Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 13/2024-T
Data da decisão: 2024-09-11   Outros 
Valor do pedido: € 107.630,62
Tema: Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário – Sucursais de Instituições de Crédito não residentes – Tratamento discriminatório – Violação da liberdade de estabelecimento prevista nos artigos 49.º e 54.º do TFUE.
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Sumário

  1. Ao estabelecer a possibilidade de dedução à base de incidência do ASSB de valores reconhecidos no passivo relativos a instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios (i.e., que contem para os fundos próprios de nível 1 e de nível 2), em relação às instituições de crédito com sede e administração efetiva em Portugal, bem como às filiais, em Portugal, de instituições de crédito não residentes, sem que, todavia, essa faculdade seja acessível às sucursais de instituições de crédito não residentes, o regime do ASSB é discriminatório e viola a liberdade de estabelecimento consagrada nos artigos 49.º e 54.º do TFUE, como declarado no acórdão Cofidis, C-340/22.
  2. A discriminação resulta do facto de não ser possível às sucursais, por não disporem de personalidade jurídica, emitirem instrumentos de dívida integrantes de fundos próprios, na aceção dos artigos 62.º e seguintes do Regulamento 575/2013 e do Anexo VI da Lei n.° 27-A/2020, de 24 de julho, e, por conseguinte, reduzir a base de incidência do ASSB através da dedução destes elementos do Passivo.

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Alexandra Coelho Martins (presidente), José Nunes Barata e Pedro Guerra Alves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 12 de março de 2024, acordam no seguinte:

 

 

          I.        Relatório

 

A...– SUCURSAL EM PORTUGAL, doravante designada por “Requerente”, com o número único de pessoa coletiva ... e local de representação em ..., ..., ...,  ..., ..., veio solicitar a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), ao abrigo do disposto nos artigos 95.º, n.ºs 1 e 2 da Lei Geral Tributária (“LGT”),  2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º e seguintes, estes últimos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), na sequência da notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (“ASSB”), referente ao passivo apurado no ano 2022, no valor total de € 107.630,62.

 

A Requerente pretende a anulação da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada contra a autoliquidação de ASSB reportada a 2022 e, bem assim, a anulação deste ato tributário, e a restituição do montante pago acrescido de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

 

Em 3 de janeiro de 2024, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, do que foi notificada a AT.

 

De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram oposição.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 12 de março de 2024.

 

            Em 22 de abril de 2024, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo junto um documento e o processo administrativo (“PA”).

 

            Por despacho de 2 de maio de 2024, o Tribunal Arbitral dispensou a inquirição das testemunhas indicadas pela Requerente e também a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT), considerando que as questões a decidir são de direito.

 

            As Partes foram notificadas para apresentarem alegações simultâneas e fixado o prazo para a decisão até à data-limite prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, com indicação para pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

A Requerente apresentou alegações, em 13 de maio de 2024, na qual reafirma a posição expressa no pedido arbitral, tendo-o feito a Requerida em 14 de maio de 2024, no sentido preconizado na Resposta.   

 

Posição da Requerente

 

            A Requerente começa por invocar a ilegalidade, por erro de direito, do ato tributário com fundamento na violação da Lei de Enquadramento Orçamental, por atentar, em concreto, contra o princípio geral da não-consignação de receitas, dado que as receitas do ASSB são alocadas ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (“FEFSS”), e contra a especificação orçamental, não havendo qualquer referência específica ao ASSB na Lei do Orçamento do Estado para 2020 e nos desenvolvimentos orçamentais da Lei n.º 27-A/2020 de 24 de julho (Orçamento Suplementar para 2020).

 

            Sustenta que o ASSB é um imposto e que a sua autoliquidação viola o princípio legal e constitucional da igualdade na vertente da capacidade contributiva, uma vez que a base de incidência objetiva do ASSB não se coaduna com as exigências constitucionais de adequação à capacidade contributiva dos sujeitos passivos. Refere, neste sentido, as decisões dos processos arbitrais n.ºs 324/2023-T, 104/2023-T, 21/2023-T e 598/2022-T.

 

            Alega, por fim, que o ASSB é incompatível com o direito da União Europeia, por violação da liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.° e 54.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), em resultado da discriminação das entidades não residentes que operam em Portugal através de uma sucursal, matéria que já foi decidida pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 21 de dezembro de 2023, no processo Cofidis, C-340/22, e, também, no mesmo sentido, nos processos arbitrais n.ºs 577/2021-T, 325/2023-T e 19/2024-T. 

 

            Neste âmbito, salienta a Requerente que o acórdão Cofidis rejeita totalmente a argumentação da Requerida de que o regime se aplica de forme indistinta a todos os sujeitos passivos, pelo que não pode existir qualquer discriminação.

 

            É que a discriminação não se prende com uma impossibilidade de dedução resultante da letra da lei, mas do plano factual, dado que as sucursais das instituições de crédito não residentes estão impossibilitadas, por não terem personalidade jurídica, de deduzir capitais próprios da sua base de incidência a título do ASSB, não dispondo também estas entidades, por lei, de capitais próprios. Acresce que as sucursais não podem emitir instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios como obrigações convertíveis, obrigações participantes, ações preferenciais remíveis e obrigações contingentes convertíveis, pelo que também não podem deduzir tais instrumentos da sua base de incidência, dada a impossibilidade da sua emissão pelas mesmas sucursais.

 

            Por fim, a Requerente peticiona juros indemnizatórios, de acordo com o estabelecido no artigo 43.º, n.º 1 da LGT, devendo considerar-se imputável aos serviços da AT a violação do direito da União Europeia e, bem assim, de normas constitucionais (v. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 1058/10.0BELRS, de 31 de janeiro de 2019), pelo menos a partir do indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a autoliquidação de ASSB impugnada (v. jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos de 28 de outubro de 2009, processo n.º 0601/09; de 3 de maio de 2018, processo n.º 0250/17; e de 9 de dezembro de 2021, processo n.º 01098/16.5BELRS). Aduz que a AT não pode escudar-se na sua vinculação ao princípio da legalidade para afastar a imputabilidade aos Serviços de normas nacionais que violem o direito comunitário ou de normas inconstitucionais (v. acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de dezembro de 2021, processo n.º 026233; e de 14 de março de 2012, processo n.º 01007/11).

 

Posição da Requerida

 

            Segundo a AT, as sucursais têm elementos que podem ser reconhecidos como capitais próprios, o que significa que, tal como o capital próprio dos bancos residentes é excluído da base de incidência, o mesmo sucede ao “capital afeto” às sucursais (se existir), quando contabilizado como tal. Nestes termos, não existe inadmissibilidade legal da sua dedução à base de incidência do ASSB no caso das sucursais.

 

            O Supremo Tribunal Administrativo já decidiu esta questão factual e jurídica no que concerne às sucursais financeiras (v. acórdãos de 12 de outubro de 2022, processo n.º 0850/17.9BELRS; de 13 de julho de 2022, processo n.º 09/21.0BELRS, de 31 de maio de 2023, processo n.º 090/21.2BELRS; e de 21 de setembro de 2022, processo n.º 0938/17.6BELRS).

            Fê-lo em relação a outro tributo, a Contribuição sobre o Setor Bancário (“CSB”), mas os seus corolários são transponíveis para a ASSB, dada a total identidade do recorte da base de incidência em ambos os tributos (v artigos 3.º e 4.º da Portaria n.º 121/2011 e artigos 3.º e 4.º do anexo IV da Lei n.º 27-A/2020).

 

            Segundo aquele Tribunal Supremo, as sucursais financeiras podem ter elementos que sejam reconhecidos como capitais próprios afetos pela casa mãe (Tier 1 e 2[1]), pelo menos via rúbrica de “capital afeto”, e nada impede, além disso, que a sociedade-mãe aloque à sua sucursal em Portugal uma dotação de capital de base (“elementos do capital próprio”) registado em contas de capital próprio.

 

            Em relação ao acórdão Cofidis, processo C-340/22, a Requerida sublinha que o Tribunal de Justiça declara que cabe aos tribunais nacionais definir o contexto factual e regulamentar e, neste âmbito, aferir se é ou não legalmente admissível dedução pelas sucursais dos capitais próprios e dos instrumentos de dívida equiparados aos capitais próprios, como questão prévia à conclusão da eventual incompatibilidade do ASSB com o direito da União Europeia.

