Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 58/2024-T
Data da decisão: 2024-09-16  IVA  
Valor do pedido: € 67.579,00
Tema: IVA-Inversão do sujeito passivo – Reverse charge – Aquisição de serviços de construção civil – indedutibilidade do IVA liquidado pelos prestadores - Inexistência de duplicação de colecta
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SUMÁRIO

1.Não é dedutível o IVA incorrido em serviços de construção civil sujeitos ao regime de autoliquidação pelo adquirente, quanto este imposto tenha sido erradamente liquidado pelos prestadores desses serviços.

2.Nestas circunstâncias, a indedutibilidade do IVA não configura duplicação de colecta, nem viola o princípio da neutralidade, pois o exercício do direito de dedução apenas respeita aos impostos pagos na medida em que sejam devidos, e o IVA assim liquidado pelos prestadores de serviços de construção civil não é devido.

DECISÃO

I.RELATÓRIO

1. A..., LDA., sociedade comercial por quotas, pessoa colectiva nº..., com sede na ...,  ..., (doravante designada por Requerente ou Sujeito Passivo), apresentou em  2024-01-12, pedido de constituição de tribunal arbitral, e de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1, do artigo 2º e do artigo 10.º., ambos do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante referido por RJAT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações adicionais de IVA, respeitantes aos períodos de 2022.06T, 2022.09T e 2022.12T, no montante global de € 70.603,47, dos quais impugna o valor de € 67.579,30, respectivamente nºs 2023..., 2023... e 2023..., e a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do n.º 8 do artigo 23.º do CIVA.

2. O pedido de constituição de tribunal arbitral tributário foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 2024-01-15 e notificado à Requerida em 2024-01-19 nos termos legais.

3.Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e devidamente notificado às partes, nos prazos previstos, foram designados como árbitros os signatários que comunicaram àquele Conselho a aceitação do encargo, no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

4. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 3, alíneas a) e b), na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5. O tribunal arbitral colectivo ficou constituído em 2024-03-22 de acordo com a prescrição da alínea c) do artigo 11º do RJAT, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

6. Devidamente notificada para tanto, através de despacho arbitral, proferido em 2024-03-22, a Requerida apresentou em 2024-04-24 a sua resposta, tendo, na mesma data, procedido à junção do processo administrativo (PA).

7. Por despacho arbitral proferido em 2024-05-02 devidamente notificado às partes, que fundamentou, para além do mais, a dispensa da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, foi indicada como data-limite para a prolação do acórdão e sua notificação às partes o termo do prazo fixado no artigo 21º, nº 1 do RJAT.

8. Requerente e Requerida, apresentaram, respectivamente em 2024-05-09 e 2024-05-20 alegações escritas, onde fundamentalmente reiteraram e reforçaram o argumentário constante das suas peças processuais.

 

POSIÇÃO DA REQUERENTE

A Requerente defende, em breve súmula, o seguinte;

“(…) A AT desconsiderou, sem qualquer fundamentação, o IVA deduzido à FT/1022/0105, relativa a um aumento de potência de instalação elétrica, e às faturas FT nº 33/2022, relativas ao fornecimento e montagem de uma vedação (…) [cfr., artigo 27 do pedido de pronúncia arbitral (PPA)],

Com efeito, não se encontra fundamentada uma correção em que a inspecção se limita à mera indicação da norma inobservada, sem qualquer identificação das razões factuais e jurídicas, que permitem considerar os serviços em causa como de construção civil. (cfr. artigo 28º do ppa),

Para além disso, as prestações de serviços a que se referem as citadas faturas não consubstanciam serviços de construção civil.”(cfr.,artigo 29º do ppa),

Em relação à factura relativa ao aumento da potência elétrica, e no entender da Requerente;

“(…) O aumento da potência contratada não implica qualquer nova instalação elétrica, mas a mera substituição de equipamentos elétricos já existentes por outros (disjuntores, cabos, etc.), pelo que consubstanciam uma mera “reparação” e não uma prestação de serviços de construção civil.(cfr.,artigo 30º do ppa),

 Aliás, parece ser este o entendimento da administração fiscal, expresso a propósito da reparação de portões de edifícios, como resulta da Informação Vinculativa nº 16 120 (cfr., artigo 31 do ppa):

“as prestações de serviços de reparações de portas e respetivos automatismos e a manutenção de portões e motores, não tendo por objeto a realização de uma obra, nos termos definidos no ponto anterior da presente informação, e sendo praticados isoladamente, não relevam para  o conceito de serviços de construção, face ao que, as referidas reparações e manutenções não são abrangidas pela regra de inversão do sujeito passivo em análise, cabendo à requerente (prestadora de serviços) a  liquidação do IVA que se mostre devido”.

No que respeita às faturas relativas à instalação de uma cerca, defende a Requerente o seguinte:

“(…) Como decorre da Lei nº 41/2015, de 03 de junho, que estabelece o regime jurídico aplicável  ao exercício da atividade da  construção”, atividade de construção” é a atividade que tem por objeto a realização de obras, englobando todo o  conjunto de atos que sejam necessários à sua concretização e “obra” é a atividade e o resultado de trabalhos de construção, reconstrução, ampliação, alterações e reabilitação, reparação, restauro e conservação e demolição de bens imóveis.(cfr., artigo 34 do ppa),

Para haver “obra”, terá que haver um trabalho de construção que releve do setor da construção de bens imóveis (cfr., artigo 35 do ppa),

Quanto ao conceito de bens imóveis, este não consta do Código do IVA, mas a expressão é utilizada na aceção dos “bens imobiliários/edificações” nos seus artigos 9º, 24º,25º,26º, 51º, e nas verbas 2.18, 2.19, 2.24, 2.25, 2.27 da sua lista I.(cfr., artigo 36 do ppa).

Ora, nenhuma das referidas disposições é aplicável à instalação de uma cerca em espaço rural.( cfr., artigo 37 do ppa)

É certo que o Regulamento de Execução (certamente mais preocupado com a localização das operações) veio definir o que se deve entender por bens imóveis, considerando que;

“Para aplicação da Diretiva 2006/112/CE, consideram-se bens imóveis:

a)Qualquer parcela delimitada do solo, situada à sua superfície ou sob a sua superfície, que possa ser objeto de um direito real;

b)Qualquer edifício ou construção fixada ao solo ou no solo, acima ou abaixo do nível do mar, que não possa ser facilmente desmantelado ou deslocado;

c)Qualquer elemento que tenha sido instalado e faça parte integrante de um edifício ou de uma construção, sem o qual estes não são completos, tais como portas, janelas, telhados, escadas e elevadores;

d)Qualquer elemento, equipamento ou máquina permanentemente instalado num edifício ou numa construção que possa ser deslocado sem destruir ou alterar o edifício ou construção”.(cfr., artigo 38 do ppa).

