SUMÁRIO:
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A CSR, na versão da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, vigente em 2018/2019, não prossegue “motivos específicos”, na aceção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental».
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O nosso sistema jurídico atribui expressamente legitimidade processual ativa aos repercutidos. A determinação da legitimidade não envolve um juízo de procedência ou de improcedência da pretensão formulada: é à relação jurídica, que o autor apresenta – e não à que virá a ser constatada pela sentença – que deve atender-se para a determinação da legitimidade das partes.
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A prova de um facto positivo – repercussão fiscal da CSR - impende sobre quem a invoca por forma a comprovar a qualidade de entidade repercutida e lesada no âmbito da relação jurídico-tributária da CSR.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Fernando Araújo (árbitro-presidente), João Pedro Rodrigues e Catarina Belim (árbitros-vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem Tribunal Arbitral, constituído em 18-03-2024, acordam no seguinte:
I. Relatório
1. A..., S.A., titular no Número de Identificação de Pessoa Coletiva ..., com sede em ..., n.º ..., ..., vem, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante, abreviadamente designado por RJAT) e nos artigos 1.º, alínea b) e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, apresentar pedido de pronúncia arbitral pedindo declaração de ilegalidade do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa deduzido contra os atos de liquidação da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) referentes aos anos de 2020, 2021 e 2022 e a declaração de ilegalidade dos respetivos atos de liquidação, com todas as consequências legais, incluindo o reembolso do imposto pago, acrescido dos respetivos juros.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 9 de janeiro de 2024.
No dia 18 de janeiro de 2024 a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou requerimento, no qual solicitou, para efeitos do exercício da faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT a identificação dos atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral.
No dia 26 de janeiro de 2024 a Requerente apresentou resposta ao pedido da Autoridade Tributária e Aduaneira indicando que os atos de liquidação impugnados são os que constam das faturas de aquisição de combustível identificadas e juntas no requerimento inicial e ainda o ato de indeferimento do respetivo pedido de revisão oficiosa destes atos.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os signatários desta decisão, que comunicaram a sua aceitação no prazo legal.
Notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral foi constituído no dia 18 de março de 2024.
No mesmo dia, foi prolatado o despacho determinado pelo artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, na redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.
No dia 18 de abril de 2024, a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) apresentou resposta, suscitando exceções obstativas ao conhecimento do pedido.
Chamada a pronunciar-se, a Requerente apresentou em 24 de abril de 2024 um requerimento de resposta à matéria de exceção invocada pela AT.
No dia 26 de abril de 2024, as Partes foram notificadas de que, tendo sido exercido o contraditório em matéria de exceção, a prova testemunhal era dispensável porque as questões que subsistem são essencialmente de direito e porque, nos termos do art. 393º do Código Civil, havendo documentos, a prova testemunhal tem de cingir-se à interpretação do contexto desses documentos, não podendo incidir nos factos que esses documentos provam. Foram ainda notificados da dispensa da reunião do art. 18º do RJAT e possibilidade de alegações escritas.
A Requerente prescindiu da apresentação das alegações escritas, em requerimento de 16 de maio de 2024.
A AT apresentou as suas alegações em 20 de maio de 2024, mantendo a sua posição.
2. O tribunal arbitral foi regularmente constituído, ex vi o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT.
3. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, como determinado pelos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, não enfermando o processo de quaisquer nulidades.
II. Fundamentação
4. Matéria de facto
4.1. Factos Provados
Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
4.1.1. A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de bombagem de betão.
4.1.2. No âmbito da sua atividade, a Requerente utiliza veículos pesados tipo Bomba de Lança de Betão.
4.1.3. Durante os anos de 2020, 2021 e 2022, a Requerente procedeu à aquisição de combustível do tipo gasóleo junto dos fornecedores de combustível B..., S.A e da C..., S.A (D..) (coluna contendo “número fatura”, pontos 13 e 14 do PPA, não impugnada pela AT).
4.1.4. A Requerente apresentou, em 29 de junho de 2023, pedido de revisão oficiosa onde requereu a anulação dos atos de liquidação e repercussão de CSR respeitantes aos períodos 2020, 2021 e 2022, no total de € 124.680,88, por referência à aquisição do combustível adquirido, nestes períodos, à B... e D... .
4.1.5. O pedido de revisão oficiosa não foi decidido até 5 de janeiro de 2024, data em que a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
4.2. Factos não provados:
4.2.1. Que foi repercutido sobre a Requerente, a título de CRS, o valor de € 124.680,88.
4.3. Fundamentação da matéria de facto
Considerando o disposto nos artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, n.os 2 a 4, ambos do Código de Processo Civil (por remissão do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT), incumbe ao Tribunal o dever de selecionar a matéria de facto pertinente para a decisão.
Os factos provados estão assentes pelas partes e constam de documentos (não impugnados pelas partes).
Em relação ao facto não provado, a Requerente listou e juntou faturas de aquisição de combustível junto dos respetivos fornecedores B... e D..., mas essas faturas não identificam nem mencionam qualquer montante de CSR pelo que não permitem, por si só e de forma isolada, sem elementos adicionais (designadamente, declarações dos fornecedores de combustíveis a atestar que repercutiram, nos valores faturados à Requerente nas faturas e períodos em causa, o montante relativo à CRS e que este montante repercutido integrou as liquidações de ISP que lhes foram efetuadas pela AT na qualidade de sujeitos passivos de CRS) concluir ou inferir (aí atuando por presunção) que o valor de € 124.680,88 invocado pela Requerente lhe foi repercutido a título de CRS (o que permitiria a respetiva conexão aos atos tributários que constituem objeto desta ação arbitral). Assim, na medida em que o ónus da prova de fatos constitutivos de direito, nos termos do artigo 74.º da LGT, recai sobre quem os invoque, não tendo a Requerente logrado fazer prova da repercussão que alega, não se dá como provada a repercussão de CSR na Requerente no valor de € 124.680,88.
5. Exceções invocadas
5.1. Questão da incompetência relativa do tribunal arbitral em razão da matéria
Na sua Resposta, a Requerida suscita a incompetência material do Tribunal Arbitral com base em dois fundamentos: por falta de vinculação da AT, ao abrigo do disposto no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, por falta de competência do Tribunal Arbitral para fiscalizar a legalidade de normas em abstrato e por falta de competência para apreciar a legalidade de atos de repercussão de CSR.
Vejamos.
5.1.1. Questão da incompetência por falta de vinculação
Na sua Resposta, a Requerida começa por suscitar a exceção da incompetência relativa do Tribunal Arbitral em razão da matéria, estribando-se no entendimento de que a CSR é uma contribuição financeira e não um imposto, encontrando-se, assim, excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
A Requerente entende que o Tribunal Arbitral tem competência para apreciar a presente ação, porquanto está em causa uma pretensão relativa a impostos.
Este Tribunal considera que a CSR não se traduz numa verdadeira contribuição financeira, sendo outrossim um imposto, não sendo determinante para tal qualificação o nomen iuris de batismo do legislador.
Acompanha-se, aqui, a posição deixada, entre outros, nos Processos n.ºs 294/2023-T e 410/2023-T, transcrevendo-se a fundamentação vertida neste último aresto onde se deixou consignado:
“(...)
Com efeito, a competência contenciosa dos Tribunais Arbitrais em matéria de arbitragem tributária, tal como resulta do artigo 2º do RJAT, compreende a apreciação de pretensões que visem a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e a “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.
O artigo 4º, nº 1, do RJAT faz ainda depender a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos Tribunais Arbitrais de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que deverá estabelecer, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.
E o diploma que, em execução desse preceito, define o âmbito e os termos da vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD é a Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, que no seu n.º 2, sob a epígrafe “Objeto de vinculação”, e com a alteração resultante da Portaria nº 287/2019, de 3 de setembro, dispõe o seguinte:
“Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação;
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;
e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo”.
A referência a serviços e organismos que se vinculavam à jurisdição arbitral era feita para a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, que foram, entretanto, extintas, tendo-lhes sucedido a Autoridade Tributária e Aduaneira (aqui designada por Requerida).