 

            Essa incompatibilidade só surge se a dedução dos capitais próprios e dos instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprio for legalmente inadmissível para as sucursais, o que a Requerida entende não suceder no presente caso. 

 

            Na sua perspetiva, a afirmação de que as sucursais das instituições não residentes não podem deduzir da sua base de incidência, a título do ASSB, capitais próprios ou elementos do passivo que podem ser equiparados a capitais próprios não tem correspondência na regulamentação do ASSB. O artigo 3.º do Regime do ASSB aprovado pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, dispõe que a dedução ao Passivo, seja de uma sucursal de instituição de crédito não residente, seja de uma sociedade residente, de valores registados em rubricas equiparáveis a capital próprio só se verifica quando essas rubricas constarem dos respetivos passivos.

            Dito de outro modo, quer as sociedades residentes, quer as sucursais de instituições não residentes só podem deduzir rubricas do Passivo que sejam equiparáveis a capital próprio. Se essas rubricas não estiverem no passivo, não ocorre dedução para efeitos de cálculo da base de incidência de ASSB. Neste ponto, inexiste qualquer discriminação, aplicando-se a regra a ambos os casos, pelo que não se suscita a violação da liberdade de estabelecimento prevista no artigo 49.º do TFUE.

 

            Em relação ao parecer junto pela Requerente, a Requerida impugna-o e afirma que o mesmo não constitui meio de prova.

 

            Sobre a natureza do ASSB, a Requerida enquadra-o como imposto indireto, por visar compensar a não tributação em IVA da generalidade das operações financeiras (v. artigo 1.º, n.º 2 do Regime do ASSB).

 

            Assinala que o ASSB foi uma das medidas fiscais previstas no Programa de Estabilização Económica e Social (PEES), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros (RCM) n.º 41/2020, de 6 de junho, com vista a mitigar os impactos económicos e sociais decorrentes da resposta pública à crise sanitária originada pelo vírus SARS-CoV-2, sendo a receita consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (“FEFSS”), o que considera estar em consonância com a Lei de Enquadramento Orçamental, que prevê nas exceções à regra de não consignação “as receitas afetas ao financiamento da segurança social e dos seus diferentes sistemas e subsistemas nos termos legais”.

 

            Neste contexto, opõe-se ao entendimento da Requerente de que as normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho (“Regime do ASSB”), violam o princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio. Desde logo, este princípio negativo de controlo não veda à lei a adoção de medidas que estabeleçam distinções. Proíbe, todavia, a criação de medidas discriminatórias, isto é, que consagrem desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou desprovidas de fundamentação razoável, objetiva e racional.

            A esta luz, preconiza que a sujeição das instituições de crédito ao ASSB tem fundamento bastante, pois visa a compensação da isenção de IVA de que beneficia o setor financeiro e que se explica historicamente por dificuldades técnicas relativas à determinação do valor tributável das operações financeiras.

 

            O IVA constitui uma das fontes de financiamento da Segurança Social, através da consignação de uma parcela da sua receita para essa finalidade, o denominado “IVA social” (atualmente previsto no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 367/2007, de 2 de novembro) e refere também que, desde 2011, os trabalhadores do setor bancário passaram a integrar o regime geral de segurança social, incluindo os das sucursais nacionais de bancos estrangeiros.

 

            Daqui retira que o setor financeiro é subtributado em matéria de fiscalidade indireta, sendo razoável que se chamem as instituições de crédito a contribuir adicionalmente para o sistema de segurança social, dada a atual desigualdade na distribuição do esforço tributário face aos demais operadores económicos.

 

            Argumenta que a isenção de IVA representa uma menor carga fiscal deste setor, para o que alinha diversas razões:

  1. O direito à dedução no segmento relativo às operações com destinatários em países terceiros;
  2. A oneração derivada da indedutibilidade do IVA incorrido na generalidade das operações não representa um impacto significativo, dado os inputs com IVA na atividade financeira serem residuais, enquanto as rubricas de custos com pessoal, amortizações, provisões, perdas por imparidade, impostos sobre os lucros e resultado líquido representam, em média, 83,9%, no período de referência; e
  3. Somente uma parte diminuta da atividade financeira das instituições de crédito está sujeita a tributação indireta em sede de Imposto do Selo, cujas taxas são substancialmente inferiores à taxa média do IVA e cuja receita não está consignada à Segurança Social.

            A Requerida alega que as isenções de IVA representam exceções, ou até mesmo entorses, ao princípio da igualdade, pelo que Portugal faz parte de experiências internacionais com vista a introduzir impostos indiretos que incidam sobre o setor financeiro, como impostos sobre as transações financeiras (Financial Transactions Tax – “FTT”) e impostos sobre atividades financeiras (Financial Activities Tax – “FAT”). Isto, com propósitos de justiça fiscal e não de penalização do setor.

 

            Em síntese, o ASSB tem fundamento material na ideia de justiça fiscal e de reposição da igualdade através da distribuição do esforço tributário entre os diversos operadores económicos, não configurando qualquer diferenciação arbitrária em desfavor do setor bancário que está subtributado em relação aos demais.

 

            No que se refere à vertente de violação do princípio da capacidade contributiva, que pressupõe que todos paguem impostos segundo o mesmo critério, objetivando uma justa repartição dos encargos de acordo com a capacidade real de cada um, a Requerida defende que o ASSB assume um recorte idêntico ao da CSB, no que toca à incidência objetiva, abarcando as operações registadas no passivo e os instrumentos financeiros derivados fora do balanço. Considera que este recorte se ajusta aos objetivos do ASSB, como imposto sobre as atividades financeiras, e constitui critério adequado a alcançar a manifestação da capacidade contributiva daquelas entidades, tendo em conta que são fatores que recaem sobre a sua realidade económica e permitem mensurar a sua capacidade contributiva.

 

            Conclui, desta forma, que a opção tomada pelo legislador do ASSB é válida e se inscreve na ampla margem de conformação do legislador fiscal, sendo insuscetível de fundar autónoma censura constitucional.

 

            Sobre os juros indemnizatórios, considera não serem devidos, por não se verificar qualquer vício na (auto)liquidação do ASSB. Ad cautelem, mesmo que assim não se entenda, sustenta que a Administração está subordinada à lei, pelo que não se verifica o pressuposto do erro imputável aos serviços. Invoca, por fim, a inconstitucionalidade do artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT, por violação dos artigos 281.º, 282.º e 18.º da Constituição e do princípio da proporcionalidade, uma vez que não tem a disponibilidade legal de decidir de modo diferente.

 

            Conclui pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo, dirigido à anulação de atos tributários de autoliquidação de ASSB, tributo enquadrável como um imposto (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

De notar que não é controvertida a qualificação do ASSB como um imposto, aceite por ambas as Partes e consonante com o entendimento sufragado pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 149/2024-T, de 27 de fevereiro de 2024.

 

Salienta aquele Tribunal que, apesar das afinidades com a CSB [esta caracterizada como contribuição financeira], “designadamente quanto às respetivas regras de incidência objetiva e subjetiva, o ASSB não comunga das finalidades da primeira”, não sendo possível fazer assentar uma presunção de prestação administrativa provocada ou aproveitada pela Requerente (ou pelo grupo homogéneo de contribuintes em que esta se integra) que o ASSB se destinasse a compensar em torno de uma finalidade como “[…] reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores”.

 

O estabelecimento da necessária conexão não é possível, desde logo, porque não há uma relação de contornos suficientemente definidos entre o regime do IVA no setor financeiro e o sistema de financiamento da Segurança Social. E ainda que essa conexão pudesse ser estabelecida “seria impossível presumir uma qualquer prestação administrativa (ainda que presumida) que suportasse a bilateralidade do tributo”, pois muitas das operações financeiras isentas de IVA “são sujeitas a Imposto do Selo, existindo, inclusivamente, uma regra de incidência alternativa no artigo 1.º, n.º 2 do Código do Imposto do Selo. Assim, o “benefício” da isenção em sede de IVA não corresponde linearmente a uma isenção de tributação”.