Todavia, as cercas não cabem, de per si, no conceito de bens imóveis, pois não constituem nenhuma parcela delimitada do solo, pelo que não podem, subsumir- se na alínea a).(cfr., artigo 41 do ppa)

Não estamos perante qualquer edifício ou construção, uma vez que (i) um edifício é uma construção com a finalidade de abrigar atividades humanas, o que não é propriamente a finalidade de uma cerca e (ii) na instalação da cerca não houve qualquer processo construtivo, apenas estacas enterradas e betonadas para maior segurança e robustez, o que permite concluir que a cerca não é uma construção. (cfr., artigo 42 do ppa)

De acordo com as “notas explicativas sobre as regras da UE em matéria de IVA relativas ao lugar das prestações de serviços relacionados com bens imóveis que entraram em vigor em 2017”, da Comissão Europeia, “Um edifício pode ser definido como uma estrutura (artificial) com um teto e paredes, como uma casa ou fábrica”.(artigo 43 do ppa)

Ora, é preciso muita imaginação para considerar que uma cerca possa ser considerada um edifício. (cfr. artigo 44 do ppa)

E também não estamos perante uma construção, exemplificando-se aí como tais “estradas, pontes, aeródromos, portos, dique, gasodutos, sistemas de abastecimento de águas e saneamento, bem como instalações industriais como  centrais elétricas, turbinas eólicas, refinarias, etc.,” que envolvem processo construtivo. (cfr., artigo 45 do ppa)

Por isso, não sendo as cercas de per si, um edifício ou uma construção, não podem subsumir-se na referida alínea b).  (cfr., artigo 46 do ppa)

Importa ainda saber se, sendo originariamente um bem móvel, se houve uma fixação ao solo que lhe possa ter conferido a natureza de bem imóvel. (cfr., artigo 47 do ppa)

Com efeito, para além da estrutura principal de um edifício ou de uma construção, alguns elementos que são instalados no edifício ou na construção em causa devem igualmente ser considerados bens imóveis quando dele passam a fazer parte integrante. (cfr. artigo 48 do ppa)

Ora, no caso não há nenhum edifício ou construção de que a cerca faça parte. As cercas não são elementos (como portas ou janelas) que devam ser instaladas formando um todo como qualquer edifício ou construção e sem os quais, esse edifício ou construção não poderia ser utilizado para a função para a qual foi concebido. (cfr., artigo 49 do ppa)

É necessário que fique a fazer parte de um edifício ou de uma construção pré – existente, o que não é o caso. (cfr., artigo 50 do ppa)

Ora, como é obvio a cerca não pode subsumir-se na referida alínea c).

E também não se trata de nenhum equipamento instalado em edifício ou construção, pelo que é irrelevante saber se pode ou não ser deslocado sem destruir ou alterar o edifício ou a construção. (cfr., artigos 51 e 52 do ppa)

As estacas em madeira e a rede são originalmente bens móveis e o mero assentamento ou fixação ao solo de um bem móvel, não converte a transmissão em causa numa prestação de serviços de construção civil, podendo ser removidas sem alterar o terreno agrícola onde está instalada.

Portanto, a transmissão de estacas e redes, bens móveis, com instalação no solo, que não é de per se, um edifício ou construção, não consubstancia uma prestação de serviços de construção civil, para efeitos de aplicação do regime de inversão do sujeito passivo. (cfr., artigos 53, e 54  do ppa)

E, assim sendo, está ferida de ilegalidade a correção no montante de € 32.731,27 por alegada dedução indevida de IVA.”. (cfr. artigo 55 do ppa)

Alega ainda a Requerente que a desconsideração do direito à dedução pela AT torna impossível, na prática, ou excessivamente difícil, o exercício deste direito, pois a legislação nacional e os procedimentos administrativos impedem a recuperação do IVA através do fornecedor, pois este também dificilmente pode recuperar o IVA que liquidou indevidamente através de qualquer recurso administrativo ou judicial.  Em relação à faculdade de regularização através do campo 40 de uma declaração periódica de IVA, sustenta a Requerente que essa via não pode ser utilizada para inscrição do valor do IVA de uma “nota de cobrança” que o sujeito passivo considere ilegal, sendo necessária a declaração da sua ilegalidade por uma entidade administrativa ou judicial. Conclui que é impossível conseguir que a situação seja regularizada pelo fornecedor o que suscita uma dupla tributação, por manifesta violação do princípio da efectividade, a qual gera um enriquecimento sem causa do Estado.

A AT não se pode limitar a fazer as correcções que lhe são favoráveis, também lhe sendo exigível a correção que lhe era desfavorável, obrigando o sujeito passivo a pagar duas vezes o IVA, em relação à mesma operação com manifesta violação do princípio da neutralidade do imposto e da justiça. A AT devia abster-se de fazer qualquer correcção quando o IVA foi pago pelo prestador de serviços.

Aduz também a violação do princípio da neutralidade, pois a dedução destina-se a libertar completamente o sujeito passivo do ónus do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas actividades económicas, garantindo assim a neutralidade quanto à carga fiscal suportada. Ora o adquirente dos serviços deve poder recuperar o imposto pago indevidamente, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

Acresce que as liquidações em crise constituem uma verdadeira duplicação de coleta (v. artigo 205.º do CPPT) e enfermam de inconstitucionalidade por violação dos princípios da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efectiva. No primeiro caso, porquanto a adopção de uma norma que, em qualquer circunstância, impede o direito à dedução do imposto por inobservância do regime de inversão do sujeito passivo, viola manifestamente o princípio da proporcionalidade, uma vez que o adquirente dos serviços está sujeito a duas coimas e a uma “sanção acessória”. Quanto à tutela jurisdicional efectiva, um sujeito passivo não pode depender, no que concerne à tutela dos seus direitos, da atuação de outro sujeito passivo.

Por fim, invoca a inconstitucionalidade, por violação da Lei de Autorização Legislativa (n.º 3 do artigo 45.º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro), tendo em conta que o Governo não limitou a inversão do sujeito passivo às “prestações de serviços conexas com a construção de edifícios” que constam dessa Lei, extravasando os limites normativos aí fixados, uma vez que a transpôs para os “serviços de construção civil” que compreendem outras realidades.

Em síntese, a Requerente considera errada a aplicação, pela Requerida, da regra de inversão do sujeito passivo a prestações de serviços que, em seu entender, não podem ser qualificadas como “serviços de construção”, defendendo que as correções de IVA consubstanciam, além do mais, vícios de enriquecimento sem causa e violação do princípio da efetividade, da neutralidade e da justiça e duplicação de coleta. Considera ainda a interpretação efetuada do n.º 8 do artigo 19.º do CIVA não é conforme com a Constituição e viola o princípio da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efetiva. Pugna ainda pela inconstitucionalidade da norma de inversão do sujeito passivo, por violação da lei de autorização legislativa. 

Culmina a Requerente o seu pedido de pronúncia arbitral no sentido de que seja “Declarada a ilegalidade das liquidações adicionais de IVA, que são objeto do presente pedido e, consequentemente, determinada a sua anulação com todos os efeitos legais” e “condenada a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento dos reembolsos, nos termos do nº 8 do artigo 23º do CIVA”.

 

POSIÇÃO DA REQUERIDA

Por seu turno, defende a Requerida em breve síntese, e para o que aqui releva, o seguinte:

“No anexo 2 do RIT, estão as facturas e outros documentos que salvo melhor opinião, inequivocamente demonstram estar em todo e cada um dos serviços em apreço perante serviços de construção civil. (cfr., artigo 5 da resposta),

(…) A primeira factura constante do referido anexo do RIT, respeita à construção e montagem de uma polinave (ou armazém) com 20 por 10 metros. (cfr., artigo 7 da resposta),

Desde logo, a factura esclarece que, a referida construção e montagem envolve materiais no valor de € 46.857,30, e serviços de construção civil, no montante de € 24.555,30. (cfr., artigo 8 da resposta),

Não bastasse esta descrição constante da factura, o documento que se segue à referida (factura) e que é proposta, esclarece que aquela construção e montagem inclui a construção e fixação da estrutura, a instalação do revestimento e isolamento, janelas, porta, quadro elétrico e respectivos cabos, tomadas, interruptores, etc., para além da escavação de um aterro, e construção de uma laje em betão armado, na qual assenta o edificado, tudo num total de serviços de construção civil orçamentados em € 35.079,00. (cfr., artigo 9 da resposta),

(…) Já relativamente ao aumento da potência do quadro elétrico parece fazer  crer a Requerente que consistiu na mera troca de disjuntores e cabos, mas não é bem assim. (cfr., artigo 11 da resposta),

Basta atender ao documento que segue à fatura, para perceber que o serviço em questão consistiu na troca do PT (posto de transformação), que só por si já se trata de um trabalho especializado de eletricista, com carteira profissional que permita tal instalação, mas mais, envolveu a instalação de pára raios, travessas de amarração, suportes, pinças de amarração, ferragens de fixação, quadro de baixa tensão e posto em betão, por exemplo e isto para além da colocação de cabos em valas.”(cfr., artigo 12 da resposta)

“(…) Relativamente aos serviços de pintura, salvo melhor opinião, não se deve verificar qualquer controvérsia quanto à qualificação dos mesmos, como serviços de construção civil, pois que resulta difícil imaginar a remoção de tinta do imóvel, sem deterioração da tinta ou do imóvel” (cfr., artigo 16 da resposta).

