SUMÁRIO:
Nos termos do n.º 3 do artigo 46º do CIRS, demonstrando-se que o VPT do prédio alienado é inferior ao custo de aquisição do terreno, acrescido dos encargos havidos com a construção do aí edificado, não poderá deixar de relevar o último dos referidos critérios para efeitos de fixação do valor de aquisição.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro singular, Luís Sequeira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante apenas ‘CAAD’) para constituir o presente Tribunal Arbitral (TA) singular, no âmbito do qual se decide o seguinte
DECISÃO ARBITRAL
Requerente: A... (doravante “Requerente”)
Requerido: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” e “Requerida”)
1. Relatório
A..., contribuinte n.º ..., residente em cidadã britânica, contribuinte fiscal n.º..., com residência na ..., ...., ..., ..., Reino Unido, doravante designada por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral (PPA) com vista à anulação da decisão de indeferimento tácito do Recurso Hierárquico e bem assim do ato tributário de liquidação de IRS de 2020, com o n.º n. º 2022, ..., relativa ao ano fiscal de 2020, no valor total de € 28.836,54 e que é o objeto de tal meio gracioso de defesa.
Em síntese, a Requerente fundamenta a ilegalidade do ato tributário e da decisão silente em causa, assente no seguinte:
- falta de fundamento da AT para desconsiderar as faturas apresentadas, por alegadas desconformidades com o CIVA;
- ter a Requerente comprovado o custo que aquisição e construção do imóvel objeto de alienação, o que constitui uma violação por parte da AT ao disposto no n.º 3 do artigo 46º do CIRS;
Entende a Requerente ter, no âmbito do procedimento gracioso, efetuado prova cabal dos custos de construção em que referre ter incorrido na construção do imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ... .º (que teve origem no artigo ....º da mesma freguesia, o qual por sua vez proveio do artigo R -...).
Nos termos da segunda parte do n.º 3 artigo 46.º, n. º 3 do CIRS: O valor de aquisição de
imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde (…) ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele.
Nos termos dos n.ºs 1 e 4 do citado artigo 46.º o valor do terreno - do prédio rústico ...º que deu origem ao prédio urbano...º - é de 40.000,00 €, correspondente ao seu preço de aquisição, conforme se retira da escritura.
Na sequência da aquisição do terreno, a requerente, e o seu marido, contrataram a B... para a construção, nele, de uma moradia.
O custo de construção da moradia que determinou a realidade atual do prédio urbano ...º da freguesia de ... ascende a mais de 300.000, €, concretamente, a pelo menos 313.740,25 €, conforme e-mails, contrato de empreitada, faturas e recibos juntos.
Caso subsistissem dúvidas de que todos os custos ali evidenciados tivessem relacionados
com a construção do imóvel vendido, gerador da mais-valia (as quais poderiam ter sido sanadas logo com as diligências probatórias requeridas), sempre bastaria verificar que a requerente, com mandatário constituído para o efeito, contactou a administradora de insolvência da sociedade B...- que realizou a empreitada de construção do imóvel - para que esta obtivesse, junto do fiel depositário do acervo documental da B..., cópia do contrato de empreitada e de todas as facturas e recibos emitidos por conta da construção.
Nesse email, facilmente se perscrutam as dificuldades que a requerente teve em oferecer informação completa ao fiel depositário para o auxiliar na identificação célere da empreitada a que se referia.
Não deixou, no entanto, de informar que o imóvel a que se referia era o “sito na Rua ..., ..., ..., freguesia de ..., Concelho de ... .” e de juntar a certidão permanente do imóvel - número de descrição ... º, freguesia de ..., Conservatória do Registo Predial de ... (convirá destacar que o n.º de descrição predial consta também da caderneta predial).
Em resposta ao solicitado, a requerente recebeu todo o acervo documental que juntou com a reclamação graciosa.
Pelo que, se o fiel depositário do acervo documental da B..., na sequência do pedido das facturas e recibos atinentes à construção do imóvel, remeteu à administradora (esta remeteu à requerente) - sem quaisquer hesitações ou dúvidas sobre a que empreitada se referia a requerente - todas as facturas e recibos juntos a este procedimento tributário, por que razão vem a AT aventar a tese de que a documentação junta, para além dos vícios formais do CIVA, não faz requerente de que a reclamante despendeu aquela quantia na construção daquele imóvel?