“Em segundo lugar, e independentemente da incidência de Imposto do Selo, a “isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras” dificilmente pode ser vista como um benefício para as entidades do setor financeiro, uma vez que, na generalidade das hipóteses contempladas, se trata de uma isenção incompleta, que, como tal, não confere direito à dedução (“[…] no caso das isenções incompletas (que limitam o direito à dedução), a despesa fiscal apenas se traduz no valor acrescentado da última operação da cadeia de valor, por contraposição às isenções completas (que conferem o direito à dedução), em que a despesa contempla todo o valor acrescentado gerado ao longo da respetiva cadeia” – cfr. o relatório do Grupo de Trabalho para o Estudo dos Benefícios Fiscais, Os Benefícios Fiscais em Portugal, 2019, disponível em https://www.portugal.gov.pt/, p. 51). […]

Acresce que o regime fiscal das operações financeiras é complexo e cobre um conjunto heterogéneo de atos dificilmente reconduzíveis a características comuns que permitam o reconhecimento da tal prestação presumida.

Por fim, a modelação de isenções de operações financeiras não está na total disponibilidade do legislador nacional (cfr., designadamente, os artigos 135.º e ss. da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006 relativa ao sistema comum do Imposto sobre o Valor Acrescentado).

Não pode falar-se, enfim, de bilateralidade genérica ou difusa – a bilateralidade é simplesmente inexistente, por falta absoluta de elementos objetivos de conexão que a sustentem. […]”.[2]

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias, previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, contado da notificação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, que no caso ocorreu por ofício datado de 3 de outubro de 2023, tendo a ação arbitral dado entrada em 30 de dezembro de 2023.

 

Não foram identificadas nulidades ou questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

 

  1. Fundamentação de Facto

 

  1. Factos provados

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

  1. A A...– SUCURSAL EM PORTUGAL, aqui Requerente, assegura a representação permanente em Portugal do B... GMBH, instituição de crédito de direito alemão com sede e administração efetiva na Alemanha – cf. Documento 1 e PA.
  2. Na sequência da pandemia de COVID-19 o Conselho de Ministros aprovou, a 4 de junho de 2020, o Programa de Estabilização Económica e Social (“PEES”) cuja materialização se dá, entre outras medidas, na aprovação da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, Orçamento Suplementar para 2020, que vem alterar a Lei do Orçamento do Estado para 2020 (Lei n.º 2/2020 de 31 de março) – cf. https://www.portugal.gov.pt/pt/gc22/comunicacao/documento?i=programa-de-estabilizacao-economica-e-social.
  3. A criação do ASSB pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020 de 24 de julho, surgiu da necessidade de recorrer a fontes adicionais de receita pública por parte do Estado, sendo esta “adstrita a contribuir para suportar os custos da resposta pública à atual crise, através da sua consignação ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social” – cf. Resolução do Conselho de Ministros n. º 41/2020, ponto 4.3.5.
  4. Em 27 de junho de 2023, a Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB relativo ao ano de 2022, mediante a submissão da declaração relevante Modelo 57, tendo pago este imposto – cf. Documentos 3 e 4, comprovativos da submissão e do pagamento.
  5. A autoliquidação efetuada pela Requerente incidiu sobre a média anual dos saldos finais do passivo de cada mês relativo às contas do ano de 2022, tendo sido concretizada com base nos dados contabilísticos cristalizados e referentes a 31 de dezembro desse ano – cf. Documento 11.
  6. Naquela declaração foi apurado o montante a pagar de ASSB referente ao ano de 2022 de € 107.630,62, o qual foi pago pela Requerente – cf. Documento 4.
  7. Inconformada, em 18 de setembro de 2023, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa da autoliquidação de ASSB referente ao ano de 2022, considerando que a mesma enferma de ilegalidade a vários títulos, por violação de preceitos legais, normas constitucionais e disposições europeias, em termos similares aos do pedido de pronúncia arbitral (violação do princípio da não consignação de receitas orçamentais, inconstitucionalidade material por violação do princípio da igualdade e violação do direito da União Europeia no que tange à liberdade de estabelecimento) – cf. Documento 2 e PA.
  8. A Reclamação foi indeferida por despacho de 2 de outubro de 2023, do Chefe de Divisão de Serviço Central, ao abrigo de Subdelegação de competências, tendo a decisão sido notificada à Requerente pelo ofício n.º ...-DST/UGC, de 3 de outubro de 2023 – cf. Documento 1 e PA. 
  9. Como fundamento para o indeferimento da Reclamação Graciosa, a AT indica que não foram invocados fundamentos de ilegalidade por erro quanto aos pressupostos na aplicação das normas a que se refere o regime do ASSB, nem de interpretação ilegal na sua aplicação, mas apenas a inconstitucionalidade, não dispondo, como órgão da administração pública sob direção do Governo, de competências para a apreciação da conformidade constitucional de normas jurídicas, ou sequer da atividade legiferante. Em relação ao vício de desconformidade do direito nacional face ao direito europeu reitera que também não pode fazer o controlo da sua conformidade sob pena da decisão tomada ser nula por incompetência orgânica, pois tal tarefa, à semelhança do juízo sobre a (in)constitucionalidade incumbe aos tribunais. – cf. Documento 1 e PA. 
  10. Em discordância da autoliquidação de ASSB referente ao ano de 2022 e, bem assim, da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa que a manteve, a Requerente apresentou no CAAD, em 30 de dezembro de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem à presente ação – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.

 

2.         Motivação da decisão da matéria de facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, conforme acima referenciado, não se constatando, quanto aos mesmos, divergência das Partes.

 

Relativamente ao parecer do Prof. Doutor António Martins, cuja junção tem acolhimento no disposto no artigo 426.º do Código de Processo Civil (“CPC”), o mesmo é livremente apreciado pelo Tribunal Arbitral. Interessa notar que o referido parecer não foi atendido na fixação da matéria de facto, porquanto respeita à regulamentação aplicável e ao enquadramento técnico-jurídico do ASSB e não propriamente às questões de facto.

 

            3.         Factos não provados

 

            Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

 

  1. Do Direito

 

  1. Questões decidendas

 

            São diversas as questões discutidas na presente ação, cabendo ordená-las, para apreciação deste Tribunal, com prioridade para a invocada desconformidade do regime do ASSB com o direito da União Europeia, atento o disposto no artigo 124.º, n.º 2 do CPPT, uma vez que a sua procedência determina a mais estável e eficaz tutela da Requerente.

 

            Neste âmbito, importa saber se é ou não legalmente admissível a dedução, pelas sucursais de instituições de crédito estrangeiras, à base de incidência do ASSB (passivo) dos elementos nele inscritos com a natureza de “capitais próprios” e dos instrumentos de dívida equiparados a capitais próprios, em moldes idênticos aos verificados em relação às instituições residentes em Portugal. Se essa identidade não se constatar, interessa concluir sobre se a diferenciação é justificada ou se ocorre uma discriminação das sucursais de instituições de crédito estrangeiras, com a consequente violação da liberdade de estabelecimento prevista nos artigos 49.º e 54.º do TFUE, em linha com o declarado pelo Tribunal de Justiça no processo Cofidis, C-340/22.

            Em segundo lugar, na hipótese de o regime do ASSB não ser incompatível com o direito europeu, suscita-se a questão da sua conformidade à Lei Fundamental, em concreto, ao parâmetro da igualdade em duas dimensões, a proibição do arbítrio e a capacidade contributiva.

 

            Interessa notar que se se concluir pela desconformidade com o direito da União Europeia, a questão da inconstitucionalidade não deve ser objeto de análise, por irrelevância. Com efeito, caso a decisão se pronuncie sobre esta matéria, a sua procedência não tem qualquer efeito, uma vez que a autoliquidação de ASSB já estará anulada por violação do direito da União Europeia. É também este o sentido da jurisprudência Constitucional recente (v. a título de exemplo, o acórdão n.º 651/2023, de 10 de outubro de 2023[3]).

 

            Por fim, caso nenhum dos anteriores vícios seja procedente, deve este Tribunal conhecer da alegada violação da lei de enquadramento orçamental, quer relativamente ao princípio da não consignação de receitas, quer à especificação orçamental.

 

            Por fim, cumpre decidir sobre o direito da Requerente a juros indemnizatórios.

 

  1. Breve enquadramento do ASSB

 

Na conjuntura pandémica de crescente pressão sobre o sistema de segurança social, o artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, aprovou o regime do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário ou ASSB, constante do seu Anexo VI, com o objetivo de reforçar os mecanismos de financiamento de segurança social, cuja receita é consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (v. artigos 1.º, n.º 2 e 9.º do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, tal como determinado pela RCM n.º 41/2020, de 6 de junho).