Já quanto à casa de rega, desde logo refere o descritivo da fatura; “casa de rega, placa e demais obras correlacionadas” (cfr., artigo 17 da resposta).

“Mas dúvidas restassem, atente-se na descrição dos trabalhos, que contempla, entre outros, a construção de laje térrea em betão armado, de pilares em betão armado, de paredes e muretes em alvenaria de tijolo, de cobertura assente em estrutura tubular fixa com parafusos autoperfurantes, pintura exterior e interior, etc. (cfr. artigo 18º da resposta)

(…) de igual forma [se] devem considerar como de construção civil, os serviços de construção do apeadeiro e sua placa de betão” (cfr., artigo 20º da resposta),

Tal como consta da descrição, estes serviços consistiram praticamente, na construção de uma laje, na construção da laje em betão armado e, no acabamento desta com afagamento mecânico, pelo que, é manifesto que se tratam de serviços de construção civil (…)”. “(cfr. artigo 21 da resposta)

(…) no que ao fornecimento e montagem da vedação e do portão diz respeito, resulta expressamente das facturas que num como noutro caso, foram aqueles elementos presos ao solo através de suportes verticais em pinho todos eles betonados e, de igual forma, a vedação foi colocada em valas abertas para o efeito e, posteriormente cheia de betão, que como está bom de ver, depois de solidificado, passou a integrar os referidos suportes em pinho e a vedação, no imóvel, numa das formas mais permanente que se conhece, que é o betão. (cfr., artigo 22º da resposta),

Sobre a qualificação dos serviços como sendo de construção civil e à inconstitucionalidade por violação do âmbito da autorização legislativa, a Requerida louva-se na fundamentação da decisão do processo arbitral 885/2023-T que apela ao conceito de “edifício” com a amplitude da Diretiva n.º 2006/112/CE (“Diretiva IVA”), que no primeiro parágrafo do n.º 2 do seu artigo 12.º refere o seguinte: “entende-se por ‘edifício’ qualquer construção incorporada no solo”.  Assim, este é, pelo menos, um dos sentidos possíveis do conceito de “edifício” na aceção do IVA, pelo que, desta perspectiva “a alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA não será organicamente inconstitucional, ao aplicar-se à generalidade de construções incorporadas no solo.” Acrescenta que a incorporação no solo relativamente a bens imóveis não implica que os bens estejam indissociavelmente incorporados, bastando que não sejam móveis, nem facilmente deslocáveis, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça. Requisito que sustenta estar verificado no caso dos autos, uma vez que foi construído um armazém com 190 m2, com laje em betão, foi instalado um ponto de transformação de electricidade, um quadro novo, um pára-raios, a instalação de cabos eléctricos em valas e a instalação eléctrica do imóvel. Foi ainda construída uma casa de rega, com lajes e vigas em betão armado e paredes e muretes em alvenaria de tijolo, um apeadeiro em betão armado e foi instalada uma vedação e portão, com fixação ao solo feita com betão, suportada por postes em pinho, também estes fixados ao solo com betão. Ou seja, estruturas fixadas ao solo de uma forma bastante definitiva. 

Estando a Requerente abrangida pela regra de inversão do sujeito passivo, dado que os serviços em causa são de serviços de construção civil, apenas o IVA autoliquidado é dedutível, em conformidade com o disposto no n.º 8 do artigo 19.º do CIVA. Neste caso, o IVA liquidado pelos prestadores é insusceptível de dedução, ao que não se opõem os princípios da neutralidade fiscal e da efectividade, como já declarado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça (C-691/17, PORR Építési Kft.).

Por outro lado, a Requerida defende que a Requerente não pode eximir-se do cumprimento da sua obrigação sob a roupagem da extinção de um prazo (de regularização) ao qual também não deu cumprimento, sob pena de se premiar o incumprimento das obrigações. Sustenta que a Requerente devia ter devolvido as facturas aos prestadores de serviços, para que estes as emitissem correctamente, sem liquidação de IVA, com a menção “IVA – autoliquidação” (v. n.º 13 do artigo 36.º do CIVA).

Em relação ao processo C-453/22 do Tribunal de Justiça, afirma que a jurisprudência do mesmo não é aplicável à situação em apreço, pois refere-se à liquidação de IVA a uma taxa superior à devida e não a operações abrangidas pelo mecanismo de “reverse-charge”.

Preconiza também não se verificar a situação de duplicação de coleta, em conformidade com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que cita (v. acórdão de 2013/02/27, processo n.º 1079/12), sendo que poderia ter efectuado a retificação das faturas num prazo amplíssimo, de 4 anos, nos termos do acórdão uniformizador de 23-11-2022, processo n.º 21/21.0BASLB.

Acrescenta que o regime de inversão foi criado com o intuito de evitar a fraude fiscal, pelo que a liquidação de IVA nos serviços de construção civil tem de efectivamente obedecer à regra de inversão, como tem sido afirmado por diversa jurisprudência que responde, no sentido preconizado pela AT, a todos os vícios alegados pela Requerente, como sucede com a decisão dos processos arbitrais 749/2019-T, 248/2020-T, 312/2023-T e 462/2023-T.

Sobre os juros indemnizatórios alega não estarem preenchidos os pressupostos da sua aplicação.

Finaliza a AT no sentido de que “(…) deverá ser proferida decisão que julgue improcedente o pedido de pronúncia arbitral, por não provado, absolvendo-se a Requerida dos pedidos com as consequências legais.”

II.SANEAMENTO

-O Tribunal Arbitral Colectivo é materialmente competente, e encontra-se regularmente constituído nos termos do disposto nos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º do RJAT,

- As partes têm personalidade e capacidade judiciária, e estão devida e legalmente representadas (artigos 3º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT,

-A acção é tempestiva, tendo o pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral sido apresentados no prazo referido no artigo 10º, nº 1, do RJAT,

- O processo não enferma de nulidades, não tendo sido suscitadas quaisquer excepções,

- Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

A.Matéria de facto

A.1. Factos dados como provados

Perante os documentos aportados ao processo, da factualidade aceite pelas partes, e do processo administrativo anexo, consideram-se provados os seguintes factos:

a. A Requerente, é uma sociedade comercial, denominada A..., Lda., com sede na ..., ..., em Azeitão, registou o seu início de actividade em 28 de Maio de 2021, tendo adquirido a Herdade ... em ... em 6 de Outubro de 2021,

b.Encontra-se registada para o exercício da actividade principal de actividades de serviços relacionados com a silvicultura e exploração florestal – CAE 2400 e actividades secundárias de compra e venda de bens imobiliários – CAE 68100, outras actividades de serviços de apoio prestados às empresas- CAE 82990, e de arrendamento de bens imobiliários- CAE 68200,

c. Em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, está enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável desde 01-01-2021,

d. A Requerente está enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral de IVA desde 21-06-2021, com direito (total ou parcial) à dedução

e. A coberto da ordem de serviço OI 2023...a Requerente foi objecto de um procedimento inspectivo de âmbito parcial, em sede de IVA, na sequência de um pedido de um reembolso de IVA nº .../0 de 17-02-2023, no valor de 99. 515,01 €, referente ao período de 2022.12T,

f. A Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu ao deferimento parcial do  reembolso no valor de 28.911,54 €,

g. e considerou que a Requerente deduziu indevidamente IVA, no montante de 67.579,30 €, constante do quadro infra:

 

DP 

Nº DA FATURA 

DATA DA FATURA 

Nº DOC. CONTAB. 