A toda a documentação acima, acresce aquela outra já junta em sede de recurso hierárquico a qual apenas vem reforçar o já alegado pela requerente (e já demonstrado):
O custo de construção da moradia que determinou a realidade atual do prédio urbano ...º da freguesia de ... ascende a mais de 300.000, €, concretamente a pelo menos
Por tudo o exposto, a requerente demonstrou, cabalmente, os custos em que incorreu com a construção do imóvel - €313.740,25 – pelo que conclui pela ilegalidade do objeto mediato e imediato dos presentes autos arbitrais.
Respondeu, por sua vez, a Requerida, dando a conhecer que após o deferimento parcial da reclamação graciosa interposta em nome da ora requerente, foi elaborada declaração oficiosa (de acordo com as conclusões do procedimento), que originou a liquidação n.º 2023..., de 2023JUL21, com valor a pagar de €6.163,40, pelo que o valor indicado pela Requerente do presente processo - 7.209,13 € - encontra-se incorreto, devendo assim tal quantia ser corrigida para € 6 163,00.
No caso vertente, a Autoridade Tributária não admitiu a produção de prova testemunhal indicada no procedimento de reclamação graciosa com base na limitação dos meios probatórios, nesse tipo de procedimento, à prova documental.
A Autoridade Tributária baseou-se, por conseguinte, na restrição à utilização da prova testemunhal, que constitui, nos termos do artigo 69.º, alínea e), do CPPT, uma das regras fundamentais do procedimento de reclamação graciosa.
Não pode considerar-se verificada, neste condicionalismo, a violação do princípio do inquisitório e da verdade material.
Encontra-se, assim, por comprovar a pertinência das diligências requeridas em sede de procedimento administrativo.
Quanto ao indeferimento dos custos de construção apresentados, no montante de € 313.740,25, tal decisão também foi devidamente fundamentada.
Estando-se perante a autoconstrução, isto é, um imóvel construído pela requerente, pelo que a questão se enquadra no disposto no n.º 3 da mencionada disposição legal.
Para que a parte final do n.º 3 do artigo 46º do Código do IRS possa ser aplicável é necessário, tal como expressamente previsto no texto da norma, que os custos de construção sejam devidamente comprovados e para que tal suceda, a prova do gasto deverá ser efetuada através de fatura/recibo de pagamento da respetiva quantia, devendo do mesmo constar os elementos que inequivocamente associam a despesa com o imóvel alienado.
E é apenas por isso que é efetuada a referência aos requisitos previstos no artigo 36º do Código do IVA.
No caso presente, tal como exposto na informação que suportou a decisão da reclamação graciosa, não ficou provada “a correspondência de forma incontestável, entre os encargos de construção (materiais e atividade de construção) descritos e o imóvel implantado.”.
Concluindo assim pela impossibilidade da sua aceitação como custos de construção para efeitos do previsto na parte final do n.º 3 do artigo 46º do Código do IRS, inexistindo, pois, quaisquer violações de princípios e normas constitucionais e/ou legais em que assenta a tributação das pessoas singulares.
O árbitro único foi designado em 26.12.2023.
Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1 alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 16.01.2024.
Tendo sido requerida pela Requerente a produção de prova adicional, foi designada data para o efeito de inquirição da testemunha, a apresentar, arrolada.
Ante a informação colhida junto da Requerente da impossibilidade de contacto com a testemunha em causa e face à ausência de endereço de contacto da mesma, veio este tribunal arbitral a dar sem efeito a diligência, convidando as partes para, querendo, apresentarem, alegações no prazo de 10 dias, sendo a Requerente, ainda, para proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, no mesmo despacho se deixando consignado que a prolação da presente decisão ocorreria até ao terminus do prazo do n.º 1 do artigo 21º do RJAT.
Requerente e Requerida formularam alegações escritas, tendo, no essencial, mantido a argumentação anteriormente expendida nos seus respetivos processados anteriores.