 

Como fundamento legitimador o legislador enuncia que o ASSB constitui uma “forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores”, assumindo implicitamente que o setor bancário é beneficiado pela não tributação, em IVA, das suas operações típicas (v. artigo 1.º, n.º 2 do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho).

 

 Os sujeitos passivos do ASSB são as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração em território português; as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português; e, por fim, as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (v. artigo 2.º do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho).

 

A base de incidência do ASSB é essencialmente constituída pelo Passivo daquelas entidades e sucursais, recortado nos seguintes moldes:

a) O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis […];

b) O valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos”.  (v. artigo 3.º do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho).

 

Prevê-se ainda, segundo o disposto no artigo 4.º, n.ºs 1 e 2 do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que:

1 – Para efeitos do disposto na alínea a) do artigo anterior, entende-se por passivo o conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros, com exceção dos seguintes:

a) Elementos que, segundo as normas de contabilidade aplicáveis, sejam reconhecidos como capitais próprios;

b) Passivos associados ao reconhecimento de responsabilidades por planos de benefício definido;

c) Os depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos e pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo relevam apenas na medida do montante efetivamente coberto por esses Fundos; d) Passivos resultantes da reavaliação de instrumentos financeiros derivados;

e) Receitas com rendimento diferido, sem consideração das referentes a operações passivas; e

f) Passivos por ativos não desconhecidos em operações de titularização.

2 –Para efeitos do disposto na alínea a) do artigo anterior, observam -se as regras seguintes:

a) O valor dos fundos próprios, incluindo os fundos próprios de nível 1 e os fundos próprios de nível 2, compreende os elementos positivos que contam para o seu cálculo de acordo com o disposto na parte II do Regulamento (UE) 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.º 648/2012, tendo em consideração as disposições transitórias previstas na parte X do mesmo Regulamento que, simultaneamente, se enquadrem no conceito de passivo tal como definido no número anterior;

b) Os depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis relevam apenas na medida do montante efetivamente coberto por esses Fundos.”

 

O ASSB é anual e deve ser autoliquidado pelos sujeitos passivos até ao último dia do mês de junho, através do preenchimento da declaração de Modelo Oficial (Declaração modelo 57) aprovada pela Portaria n.º 191/2020, de 10 de agosto.

 

  1. (Des)Conformidade com o direito da União Europeia

 

O Tribunal de Justiça, processo Cofidis, C-340/22, acima referido, pronunciou-se sobre o regime do ASSB e a invocada desconformidade com o direito da União Europeia, relativamente a situação idêntica à que se suscita nos presentes autos, numa dupla perspetiva.

 

Numa primeira vertente, sobre a questão de saber se a criação do ASSB é contrária à Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014 (que fornece o enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento), o Tribunal de Justiça é taxativo no sentido de que esta Diretiva não se opõe ao ASSB, pois não tem “de forma alguma por finalidade harmonizar a fiscalidade das instituições de crédito que exercem uma atividade na União[4].

Quanto à segunda questão, a de saber se a liberdade de estabelecimento prevista nos artigos 49.° e 54.º do TFUE se opõe ao ASSB, por discriminação, no cálculo da base de incidência, das sucursais de instituições de crédito cuja sede se situa no território de outro Estado-Membro, em relação às instituições de crédito que têm sede em Portugal, a resposta do Tribunal de Justiça é no sentido que que essa discriminação é inadmissível, no pressuposto de que a regulamentação nacional permite deduzir à base de incidência capitais próprios e instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios, que não podem ser emitidos por entidades sem personalidade jurídica como essas sucursais, inviabilizando, deste modo, a dedução desses elementos ao Passivo (base de incidência), o que não sucede com as entidades residentes, que os podem emitir e, sendo esse o caso, deduzir.

 

Tal pressuposto tem, nestes termos, de ser confirmado pelo órgão jurisdicional nacional, tendo sido posto em causa pela AT no processo de reenvio prejudicial em causa e, bem assim, nos presentes autos arbitrais. Recorde-se que, a este respeito, o Tribunal de Justiça declara que “incumbe ao Tribunal de Justiça ter em conta, no âmbito da repartição de competências entre os órgãos jurisdicionais da União e os órgãos jurisdicionais nacionais, o contexto factual e regulamentar em que se inserem as questões prejudiciais, conforme definido pela decisão de reenvio. Por conseguinte, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio definiu o quadro factual e regulamentar em que as questões se inserem, não compete ao Tribunal de Justiça verificar a sua exatidão” (ponto 31 do acórdão Cofidis).

 

Uma vez que a definição do quadro factual e regulamentar nacional não se inscreve nas competências do Tribunal de Justiça, este remete a verificação do mesmo aos tribunais nacionais, como resulta do ponto 45 do acórdão Cofidis: “[…] afigura‑se que a regulamentação nacional em causa no processo principal não permite às sucursais das instituições de crédito não residentes exercer as suas atividades nas mesmas condições que se aplicam às filiais de instituições de crédito não residentes, na aceção da jurisprudência recordada no n.° 39 do presente acórdão. Com efeito, ao onerar indistintamente o passivo das filiais e das sucursais das instituições de crédito não residentes, esta regulamentação permite que as filiais reduzam a base de incidência através da dedução dos capitais próprios e dos instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios, embora essa dedução pareça ser legalmente inadmissível para as referidas sucursais, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

Assim, impõe-se, antes de mais, verificar se resulta da regulamentação nacional que as sucursais não podem, como afirma a Requerente, acompanhando as Conclusões do Advogado-Geral no acórdão Cofidis, “contabilizar capitais próprios no seu balanço e, a esse título, deduzi-los da sua base de incidência do ASSB” o que “leva a que as sucursais de instituições de crédito não residentes sejam prejudicadas em relação às instituições de crédito residentes e às filiais de instituições de crédito não residentes”, nem “emitir instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios como, nomeadamente, obrigações convertíveis, obrigações participantes, ações preferenciais remíveis e obrigações contingentes convertíveis, pelo que também não podem deduzir tais instrumentos da sua base de incidência.

 

  1. Sobre a “dedução de capitais próprios”

 

Quanto ao primeiro segmento, se é verdade que a personalidade jurídica determina a inexistência de capital social na aceção que este tem no direito das sociedades, tal não significa que as sucursais não possam reconhecer contabilisticamente como capitais próprios e fundos próprios determinadas realidades. Essa é, aliás, uma prática comum nas sucursais financeiras e tem cabimento nas normas contabilísticas aplicáveis (IAS 32). Entendimento que também decorre da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito da Contribuição sobre o Setor Bancário (“CSB”), de que se retira o seguinte excerto ilustrativo:

 

“3.2.3.9. Note-se, de resto, que as sucursais têm elementos que podem ser reconhecidos como capitais próprios, uma vez que são criadas e movimentadas contas de capital próprio, pelo menos o “capital afecto” (se existir) e os resultados transitados, nada impedindo que a sociedade-mãe aloque à sua sucursal em Portugal uma dotação de capital de base (“elementos do capital próprio”) registado em contas de capital próprio, caso em que tudo se assemelha às entradas feitas pelos sócios às empresas e que não são remuneradas, o que significa que, tal como o capital próprio dos bancos residentes é excluído da base de incidência da CSB, o mesmo sucede ao “capital afecto” às sucursais, quando contabilizado como tal.

3.2.3.10. Concluímos assim que, no caso das Sucursais, em Portugal, distintamente do que defende a Recorrente, o passivo inclui as dívidas para com a sede, pois também estas são consideradas dívidas para com terceiros, pelo que, não se verifica o erro na determinação da base tributável imputado aos actos impugnados, o que determina que se julgue improcedente, também nesta parte, o recurso jurisdicional interposto e se declare prejudicada a apreciação da questão relativa aos juros indemnizatórios (identificada sob o n.º 6 no ponto 2 deste acórdão) que tinha como pressuposto necessário que algum dos vícios tivesse obtido provimento, o que não foi o caso.” – v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de setembro de 2022, processo n.º 0938/17.6BELRS, de 21 de setembro de 2022. No mesmo sentido, vejam-se os acórdãos de 12 de outubro de 2022, processo n.º 0850/17.9BELRS; de 13 de julho de 2022, processo n.º 09/21.0BELRS; e de 31 de maio de 2023, processo n.º 090/21.2BELRS.