OBSERVAÇÕES 

VALOR ILIQ. DA FATURA 

IVA 

TOTAL 

2022/06T 

FCVB-122/000126 

20/05/2022 

50.011 

Construção de Polinave - Serviços de Construção 

73 500,00€ 

16 905,00€ 

90 405,00€ 

2022/06T 

FT 1022/01051 

23/05/2022 

50.012 

Aumento de Potência - Serviços de Construção Civil 

31.045,79€ 

7 140,53€ 

38 186,32€ 

TOTAL 2022-06T                                                                                                                                                        104 545,79€     24 045,53€     128 591,32€ 

2022/09T 

Fatura nº 92 

22/07/2022 

70.016 

 

Trabalhos de pintura - Serviços de Construção Civil 

12 500,00€ 

2 875,00€ 

15 375,00€ 

2022/09T 

FT 2022/14 

23/08/2022 

80.015 

Construção Casa de Rega - Serviços de Construção Civil 

21 000,00€ 

4 830,00€ 

25 830,00€ 

2022/09T 

FT 2022/15 

23/08/2022 

80.105 

 

Construção Casa do Apeadeiro - Serviços de Construção Civil 

13 467,41€ 

3 097,50€ 

16 564,91€ 

2022/09T 

Fatura nº 332/22 

07/09/2022 

20.005,30.002,50.013 

Fornecimento e montagem de vedação e portão agrícola - Serviços de Construção Civil 

112 309,85€ 

25 831,27€ 

138 141,12€ 

2022/09T 

Fatura nº 211/22 

07/09/2022 

90.003 

Fornecimento e montagem de vedação e portão agrícola- Serviços de Construção Civil 

30 000,00€ 

6 900,00€ 

36 900,00€ 

TOTAL 2022-09T

189 277,26€ 

43 533,77€ 

232 811,03€ 

TOTAL

293 823,05€ 

67 579,30€ 

361 402,35€ 

 

h.no seguimento do Relatório de Inspeção Tributária a AT propôs as correções adicionais de IVA, constante dos quadros infra;

DECLARAÇÃO PERIÓDICA

CORREÇÃO PROPOSTA 

PERÍODO 

CAMPO 24 

CAMPO 4 

IVA indevidamente deduzido – Artigo 19º, nº 8, do CIVA 

2022-06T 

-24 045, 53€ 

 

Falta de liquidação de IVA – Artigo 2º, nº 1, al.j), do CIVA 

2022-06T 

 

           24 045,53€ 

IVA dedutível - Artigo 20º do CIVA 

2022-06T 

24 045,53€ 

 

TOTAL

 

0,00€ 

24 045,53€ 

 

 

 

DECLARAÇÃO PERIÓDICA

CORREÇÃO PROPOSTA 

PERÍODO 

CAMPO 24 

CAMPO 4 

IVA indevidamente deduzido – Artigo 19º, n º 8, do CIVA 

2022-09T 

-43 533,77€ 

 

Falta de liquidação de IVA – Artigo 2º, nº 1, al, j) do CIVA 

2022-09T 

 

     43 533,77€ 

IVA dedutível - Artigo 20º do CIVA 

2022-09t 

43 533,77€ 

 

TOTAL

 

0,00€ 

43 533,77€ 

 

 

i.em síntese, as correcções efectuadas pela AT, perfazem o valor de 67.579.30 €, (24.045.53 + 43.533,77) conforme quadros infra:

2022-06T

DECLARADO 

CORREÇÃO 

CORRIGIDO 

(1) 

(2) 

(3) = (1) + (2) 

BASE TRIBUTÁVEL 

TX NORMAL 

0,00€ 

104 545,79€ 

104 545,79€ 

               TOTAL 

0,00€

104 545,79€

104 545,79€

IMPOSTO LIQUIDADO 

TX NORMAL 

0,00€ 

24 045,53€ 

24 045,53€ 

 

0,00€

24 045,53€

24 045,53€

QUADRO 06-A 

SERV. CONST. CIVIL 

102+70 

0,00€ 

104 545,79€ 

104 545,79€ 

 

TOTAL DAS CORREÇÕES DE 2022-06T

24 045,53€

 

 

 

2022-06T

DECLARADO 

CORREÇÃO 

CORRIGIDO 

(1) 

(2) 

(3) = (1) + (2) 

BASE TRIBUTÁVEL 

TX NORMAL 

60 711,40€ 

189 277,26€ 

249 988,66€ 

               TOTAL 

60 711,40€

189 277,26€

249 988,66€

IMPOSTO LIQUIDADO 

TX NORMAL 

13 963,62€ 

43 533,77€ 

57 497,39€ 

                TOTAL 

13 963,62€

43 533,77€

57 497,39€

QUADRO0 06-A 

SERV. CONST. CIVIL 

102+70 

60 711,40€ 

189 277,26€ 

249 988,66€ 

TOTAL DAS CORREÇÕES DE 2022-09T

43 533,77€

 

 

j.em resultado das correcções efectuadas, a AT, procedeu à emissão das seguintes liquidações;

nº 2023... – valor de correcção 25.950,65 €

nº 2023...– valor de correcção 43.715,93 €

nº 2023...– valor de correcção       936,89 €

k.o fornecedor de bens e serviços de construção civil, prestados à Requerente, denominado B..., LDA., emitiu, com data de 10 de Novembro de 2023, declaração escrita onde, para além do mais declara que “a pedido de A..., Lda. (a aqui Requerente) para efeitos de comprovação em contencioso fiscal, que as faturas abaixo identificadas foram comunicadas à AT, nos termos do artigo 3º do Decreto-Lei nº198/2012, de 24 de agosto, e que o correspondente IVA liquidado foi mencionado na respetiva Declaração Periódica de IVA e Pago. (cfr. documento nº 4 junto pela Requerente).

l.o fornecedor C..., S.A. emitiu em 13 de Novembro de 2023, declaração semelhante à supra referida (cfr. documento nº 2 junto pela Requerente).

m.com data de 29 de Novembro de 2023, o fornecedor da Requerente denominado D... procedeu à elaboração de declaração similar às ante referidas (cfr., documento nº 1 junto pela Requerente)

n. com data de 07 de Dezembro de 2023, a fornecedora da Requerente, denominada E..., S.A. emitiu declaração idêntica às supra referidas (cfr. documento 3 junto pela Requerente)

o. os serviços e intervenções efectuadas à Requerente pelos fornecedores supra identificados constam dos Anexos 2 e 3 do Relatório de Inspecção Tributária e incluem em concreto:

  • A construção de uma Polinave com cerca de 190 m2 com a finalidade de armazém (fornecedor F...);
  • A substituição do posto de transformação de electricidade, incluindo o projeto de licenciamento de alterações das instalações eléctricas, o fornecimento e montagem de cabo em vala para a rede de distribuição de Baixa Tesão e quadros eléctricos (fornecedor C...);
  • Trabalhos de pintura (fornecedor D...);
  • Casa de Rega, placa e demais obras correlacionadas, como uma laje térrea em betão armado de 104,81m2, estrutura, execução de pilares de betão armado, paredes e muretes de alvenaria de tijolo, cobertura com painel sandwich e pintura exterior e interior, apeadeiro e sua placa de betão (fornecedor G..., Unipessoal, Lda.)
  • Fornecimento e montagem de vedação, porta basculante e portão agrícola, com fixação ao solo feita com betão, suportada por postes em pinho, também estes fixados ao solo com betão e desmontagem da vedação existente (fornecedor B..., Lda.)

p.com data de 2024-01-12, a Requerente dirigiu ao CAAD um pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral que deu origem aos presentes autos.