2. Saneamento
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março), tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado tempestivamente. O processo não enferma de nulidades.
Não tendo sido erigidas exceções, nada obsta a que se conheça do mérito do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.
3. Matéria de facto
3. 1. Factos provados:
Analisada a prova documental produzida, o posicionamento das partes face à factualidade trazida a estes autos, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:
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Através de escritura pública de compra e venda, lavrada em 14 de fevereiro de 2007, a Requerente adquiriu:
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pelo valor de € 40.000,00, o prédio rústico, sito em ..., com uma área de 2498m2, inscrito na matriz predial sob o artigo ..., da freguesia de ... (...);
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pelo valor de € 45.000,00, o prédio rústico, sito em ..., com uma área de 2800 m2, inscrito na matriz predial sob o artigo..., da freguesia de ... (...);
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Após a aquisição do prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo... supra identificado, aí procedeu a Requerente à construção de moradia unifamiliar, através da adjudicação com a sociedade B... S.A. do contrato de empreitada n.º .../2007 – Doc. 7 junto com a RG, no valor acordado de € 253.000,00, acrescido de IVA à taxa vigente;
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No âmbito de tal empreitada de construção, suportaram os sujeitos passivos, entre 2008 e 2010, custos com a referida construção, no montante de € 313.740,25, conforme se colhe do teor das faturas – Doc. 8 junto com a RG) n.ºs FT 2008/9, FT 2008/22, FT 2008/50, FT 2008/66, FT 2008/83, FT 2008/103, FT 2008/119, FT 2008/134, FT 2008/175, FT 2008/197, FT 2008/224, FT 2009/14, FT 2009/50, FT 2009/73, FT 2009/108, FT 2010/104 e dos respetivos recibos – Doc. 9 da RG - que aqui se dão por reproduzidos.
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A Requerente procedeu ainda, a respeito do versado contrato de empreitada “Construção de moradia Unifamiliar – Local: ... -...”, a respetiva “Lista de Preços Unitários” emitida pela sociedade adjudicatária, referente ao orçamento identificado sob n.º ...-A e junto aos autos como Doc. 1 do RH.
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Em data que se desconhece, em razão da construção de moradia unifamiliar no artigo 2502 já melhor supra identificado e a que se reportam os pontos precedentes, veio este artigo a ser eliminado, tendo dado lugar ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ... (“Imóvel”).
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Em 22 de julho de 2020, a ora Requerente e seu marido, alienaram o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., o qual teve origem no prédio melhor identificado em i) do ponto 1. antecedente, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..., sito em Rua ..., ..., ..., freguesia de..., concelho de ..., pelo montante de € 265.000,00 – cfr. documento “CASA PRONTA” junto com a Reclamação Graciosa – o qual tinha um valor patrimonial tributário de € 151.140,00.
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Tal alienação não veio a ser objeto da submissão da correspondente declaração Modelo 3 e respetivo Anexo G pela Requerente e seu marido.
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Assim, por se ter verificado a falta da entrega da Modelo 3 de IRS de 2020, nomeadamente o Anexo G, relativo a alienação efetuada do imóvel, localizado na freguesia ..., com o artigo U-..., os serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, em 2022-03-11 procederam, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 76.º do CIRS, à recolha da declaração oficiosa, identificada com o n.º ...-2020-... -... .
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Declaração essa que deu origem à liquidação aqui arbitralmente impugnada, n.º 2022..., resultando no imposto a pagar, no montante de € 28.055,60, acrescido de juros compensatórios.
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Na declaração oficiosa, composta por anexo G, foi inscrito, no que respeita ao Imóvel em apreço (linha do campo 4001 do quadro 4 do Anexo G), nos seguintes termos:
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Veio a Requerente a apresentar Reclamação Graciosa, em que entre outros fundamentos, se inconformava com a circunstância de a liquidação em causa não levar em consideração o custo incorrido com a aquisição do originário prédio rústico e com subsequente construção da moradia unifamiliar a que se refere o Imóvel melhor identificado nos pontos 1.i), 2, a 4..