A Portaria n.º 112-A/2011, também chamada Portaria de vinculação, fixa um segundo nível de delimitação das pretensões que poderão ser sujeitas à jurisdição arbitral mas, tratando-se de um mero regulamento de execução, a Portaria não poderia ir além do estabelecido na lei quanto ao âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais, podendo estabelecer restrições quanto ao âmbito da vinculação à arbitragem tributária, mormente por referência ao tipo de litígios e ao valor do processo.
A este propósito, o acórdão proferido no Processo n.º 48/2012-T, de 06-07-2012, depois seguido por diversos outros arestos, consignou o seguinte:
“A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do [RJAT].
Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.
Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este tribunal arbitral”.
Assim, a Portaria de vinculação, aparentemente, estabelece duas limitações: (i) refere-se a pretensões “relativas a impostos”, de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos Tribunais Arbitrais e (ii) a impostos cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária.
Nestes termos, terá assim de se concluir que a vinculação se reporta a qualquer das pretensões mencionadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT que respeitem a impostos (com a exclusão de outros tributos) e a impostos que sejam geridos pela Autoridade Tributária.
A constitucionalização das contribuições financeiras resultou da alteração introduzida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Lei Fundamental, pela revisão constitucional de 1997, que autonomizou as contribuições financeiras a favor das entidades públicas como uma terceira categoria de tributos.
Por outro lado, a LGT passou a incluir, entre os diversos tipos de tributos, os impostos e outras espécies criadas por lei, designadamente as taxas e as contribuições financeiras a favor das entidades públicas, definindo, em geral, os pressupostos desses diversos tipos de tributos no subsequente artigo 4.º.
Neste âmbito, a doutrina tem caracterizado as contribuições financeiras como um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas colectivas, na medida em que visam retribuir os serviços prestados por uma entidade púbica a um certo conjunto ou categoria de pessoas.
A este respeito, como referem Gomes Canotilho/Vital Moreira, “a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto que as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas (responsáveis pelas prestações públicas de que as contribuições são contrapartida), aos quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas”.
Neste sentido, as contribuições são tributos (com uma estrutura paracomutativa), dirigidos à compensação de prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelos contribuintes, distinguindo-se das taxas que são tributos rigorosamente comutativos e que se dirigem à compensação de prestações efetivas.
Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem também reconhecido a existência dessas diferentes categorias jurídico-tributárias (designadamente para efeito de extrair consequências quanto à competência legislativa), admitindo que as taxas e outras contribuições de carácter bilateral só estão sujeitas a reserva parlamentar quanto ao seu regime geral, mas não quanto à sua criação individual e quanto ao regime concreto, podendo portanto ser criadas por diploma legislativo governamental e reguladas por via regulamentar desde que observada a lei-quadro.
Ou seja, não há dúvida que as contribuições financeiras se distinguem dos impostos.
Analisando a contribuição em apreço (Contribuição de Serviço Rodoviário - CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, a mesma visa financiar a rede rodoviária nacional [a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 1.º), que, entretanto, passou a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A. (IP)], sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo desta entidade é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2.º).
A referida contribuição corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, e constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP no que respeita à respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras formas de financiamento (artigo 3.º).
Esta contribuição incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4.º, n.º 1) e é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (artigo 5.º, n.º 1).
O produto da CSR constitui receita própria da actualmente denominada IP (artigo 6.º).
A actividade de conceção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, que é objecto de financiamento através da CSR foi atribuída, em regime de concessão, à EP - Estradas de Portugal, E. P. (agora denominada IP) e, pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de novembro, que aprovou as bases da concessão e nas quais se prevê que, entre outros rendimentos, essa contribuição constitui receita própria dessa entidade (Base 3, alínea b)).
Por outro lado, naquelas bases da concessão é estabelecido, como uma das obrigações da concessionária, a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental” (Base 2, n.º 4, alínea b)).
Assim, à luz do regime jurídico sucintamente descrito, dificilmente se poderia concluir que a CSR constitui uma contribuição financeira.
Como se refere no Acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 304/2022-T, de 05-01-2023, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva.
A contribuição é estabelecida a favor da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 3.º, n.º 2), agora denomina IP, sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (artigo 6.º).
No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade desenvolvida por aquela entidade, a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (artigo 3.º, n.º 2).
Por outro lado, nada permite afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da atividade administrativa que se encontra atribuída à IP é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários.
Quando é certo que o artigo 2.º da Lei n.º 55/2007 declara expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E. (...) é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”
Nestes termos, o financiamento da rede rodoviária nacional é assegurado pelos respectivos utilizadores, que são os beneficiários da actividade pública desenvolvida pela EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (agora IP), verificando-se, no entanto, que a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”.
Não existindo, deste modo, qualquer nexo específico entre o benefício emanado da actividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos sujeitos passivos.
Adicionalmente, refira-se ainda que o regime jurídico da CSR não é equiparável ao previsto para a Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE).
Com efeito, a CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é considerada como uma contribuição extraordinária que tem “por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético”, incidindo sobre as pessoas singulares ou coletivas que integram o sector energético nacional.
A receita obtida é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, com o objectivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do sector energético, designadamente através da contribuição para a redução da dívida e ou pressão tarifárias e do financiamento de políticas do sector energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de medidas de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o Sistema Elétrico Nacional (artigo 11.º).
Assim sendo, a CESE tem por base uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou colectivas que integram o sector energético nacional à entidade à qual são consignadas as receitas.
Não se reconduz à taxa stricto sensu, visto que não incide sobre uma prestação concreta e individualizada que a Administração dirija aos respectivos sujeitos passivos, nem preenche o requisito de unilateralidade que caracteriza o imposto, uma vez que não tem como finalidade exclusiva a angariação de receita, nem se destina à satisfação das necessidades financeiras do Estado, antes se pretendendo que o sector energético contribua para a cobertura do risco sistémico que é inerente à sua actividade.
Nestes termos, a CESE trata-se de um tributo de carácter comutativo, embora baseado numa relação de bilateralidade genérica ou difusa que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários e visando prevenir riscos a este grupo associados, se efectiva na compensação de eventual intervenção pública na resolução de dificuldades desse sector, assumindo assim a natureza jurídica de contribuição financeira.
E, tendo em consideração o acima exposto, essa caracterização não é extensiva à CSR, pelo que não é aplicável, ao caso em análise, a jurisprudência arbitral que veio declarar a incompetência do Tribunal Arbitral ratione materiae para a apreciação de litígios que tinham como objeto a CESE (como é o caso do Acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 714/2020-T, de 12-07-2021).
A este acervo de argumentos acresce ainda um outro.
Segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a qualificação de uma tributação, um imposto, uma taxa ou um direito, à luz do Direito da União Europeia, compete ao Tribunal de Justiça, em função das caraterísticas objetivas de imposição, independentemente da qualificação que lhe é dada pelo direito nacional (cf. Istituto di Ricovero e Cura a Carattere Scientifico (IRCCS) — Fondazione Santa Lucia, processo C-189/15, acórdão de 18 de janeiro de 2017, §29; e Test Claimants in the FII Group Litigation, processo C-446/04, acórdão de 12 de dezembro de 2016, §107, entre outros).
É certo que, no processo arbitral que motivou o pedido de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça (Processo n.º 564/2020-T), o Tribunal qualificou a CSR como um imposto, formulando as questões prejudiciais com base nesse pressuposto. Parece-nos, todavia, que na decisão em que culminou esse pedido de reenvio – o Despacho do Tribunal de Justiça de 07 de fevereiro de 2022 Vapo Atlantic, processo C-460/21, – o Tribunal de Justiça, para além de não colocar em causa essa qualificação, assume, para efeitos do artigo 1 da Diretiva 2008/118, um conceito funcional ou autónomo de imposto indireto. Tal conceito abrange quaisquer “imposições” indiretas que, pelas suas caraterísticas estruturais e teleológicas, não tenham um “motivo específico” na aceção da diretiva e possam, por conseguinte, privar o imposto especial de consumo harmonizado (no caso português, o ISP) de “todo o efeito útil” (par. 26 do Despacho Vapo Atlantic, já mencionado).