 

A.2. Factos dados como não provados

Não se prova que o IVA liquidado pelos identificados prestadores de serviços de construção civil (cujas facturas e extractos constam dos anexos 2 e 3 do RIT) tenha sido entregue nos cofres do Estado .

A.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão, de discriminar a matéria provada da não provada [(cfr. art. 123º, nº 2, do CPPT, e nº 3 do artigo 607º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº1, alíneas a) e ), do RJAT)].

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica a qual é estabelecida em atenção às várias soluções da (s) questão (ões) de direito [cfr, artigo 596º do CPC, ex vi artigo 29º, alínea e), do RJAT].

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua íntima convicção tomada a partir do exame de avaliação que faz dos meios de prova aportados ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimentos das pessoas (cfr.607º, nº 3, do CPCivil, na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 43/2013 de 26 de Junho).

Somente quando a força probatória de certos meios de prova se encontra pré-estabelecida por Lei (v.g., a força probatória dos documentos autênticos (cfr., artigo 371º, nº 3, do Código Civil ) é que não domina na apreciação das produzidas o princípio da livre apreciação.

Deste modo, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº 7, do CPPT, a prova documental carreada para os autos e o processo administrativo anexo, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

Não se deram como provados, nem como não provados, as alegações produzidas pelas partes, e apresentadas como factos consistentes em afirmações conclusivas, insusceptíveis de prova, e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto supra consolidada.

Não se provou que o IVA liquidado pelos identificados prestadores de serviços de construção civil (cujas facturas e extractos constam dos anexos 2 e 3 do RIT) tenha sido entregue nos cofres do Estado, na medida em que nenhum documento presente nos autos o atesta.

 

IV.O DIREITO

A Requerente impugna as liquidações de IVA subjacentes, invocando a sua ilegalidade;
(i) por errada aplicação da regra da inversão do sujeito passivo a prestações de serviços que não podem ser qualificadas como “serviços de construção” (na parte relativa à instalação elétrica e ao fornecimento e montagem da vedação),

(ii) por enriquecimento sem causa e violação do princípio efetividade, da neutralidade e da justiça e por duplicação de coleta,

(iii) por interpretação do nº 8 do artigo 19º do CIVA não conforme com a Constituição e violação da tutela jurisdicional efetiva, e,

(iv) por inconstitucionalidade da norma e inversão do sujeito passivo, por violação da lei da autorização legislativa.

 

(i) regime de inversão do sujeito passivo

Conforme já referido noutra sede, [1]  também aqui “(…) justifica-se proceder a uma apreciação do regime de inversão do sujeito passivo nos casos dos serviços de construção civil, considerando a jurisprudência do TJUE, o disposto na Diretiva IVA, e a transcrição feita pelo legislador português para o Código do IVA.

O mecanismo de inversão do sujeito passivo constitui uma exceção ao regime – regra de liquidação do IVA que consta do artigo 2º, nº 1, alínea a), do Código do IVA, em transposição do artigo 193º da Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE, de 28 de novembro de 2006), segundo o qual o imposto é devido (leia-se, deve ser liquidado pelos sujeitos passivos que efetuem  transmissões de bens ou prestação de serviços tributáveis, i.e., pelos fornecedores ou prestadores de serviços.

O citado regime-regra pode ser afastado nas condições previstas no artigo 199º da Diretiva IVA, que determina, no seu nº 1, alínea a), que os Estados-Membros podem prever que o devedor do imposto seja o sujeito passivo destinatário (ou seja o adquirente), em operações de “Prestação de serviços de construção, incluindo reparação, limpeza, manutenção, alteração e demolição respeitantes a bens imóveis”, prerrogativa que foi exercida pelo legislador nacional, em relação aos serviços de construção civil, com a alteração ao artigo 2º do Código do IVA, resultante do Decreto-Lei nº 21/2007, de 29 de janeiro, no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 45º, nº 3 da Lei nº 60-A/2005, de 30 de dezembro.

A opção do legislador nacional inseriu-se, como salienta o preâmbulo daquele diploma, num “conjunto de medidas destinado a combater algumas situações de fraude, evasão e abuso que se têm verificado na realização das operações imobiliárias sujeitas a tributação” e visa acautelar “algumas situações que redundam em prejuízo do erário público, atualmente decorrentes do nascimento do direito à dedução do IVA suportado, sem que esse imposto chegue a ser entregue nos cofres do Estado”. A doutrina salienta que o Estado Português aplicou o mecanismo do reverse charge a “vários setores da atividade identificados como tendencialmente fraudulentos, entre os quais o setor da construção civil”.

Na sequência da alteração mencionada, o artigo 2º do Código do IVA passou a dispor, o seguinte:

“Artigo 2º

Incidência subjetiva

1.São sujeitos do imposto:

a) As pessoas singulares ou coletivas que, de um modo independente e com caráter de habitualidade, exerçam atividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referias atividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC);

(…)

j) As pessoas singulares ou coletivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada”.

*****

Como se antevê, a questão fundamental a dirimir é de qualificação, referindo-se ao enquadramento em sede de IVA, a título de serviços de construção civil, e, consequentemente aplicação da regra excetiva de inversão do sujeito passivo estabelecida no artigo 2º, nº 1, alínea j), do Código do IVA, num conjunto de situações identificadas na Relatório de Inspeção Tributária e igualmente referidas na contestação da Requerida, e que se materializam mais concretamente (de entre outras):

“- na construção de um armazém de 190 metros quadrados, com laje em betão,

- na instalação de um posto de eletricidade, um quadro novo, um pára raios, as respectivas fixações e suportes de tudo o referido, a instalação de cabos eléctricos em valas e, naturalmente a ligação de tudo isto (..)

- construção de uma casa de rega, com lajes e vigas em betão armado e paredes e muretes em alvenaria de tijolo.

- construção de um apeadeiro em betão armado

-instalação de uma vedação e portão, com fixação ao solo feita em betão e, verticalmente suportada por postes em pinho, também estes fixados ao solo com betão, em todos os casos, com recurso à abertura de buracos (…)”

 

Intervenções estas melhor identificadas nos descritivos das várias facturas,  extractos de contas e outros documentos constantes nos anexos 2 e 3 do RIT.

******

O dissenso entre as partes, corporiza-se, pois, no facto de a Requerente defender que as facturas subjacentes, e a si emitidas pelos seus prestadores de serviços e fornecedores de bens, se reportam a operações de mera transmissão de bens, aquisição de equipamentos ou máquinas industriais com serviço de instalação e montagem, não sendo de aplicar o regime de inversão do sujeito passivo.