 

A base de incidência do ASSB, à semelhança da da CSB, da qual foi decalcada, é formada pelo Passivo das entidades, caracterizado pelo conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representam uma dívida para com terceiros, com exceção dos elementos que, segundo as normas de contabilidade aplicáveis, sejam reconhecidos como capitais próprios, assim como outros assimilados enumerados no artigo 4.º do Regime do ASSB.

 

O Regime do ASSB prevê que, para a determinação da sua base de incidência, ao Passivo deve ser deduzido o valor de algumas rubricas, também do Passivo, que integrem a definição de fundos próprios (v. artigo 3.º do Regime do ASSB).

 

Ora, as rubricas de capitais próprios não são rubricas do Passivo, pelo que os valores aí inscritos não serão dedutíveis à base de incidência do ASSB, seja no caso das instituições de crédito residentes, seja no caso das sucursais de instituições de crédito não residentes relativamente ao capital afeto/dotações de capital.

 

Neste âmbito, compulsa-se, de novo, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que chega a esta conclusão, a propósito da base de incidência da CSB, que é idêntica à do ASSB:

“[…] estando a Recorrente sujeita ao regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras (o que é indiscutível), tem que ter nela centralizada toda a contabilidade específica das suas operações realizadas em Portugal, incluindo criação e movimentação de contas de capital próprio (capital afecto) e os resultados transitados, pelo menos o “capital afecto” (se existir) tendo, em consequência, elementos que podem ser reconhecidos como capitais próprios. E sendo de expurgar ao valor total do passivo apenas os elementos que o integram, de acordo com as normas de contabilidade aplicáveis, se esse passivo, apurado pelos sujeitos passivos, não integrar quaisquer elementos que possam ser considerados como “elementos dos fundos próprios” nenhuma importância será deduzida a esse título, independentemente de estarem em causa sucursais de entidades não residentes ou sucursais de sociedades residentes como resulta, desde logo, do facto de o legislador ter cuidado de utilizar a expressão «passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável».

Em síntese, em conformidade com o que dispõe os artigos artigo 3.°, al. a) do Regime Jurídico da Contribuição sobre o Sector Bancário e 3.°, al. a) e 4.º da Portaria 121/2011, de 30 de Março (na redacção introduzida pela Portaria n.º 165-A/2016, de 14 de Junho), é ao passivo [tal como delimitado pelo artigo 3.° al. a)] que são deduzidos os elementos identificados nas alíneas do n.º 1, do artigo 4° da mesma Portaria, sendo que, para efeitos do apuramento do passivo referido no artigo 3.°, al. a), por força do n.º 2 do artigo 4.º, o valor dos fundos próprios há-de calcular-se por apelo ao normativo constante a respeito do Regulamento (UE) ali referido. Ou seja, o que resulta do artigo 4° da Portaria 165- A/2016, de 14 de Junho é que o cálculo da base de incidência da contribuição sobre o sector bancário não inclui todo o valor do passivo constante do balanço pois contempla várias excepções que, embora fazendo parte integrante do passivo que figura no balanço, não inclui naquele valor. E esta exclusão da base de incidência da CSB também se aplica aos bancos residentes. Note-se, de resto, que as sucursais tem elementos que podem ser reconhecidos como capitais próprios, uma vez que são criadas e movimentadas contas de capital próprio, pelo menos o “capital afecto” (se existir) e os resultados transitados, nada impedindo que a sociedade-mãe aloque à sua sucursal em Portugal uma dotação de capital de base (“elementos do capital próprio”) registado em contas de capital próprio, caso em que tudo se assemelha às entradas feitas pelos sócios às empresas e que não são remuneradas, o que significa que, tal como o capital próprio dos bancos residentes é excluído da base de incidência da CSB, o mesmo sucede ao “capital afecto” às sucursais, quando contabilizado como tal. (…) Daí que (…), mesmo na ausência, na sua contabilidade, de rubricas de “capital próprio”, a questão da sua exclusão do passivo apurado para efeitos de incidência da CSB é uma falsa questão, não podendo concluir-se daí que haja discriminação. Porque do artigo 3.º da Portaria não resulta imposta qualquer restrição negativa a este nível. Porque dele também não resulta uma discriminação positiva a favor das entidades residentes, uma vez que a norma se limita a excluir do passivo, para efeitos de incidência, os elementos que o legislador considerou não estarem associados ao risco que visa prevenir. Ou seja, (…), não há qualquer penalização em resultado da disciplina jurídica consagrada, uma vez que a exclusão da base de incidência “dos elementos do passivo que integram os fundos próprios” de que beneficiam as instituições residentes não reduz o valor do passivo que a lei pretende “ penalizar” com a aplicação da CSB (…), antes se limita a retirar do passivo o montante relativo aos fundos próprios (que em termos contabilísticos integram a rubrica do “ passivo”) a que o legislador entendeu não estarem associados o risco que visa prevenir com o regime instituído. Donde, mesmo acompanhando a tese da Recorrente, no sentido de que as sucursais, pela natureza e especificidade jurídicas que lhe estão reconhecidas, não possuem, em rigor, na rubrica do “passivo” quaisquer elementos que integrem fundos próprios, a questão da sua exclusão para efeitos de incidência da CSB, precisamente por não existirem, não se coloca. E, não se colocando, também não existe fundamento algum para que se conclua que existe, directa ou indirectamente, qualquer tratamento discriminatório em razão da sua nacionalidade, proscrito pelo artigo 18.º do TFUE. Tal como não se logra encontrar razão alguma capaz de sustentar a violação do princípio de liberdade de estabelecimento consagrado no artigo 49.º do mesmo Tratado, quer porque não existe (nem foi invocada) qualquer disposição no ordenamento jurídico nacional que permita concluir que às sucursais de instituições bancárias não residentes está vedado o exercício da sua actividade nas mesmas condições que essa actividade é exercida pelas instituições residentes em território nacional quer porque, pelo contrário, ficou demonstrado que o regime jurídico nacional instituído para efeitos de incidência da CSB confere a entidades residentes e não residentes exactamente o mesmo tratamento, apenas se verificando, quanto às sucursais, a inaplicabilidade de uma norma - dedução ao passivo de determinados elementos que integram os fundos próprios, não existindo, o que é amplamente justificado pela natureza da entidade e pelos fins que a este normativo legal estão associados.[…] – v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 31 de maio de 2023, processo n.º 090/21.2BELRS.

 

A esta conclusão chega também Tomás Cantista Tavares em diversos processos arbitrais, afirmando que “as sucursais financeiras podem ter elementos que sejam reconhecidos como capitais próprios afetos pela casa mãe (Tier 1 e 2), pelo menos via rúbrica de “capital afeto”; e nada impede, além disso, que a sociedade-mãe aloque à sua sucursal em Portugal uma dotação de capital de base (“elementos do capital próprio”) registado em contas de capital próprio (Ac. STA n.º 090/21.2BELRS, de 31/5/2023 – e também, no mesmo sentido, o Ac. 0938/17.6BELRS, de 21/9/2022)”, de onde conclui que a liquidação de ASSB não viola o princípio da liberdade de estabelecimento – v. voto de vencido na decisão arbitral n.º 325/2023-T e decisão arbitral n.ºs 609/2023-T.

 

Em síntese:

  • As sucursais de instituições de crédito não residentes podem reconhecer na sua contabilidade capitais próprios/rúbricas de capital, tal como as instituições de crédito residentes;
  • Os valores reconhecidos em rubricas de capital não são, em qualquer dos casos (instituições de crédito residentes e não residentes), dedutíveis à base de incidência do ASSB;
  • Deste modo, não ocorre, quanto ao reconhecimento e contabilização em rubricas de capitais próprios e à respetiva (não) dedução à base de incidência de ASSB, qualquer diferença de tratamento das instituições de crédito residentes face às sucursais de instituições de crédito não residentes, pelo que não se verifica quanto a este segmento discriminação passível de consubstanciar uma restrição à liberdade de estabelecimento das sociedades (bancos) não residentes.

 

Improcede, quanto a este fundamento, o vício de índole material imputado pela Requerente à autoliquidação de ASSB.