Dito de outro modo, para o Tribunal de Justiça, o tributo instituído pela lei portuguesa – e que este designou por “contribuição” – constitui um imposto porquanto, em virtude do desenho escolhido pelo legislador português, representa uma imposição indireta sem motivo específico e como tal suscetível de frustrar os desideratos de harmonização positiva subjacentes à Diretiva 2008/118. Foi o legislador português que, não obstante classificar o tributo como “contribuição”, definiu a respetiva incidência subjetiva em termos análogos à do ISP (artigo 5 da Lei n.º 55/2017, de 31 de agosto), colocando-se assim, independentemente da qualificação para que eventualmente apontasse a (inconstante) jurisprudência constitucional nacional, no âmbito de aplicação do artigo 1, n.º 2 da Diretiva 2008/118.
Portanto, mesmo que, à luz da jurisprudência do Tribunal Constitucional português, a CSR houvesse de ser qualificada como uma contribuição financeira (inconstitucional, desde já se avança), nem por isso ela – tal como está desenhada – deixaria de ser um imposto indireto na aceção da Diretiva. Isto sob pena de os Estados-membros poderem, em função da maior ou menor criatividade constitucional em termos de tributos públicos, frustrar os propósitos de harmonização e de neutralidade no plano dos impostos indiretos sobre o consumo.
Destarte, atentos os princípios da interpretação conforme e do primado do Direito da União Europeia (consagrado no artigo 8, n.º 4 da CRP, tal como interpretado pelo Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 422/2020), há que considerar que os dispositivos legais que regulam a CSR devem ser interpretados no sentido de que consagram um imposto indireto sobre o consumo de produtos petrolíferos.
(...)”.
Reiterando-se aqui tal fundamentação, considera-se improceder a alegada exceção da incompetência relativa do Tribunal Arbitral em razão da matéria suscitada pela Requerida.
5.1.2. Questão da incompetência para fiscalizar a legalidade de normas em abstrato
Alega ainda a Requerida que caso “(…) se entenda ser o tribunal competente para apreciar a legalidade desta contribuição financeira, mais se dirá que sempre existiria a incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, por outra via” uma vez que “(…) resulta do teor do pedido de pronúncia arbitral, e sua fundamentação, que o que as Requerentes suscitam junto desta instância arbitral é a legalidade do regime da CSR, no seu todo”.
Nessa ótica, entende a Requerida que “pretendendo a Requerente, em rigor, a não aplicação de diplomas legislativos aprovados por Lei da Assembleia da República, decorrentes do exercício da função legislativa, visa, com a presente ação, suspender a eficácia de atos legislativos”.
Ora, a Requerida parte aqui de um princípio errado, qual seja o de que está em causa uma fiscalização da legalidade de normas em abstrato, desprovida de um “enquadramento processual impugnatório de ato concreto de liquidação” (Processo n.º 294/2023-T). Com efeito, in casu, é manifesto que a Requerente controverte os atos de liquidação de CSR e os consequentes atos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo adquirido, invocando como causa de pedir, a desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva 2008/118, do Conselho, de 16 de dezembro de 2008.
Contudo, ainda que tivesse sido suscitada, no pedido de pronúncia arbitral, a inconstitucionalidade de qualquer das normas do regime da CSR, nada obstava a que o Tribunal Arbitral se pronunciasse sobre a questão de constitucionalidade no âmbito do controlo difuso a que se refere o artigo 204° da Constituição.
No caso, estando em causa a desconformidade do regime da CSR com o regime previsto na Diretiva 2008/118, do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, não pode deixar de concluir-se, do mesmo modo, pela competência contenciosa do Tribunal Arbitral para a apreciação do litígio.
Com efeito, as normas de direito europeu derivado, como normas de direito internacional convencional, vigoram diretamente na ordem jurídica interna com a mesma relevância das normas de direito interno, vinculando imediatamente o Estado e os cidadãos (artigo 8.º da Constituição).
A impugnação judicial de um ato de liquidação pode ser deduzida com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 99.º do CPPT), nada permitindo distinguir entre a ilegalidade resultante de normas de direito interno ou de direito internacional convencional.
Torna-se assim claro que não existe qualquer obstáculo a que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre o fundamento de ilegalidade dos atos de liquidação baseado em desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva Europeia acima referida, sendo, nestes termos, considerada improcedente a alegada exceção de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria.
Improcede, consequentemente, a exceção alegada.
5.1.3. Incompetência em razão da apreciação da legalidade de atos de repercussão de CSR extravasar o âmbito material da arbitragem tributária
A Requerida invoca que nunca poderia o Tribunal Arbitral pronunciar-se sobre atos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos dos atos de liquidação de ISP/CSR.
A Requerente vem requerer, no cabeçalho do pedido de pronúncia arbitral e no pedido: a declaração de ilegalidade do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa deduzido contra os atos de liquidação da CSR referentes ao ano de 2020, 2021 e 2022 e a declaração de ilegalidade dos respetivos atos, com todas as consequências legais incluindo o reembolso do imposto e pagamento de juros indemnizatórios.
Este Tribunal Arbitral entende que assiste razão à Requerente neste caso, na medida em que é claro que o objeto do processo arbitral são os atos de liquidação de imposto da CSR (e não os atos de repercussão que sejam destes consequentes) pelo que, também à luz deste fundamento de incompetência do tribunal improcede a exceção suscitada.
5.2. Da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente
A Requerida coloca esta questão considerando que “apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago”. No seu entendimento, “no âmbito dos IEC, de acordo com o estatuído nos artigos 15.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso”; e, por outro lado, que “não existe no âmbito da CSR um ato tributário de repercussão legal, subsequente e autónomo do(s) ato(s) de liquidação de ISP/CSR, sendo que as faturas não corporizam atos de repercussão de CSR, apenas titulando operações de compra e venda de combustíveis, e que o valor pago a título de CSR pelo sujeito passivo de ISP/CSR, pode, ou não, ter sido repercutido, no preço pago pelos adquirentes dos combustíveis”.
No entender deste Tribunal importa «sublinhar a indiscutível legitimidade processual ativa do Repercutido, a qual hoje encontra consagração legal expressa nos artigos 18.º, n.º 4, alínea a), 2.ª parte e 54.º, n.º 2 a fortiori ambos da Lei Geral Tributária (doravante, LGT), dispondo aquela disposição que: “Não é sujeito passivo quem: a) suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias;”, ao passo que a segunda disposição sublinha que “As garantias dos contribuintes previstas no presente capítulo aplicam-se também à autoliquidação, retenção na fonte ou repercussão legal a terceiros da dívida tributária, na parte não incompatível com a natureza destas figuras.” [§] E neste mesmo sentido aponta, ainda, o artigo 9.º do CPPT, ao consagrar um conceito de legitimidade pelo menos tão amplo como o consagrado no direito comum, determinando que têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido; e, por fim, o artigo 65.º da LGT que, sob a epígrafe “Contribuintes e outros interessados”, confere ampla legitimidade no procedimento aos sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.”»
Apesar de esta questão não ter sido unânime neste Tribunal, nesta sede teve vencimento a posição de que à luz das referidas disposições legais, o nosso sistema jurídico, como também sucede com o espanhol, e ao contrário do italiano, atribui expressamente legitimidade processual ativa aos repercutidos, mas mesmo que «“assim não sucedesse, já idêntica solução se podia, porventura, retirar das regras gerais de aferição da legitimidade, vertidas quer no artigo 9.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante, CPPT), quer no artigo 30.º do Código do Processo Civil (doravante, CPC), aplicável em sede processual tributária ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT: e assim é, uma vez que nos parece indiscutível a conclusão de que aquele que suporta o ónus financeiro do tributo terá sempre algum “interesse legítimo” em contestar o decréscimo patrimonial ilegal (ao menos, potencialmente ilegal, algo que não se logra conhecer) em que incorre enquanto repercutido do mesmo.» - cf. Declaração de voto de Gustavo Lopes Courinha no Acórdão do STA de 14 de outubro de 2020, proc. n.º 0506/17.2BEALM.
