus da prova que o preço praticado pelo contribuinte não é um preço que traduza o Princípio de Plena Concorrência previsto no nº1 do artigo 63º do CIRC, efetuado sob um parâmetro de especial fundamentação nos termos do artigo 77º da LGT.

 

No caso dos autos, a Requerida em sede de RIT acolheu como bom, o estudo de comparabilidade constante do Dossier de Preços de Transferência usado para efeito do Método Legal da Margem de Lucro Líquido (também aceite pela AT). Relembramos que nos termos do nº1 do artigo 10º da Portaria mº1446-C/2001 o método da margem líquida da operação consiste na avaliação da margem líquida normal obtida por entidades similares, comparando-a, depois, com a margem líquida obtida nas operações  com entidades relacionadas.

Não tendo a Requerida contestado, em sede de RIT, o intervalo de margens de plena concorrência identificado no Dossier de Preços de Transferência, com valores mínimo de 3,4% e valor máximo de 13%, não nos parecer ser razoável, vir efetuar correções quando a Requerente apresenta uma margem líquida  de operações em 2019 dentro desse intervalo.

 

É evidente que a margem líquida apresentada pela Requerente no Dossier de Preços de Transferência de 4,1% encontra-se dentro da intervalo de plena concorrência aceite pela Requerida. Sendo assim uma margem que cumpre o Princípio de Plena Concorrência.

Se assim, o é, então não ocorre qualquer violação do Princípio de Plena Concorrência e do estipulado no nº1 do artigo 63º do CIRC. Não podendo em consequência a Requerida chamar à colação o nº8 do artigo 63º do CIRC (que atualmente corresponde ao nº9 do artigo 63º do CIRC).

Termos em que as correções realizadas na determinação do lucro tributável pela AT incorrem em erro por violação do artigo 63º nº1 e 8 do CIRC.

Tendo a liquidação em crise como pressuposto, a aplicabilidade à Requerente do artigo 63º nº8 do CIRC, esta enferma de vício de violação de lei, por errónea interpretação e aplicação da referida norma legal.

 

Este vício justifica, conforme pedido do PPA a anulação da liquidação adicional de  IRC impugnada, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT. E por consequência direta a anulação das liquidações de juros compensatórios.

Ficando assim prejudicado, por ser inútil, a apreciação das restantes questões colocadas pela Requerente, relativamente à legalidade daquele ato

 

Dos Juros Indemnizatórios

 

O direito do sujeito passivo a juros indemnizatórios decorre do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º, n.º 1, da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.

 

Significa isto que, na execução do julgado anulatório, a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado.

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável à AT de que resulte pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido.

Ora, atento supra exposto, não pode deixar de se considerar ter havido erro imputável aos serviços, na medida em que a liquidação de imposto em causa foi consequência da errónea interpretação que a Requerida fez do artigo 63º nº1 e 8 do CIRC.

 

Conclui-se, assim, pela procedência da pretensão da Requerente a ser ressarcida através do pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento das liquidações de imposto anuladas, até à data da emissão da nota de crédito, nos termos do artigo 43 nº1 LGT e do artigo 61.º, n.ºs 2 a 5, do CPPT.

 

V-DECISÃO ARBITRAL

 

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral Coletivo o Julgar procedente, por provado, o Pedido de Pronúncia Arbitral devendo em consequência

  1. Ser anulada a declaração de liquidação adicional de IRC com o n.º 2023..., relativa ao período de 2019, assim como a liquidação de juros compensatórios n.º 2023..., bem como da respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2023...,no valor de €8.702,88 (oito mil setecentos e dois euros e oitenta e oito cêntimos);
  2. Condenar a Requerida a restituir à Requerente o valor de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais; 
  3. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

VI. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo €8.702,88 (oito mil setecentos e dois euros e oitenta e oito cêntimos) nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VII. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi julgado procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 19 de Setembro  de 2024

Notifique-se.

O Árbitro

 

 

 

António Cipriano da Silva

 



[1] Cfr. Joaquim António R. Pires – “Os Preços de Transferência”, Porto, Vida Económica, 2006, pp. 40 e 43.

 

[2] Cfr. Paula Rosado Pereira -“O novo regime dos preços de transferência”, Fiscalidade- Revista de Direito e Gestão Fiscal, 5 ª Edição do Instituto Superior de Gestão, Coimbra Editora, 2001, pag. 37.

[3] Cfr. José de Campos Amorim - “A propósito da comparabilidade entre os métodos de determinação dos preços de transferência”, Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, Porto, n.24, 2014, pag. 125.