Por seu turno, a AT, e como já evidenciado, entende que todas as operações aqui em causa, se enquadram no conceito de serviços de construção civil, com as legais consequências em sede de IVA, mormente na aplicação do regime da inversão do sujeito passivo.

 

****** 

Isto posto,

 

sobre a reconciliação dos “valores”

A acção inspectiva efectuada à Requerente, de âmbito parcial IVA (no  contexto de um procedimento de reembolso deste imposto) abrangendo os períodos de 2022.03T a 2022.12T, resultou em correções de IVA no valor total de 70.603,47 €. (cfr., página 4 do Relatório - mapa resumo das correções resultantes da ação de inspeção).

No presente processo arbitral a Requerente contesta apenas 67.579,30 €, tendo aceitado o valor restante. As correcções contestadas, de 67.579,30 €, têm por fundamento a não dedução do IVA por violação da regra de inversão do sujeito passivo na aquisição de serviços de construção civil.

A Requerente tinha pendente um pedido de reembolso de 99,515,01 €. Como foi alvo de correções de IVA no total de 70.603,47 € a Requerida, apenas lhe devolveu 28.911,54 €,

É esta situação de crédito de imposto que torna confusa a leitura das 3 demonstrações de liquidação de IVA, que só mostram os valores que as declarações periódicas corrigidas deviam ter reportado e não o valor das correcções (que está implícito nos cálculos que não são visíveis, pois só é evidenciado o valor final).

******

sobre o erro na qualificação de serviços de construção civil e a alegada falta de fundamentação

O conceito de imóvel para efeitos de IVA não se reconduz ao conceito de edifício. O artigo 13º-B do Regulamento de execução (282/2011) recorta um conceito de imóvel de considerável latitude no qual se inscreve “Qualquer edifício ou construção fixado ao solo ou no solo, acima ou abaixo do nível do mar, que não possa ser facilmente desmantelado ou deslocado”.

A Requerente não questiona a qualificação de serviços de construção civil em relação a todos os serviços cuja dedução de IVA foi corrigida pela AT, mas apenas no que se refere aos serviços de electricidade e de instalação da vedação. Porém, mesmo quanto a estes últimos, não lhe assiste razão.

Resulta da análise do orçamento e facturas do fornecedor “JJ Tomé” que foram realizados trabalhos de instalação de um novo posto de transformação e na rede de distribuição de baixa tensão que, inclusivamente, implicaram um projecto de  licenciamento, dadas as alterações (profundas) às instalações eléctricas, espelhadas também no elevado valor do orçamento (de 62.086,60 €, sem IVA) .

 

Assim, ao contrário do que a Requerente refere, não se trata de mera substituição/reparação de equipamentos, mas de serviços que se enquadram no conceito de construção civil, pois respeitam a obras realizadas num bem imóvel.

O mesmo se afigura ser o caso da instalação da vedação (incluindo porta e portão) na propriedade agrícola, pois sendo a mesma fixada ao solo com betão e suportada por postes em pinho, também estes fixados ao solo com betão, não restam dúvidas que implicam serviços de construção civil.

 

Relativamente à alegada falta de fundamentação (formal), o Relatório de Inspecção Tributária, não se circunscreve, como alega a Requerente, à mera indicação da norma violada.

Apesar de a fundamentação não ser extensa, uma vez que o conteúdo relevante limita-se a duas páginas, descreve o teor mínimo do que se deve entender por serviços de construção civil e conclui com um quadro com as facturas e o seu descritivo, que permitem o enquadramento concreto das operações a título de serviços de construção civil (suportado ainda por anexos com os detalhes dos orçamentos dos serviços em causa).

 

Ficam perceptíveis (e é este o objetivo do dever de fundamentação) as correcções e as razões por que foram feitas, tanto que a Requerente as rebate de forma precisa e circunstanciada no pedido de pronúncia arbitral revelando que compreendeu o seu sentido e alcance.

 

(ii)sobre o enriquecimento sem causa, o princípio da efectividade e o princípio da neutralidade.

 

A Requerente defende a tese de que lhe é devida a dedução do IVA que pagou (mal) aos seus fornecedores de serviços de construção civil.

Admitir-se tal posição representaria a total frustração do regime de inversão do sujeito passivo pelo legislador para prevenir a fraude e evasão fiscais.

Com efeito, se o adquirente pudesse deduzir o IVA liquidado em violação do regime de inversão, é como se o mesmo não existisse.

Nesse caso, a liquidação e dedução do IVA seriam efectuadas nos termos gerais, não existindo qualquer diferença do regime-regra.

Tal interpretação retiraria o sentido útil da norma de inversão, viabilizando que os sujeitos passivos não aplicassem esse regime sem quaisquer consequências, solução que, naturalmente, não se pode acolher.

Nem se diga que a indedutibilidade do IVA liquidado erroneamente pelos fornecedores compromete os princípios da neutralidade e da  efectividade.

Ao contrário do que a Requerente preconiza, estes princípios estão devidamente salvaguardados por via do mecanismo de regularizações, consagrados na legislação do IVA, o qual permite que o fornecedor corrija a liquidação erradamente efetuada, devendo naturalmente devolver o imposto cobrado ao adquirente.

Com efeito, estando em causa um erro praticado nas facturas por liquidação indevida de IVA por parte do prestador de serviços, este erro pode e deve ser corrigido pelo prestador, através da emissão de nota de crédito, nos termos do artigo 78º, nºs 1 e 5, do Código do IVA, sendo devolvido ao adquirente (a aqui Requerente) o imposto que indevidamente cobrou. Operando-se a regularização o Estado não receberá mais do que lhe caberia se o mecanismo de inversão do sujeito passivo tivesse sido adoptado ab initio, pelo que também não se suscita enriquecimento.

Acresce que,

Quando a liquidação indevida assenta num erro de enquadramento das operações (erro de direito), o prazo limite para este efeito (de regularizações) é de 4 anos, conforme previsto no artigo 98º do Código do IVA, que ainda está a decorrer uma vez que as operações remontam a 2022.

Não há nada de “kafkiano” nesta solução, nem existe qualquer impedimento de recuperação do imposto como afirma a Requerente.

Nem, o referido mecanismo de regularizações carece de qualquer intervenção jurisdicional, ou sequer administrativa.

Envolve apenas os sujeitos passivos intervenientes nas operações e é concretizado através do cumprimento das respectivas obrigações declarativas (declarações periódicas), assegurando, sem complicações de maior, a reposição do regime de inversão e a neutralidade da dedução na esfera do adquirente.

Se a Requerente e os seus fornecedores tivessem feito uso das regularizações do IVA, evitar-se-iam as correcções de IVA que constituem o objecto desta acção.

Podendo, não obstante, e mesmo após a decisão, ser alcançada a neutralidade do imposto, sem que tal implique a anulação das liquidações efectuadas.

Na verdade, as regularizações poderiam ter sido realizadas no decurso da acção inspectiva, antes da emissão das liquidações adicionais, de acordo com as regras legais aplicáveis –(artigos 78º e 98º do Código do IVA e Decreto-Lei nº 229/95, de 11 de Setembro, na redacção vigente).