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Assumindo a presunção de indeferimento tácito da RG, a Requerente deduziu, em 13.01.2023, Recurso Hierárquico, ao qual coube o n.º ...2023... -
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Na mesma data, veio a ser proferido despacho sendo que, no concreto segmento referente à ilegalidade da fixação oficiosa do valor de aquisição do imóvel, a AT veio a projetar o indeferimento de tal pretensão, assente nos termos e fundamentação infra:
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Após exercício do direito de audição pela Requerente, por despacho de 17.04.2023, veio a Chefe de Divisão da Justiça Tributária da DF de Lisboa, a deferir parcialmente a RG, sendo que, no concreto segmento referente à ilegalidade da fixação oficiosa do valor de aquisição do imóvel, a AT manteve o projeto de indeferimento sobre tal pretensão, assente no seguinte:
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Em face do (parcial) deferimento da RG referente a fundamentos distintos daquele em que se centra a questão adiante a decidir, veio a AT a corrigir a liquidação oficiosa supra identificada, emitindo a liquidação corretiva, com o n.º 2023..., 21.07.2023, com o valor a pagar de € 6.163,40.
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Não tendo a AT vindo a proferir decisão no prazo de 4 meses, relativamente ao RH deduzido, presumiu a Requerente a existência de indeferimento tácito do mesmo, submetendo junto do CAAD, em 30.10.2023, o PPA que está na base destes autos.
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.
3.2. Fundamentação da matéria de facto provada:
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e n.º 3 do artigo 607.º do CPC, aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.ºdo RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, não contestados pelas partes.
4. Matéria de direito:
4.1.Objeto e âmbito do presente processo
A ordem do conhecimento pelo Tribunal dos vícios do ato impugnado encontra-se regulada pelo art. 124.º do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, als. a) e c) do RJAT, que determina que, “[n]a sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação” (n.º 1 do art. 124.º), sendo que, em cada um dos grupos, a apreciação é feita pela seguinte ordem: “no primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos”; “no segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público, ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior” (cfr. als. a) e b) do n.º 2 do art. 124.º).
Estando em causa nestes autos vícios conducentes à anulação dos atos controvertidos, cabe aplicar o disposto na al. b) do n.º 2 do art. 124.º do CPPT, que impõe que, quando o impugnante indica uma ordem de conhecimento dos vícios, estabelecendo entre eles uma relação de subsidiariedade (vd. o art. 101.º do CPPT que prevê que: “O impugnante pode arguir os vícios do ato impugnado segundo uma relação de subsidiariedade”), o Tribunal deve seguir a prioridade indicada. Como se afirmou no acórdão do STA de 18.6.2014, proc. n.º 01942/13, “sempre que o impugnante estabeleça uma ordem de precedência do conhecimento dos vícios geradores de anulabilidade é essa ordem que deve ser seguida pelo juiz, não lhe sendo permitido alterá-la, assim como não lhe é permitido alterar a ordem do conhecimento dos vícios geradores de nulidade ou de inexistência, que se encontra legalmente estabelecida”.
Verifica-se, como supra se deixou exposto, que a Requerente estabeleceu uma relação de subsidiariedade no conhecimento dos vícios invocados (cfr. art. 101.º do CPPT) como se colhe do pedido a final formulado:
“Nestes termos, requer-se a V.Ex.ª
a declaração de ilegalidade do acto de liquidação em causa e da decisão final de indeferimento tácito do recurso hierárquico;
- a anulação da liquidação de IRS n. º 2022 ... e a sua substituição por liquidação que considere integralmente o valor de aquisição do imóvel;
- Subsidiariamente, a anulação da liquidação por preterição das diligências probatórias requeridas., pelo que há que apreciar os vícios pela ordem estabelecida pela Requerente que foi enunciada no ponto antecedente.”
A relação de subsidiariedade implica que a eventual procedência de um vício indicado como prioritário pela Requerente prejudica o conhecimento das restantes questões que foram suscitadas somente para o caso da não procedência do vício antecedentemente alegado.
Posto isto, cumpre, então, proferir decisão.