 

  1. Sobre a “dedução de instrumentos de dívida equiparados a capitais próprios”

 

Suscita ainda a Requerente outra fonte de discriminação na base de incidência do ASSB, relativamente às sucursais de instituições de crédito não residentes, que se prende com a impossibilidade, quanto a estas sucursais, de emissão de instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios, dado serem desprovidas de personalidade jurídica e, consequentemente, da subtração do valor dos mesmos à matéria tributável do ASSB.

 

Relembra-se, para este efeito, que o artigo 3.º do Regime do ASSB permite a dedução à sua base de incidência [que é, em termos gerais, o Passivo] – dos elementos reconhecidos/ contabilizados também no Passivo, que integrem os fundos próprios (de nível 1 e de nível 2), conforme definidos no artigo 4.º, n.º 2, alínea a)[5]. Nestes elementos incluem-se os instrumentos de dívida que, derivado de características específicas, têm alguma proximidade com instrumentos de capital próprio, razão pela qual contam/contribuem para os rácios prudenciais de capital exigidos para efeitos de garantia de solvabilidade das instituições de crédito, face aos riscos da sua atividade, “elemento essencial para medir o seu nível de resistência a choques adversos que impliquem perdas ou prejuízos[6].

 

Como refere António Martins[7] no parecer junto aos autos, os conceitos de “capital próprio” e “fundos próprios”, quando aplicados ao setor bancário, não são totalmente coincidentes. A “distinção surge nítida no Aviso do Banco de Portugal nº 6/2010 de 31-12-20102 que rege sobre fundos próprios, onde se lê, no Preâmbulo, que: “(…) tal como estabelecido pelo Aviso do Banco de Portugal nº 2/2005, o regime prudencial dos fundos próprios não deve acolher, diretamente, a classificação entre instrumento de dívida e instrumento de capital consignada nas Normas Internacionais de Contabilidade”. Neste contexto, o conceito contabilístico de capital próprio encontra-se definido na IAS 32, §11, que preceitua o seguinte: “O capital próprio é a participação residual nos ativos da entidade após a dedução de todos os seus passivos”. A este propósito é a IAS 32 que desenvolve, como é conhecido, alguns critérios de classificação como capital próprio ou como passivo relativamente a certos instrumentos financeiros (e.g., obrigações subordinadas, obrigações convertíveis, ações preferenciais). Por outro lado, já o conceito de fundos próprios de nível 1 e de nível 2 (Tier 1 e Tier 2) referidos no diploma legal que criou o ASSB decorre do Regulamento 575/2013 , como adiante melhor se verá. No caso dos fundos próprios apurados para efeitos de cálculo de ratios prudenciais de capital das instituições financeiras (elemento essencial para medir o seu nível de resistência a choques adversos que impliquem perdas ou prejuízos) este Regulamento, no seu artigo 62.º, permite que, em certas condições, alguns passivos (contabilísticos) se adicionem (ou se integrem) nos fundos próprios. Face ao exposto, pois, desta distinção que resulta o que na lei se prescreve como “elementos de passivo que integram os fundos próprios…”.”[8] [9]

 

Em resumo, as instituições de crédito residentes podem emitir estes instrumentos de dívida equiparados a “capitais próprios” e deduzir o seu valor à base de incidência do ASSB, reduzindo-a, portanto. Porém, já não o podem fazer as sucursais das instituições de crédito não residentes, pois essa emissão não lhes é permitida (só a casa-mãe/sede no seu país de origem o poderá fazer e, naturalmente, por extraterritorialidade, tais instrumentos não poderão ser tidos em conta – a deduzir – na base tributável do ASSB português). Verifica-se, assim, neste ponto, uma desvantagem e o tratamento discriminatório negativo das sucursais de instituições de crédito não residentes, por comparação com as entidades residentes, por as primeiras não poderem emitir instrumentos de passivo integrantes de fundos próprios, na aceção dos artigos 62.º e seguintes do Regulamento 575/2013 e do Anexo VI da Lei n.° 27-A/2020, de 24 de julho.

 

Nestas condições, como assinala o Advogado-Geral nas Conclusões do processo Cofidis, a regulamentação nacional pode tornar menos atrativo, para as sociedades sedeadas noutro Estado‑Membro, o exercício das suas atividades em Portugal através de uma sucursal.

 

À face do exposto, verifica-se um dos pressupostos que o Tribunal de Justiça considerou relevantes para aferir da existência de tratamento discriminatório do regime do ASSB no processo Cofidis: o da impossibilidade de emissão, pelas sucursais em Portugal de instituições de crédito não residentes, de instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios e, por conseguinte, da impossibilidade redução da base de incidência do ASSB através da dedução destes elementos do Passivo (uma vez que no caso das sucursais dele não constam).

 

Começa por referir o Tribunal de Justiça, no aresto Cofidis, que a liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.° e 54.° TFUE abrange, no que se refere às sociedades constituídas segundo a legislação de um Estado‑Membro e que tenham a sua sede social, administração central ou estabelecimento principal na União, o direito de exercerem a sua atividade noutros Estados‑Membros por intermédio de uma filial, sucursal ou agência, devendo os operadores económicos poder escolher livremente a forma jurídica apropriada para o exercício das suas atividades noutro Estado‑Membro, sem que tal escolha seja limitada por disposições fiscais discriminatórias (pontos 37 a 39 do acórdão Cofidis).

 

São proibidas não apenas as discriminações ostensivas baseadas no lugar da sede das sociedades, mas também quaisquer formas dissimuladas de discriminação que, em aplicação de outros critérios de distinção, conduzam, de facto, ao mesmo resultado, considerando-se restrições à liberdade de estabelecimento todas as medidas que proíbam, perturbem ou tornem menos atrativo o exercício da liberdade garantida pelo artigo 49.° TFUE. Nestes termos, um critério de diferenciação aparentemente objetivo, mas que, na maioria dos casos desfavorece, tendo em conta as suas características, as sociedades que têm a sua sede noutro Estado‑Membro e que estão numa situação comparável à das sociedades com sede no Estado‑Membro de tributação constitui uma discriminação indireta em razão do lugar da sede das sociedades, proibida pelos artigos 49.° e 54.° TFUE  (pontos 40 a 42 do acórdão Cofidis).

 

Ora, no caso do ASSB, a regulamentação nacional, apesar de onerar indistintamente o passivo das filiais e das sucursais das instituições de crédito não residentes, permite que as filiais reduzam a base de incidência através da dedução de instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios, mas não possibilita tal dedução para as referidas sucursais, na medida em que, como acima descrito, estas não têm personalidade jurídica, condição de emissão de tais instrumentos de dívida. Em linha com a posição do Advogado-Geral, o Tribunal de Justiça considera que esta regulamentação pode tornar menos atrativo, para as sociedades de outro Estado‑Membro, o exercício das suas atividades em Portugal através de uma sucursal e constituir uma restrição à liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.° e 54.° TFUE (pontos 45 a 47 do acórdão Cofidis).

 

A mencionada diferenciação (negativa) das sucursais, para ser compatível com a liberdade de estabelecimento, teria de dizer respeito a situações que não fossem objetivamente comparáveis ou ser justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.

 

Neste domínio, o Tribunal de Justiça conclui que estamos perante situações comparáveis, não sendo a discriminação justificada, com os fundamentos infra reproduzidos:

 

“49 Primeiro, é facto assente que a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do Estado‑Membro em causa deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais controvertidas, bem como o objeto e o conteúdo destas últimas (v., neste sentido, Acórdão de 17 de março de 2022, AllianzGI‑Fonds AEVN, C‑545/19, EU:C:2022:193, n.° 59 e jurisprudência referida).

50 Como resulta das indicações dadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, o ASSB que onera indistintamente todo o setor bancário em Portugal, incluindo as instituições de crédito residentes, as filiais e as sucursais portuguesas das instituições de crédito não residentes, tem por objetivos apoiar financeiramente o sistema nacional de segurança social e restaurar o equilíbrio entre a carga fiscal suportada por esse setor, que beneficia de uma isenção do IVA sobre a maior parte dos serviços financeiros, e a suportada por todos os outros setores da economia portuguesa.

51 À luz destes objetivos, as disposições nacionais apresentadas pelo órgão jurisdicional de reenvio não procedem a nenhuma distinção entre as instituições de crédito residentes e as filiais e as sucursais de instituições de crédito não residentes.