Paralelamente, importa reconhecer que a legitimidade (legitimatio ad causam) deve ser configurada como um pressuposto processual e não como condição de procedência do mérito da ação. O que vale por dizer que a determinação da legitimidade não envolve um juízo de procedência ou de improcedência da pretensão formulada, mas “apenas” uma análise da “fisionomia da relação material litigiosa (apenas a fisionomia, não o seu mérito ou a sua real ou efetiva existência), tal como ela é configurada ou desenhada unilateralmente, na petição inicial, pelo autor” – Miguel Mesquita, p. 303, daí que se subscreva, com o Autor, a posição centenária de Barbosa de Magalhães, segundo a qual “é à relação jurídica, que o autor apresenta – e não à que virá a ser constatada pela sentença – que deve atender-se para a determinação da legitimidade das partes; não sendo assim, essa determinação só poderia fazer-se depois do julgamento do mérito do pedido”.
Considerando estas reflexões à luz do quadro desenhado pela concreta causa de pedir definida no requerimento de pronúncia arbitral, apenas pode concluir-se que a Requerente goza de legitimidade para contestar as liquidações de CSR.
A este propósito, refira-se ainda que a existência da repercussão, principaliter quando desta se retirem – como sucede entre nós – consequências impugnatórias, não permite o isolamento do feixe de relações em que aquela se traduz no estrito domínio do direito privado. Confirma-o o recente aresto do TJUE, de 11 de abril de 2024, tirado no Processo C-316/22, onde se considera, face ao sistema italiano, que “essa legislação, ao não permitir a um consumidor final pedir diretamente ao Estado‑Membro o reembolso do encargo económico adicional que suportou devido à repercussão, efetuada por um fornecedor com base numa faculdade que a legislação nacional lhe reconhece, de um imposto que o próprio fornecedor pagou indevidamente ao referido Estado‑Membro, viola o princípio da efetividade”, pelo que, em consequência, “o princípio da efetividade deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não permite ao consumidor final pedir diretamente ao Estado‑Membro o reembolso do encargo económico adicional que esse consumidor suportou devido à repercussão operada por um fornecedor, em conformidade com uma faculdade que a legislação nacional lhe reconhece, de um imposto que o próprio fornecedor tinha pago indevidamente, permitindo apenas que esse consumidor intente uma ação cível de repetição do indevido contra tal fornecedor, quando o caráter indevido desse pagamento resultar de o referido imposto ser contrário a uma disposição clara, precisa e incondicional de uma diretiva não transposta ou incorretamente transposta, e quando, devido à impossibilidade de invocar, enquanto tal, uma diretiva num litígio entre particulares, este fundamento de ilegalidade não possa ser validamente invocado no âmbito dessa ação”.
Entre nós, diferentemente, permite-se que os repercutidos controvertam a liquidação que mediatamente os afeta através da repercussão. Por esse motivo, mesmo não sendo considerados sujeitos passivos, a verdade é que os repercutidos não gravitam apenas em torno de uma relação jurídica que lhes seja completamente exógena, precisamente porque têm poderes com aptidão para interferir na conformação daquela através da mobilização de meios graciosos ou contenciosos.
Ora, como se refere no despacho do TJUE de 07-02-2022, processo n.º C-460/21:
«39 A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma excepção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas».
«42 Por conseguinte, um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido»
43 «... a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos».
Decorre desta jurisprudência a obrigação de a Administração Tributária reembolsar os tributos cobrados em violação do Direito de União a quem efetivamente os suportou, pelo que no caso de tributos suscetíveis de repercussão, a titularidade do direito ao reembolso dependerá de ela ter sido ou não concretizada (cabendo aos requerentes a prova da efetiva repercussão).
Por fim, resta referir que as menções anteriores não são postas em causa pela consideração de que o CIEC estabelece um regime especial de revisão, à luz do qual a Requerente não teria legitimidade para despoletar. De facto, tal argumentação parte do princípio de que, entre outras, a disposição do artigo 15.º do CIEC é aplicável à CSR, mas tal pressuposto jurídico não se verifica, dado que o tributo é objeto de uma regulamentação própria, constante de um diploma autónomo, e a remissão para o CIEC (a par da LGT e do CPPT) refere-se apenas “à sua liquidação, cobrança e pagamento”, não já ao “reembolso” ou sequer às garantias aplicáveis. É certo que o Capítulo II do CIEC abarca as regras de “liquidação, pagamento e reembolso do imposto”. Porém, não existe nenhuma remissão em bloco para o regime legal previsto nesse capítulo; como também não existe qualquer remissão para o regime de reembolso constante dos artigos 15.º a 20.º dos CIEC, sendo que o próprio CIEC na epígrafe do capítulo e no regime distingue tais matérias.
Pelo exposto, improcede a exceção da ilegitimidade.
5.3. Questão da ineptidão da petição inicial
No essencial, quanto a esta exceção, a AT defende a que o pedido de pronúncia arbitral é inepto por a Requerente não identificar os atos que são objeto do pedido arbitral, como exige a alínea b) o n.º 2 do artigo 10.º do RJAT e que não lhe é possível identificar factos essenciais omitidos pela Requerente, desde logo, o estabelecimento de qualquer correlação/correspondência entre os atos de liquidação praticados pelos sujeitos passivos de ISP/CSR e o alegado pela Requerente no pedido arbitral.
A Requerente indica que os atos de liquidação impugnados são os que constam das faturas de aquisição de combustível identificadas e juntas no requerimento inicial e ainda o ato de indeferimento do respetivo pedido de revisão oficiosa destes atos.
O artigo 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, indica como uma das nulidades insanáveis em processo judicial tributário, a ineptidão da petição inicial.
Não indicando o CPPT as situações em que se deve entender que ocorre ineptidão da petição inicial, há que fazer apelo ao CPC, que é de aplicação subsidiária, nos termos do artigo 2.º, alínea e), daquele Código, e também o é no âmbito do processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
No artigo 186.º, n.º 1, do CPC, indicam-se as seguintes situações de ineptidão da petição inicial:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
O n.º 3 do mesmo artigo estabelece que «se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial».
No caso em apreço é manifesto que a ineptidão arguida pela AT não se enquadra nas referidas alíneas b) e c), pelo que só se pode aventar o seu enquadramento na alínea a).
No que concerne à alínea a), não se estando perante uma situação de falta do pedido ou de causa de pedir, apenas se poderá enquadrar a arguição no conceito de inteligibilidade.
Apesar de esta questão não ter sido unânime neste Tribunal, nesta sede teve vencimento a posição de que a petição inicial não é inepta. Isto porque percebe-se o que pretende a Requerente com os pedidos que formula:
– a anulação dos atos de liquidação CSR respeitantes aos anos de 2020, 2021 e 2022 e reembolso do imposto pago, no valor de € 124.680,88, acrescido de juros indemnizatórios; e,
- a identificação dos atos de liquidação CSR por via das faturas de vendas de combustível emitidas pelos respetivos fornecedores de combustível, sujeitos passivos da CSR.
A eventual dificuldade que a AT poderia ter para identificar as liquidações que ela própria emitiu aos fornecedores de combustíveis relacionadas com as faturas em causa, é um problema de organização dos seus serviços, pelo que é ela própria quem deve suportar os seus hipotéticos inconvenientes.
Por outro lado, a liquidação da CSR era efetuada com base nas DIC – declarações de introdução no consumo, que deviam ser processadas até ao final do dia útil seguinte àquele em que ocorra a introdução no consumo (artigo 10.º, n.ºs 1 e 3, do CIEC), pelo que se afigura que era possível à AT apurar qual a DIC relacionada com cada fatura e a respetiva liquidação que emitiu.
Neste contexto, não era exigível à Requerente que identificasse as liquidações que a AT emitiu com base nas vendas de combustíveis em causa, nem essa identificação é necessária para apurar a legalidade da cobrança de CSR ínsita nas faturas em causa.
A exigência de identificação das liquidações, numa situação deste tipo, em que o Requerente, invocando a qualidade de repercutido, tem legitimidade para solicitar o reembolso do imposto mas não tem possibilidade de identificar as liquidações (efetuadas a terceiros, fornecedores de combustível) e a identificação não é imprescindível para apurar a legalidade da cobrança de CSR ínsita nas faturas, seria incompaginável com o princípio constitucional da proporcionalidade e o direito à tutela judicial efetiva, garantido pelos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, pois inviabilizaria a possibilidade prática de o Requerente, invocando a qualidade de repercutido impugnar contenciosamente atos que lhe aplicam tributação e lesam a sua esfera jurídica.
Pelo exposto, improcede a exceção da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral.