Para tanto;

a.Os prestadores deviam regularizar a seu favor o IVA erradamente liquidado a favor do Estado, através da emissão de notas de crédito e re-emissão  de novas facturas expurgadas do IVA;

b.Recuperariam o imposto por via de Declaração Periódica de substituição ou, eventualmente, pela menção no campo 40 de uma Declaração Periódica a entregar dentro do prazo;

c.Teriam de devolver o imposto recuperado à Requerente:

d.Por seu turno, a Requerente devia reverter a dedução do IVA efectuado em relação às facturas originais dos prestadores, regularizando o imposto a favor do Estado, e, ainda, autoliquidar o IVA sobre as facturas dos fornecedores, reportando o imposto, em ambos os casos, em Declaração Periódica de substituição ou e eventualmente por via da sua menção no campo 41 de uma Declaração Periódica a entregar dentro do prazo;

e.Em simultâneo, a Requerente devia deduzir na mesma Declaração Periódica (de substituição ou entregue dentro do prazo, no campo 40) o valor do IVA que autoliquidou.

 

Mesmo após as liquidações e a decisão da presente acção, tais procedimentos podem ser empreendidos, sendo adequados à reposição da situação prevista no disposto no artigo 2º, nº 1, alínea j), do Código do IVA, sem encargos adicionais para qualquer das partes.

Com efeito, a emissão das liquidações pela AT não compromete a neutralidade do IVA, pois a Requerente e os seus prestadores continuam a ter ao dispor o mecanismo de regularizações que pode ser aplicado nos moldes acima explanados, com uma única diferença que resulta da existência das liquidações adicionais no caso concreto: a Requerente não tem de reverter a dedução do IVA, regularizando o imposto a favor do Estado, porque esta “operação” já foi efetuada através da liquidação adicional emitida pela AT, que a Requerente deve pagar.

Assim, tal neutralidade é alcançada se a Requerente obtiver dos seus fornecedores a correcção das facturas emitidas erradamente com liquidação de IVA e a devolução do respectivo IVA que lhes pagou (pontos antecedentes) e, na sequência da emissão de novas facturas corrigidas, autoliquidar e simultaneamente deduzir o imposto que sobre aquelas deve incidir.

Atento o exposto, só pode ficar a dever-se ao desconhecimento do artigo 78º do Código do IVA e a uma incorrecta compreensão do mecanismo de regularizações a afirmação da Requerente de que é impossível, no sistema fiscal português, conseguir que a situação seja regularizada pelo fornecedor.

 

E, em termos práticos, nem sequer estamos perante aquelas situações em que os fornecedores desapareceram, por insolvência, cessação de actividade ou dissolução, que poderiam justificar um tratamento de excepção para alcançar a neutralidade. Pois estes fornecedores existem e até emitiram declarações que constam dos autos. Sendo seu dever legal substituir as facturas que tenham emitido em violação das regras de IVA vigentes.

 

Adicionalmente, cabe referir, em linha com a Requerida, que a jurisprudência do Tribunal de Justiça já se pronunciou no sentido de que o regime de indedutibilidade do IVA aqui disputado (do n.º 8 do artigo 19.º do CIVA) não viola os princípios da neutralidade e da efectividade e é conforme ao direito da União Europeia.

Veja-se, a este título, o processo C-424/12, com acórdão de 06.02.2014, segundo o qual: “no âmbito de uma operação sujeita ao regime da autoliquidação, (…), a Diretiva IVA [2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006] e o princípio da neutralidade fiscal não se opõem a que o beneficiário de serviços fique privado do direito a dedução do IVA que pagou indevidamente ao prestador de serviços com base numa fatura mal passada, incluindo quando for impossível corrigir esse erro, devido à falência do referido prestador” (ponto 44. V. também a decisão do CAAD no processo n.º 405/2018-T).

No mesmo sentido, o processo C-691/17, com decisão de 11.04.2019:

“Resulta das considerações precedentes que a Diretiva 2006/112, bem como os princípios da neutralidade fiscal e da efetividade, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma prática da autoridade tributária segundo a qual, na inexistência de suspeitas de fraude, a referida autoridade recusa a uma empresa o direito a dedução do IVA que esta empresa, enquanto destinatária de serviços, pagou indevidamente ao fornecedor desses serviços com base numa fatura por este emitida de acordo com as regras do regime ordinário do IVA, quando a operação pertinente estava abrangida pelo mecanismo de autoliquidação, sem que a autoridade tributária

–        avalie, antes de recusar o direito a dedução, se o emitente dessa fatura errada pode devolver ao destinatário da mesma o montante de IVA indevidamente pago e se pode retificá‑la e regularizá‑la, em conformidade com a legislação nacional aplicável, para obter o reembolso do imposto indevidamente pago à Fazenda Pública, ou

–        decida reembolsar, ela mesma, ao destinatário dessa mesma fatura o imposto indevidamente pago ao emitente desta e que este último, em seguida, pagou indevidamente à Fazenda Pública. […]”

Também no processo arbitral n.º 885/2023-T se conclui da mesma forma:

“Num Estado de Direito, baseado no primado da lei (artigo 3.º da CRP), os sujeitos passivos não podem sobrepor às formalidades legislativamente previstas os seus próprios critérios pessoais sobre quais as formalidades que devem ser observadas para assegurar a  prossecução do interesse público, mesmo que esses critérios sejam bem intencionados e correspondam ao que os sujeitos passivos entendem pessoalmente que devia ser a lei, se fosse a eles próprios e não ao legislador que a lei atribui poder legislativo.

            Assim, nesses casos em que há formalidades previstas na lei, como sucede no caso em apreço, em que a lei exige que os sujeitos passivos procedam à autoliquidação e, depois, exerçam o direito à dedução, não podem aqueles, em vez de as aplicarem, suprimi-las, criando para si próprio um regime alternativo de autoliquidação e exercício do direito à dedução implícitos, que se reconduziria a eliminar completamente os comandos legislativos.

  Se é certo, como se diz no citado acórdão do TJUE, que estas exigências devem ser afastadas nos casos em que o reembolso pelo fornecedor dos serviços ao destinatário se revele impossível ou excessivamente difícil, também o é que não se demonstrou essa impossibilidade ou dificuldade em a B... efectuar a regularização das facturas e reembolsar a Requerente.”

 

******

sobre a duplicação de colecta

A situação em apreço não configura duplicação de colecta na acepção do artigo 205.º do CPPT. Questão similar foi oportunamente apreciada e decidida pelo Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 27.02.2013, processo n.º 1079/12, ao qual aqui se adere, em sentido oposto ao preconizado pela Requerente, nos seguintes termos:

“A duplicação da colecta, prevista no art. 205.º do CPPT, resulta da aplicação do mesmo preceito legal mais do que uma vez ao mesmo facto tributário ou situação tributária concreta, sendo que a não exigência de segundo pagamento, a que a invocação da duplicação de colecta se reconduz, apenas se pode justificar se o primeiro era devido, pois, se não o foi, o que foi pago poderá ser ulteriormente reembolsado, através dos meios adequados de impugnação e revisão do acto tributário e, numa situação desse tipo, não se justifica que se prescinda do segundo pagamento, que é efectivamente devido.”

No mesmo Acórdão pode, também, ler-se o seguinte trecho: “Afigura-se, desta forma, que há que separar a situação decorrente da reparação do erro em que a recorrente e a prestadora de serviço incorram e que foi da sua inteira responsabilidade e que terá de ser resolvido entre as mesmas. O mencionado erro não pode, porém, impedir a Fazenda Pública de fazer cumprir a lei. Se a Administração Tributária não pudesse, nestes casos, regularizar a situação, impondo a liquidação adicional ao verdadeiro sujeito passivo, estava encontrada a forma de contornar o regime legal denominado de reversão de sujeitos passivos instituído para prevenir, como ficou dito, a fraude fiscal.”