52 De resto, não resulta da decisão de reenvio que o objeto e o conteúdo das disposições nacionais em causa procedem a essa distinção.

53 Por conseguinte, nada parece indicar que a situação de uma instituição de crédito não residente que exerce a sua atividade através de uma sucursal não seja objetivamente comparável à situação de uma instituição de crédito residente ou de uma filial de uma instituição de crédito não residente.

54 Segundo, no que se refere à justificação da diferença de tratamento por uma razão imperiosa de interesse geral, o Governo Português afirma, nas suas observações escritas, que a vantagem fiscal conferida pela regulamentação nacional em causa no processo principal às instituições de crédito residentes, e às filiais de instituições de crédito não residentes, se justifica pela necessidade de garantir a coerência do regime fiscal nacional.

55 Ora, segundo jurisprudência constante, para que tal justificação possa ser admitida é necessário que se demonstre a existência de um nexo direto entre a vantagem fiscal em causa e a compensação da mesma através de uma determinada cobrança fiscal (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de junho de 2018, Bevola e Jens W. Trock, C‑650/16, EU:C:2018:424, n.° 45, e de 27 de abril de 2023, L Fund, C‑537/20, EU:C:2023:339, n.° 68 e jurisprudência referida).

56 No caso em apreço, nenhum elemento dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça indica que a dedutibilidade dos capitais próprios da base de incidência a título do ASSB é compensada por uma determinada cobrança fiscal, suportada pelas instituições de crédito residentes e pelas filiais de instituições de crédito não residentes.

57 Daqui resulta que a restrição à liberdade de estabelecimento operada pela regulamentação nacional em causa no processo principal não pode ser justificada pela necessidade de preservar a coerência do regime fiscal português.

58 Por fim, a Comissão Europeia defendeu, na audiência, que a diferença de tratamento resultante da regulamentação nacional em causa no processo nacional se pode justificar, no que se refere à dedutibilidade dos instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios da base de incidência a título do ASSB, pela necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros. Esta instituição observou nomeadamente que excluir as sucursais da possibilidade de beneficiar desta dedutibilidade permite evitar que estas últimas possam escolher livremente o perímetro da sua base de incidência do ASSB, aí incluindo de modo artificial instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios que emanam das suas sociedades‑mães, sem que os referidos instrumentos tenham necessariamente uma ligação com as suas atividades em Portugal.

59 A este respeito, importa recordar que tal justificação pode ser admitida quando, designadamente, o regime em causa vise prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado‑Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (Acórdão de 27 de abril de 2023, L Fund, C‑537/20, EU:C:2023:339, n.° 76 e jurisprudência referida).

60 Assim, o Tribunal de Justiça declarou que este objetivo se destina, nomeadamente, a salvaguardar a simetria entre o direito de tributar os lucros e a faculdade de deduzir as perdas de um estabelecimento estável, uma vez que o facto de admitir que as perdas de um estabelecimento estável não residente possam ser deduzidas do rendimento da sociedade principal teria como consequência permitir que esta última escolhesse livremente o Estado‑Membro no qual poderia invocar essas perdas (Acórdão de 4 de julho de 2013, Argenta Spaarbank, C‑350/11, EU:C:2013:447, n.° 54).

61 No entanto, quando um Estado‑Membro tenha optado por não tributar as entidades estabelecidas no seu território, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros para justificar a tributação das entidades estabelecidas noutro Estado‑Membro (v., por analogia, Acórdãos de 18 de junho de 2009, Aberdeen Property Fininvest Alpha, C‑303/07, EU:C:2009:377, n.° 67 e jurisprudência referida, e de 27 de abril de 2023, L Fund, C‑537/20, EU:C:2023:339, n.° 77 e jurisprudência referida).

62 No caso em apreço, a República Portuguesa escolheu não tributar as instituições de crédito residentes e as filiais de instituições de crédito não residentes no que respeita aos instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios.

63 Assim sendo, este Estado‑Membro não pode invocar a necessidade de assegurar uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros para justificar a tributação das sucursais de instituições de crédito não residentes no que respeita a esses instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios.

64 Daqui resulta que a restrição à liberdade de estabelecimento operada pela regulamentação nacional em causa no processo principal não se afigura justificada pela necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros.

65 Por conseguinte, há que responder à segunda questão que a liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.° e 54.° TFUE deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que cria um imposto cuja base de incidência é constituída pelo passivo das instituições de crédito residentes, bem como das filiais e das sucursais das instituições de crédito não residentes, uma vez que a referida regulamentação permite deduzir capitais próprios e instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios, que não podem ser emitidos por entidades sem personalidade jurídica, como essas sucursais.”

 

            O artigo 8.º, n.º 4, da Constituição estabelece que “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”. Desta norma decorre a primazia do direito da União Europeia. Além de que a interpretação do direito da União Europeia pelo Tribunal de Justiça (v. artigo 267.º do TFUE), tem caráter vinculativo para os Tribunais nacionais, o que implica a sua observância no âmbito do presente processo.

 

À face do exposto, conclui-se pelo caráter discriminatório da tributação da Requerente em sede de ASSB, constitutivo de uma restrição injustificada à liberdade de estabelecimento (v. artigos 49.º e 54.º do TFUE), como confirmado pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 21 de dezembro de 2023, no processo Cofidis, C-340/22[10]. Nestes termos, o regime do ASSB deve ser desaplicado, sendo anulável, por erro de direito, o ato de autoliquidação no mesmo suportado, bem como a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa que o manteve, assistindo razão à Requerente com este fundamento, pelo que o pedido arbitral deve ser julgado procedente.

 

 

  1. Questões Prejudicadas

 

            Alcançada, por este Tribunal Arbitral, a conclusão de que o regime do ASSB é desconforme ao direito da União Europeia fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas submetidas à apreciação deste Tribunal, nomeadamente a da violação do princípio da igualdade e da lei de enquadramento orçamental, por irrelevância, pois caso a decisão se pronuncie sobre estas matérias, a sua procedência não tem efeito, tendo em conta que a autoliquidação de ASSB vai anulada com outros fundamentos (por violação do direito da União Europeia) – v. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, e, ainda, no mesmo sentido o acórdão do Tribunal Constitucional, de 10 de outubro de 2023, n.º 651/2023.

 

            Em qualquer caso, obiter dictum, sempre se dirá que, de harmonia com a fundamentação do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 469/2024, de 10 de junho de 2024, a que se adere, se não se concluísse (como se conclui) pela violação do direito da União Europeia, decidiria este tribunal no sentido da desaplicação das normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a) do Regime que cria o ASSB, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, por violação do princípio da igualdade, na dimensão de proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária. Deste modo, também por essa via, a liquidação de ASSB seria anulável, com a procedência do pedido arbitral.

 

  1. Juros indemnizatórios

 

A Requerente, peticiona, como decorrência da anulabilidade ato de autoliquidação de ASSB, a restituição da quantia paga, acrescida de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT, que, no seu n.º 1 dispõe que estes são devidos “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

O direito a juros indemnizatórios pode ser reconhecido no processo arbitral como resulta do disposto no artigo 24.º, n.º 5 do RJAT e da jurisprudência consolidada.

 

Esta disciplina deriva do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.

 

O que significa que na execução do julgado anulatório a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que “existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado”.

 

Acresce que o Tribunal de Justiça tem decidido que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência, não só direito ao reembolso, como o direito a juros – v. acórdão de 18 de abril de 2013, no processo Mariana Irimie, C-565/11 (e outros nele citados), em que se refere que:

21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).”

 

Compete à ordem jurídica interna dos Estados-Membros prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União.

 

 Por seu turno, a noção de “erro imputável aos serviços” concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte, mas à Administração, e compreende “não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro” (v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 8 de março de 2017, processo n.º 01019/14 e acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 7 de maio de 2020, processo n.º 19/10.3BELRS).

 

O erro de direito pode, assim, resultar, quer da má interpretação das normas legais em vigor, quer da aplicação de normas desconformes com o bloco de legalidade que lhes serve de parâmetro, designadamente o direito da União Europeia.