Constitui assim thema decidendum nos presentes autos a de saber, considerando o disposto no n.º 3 do artigo 46º do CIRS e a prova concretamente produzida, qual o critério in casu aplicável em ordem à fixação do valor de aquisição do versado Imóvel.
Sustenta a Requerente que tal valor deverá ter por base o custo de aquisição do prédio onde foi implantada a edificação e o respetivo custo de aquisição desta.
Contrapõe a Requerida, no sentido de não ter a Requerente efetuado a necessária prova relativa aos efetivos custos de construção da edificação habitacional em causa, razão pela qual não poderá deixar de relevar o valor tido em conta no ato tributário objeto de dissenso entre as partes, isto é, o valor patrimonial tributário do Imóvel em apreço.
Se a resposta a esta questão for no sentido da falta de provimento da apontada ilegalidade, cumprirá apreciar, subsidiariamente, a invocada ilegal preterição de diligências probatórias requeridas.
4.2. Da desconsideração dos custos de aquisição do terreno e de construção do Imóvel e para efeitos de determinação das mais-valias nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS:
Vejamos então o enquadramento legal em que se circunscreve a questão a decidir nestes autos:
Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS (redação em vigor à data - 2020), “1. Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário; (…)”.
Sendo que, nos termos do n.º 1 do artigo 43º do CIRS “O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano (..)”.
Por seu turno, em matéria de determinação do valor de aquisição, dispõe o no artigo 46.º do Código do IRS (Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis) que:
“1. No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT).
2. Não havendo lugar à liquidação de IMT, considera-se o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto.
3. O valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele.” (sublinhado nosso)
Decorre dos preceitos vindos de citar que a controvérsia repousa, como já referido, na aplicação do preceituado no n.º 3 do artigo 46º do CIRS, na redação vigente à data do facto tributário.
Dilucidada a enunciação da questão relativa à dissonância manifestada entre sujeito ativo e passivo da relação tributária quanto à interpretação a efetuar ao normativo em causa, importa enquadrar uma outra questão referente ao ónus probatório relativo à consubstanciação do custo de aquisição do Imóvel objeto de alienação
Nos termos do artigo 74.º n.º 1 da LGT dispõe-se que: "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.", em conformidade com o artigo 342.º n.º 1 do CC, nos termos do qual "Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado."
Sobre esta temática, é a jurisprudência ampla e abundante no sentido da sustentação de que cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação e que cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca.
Nesta mesma esteira, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26.2.2014, proc. n.º 0951/11: “Nos casos em que a correcção da matéria tributável declarada decorra do facto de a AT ter considerado que determinadas despesas não podem integrar o valor de aquisição a considerar no apuramento das mais-valias porque respeitam a activos que não foram transmitidos (motivo por que, mediante o processo geralmente denominado de “correcções aritméticas”, expurgou tais despesas do valor de aquisição), à AT compete fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação no sentido da correcção do lucro tributável (ou seja, de demonstrar os factos que a levaram a concluir que aquelas despesas não se referem aos activos transmitidos), só depois competindo ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais montantes relevados negativamente no apuramento das mais-valias.
(…)
Assim, há que recordar, de forma breve e sintética, as regras da distribuição do ónus da prova: em princípio, à AT cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) e, em contrapartida, cabe ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos, solução hoje fixada pelo art. 74.º, n.º 1 («O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».), da LGT e que à data se devia já considerar aplicável porque correspondente à regra geral do art. 342.º do Código Civil (CC), de que quem invoca um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos, cabendo à contra-parte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos.