5.4. Questão da caducidade do direito de ação.
No que concerne à intempestividade do pedido de revisão oficiosa, a AT reconhece que não há elementos para a afirmar, defendendo que «a falta de identificação do(s) ato(s) tributários em crise tem, entre outros, como efeito a impossibilidade de se aferir em pleno da tempestividade dos pedidos de revisão oficiosa das liquidações formuladas pela Requerente».
Mas, afirma ainda a AT que «tomando por referência o alegado pela Requerente, aquisições nos anos de 2020 a 2022, em 28-06-2023, há muito que se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa de 120 (cento e vinte) dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR, previsto no artigo 78.º, n.º 1, primeira parte da LGT.».
Defende também aqui a AT que apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto possuem legitimidade para solicitar o reembolso do imposto pago, devendo o pedido ser apresentado no prazo de três anos a contar da data da liquidação do imposto, pelo que «a acrescer ao facto de a Requerente não ser sujeito passivo de ISP/CSR e ao facto de não lograr provar o pagamento dos respetivos valores, em 28-06-2023 já teria terminado o prazo de 3 (três) anos previsto no artigo 15.º do CIEC para requerer o reembolso, ainda que parcial, do alegado valor pago por alegada repercussão económica de CSR (…)”.
Porém, como defende a Requerente, o prazo para apresentação do pedido de revisão oficiosa era o de quatro anos, com fundamento em erro imputável aos serviços, previsto na parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
Na verdade, como há muito vem entendendo uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, «havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efetuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a atuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços» (acórdão de 12-12-2001, processo n.º 026.233, cuja jurisprudência é reafirmada nos acórdãos de 06-02-2002, processo n.º 026.690; de 13-03-2002, processo n.º 026765; de 17-04-2002, processo n.º 023719; de 08-05-2002, processo n.º 0115/02; e 22-05-2002, processo n.º 0457/02; de 05-06-2002, processo n.º 0392/02; de 11-05-2005, processo n.º 0319/05; de 29-06-2005, processo n.º 9321/05; de 17-05-2006, processo n.º 016/06; e 26-04-2007, processo n.º 039/07; de 21-01-2009, processo n.º 771/08; de 22-03-2011, processo n.º 01009/10; de 14-03-2012, processo n.º 01007/11; de 05-11-2014, processo n.º 01474/12; de 09-11-2022, processo n.º 087/22.5BEAVR; de 12-04-2023, processo n.º 03428/15.8BEBRG).
No caso em apreço, é manifesto que os erros imputados aos atos impugnados não são imputáveis à Requerente, pois não teve qualquer intervenção no procedimento de liquidação.
Pelo exposto, o prazo para apresentação de pedido de revisão oficiosa era de quatro anos, pelo que foi apresentado tempestivamente, não sendo aplicável, como já se justificou, o regime constante do artigo 15.º, n.º 3, do CIEC.
Perante esta conclusão e tendo em conta que o pedido de revisão foi apresentado em 29 de junho de 2023 quanto aos períodos de 2020, 2021 e 2022, não tendo sido decidido até 5 de janeiro de 2024, data em que foi apresentado o pedido de constituição do tribunal arbitral, conclui-se que o mesmo foi apresentado dentro dos 90 dias, contados a partir da formação de indeferimento tácito (artigo 57.º, n.º 1 e 5 da LGT e artigos 10.º, n.º 1, al. a), do RJAT e 102.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT).
Consequentemente, improcede a invocada caducidade do direito de Acão.
6. Questão da violação do Direito da União
A Diretiva n.º 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de Dezembro, que estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem direta ou indiretamente sobre o consumo de produtos energéticos (além de doutros) estabelece no n.º 2 do seu artigo 1.º que «os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções».
A questão de mérito que é objeto do processo é a de saber se a CSR é compatível com o Direito da União Europeia, designadamente se tem um “motivo específico” na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva n.º 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de Dezembro.
Caso se chegue à conclusão positiva, há então que analisar se estão verificados os pressupostos que permitem à Requerente exigir diretamente da Requerida a revisão dos atos de liquidação e o reembolso de imposto indevidamente pago.
Sobre a questão da legalidade da CSR a Requerente indica que o TJUE decidiu que a Contribuição de Serviço Rodoviário viola a Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo.
Contrapõe a Requerida que “existiu e existia à data dos factos, efetivamente um vínculo intrínseco entre o destino da CSR e o motivo específico que levou à sua criação” inexistindo uma desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva Europeia acima referida, porquanto inexiste qualquer decisão judicial transitada em julgado que assim o declare.
Como é consabido, a questão da compatibilidade da CSR com o Direito de União Europeia foi apreciada no Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Processo C-460-21, no âmbito de um reenvio prejudicial.
Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais Nacionais, quando tem por objeto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, entre muitos, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).
A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
Assim, há que acatar o decidido no Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Processo C-460-21, que constitui a mais recente decisão do TJUE sobre os requisitos do «motivo específico» a que alude o artigo 1.º, n.° 2, da Diretiva 2008/118/CE.
A resposta à referida questão que foi dada no Despacho do TJUE de 07-02-2022, processo n.º C-460/21, é a de que «o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE, deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários».
Refere-se nesse Despacho, além do mais, o seguinte:
(...)
19 Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários.
20 Há que começar por salientar que esta disposição, que visa ter em conta a diversidade das tradições fiscais dos Estados-Membros nesta matéria e o frequente recurso às imposições indiretas para a execução de políticas não orçamentais, permite que os Estados-Membros estabeleçam, além do imposto especial de consumo mínimo, outras imposições indiretas que prossigam uma finalidade específica (Acórdãos de 4 de junho de 2015, Kernkraftwerke Lippe-Ems, C-5/14, EU:C:2015:354, n.º 58, e de 3 de março de 2021, Promóciones Oliva Park, C-220/19, EU:C:2021:163, n.º 48).
21 Em conformidade com a referida disposição, os Estados-Membros podem cobrar outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo desde que estejam preenchidos dois requisitos. Por um lado, estes impostos devem ser cobrados por motivos específicos e, por outro, estas imposições devem ser conformes com as normas fiscais da União aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, bem como à liquidação, à exigibilidade, ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções.
22 Estes dois requisitos, que visam evitar que outras imposições indiretas entravem indevidamente as trocas comerciais, revestem assim caráter cumulativo, como decorre da própria redacção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 (v. Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 36, e, por analogia, Acórdão de 25 de julho de 2018, Messer France, C-103/17, EU:C:2018:587, n.º 36).
23 No que respeita ao primeiro dos referidos requisitos, único visado pela primeira questão prejudicial, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um motivo específico na aceção desta disposição não é uma finalidade meramente orçamental (Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 37).
24 No entanto, uma vez que qualquer imposto prossegue necessariamente uma finalidade orçamental, o simples facto de um imposto ter um objetivo orçamental não é suficiente, enquanto tal, sob pena de esvaziar de substância o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, para excluir que se possa considerar que esse imposto tem também um motivo específico, na aceção da referida disposição (Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 38 e jurisprudência referida).
25 Assim, para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção da referida disposição, um imposto deve visar, por si só, assegurar a finalidade específica invocada, de tal forma que exista uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 41, e de 25 de julho de 2018, Messer France, C-103/17, EU:C:2018:587, n.º 38).
26 Além disso, embora a afetação predeterminada do produto de um imposto ao financiamento do exercício, pelas autoridades de um Estado-Membro, de competências que lhes foram atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, essa afetação, que decorre de uma simples modalidade de organização interna do orçamento de um Estado-Membro, não pode, enquanto tal, constituir uma condição suficiente, uma vez que qualquer Estado-Membro pode decidir impor, independentemente da finalidade prosseguida, a afetação do produto de um imposto ao financiamento de determinadas despesas. Se assim não fosse, qualquer finalidade poderia ser considerada específica, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, o que privaria o imposto especial de consumo harmonizado instituído por esta diretiva de qualquer efeito útil e violaria o princípio segundo o qual uma disposição derrogatória, como a do artigo 1.º, n.º 2, deve ser objeto de interpretação estrita (Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 39 e jurisprudência referida).
27 Por último, não existindo semelhante mecanismo de afetação predeterminada das receitas, só se pode considerar que um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria coletável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita realizar o motivo específico invocado, por exemplo, através da tributação significativa dos produtos considerados para desencorajar o respetivo consumo (Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 42 e jurisprudência referida).