 

O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 9 de novembro de 2022, proferido no processo n.º 087/22.5BEAVR, pronunciou-se favoravelmente à qualificação de “erro imputável aos serviços” em relação a atos não efetuados diretamente pela própria AT, mas pelos operadores económicos, no caso, retenções na fonte que, para este efeito, se devem equiparar à autoliquidação;

 

“Por isso, colhem de pleno os argumentos da recorrente no sentido de que, tendo sido o IS liquidado e cobrado pelas instituições financeiras, em substituição da AT tal como lhe é perpetrado pela lei (artigo 2.º do Código do IS), o erro de direito tem de ser imputado precisamente “aos serviços” como antedito […].”.

 

O Supremo Tribunal Administrativo tem ainda entendido que o erro imputável aos serviços fica demonstrado quando seja procedente a reclamação graciosa ou impugnação da liquidação e o contribuinte não tenha contribuído para aquele [erro]. E preconiza ainda que “Resultando a ilegalidade do acto anulado da desconformidade do mesmo com normas de direito da União Europeia, para além da restituição da quantia ilegalmente retida, são devidos juros indemnizatórios, por tal ilegalidade não ser imputável ao contribuinte.” – v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de outubro de 2020, processo n.º 01273/08.6BELRS 01364/17. Relembra-se que, na situação dos autos, o que está em causa é a violação do direito da União Europeia, em concreto da liberdade de estabelecimento consagrada nos artigos 49.º e 54.º do TFUE e também do artigo 8.º, n.º 4 da Constituição, que consubstancia um erro de direito que não pode deixar de ser imputado aos órgãos do Estado português.

 

            Em síntese, à face do exposto, sendo a liquidação praticada com erro, no caso, por violação do direito da União Europeia, o que interessa saber é apenas se a Requerente contribuiu para esse erro. O que não se verificou, nem sequer foi alegado. Não sendo o erro que afeta a autoliquidação imputável à Requerente, é-o à AT e o facto de não ser praticado diretamente pela AT, não afasta essa imputabilidade, pois, a ilegalidade, quando não é baseada em informações erradas do contribuinte, não lhe é imputável. Assim, ao não reconhecer o erro de direito de que padece a autoliquidação em fase de reclamação graciosa, a AT incorre na obrigação de acrescer juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1 e 100 da LGT, contados a partir do dia 3 de outubro de 2023, tendo em conta que o despacho de indeferimento daquela reclamação data de 2 de outubro de 2023.

           

            Não há que apreciar a inconstitucionalidade alegada pela Requerida, em relação à norma do artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT, uma vez que a aplicação da mesma não se suscita in casu.

 

* * *

 

 

 

  1. Decisão

 

À face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar a ação procedente e em consequência:

  1. Anular a autoliquidação de ASSB supra identificada, referente ao ano 2022,  bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que a manteve, com a inerente restituição do valor de € 107.630,62;
  1. Reconhecer o direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT e do artigo 61.º, n.º 5 do CPPT.

 

 

VI.     Valor do Processo

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 107.630,62 (cento e sete mil, seiscentos e trinta euros e sessenta e dois cêntimos), indicado pela Requerente e não impugnado pela Requerida, respeitante ao valor da liquidação do ASSB que aquela pretende anulado (valor da utilidade económica do pedido), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

VII.    Custas

 

            Fixam-se as custas no montante de € 3.060,00 (três mil e sessenta euros), a suportar pela Requerida por decaimento, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT e com a Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Lisboa, 11 de setembro de 2024

 

Notifiquem-se as Partes.

 

Os árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins, Relatora

 

 

 

 

José Nunes Barata

 

 

 

 

Pedro Guerra Alves

 

 



[1] Fundos próprios de nível 1 e de nível 2.

[2] No mesmo sentido da qualificação do ASSB como imposto vejam-se as decisões arbitrais n.ºs 504/2021-T e 598/2022-T.

[3] Declara o Tribunal Constitucional a este respeito: “[…] como expressivamente se disse no Acórdão n.º 250/86, que se aplica ao caso dos autos com as devidas adaptações, “ir agora decidir a questão da constitucionalidade do artigo 26º, nº 3, do Decreto-Lei nº 437/75, significaria ir proferir uma decisão sobre uma questão puramente académica, sem qualquer influência na definição do direito do caso concreto. Assim, pois, o tão-só verificar se tal norma é ou não conforme à Constituição é um interesse que, do ponto de vista processual, é, de todo, irrelevante. É, consequentemente, res inutilis, «coisa vã». Há, assim, que concluir, com o magistrado do Ministério Público, que, no caso, por falta de interesse jurídico relevante, se não deve tomar conhecimento do recurso”.

Partindo do que se acabou de expor e aplicando-o ao caso concreto e à decisão recorrida, entende-se, pelos motivos que já constam ex abundanti do aresto citado, que não se deve conhecer do objeto do presente recurso, uma vez que essa decisão se manteria inalterada qualquer que fosse o desfecho deste recurso de constitucionalidade, pelo que, citando o Acórdão n.º 464/2018, aqui também aplicável mutatis mutandis, “inexiste uma “verdadeira recusa” de aplicação de normas naquelas situações em que o juízo de inconstitucionalidade consubstancia um simples obiter dictum ou um argumento ad ostentationem, no sentido em que a norma aparentemente qualificada de inconstitucional acaba por não ter qualquer influência sobre a conclusão obtida, não constituindo por isso ratio decidendi do pronunciamento recorrido (entre outros, cf. Acórdãos n.º 62/84, 138/85, 138/85, 14/91, 634/94, 152/98, 389/98). Nesta hipótese, em que o juízo de inconstitucionalidade desempenha um papel subsidiário ou de reforço na fundamentação da decisão recorrida, o Tribunal não deverá conhecer do objeto do recurso em face da função instrumental dos recursos de constitucionalidade (cf., entre outros, Acórdão n.º 152/2009)” – v. acórdão n.º 651/2023.

[4] V. Fundamenta o Tribunal de Justiça, no ponto 23 do acórdão Cofidis, nos termos seguintes “como resulta dos considerandos 1 e 5 desta diretiva, esta foi adotada na sequência da crise financeira, que demonstrou a necessidade de prever instrumentos adequados para tratar a insolvência, nomeadamente, das instituições de crédito, fazendo suportar os riscos correspondentes aos seus acionistas e credores, e não aos contribuintes[…], incumbe com efeito ao setor financeiro, no seu conjunto, financiar a estabilização do sistema financeiro.” Acrescenta ainda que as contribuições pagas pelas instituições financeiras ao abrigo da citada Diretiva não constituem impostos, mas procedem de uma lógica baseada na garantia, pelo que este diploma não pode obstar à aplicação de um imposto nacional, como o ASSB, que incide sobre o passivo das instituições e cujas receitas visam financiar o sistema nacional de segurança social, sem apresentar nenhuma relação com a resolução e a recuperação dessas mesmas instituições (v. pontos 24 e 26 do acórdão Cofidis).

[5] Com remissão para os Regulamentos aplicáveis da União Europeia, em especial para o Regulamento (UE) n.° 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013.

[6] V. p. 8 do parecer do Prof. Doutor António Martins.

[7] V. pp. 8 e 9 do citado parecer.

[8] São várias as razões que, segundo António Martins, concorrem para existirem múltiplos exemplos destes elementos passivos que integram fundos próprios nas instituições bancárias nacionais:

“– Em primeiro lugar, a emissão de dívida que fortalece fundos próprios é uma alternativa - para efeitos de cálculo de ratios prudenciais - à emissão de ações. Esta teria como consequência negativa o conhecido “efeito de diluição” das posições dos acionistas que não pudessem acompanhar essas eventuais emissões.

 – Em segundo lugar, a dívida, ao evitar aumentos de capital social, também não reduz certos indicadores de rendibilidade como seja o return on equity (ROE), apurado com base no capital próprio contabilístico.

– Em terceiro lugar, existirem investidores no mercado financeiro que procuram títulos com maior remuneração esperada (como sejam as obrigações subordinadas) ainda que com maior risco (face à dívida sénior).

[9] Já não se acompanha o raciocínio de António Martins relativamente ao tema do capital próprio, ou dito de outro modo, do capital afeto às sucursais, pelas razões anteriormente explanadas em adesão à posição do Supremo Tribunal Administrativo.

[10] Tendo a questão decidenda ficado devidamente aclarada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça citada, não há que a suscitar por via do mecanismo de reenvio prejudicial (v. acórdão de 6 de outubro de 1982, Cilfit, processo 283/81).