Por fim, diz aquele Supremo Tribunal que:

““O indevido pagamento do IVA por parte da prestadora de serviços poderia ter sido resolvido pela devolução das facturas pela recorrente para serem rectificadas ou solicitando àquela que efectuasse a regularização prevista no artigo 78.°/3 do CIVA, sendo a impugnante/recorrente reembolsada, pela prestadora dos serviços, do IVA que lhe foi indevidamente liquidado. (…). A recorrente não pode é por via da acção de impugnação judicial pretender o reembolso do IVA, indevidamente pago, por via da anulação do acto tributário sindicado, pois que, como se viu, a liquidação tem arrimo legal, uma vez que o sujeito passivo do IVA é ela mesma e não a prestadora de serviços, não se verificando, pois, a alegada duplicação de colecta”.

Em resumo, a referida fundamentação é aplicável à hipótese sub iudice.

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(iii)sobre o princípio da justiça

Também não se verifica, no entendimento deste Tribunal, qualquer violação do princípio da justiça, não existindo paralelismo entre a situação do IVA e a que a Requerente faz apelo, pois no IVA e, em concreto, na situação vertente, a correcção desfavorável à AT que a Requerente reclama, a ocorrer, seria na esfera dos prestadores de serviços de construção civil, relação tributária à qual a Requerente é alheia e que não afetaria a correcção que foi realizada na sua esfera.

Adicionalmente;

Não se verifica enriquecimento sem causa ou duplo pagamento do IVA, desde logo, se os intervenientes nas operações cumprissem a lei e fizessem as rectificações  devidas.

 

(iv) sobre a alegada inconstitucionalidade da norma de inversão do sujeito passivo, por violação da lei de autorização legislativa

 

Alega ainda a Requerente que o Governo extravasou os limites normativos fixados na Lei de Autorização Legislativa (nº 3 do artigo 45º da Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro), na medida em que não limitou a inversão do sujeito passivo às “prestações de serviços conexos com a construção de edifícios”, mas aplicou a inversão do sujeito passivo a todos os “serviços de construção civil”.

Quanto a este segmento, subscreve-se o que vem dito no âmbito do processo nº 885/2023-T, no que aqui releva, e que se transcreve:

(…) Nem a Diretiva nº 2006/112/CE nem o CIVA definem o que deve entender-se por “prestação de serviços de construção” ou “serviços de construção civil”, esclarecendo-se no entanto que neles de incluem a “reparação, limpeza, manutenção, alteração e demolição respeitantes a bens imóveis (Directiva nº 2006/112/CE) e a “remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis” (CIVA).

Através do ofício-circulado nº 30101, de 24-05-2007, a Administração Tributária publicitou o seu entendimento sobre o conceito de “serviços de construção civil” baseando-se no Decreto-Lei nº 12/2004, de 9 de Janeiro, considerando “serviços de construção civil todos os que tenham por objecto a realização de uma obra, englobando todo o conjunto de actos que sejam necessários à sua concretização” e definindo como “obra todo o trabalho de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reparação, conservação, reabilitação, limpeza, restauro e demolição de bens imóveis, bem como qualquer outro trabalho que envolva processo construtivo, seja de natureza pública ou privada”.

 

Constata-se que não há total sintonia quanto às referências a construções que se fazem na norma da Diretiva º 2006/112/CE que permite aos Estados-Membros adoptar a regra da inversão do sujeito passivo, na Lei da autorização legislativa e do Decreto-Lei que a usou, pois a Diretiva nº 2006/112/CE refere-se a “prestação de serviços de construção, incluindo reparação, limpeza, manutenção, alteração e demolição respeitantes a bens imóveis”, a Lei de autorização legislativa restringiu aparentemente a inversão do sujeito passivo às “prestações de serviços conexas com a construção de edifícios”, na alínea j) do nº 1 do artigo 2º do CIVA faz-se referência genérica a “serviços de construção civil”, sejam ou não os serviços conexos com a construção  de edifícios, incluindo a remodelação, reparação, manutenção conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada.

 

No que concerne à aparente restrição feita na autorização legislativa em relação à Directiva 2006/112/CE, não se colocam problemas de compatibilidade, uma vez que esta se limita a autorizar os Estados-Membros a adoptarem o regime da inversão do sujeito passivo e as “prestações de serviços conexas com a construção de edifícios” previstas na Lei nº 60-A/2005, englobam-se na genérica “prestações de serviços de construção”, referida na Directiva 2006/112/CE.

 

No que respeita, à compatibilidade do regime de autorização legislativa com o Decreto-Lei nº 21/2007, a questão é de solução mais duvidosa.

Com efeito, o artigo 112º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) impõe a “subordinação às correspondentes leis dos decretos-leis publicados, no uso de autorização legislativas”, pelo que o regime do Decreto-Lei nº 21/2007, não podia exceder o objecto, o sentido e extensão da autorização legislativa, definidos nos termos do nº 2 do artigo 165º da CRP.

Na verdade, está-se perante matéria relativa à incidência subjectiva de IVA, que se insere na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, por força do preceituado nos artigos 103º, nº 2, e 165º, nº 1, alínea i), da CRP, pelo que o Governo apenas tem competência legislativa na medida da autorização concedida pela Assembleia da República, como decorre do preceituado na alínea b) do nº 1 do artigo 198º da CRP.

No entanto, a aparente extensão do regime da inversão do sujeito passivo a “serviços de construção civil” que não sejam “construção de edifícios” afigura-se não afectar a validade constitucional da alínea j) do nº 1  do artigo 2º do CIVA quanto à sua aplicação ao caso dos autos, pois o único conceito de “edifícios” definido pela Directiva nº 2006/112/CE que consta do primeiro parágrafo do nº 2 do seu artigo 12º, tem grande amplitude, pois “entende-se por “edifício” qualquer construção incorporada no solo”.

Concluindo-se pois que “a alínea j) do artigo 2º do CIVA não será organicamente inconstitucional, ao aplicar-se à generalidade de construções incorporadas no solo.”

 

V. JUROS INDEMNIZATÓRIOS

Na sequência da improcedência do pedido de pronúncia arbitral, fica prejudicado o conhecimento do pedido de juros indemnizatórios por não devidos.

 

Para concluir, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação desde tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, nos termos do disposto nos artigos 130º e 608º, nº 2, do CPCivil, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e), do RJAT.

 

VI. DECISÃO

Face ao exposto, decide o Tribunal Arbitral Colectivo em:

i. julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral relativo aos actos de liquidação adicional de IVA referentes aos períodos de  2022.06T , 2022.09T e 2022.12T e, em consequência, manter os referidos actos de liquidação nos seus precisos termos.

ii. condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

 

VII. VALOR DO PROCESSO

De conformidade ao estabelecido nos artigos 296º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 46/2013, de 26 de Junho, 97º- A, nº 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 67.579,30 €, (sessenta e sete mil quinhentos setenta e nove euros e trinta cêntimos) indicado pela Requerente e não impugnado pela Requerida.

 

VIII. CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº 1, 22º, nº 4, do RJAT, e artigos 3º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem, e Tabela I a este anexo, fixa-se o montante de custas em 2.448,00 € (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros)

 

NOTIFIQUE

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco e revisto pelos árbitros.

 

[A redacção da presente decisão rege-se pela grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas].

A árbitro Presidente

 

(Alexandra Coelho Martins)

O árbitro vogal, Relator

 

(José Coutinho Pires)

O árbitro vogal

 

(Francisco Nicolau Domingos)

 

Aos dezasseis de Setembro de dois mil e vinte e quatro

 



[1] Cfr,.  a título exemplificativo, processo arbitral tributário nº 794/2019-T prolatado sob a égide do CAAD em 09/10/ 2020 (Relatora Filipa Barros).