28 Quando é submetido ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial por meio do qual se pretende que seja declarado se uma imposição instituída por um Estado-Membro prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, a função do Tribunal de Justiça consiste mais em esclarecer o órgão jurisdicional nacional sobre os critérios cuja aplicação permitirá a este último determinar se essa imposição prossegue efetivamente essa finalidade do que em proceder ele próprio a essa avaliação, e isto tanto mais quando o Tribunal de Justiça não dispõe necessariamente de todos os elementos indispensáveis para esse efeito (v., por analogia, Acórdãos de 7 de novembro de 2002, Lohmann e Medi Bayreuth, C-260/00 a C-263/00, EU:C:2002:637, n.º 26, e de 16 de fevereiro de 2006, Proxxon, C-500/04, EU:C:2006:111, n.º 23).
29 No caso em apreço, importa salientar, em primeiro lugar, como resulta da jurisprudência referida no n.º 26 do presente despacho, que, embora a afetação predeterminada do produto da CSR ao financiamento, pela concessionária da rede rodoviária nacional, das competências gerais que lhe são atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, essa afetação não pode, enquanto tal, constituir um requisito suficiente.
30 Em segundo lugar, para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção desta disposição, a CSR deveria destinar-se, por si só, a assegurar os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional. Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C-82/12, EU:C:2014:108, n.º 30, e de 25 de julho de 2018, Messer France, C-103/17, EU:C:2018:587, n.º 38).
31 Em terceiro lugar, como resulta do n.º 14 do presente despacho, é certo que a Autoridade Tributária sustenta que existe uma relação entre a afetação das receitas geradas pela CSR e o motivo específico que levou à instituição deste imposto, uma vez que o decreto-lei que atribuiu a concessão da rede rodoviária nacional à IP impõe a esta última que trabalhe em prol, por um lado, da redução da sinistralidade nessa rede e, por outro, da sustentabilidade ambiental.
32 No entanto, como foi salientado no n.º 15 do presente despacho, resulta da decisão de reenvio que o produto do imposto em causa no processo principal não se destina exclusivamente ao financiamento de operações que supostamente concorrem para a realização dos dois objetivos mencionados no número anterior do mesmo despacho. Com efeito, as receitas provenientes da CSR destinam-se, mais amplamente, a assegurar o financiamento da atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional.
33 Em quarto lugar, os dois objetivos atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional portuguesa estão enunciados em termos muito gerais e não deixam transparecer, à primeira vista, uma real vontade de desencorajar a utilização quer dessa rede quer dos principais combustíveis rodoviários, como a gasolina, o gasóleo rodoviário ou o gás de petróleo liquefeito (GPL) automóvel. A este respeito, é significativo que o órgão jurisdicional de reenvio destaque, na redacção da sua primeira questão prejudicial, que as receitas geradas pelo imposto são genericamente afetadas à concessionária da rede rodoviária nacional e que a estrutura deste imposto não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo desses combustíveis.
34 Em quinto lugar, o pedido de decisão prejudicial não contém nenhum elemento que permita considerar que a CSR, na medida em que incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, foi concebida, no que respeita à sua estrutura, de tal modo que dissuade os sujeitos passivos de utilizarem essa rede ou que os incentiva a adotar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria suscetível de reduzir os acidentes.
35 Por conseguinte, sem prejuízo das verificações que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar atendendo às indicações que figuram nos n.ºs 29 a 34 do presente despacho, as duas finalidades específicas invocadas pela Autoridade Tributária para demonstrar que a CSR prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, não se distinguem de uma finalidade puramente orçamental (v., por analogia, Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C-82/12, EU:C:2014:108, n.ºs 31 a 35).
36 Atendendo às considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários.
A CSR, na versão da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, vigente em 2018/2019, visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (atual Infraestruturas de Portugal, S.A., nos termos do Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de Maio), sendo o financiamento assegurado primacialmente pelos respetivos utilizadores, como contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, utilização essa que é verificada pelo consumo dos combustíveis (artigos 2.º e 3.º da Lei n.º 55/2007).
A CSR foi estabelecida para constituir uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E., no que respeita à respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento (artigo 3.º, n.º 2, daquela Lei).
O produto da CSR constitui uma receita própria da Infraestruturas de Portugal, S.A. e o financiamento da rede rodoviária nacional apenas subsidiariamente é assegurado pelo Estado (artigos 2.º e 6.º da Lei n.º 55/2007).
A atividade de financiamento, conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional foi atribuída, em regime de concessão, à EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (agora Infraestruturas de Portugal, S.A.) pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de Novembro, em que se prevê que, entre outros rendimentos, a CSR constitui receita própria dessa entidade [Base 3, alínea c) do Anexo I, na redacção do Decreto-Lei n.º 44-A/2010, de 5 de Maio, a que corresponde a alínea b) na redacção inicial].
Uma das obrigações da concessionária, é a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental referidos no quadro II do anexo às presentes bases” [Base 2, n.º 4, alínea b) do Anexo I ao Decreto-Lei n.º 380/2007].
No quadro II do anexo apenas se estabelece, na Parte I, alguns objetivos de redução de sinistralidade por referência a certos indicadores de atividade (número de pontos negros, gravidade dos acidentes nas travessias urbanas, número de vítimas mortais), e, na Parte II, alguns objetivos de sustentabilidade ambiental em vista a assegurar, tendencialmente, os indicadores ambientais que aí são referenciados.
Assim, como se concluiu no referido Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Processo C-460-21, as receitas provenientes da CSR destinam-se essencialmente a assegurar o financiamento da rede rodoviária e têm uma finalidade puramente orçamental.
Como se refere no acórdão arbitral de 14-06-2023, proferido no processo n.º 24/2023-T, «nem a estrutura do tributo permite concluir pela existência de intenção de desmotivar o consumo dos combustíveis. E, por outro lado, a finalidade específica que poderia justificar a criação da CSR de modo a poder considerar-se conforme o direito europeu é apresentada em termos muito genéricos, não tendo sido sequer feita a prova – que incumbia à Autoridade Tributária - de que tenham sido cumpridos os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, que se encontram definidos no quadro II do anexo às bases da concessão».
Pelo exposto, a CSR, na versão da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, vigente em 2018/2019, «não prossegue “motivos específicos”, na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental» (acórdão arbitral citado).
Consequentemente, a conclusão a que se chega é a de que a CSR é desconforme ao Direito da União Europeia, cabendo agora aferir se estão verificados os pressupostos que permitem à Requerente exigir diretamente da Requerida a revisão dos atos de liquidação e o reembolso de imposto indevidamente pago.
Na sequência da apreciação das exceções invocadas pela Requerida e do reconhecimento da legitimidade da Requerente, foi já decidido que esta tem um interesse legalmente protegido e o direito de ação e de interpelar diretamente a Requerida, por forma à revisão dos respetivos atos de liquidação de CSR e ser ressarcida dos prejuízos decorrentes do alegado pagamento indevido do imposto. No entanto tal direito apenas se efetiva caso seja confirmada a sua repercussão (e consequente pagamento indevido do imposto) no preço dos produtos adquiridos.
A jurisprudência do TJUE refere expressamente a possibilidade de o comprador final poder exigir, diretamente às autoridades nacionais, a restituição do montante do imposto indevido cujo encargo suportou” – Cf. Acórdão Comateb e O (-192/95 a C-218/95, Colect., p. I-165, n.º 20) de 14 de janeiro de 1997.”
Sublinha-se que “No mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça referiu, contudo, que a restituição ao sujeito passivo do montante do imposto, apesar de este o ter repercutido sobre o comprador, equivaleria para aquele a um pagamento em dobro suscetível de ser qualificado como enriquecimento sem causa, sem que, porém, sejam remediadas as consequências da ilegalidade do imposto para o comprador. O Tribunal de Justiça reconheceu, assim, que o imposto contrário ao direito da União pode atingir economicamente outra pessoa para além do sujeito passivo e que existe uma necessidade de devolver o montante do imposto ao património desta pessoa.” Cf. Proc. C-94/10, conclusões, de 24 de março de 2011.
Nesse sentido, atentas as especificidades e casuísmo das respetivas operações comerciais, os elementos de prova são essenciais, inclusive para determinar quem efetivamente suportou imposto e o quantum efetivamente pago.
Na falta de regulamentação, na EU e interna, de natureza processual ou substantiva, para o reembolso de impostos cobrados em violação do direito da União Europeia, cabe aos Tribunais a decisão de cada caso sub judice (cfr. par. 44 da decisão do TJUE de 7 de fevereiro de 2022, proferida no Processo n.º C-460/21).
Sucede que, como assente na matéria de facto, no presente caso a Requerente não logrou efetuar a prova de que foi repercutido sobre a Requerente, a título de CRS, o valor de € 124.680,88 nos anos de 2020, 2021 e 2022:
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a Requerente listou e juntou faturas de aquisição de combustível junto dos respetivos fornecedores B... e D..., mas essas faturas não identificam nem mencionam qualquer montante de CSR;
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essas faturas não permitem, por si só e de forma isolada, sem elementos adicionais (designadamente, declarações dos fornecedores de combustíveis a atestar que repercutiram, nos valores faturados à Requerente nas faturas e períodos em causa, o montante relativo à CRS e que este montante repercutido integrou as liquidações de ISP que lhes foram efetuadas pela AT na qualidade de sujeitos passivos de CRS) concluir ou inferir (aí atuando por presunção) que o valor de € 124.680,88 invocado pela Requerente lhe foi repercutido a título de CRS (o que permitiria a respetiva conexão aos atos tributários que constituem objeto desta ação arbitral).
A prova de um facto positivo – repercussão fiscal da CSR - impende sobre quem a invoca – a Requerente -, por forma a comprovar a qualidade de entidade repercutida e lesada no âmbito da relação jurídico-tributária da CSR, pelo que, não tendo sido feita a prova da repercussão, nem estabelecendo a lei a presunção legal da mesma, improcede necessariamente a pretensão anulatória.
Face à improcedência do pedido principal, fica necessariamente prejudicado o conhecimento do pedido acessório de reembolso do imposto pago e de pagamento de juros indemnizatórios.
10. Decisão
De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:
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Julgar improcedentes as exceções suscitadas pela AT;
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Julgar improcedente o pedido arbitral e manter na ordem jurídica os atos de liquidação impugnados, bem como a decisão de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa;
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Julgar prejudicado o conhecimento do pedido acessório de reembolso do imposto pago e de pagamento de juros indemnizatórios.
11. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 124.680,88 indicado pela Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
12. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
13. Notificação do Ministério Público
Notifique-se o Ministério Público, nos termos do artigo 17.º, n.º 3, do RJAT.
Lisboa, 2 de setembro de 2024,
(Fernando Araújo– Árbitro Presidente)
(vencido em parte, junta declaração)
(João Pedro Rodrigues – Árbitro Vogal)
(Catarina Belim – Árbitro Vogal e Relatora)
DECLARAÇÃO DE VOTO
Estou de acordo com o sentido último da decisão, e apenas divirjo em relação a parte da pronúncia; daí que vote parcialmente vencido.
Voto parcialmente vencido por quatro ordens de razões que estão logicamente concatenadas, pelo que tenho de as enunciar a todas – não obstante não se verificar, relativamente às duas primeiras, uma verdadeira divergência face à fundamentação que teve vencimento na pronúncia, e, portanto, a divergência se centrar nas duas últimas razões:
1. NÃO HÁ, NEM HOUVE, REPERCUSSÃO LEGAL DA CSR
Não obstante a referida concordância com a presente decisão, importa começar por remover qualquer potencial equívoco sobre o que seja repercussão legal, afastando esse conceito de situações em que o que está em causa é uma simples repercussão económica, que por vezes é erradamente havida por “legal” pela circunstância de ser mencionada em preceitos legais, ou até de ser incorporada na “ratio legis” como facto tipificado – quando daí não resulta que se possa sequer deduzir a existência de uma “repercussão presumida”, e menos ainda a existência de uma genuína repercussão legal, com as suas consequências próprias.
Como se estabeleceu no Despacho proferido pelo TJUE em 7 de Fevereiro de 2022, no Proc. C-460/21: “Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos.” (§44).
Que na CSR estava em causa uma simples repercussão económica era muito claro por várias razões, entre elas avultando a falta de obrigatoriedade de comprovação das parcelas de CSR eventualmente incorporadas, ou não, na facturação de cada agente económico nas suas transacções a jusante – a falta daquilo que pode designar-se por “repercussão formalizada”.
Não podemos esquecer que, se resolvermos não atender à orientação estabelecida pelo TJUE no referido Despacho, e insistirmos em associar uma qualquer presunção de repercussão ao facto de a repercussão ter sido incorporada no escopo do imposto, então daí resulta uma consequência inadvertida: a consequência de ter de se provar que não ocorreram ulteriores repercussões, a jusante da Requerente, nos preços praticados por ela à respectiva clientela; pois, na falta de tal prova, o argumento do enriquecimento sem causa por reembolso indevido regressará, agora recaindo, já não sobre os sujeitos passivos “repercutentes”, mas sobre os “primeiros repercutidos”.
Ironicamente, essa mesma conclusão quanto à natureza da repercussão reforça-se com a tentativa de criação de uma “repercussão legal retroactiva”, consumada através da alteração da redacção do art. 2.º do CIEC pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, quando se lhe procurou conferir alcance “interpretativo”:
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Primeiro porque essa retroactividade, se fosse válida, confirmaria que, à data dos factos, não havia um regime de repercussão legal que abarcasse a CSR.
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E depois porque essa tentativa legal é manifestamente inconstitucional, como decorre do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, de 25 de Janeiro de 2021, Proc. nº 843/19: “a retroatividade inerente às leis interpretativas é necessariamente material e, caso esteja em causa a interpretação legal de normas fiscais, não pode deixar de estar abrangida pela proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição”.
2. NÃO ESTÁ PREENCHIDO O STANDARD DE PROVA
Os sujeitos passivos de CSR documentam com facilidade a introdução no consumo de ISP e de CSR, através de quadros em que aparecem discriminados:
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O nº de registo de liquidação
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A data do registo de liquidação
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O mês de introdução no consumo
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Os totais de ISP (e outros)
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Os totais de CSR
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O total liquidado
Em todos os processos em que os sujeitos passivos de CSR têm vindo peticionar o reembolso da CSR, nunca deixam de juntar esses documentos.
Logo, compreender-se-á que as declarações que os sujeitos passivos de CSR emitem a favor dos seus “repercutidos” não fazem prova de tais liquidações, e menos ainda de eventuais repercussões – quando, ao menos, a totalidade das liquidações daquele operador poderia ser especificado, dando alguns passos em direcção de um standard mínimo de prova.
Existindo tal documentação (por lei, ela não pode deixar de existir), tais declarações tornam-se claramente insuficientes – e decerto não comprovam, nem podem comprovar, o grau de repercussão económica que possa ter existido, pelas mesmíssimas razões pelas quais não se consegue comprovar a repercussão que tenha acontecido a jusante dos “primeiros repercutidos”.
Por outras palavras, não passa de uma conjectura o montante preciso de CSR que a Requerente alega ter pago a título de CSR (a CSR que diz ter-lhe sido “liquidada”); é um valor que assenta no pressuposto, que de modo algum é comprovado, de que em cada transacção houve repercussão plena de todos os tributos suportados, unidade por unidade, pelo sujeito passivo “repercutente”. Trata-se, pois, de mera conjectura, não de um facto – e uma conjectura que, num contexto de repercussão meramente económica, nem sequer é muito plausível (pressupõe elasticidades-preço inalteradas ao longo de todo o período, transacção a transacção).
Por isso, fez bem a decisão dos presentes autos em colocar a eventual repercussão de CSR sobre a Requerente no domínio dos factos não-provados.
3.1 INEPTIDÃO DO PEDIDO: A ININTELIGIBILIDADE
Não está em causa, no meu entender, seja a ilegalidade da CSR por incompatibilidade com o direito da União, seja a competência de um tribunal arbitral para julgar um tributo que foi, na verdade, um imposto: pelo que acompanho, também nesses pontos, a decisão tomada neste processo.
Sucede, em contrapartida, que entendo serem procedentes, no caso, várias das excepções apresentadas pela Requerida; começando, por ordem lógica, pela ineptidão do pedido.
Efectivamente, o pedido é ininteligível: não no sentido de não se perceber o que a Requerente quer, ou de ser impossível à Requerida reagir ao pedido, porque efectivamente reage, sanando a ininteligibilidade nesse sentido, nos termos do art. 186º, 3 do CPC (aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
Mas é ininteligível num outro sentido, no de insuficiência de identificação do objecto do pedido, de identificação do objecto em termos tais que o tribunal não se limite a proclamações genéricas e abstractas a partir da constatação da ilegalidade de um tributo, ou de conjecturas mais ou menos oblíquas sobre uma factualidade plausível, mas possa avaliar um objecto específico, e retirar consequências concretas dessa avaliação.
Como se estabeleceu lapidarmente no Acórdão do TCAS de 30-06-2022 (Proc. nº 138/17.5BELRS), “a petição inicial de impugnação que não identifica o acto tributário impugnado, que não formula a pretensão concreta por referência àquele e que não indica os factos concretos que justificariam a adopção da providência judiciária requerida é inepta”.
Concretizar o pedido, no caso do contencioso de anulação de actos administrativos, implica necessariamente identificar os actos cuja anulação se pretende, como, aliás decorre do artigo 108º do CPPT, quando estipula que “A impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o ato impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido”.
Lembremos o art. 10º, 2, b) do RJAT:
“Artigo 10.º (Pedido de constituição de tribunal arbitral) (…)
2 - O pedido de constituição de tribunal arbitral é feito mediante requerimento enviado por via electrónica ao presidente do Centro de Arbitragem Administrativa do qual deve constar: (…)
b) A identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral; (…)”
Podendo invocar-se igualmente o art. 78º do CPTA (aplicável ex vi art. 29º, 1, c) do RJAT):
“Artigo 78.º (Requisitos da petição inicial) (…)
2 - Na petição inicial, deduzida por forma articulada, deve o autor: (…)
e) Identificar o ato jurídico impugnado, quando seja o caso;
f) Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação; (…)”
Ora, o que temos nos presentes autos é a identificação indirecta de transacções nas quais se liquidou presumivelmente um montante – não discriminado – de ISP, CSR e outros tributos.
Na melhor das hipóteses, nesse standard de prova ficou fortemente sugerida, com elevada plausibilidade, a existência de repercussão de CSR previamente liquidada, ainda que uma repercussão não-quantificada.
Sucede, todavia, que os actos de repercussão não são actos tributários, não sendo, portanto, sindicáveis por este tribunal. Só o poderiam ser os actos de liquidação, que, esses sim, são actos tributários. Esses actos de liquidação podem ser comprovados, com facilidade, pelos verdadeiros sujeitos passivos de CSR – mas não o foram.
Esses actos não podem ser comprovados por facturação, porque não há repercussão legal e formal, como existe no IVA.
As repercussões meramente económicas, insista-se, não são actos judicialmente impugnáveis; apenas o são as liquidações. Mas estas estão meramente supostas ou implícitas, não estão directamente ou indirectamente provadas, e nem sequer estão especificamente identificadas.
3.2. INEPTIDÃO DO PEDIDO: FALTA DE REPERCUSSÃO FORMALIZADA – INSUSCEPTIBILIDADE DE CORRESPONDÊNCIA ENTRE LIQUIDAÇÕES E REPERCUSSÕES
É verdade que a identificação e comprovação dos actos de liquidação não resolveria todas as dificuldades – e daí a procedência de outras excepções, como a da ilegitimidade.
Ainda só quanto à identificação e comprovação dos actos de liquidação, lembremos que na CSR não se passam as coisas do mesmo modo que sucede no IVA.
No IVA, os actos de repercussão do imposto no preço cobrado ao adquirente ocorrem anteriormente à liquidação de IVA propriamente dita, determinando a quantificação e a determinação temporal precisas – criando uma correspondência exacta entre o acto de repercussão e a liquidação de IVA.
Mas, no caso da CSR, e não obstante poder admitir-se a existência de um montante não-quantificado de repercussão económica, os actos de repercussão não só não estão formalmente ligados ao acto de liquidação, como nem sequer podem está-lo, dada a própria mecânica do imposto.
Enquanto no IVA o imposto é devido quando ocorre uma venda ou prestação de serviços (sendo essa transacção que determina o nascimento da obrigação do próprio imposto), no caso da CSR era a introdução no consumo que fazia nascer a obrigação tributária (art.º 8.º do CIEC, aplicável à CSR por remissão do art.º 5.º da Lei que estabelece o regime daquele imposto) – pelo que o facto gerador da CSR ocorria sem qualquer conexão com a transacção em que essa mesma CSR pudesse vir a ser, ou não, total ou parcialmente, repercutida.
Na CSR, era possível a um sujeito passivo entregar uma declaração de introdução no consumo (DIC), dando origem a uma liquidação de CSR, e não vender qualquer combustível nesse mesmo período – tal como lhe era possível vender, num determinado período, combustível introduzido no consumo, e sujeito a ISP, CSR e outros, em períodos anteriores àquele em que vendia.
Ou seja, na ausência de uma repercussão formalizada, ao estilo do IVA, não seria, nem é, possível, nem à Requerente, nem ao Tribunal, nem à Autoridade Tributária, identificar as liquidações de CSR às quais corresponderiam – a existir repercussão – as facturas dadas como prova. Só as entidades fornecedoras, na melhor das hipóteses, poderiam efectuar uma tal correspondência entre as facturas emitidas e a CSR. Mas tal correspondência não foi realizada; e decerto não o foi com as declarações genéricas, vagas e não-quantificadas, que foram juntas aos autos – as quais nem esboçam uma tentativa de identificação das liquidações, e do nexo, em cada período ou em cada bloco de transacções, entre liquidações e repercussões.
Em suma, inexistem elementos objectivos que permitam estabelecer uma tal correspondência em termos seguros – pelo que o acto impugnado não está satisfatoriamente identificado, em violação dos arts. 10º, 2, b) do RJAT, 108º do CPPT e 78º do CPTA.
Nesse sentido verifica-se ininteligibilidade do pedido, e, em consequência, ineptidão da petição inicial, com a consequência da nulidade de todo o processo, constituindo uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, geradora da absolvição da instância, nos termos do art.º 193º n.º 1, 493.º nºs. 1 e 2, 494.º al. b) e 495.º, do CPC.
4. A ILEGITIMIDADE DA REQUERENTE POR AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DO SUJEITO PASSIVO
A procedência da excepção de ineptidão obstaria ao conhecimento das demais excepções e ao conhecimento do mérito do pedido.
Mas cumpre-me acrescentar o seguinte: nos termos do Despacho proferido pelo TJUE em 7 de Fevereiro de 2022, no Proc. C-460/21, a CSR deve ser reembolsada aos sujeitos passivos do imposto, e não aos seus eventuais “repercutidos”.
Mais, o reembolso a eventuais “repercutidos” deve ser evitado na medida em que, concorrendo com o reembolso aos sujeitos passivos “repercutentes”, pode dificultar ou obstar a este último.
Há uma única razão pela qual o mencionado Despacho admite o reembolso directo a “repercutidos”: quando, provada a repercussão efectiva, o reembolso da CSR apenas aos sujeitos passivos “repercutentes” redundasse num enriquecimento sem causa destes sujeitos (§39 do Despacho).
Daí a oposição expressa do TJUE a quaisquer presunções de repercussão, e especificamente à presunção de que, por terem sido concebidos para admitirem a possibilidade de repercussão, os impostos indirectos passem, ipso facto, a presumir-se como efectivamente repercutidos (§§ 43 a 47 do Despacho).
Logo, no caso, não se tendo feito prova dessa repercussão efectiva – nem no seu quid, nem no seu quantum –, nada se podendo concluir quanto a um eventual enriquecimento sem causa do sujeito passivo “repercutente”, falta à Requerente a legitimidade para peticionar directamente o reembolso da CSR.
Se não tivesse procedido a excepção de ineptidão do pedido, procederia, pois, com todas as consequências legais, a excepção de ilegitimidade da Requerente, conduzindo de novo à absolvição da instância.
Fernando Araújo