Mas nem sempre será assim. O ónus da prova variará consoante o tipo de acto administrativo em causa, havendo de ser decidida a questão da respectiva repartição «de acordo com a posição que as partes ocupam no processo e com o tipo de relação jurídica que constitui o seu objecto e, decorrentemente, no domínio do contencioso de anulação, com o tipo de acto anulando, tal qual a lei o caracteriza ou define os seus elementos constitutivos» (Cfr., por todos, o seguinte acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 17 de Abril de 2002, proferido no processo com o n.º 26.635, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Março de 2004. (…) Para proceder à rectificação das declarações (e consequente liquidação adicional do imposto considerado em falta), a AT, designadamente quando entender que foram declarados custos ou proveitos que não correspondem à realidade (aqueles porque inexistentes ou superiores aos reais, estes porque inferiores aos reais), haverá de fundamentar o seu juízo formal e substancialmente, podendo a sindicância judicial recair sobre ambas as vertentes da fundamentação (a formal e a material). (…)Assim, no caso dos autos, podemos avançar as seguintes conclusões, de acordo com a jurisprudência há muito firmada nos tribunais tributários: porque a liquidação adicional de IRC tem por fundamento o não reconhecimento pela AT de uma parcela do valor de aquisição (a respeitante às despesas declaradas com a realização das benfeitorias), compete à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, demonstrar a existência de indícios sérios de que a transmissão das benfeitorias cujo valor integra o valor de aquisição não ocorreu; feita essa prova, recai sobre o Contribuinte o ónus da prova da existência dessa transmissão, que alegou como fundamento do seu direito de ver tais custos relevados negativamente no apuramento das mais-valias e, consequentemente, na sua matéria tributável; neste caso, não bastará ao Contribuinte criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o art. 121.º do CPT não tem aplicação; na verdade, o ónus consagrado nesse preceito legal contra a AT (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a AT: in dubio contra Fisco) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação e não quando, como in casu, é ao Contribuinte que compete demonstrar a existência dos factos em que se funda o seu direito de ver determinados custos relevados negativamente no apuramento das mais-valias e, consequentemente, do seu lucro tributável. Daí que tenhamos dito que à AT basta demonstrar a verificação dos “factos-índice” (indícios objectivos e credíveis) que, conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência, lhe permitiram concluir que a transmissão em causa não ocorreu, Se o fizer, estará materialmente fundamentada a decisão administrativa de desconsiderar as despesas em causa como parte integrante do valor de aquisição a utilizar no apuramento das mais-valias e, consequentemente, estará ilidida a presunção de veracidade da escrita, consagrada à data no art. 78.º da CPT. É este mesmo artigo que refere que a presunção nele consagrada pode ser afastada, designadamente, pela verificação de «outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte» (Ou seja, apesar de estarmos perante uma presunção legal, para ela ser ilidida não é necessária prova em contrário – diversamente do que, geralmente, se exige relativamente às presunções deste tipo (cfr. art. 350.º, n.º 2, do CC), pois o art. 78.º, in fine, do CPT estabelece, com carácter especial, regime diverso de ilisão da presunção.).”
Rematando-se assim no vindo de citar aresto que “ Nos casos em que a correcção da matéria tributável declarada decorra do facto de a AT ter considerado que determinadas despesas não podem integrar o valor de aquisição a considerar no apuramento das mais-valias porque respeitam a activos que não foram transmitidos (motivo por que, mediante o processo geralmente denominado de “correcções aritméticas”, expurgou tais despesas do valor de aquisição), à AT compete fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação no sentido da correcção do lucro tributável (ou seja, de demonstrar os factos que a levaram a concluir que aquelas despesas não se referem aos activos transmitidos), só depois competindo ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais montantes relevados negativamente no apuramento das mais-valias. À AT basta demonstrar a verificação dos “factos-índice” (indícios objectivos e credíveis) que, conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência, lhe permitiram concluir que os activos a que respeitam as despesas em causa não foram transmitidos e, assim, que está materialmente fundamentada a decisão administrativa de desconsiderar aquelas despesas no apuramento das mais-valias e de afastar a presunção de veracidade da escrita (à data prevista no art. 78.º do CPT). Feita essa demonstração, compete então ao contribuinte demonstrar que esses activos foram realmente transmitidos, não lhe bastando criar dúvida a esse propósito (o art. 121.º do CPT não logra aqui aplicação) pois não é a AT quem está a invocar a existência de um facto tributário não declarado ou a atribuir a um facto tributário uma dimensão diferente da declarada, caso em que seria de decidir contra ela a dúvida, mas antes é o contribuinte quem invoca o seu direito a ver relevados negativamente no apuramento das mais-valias as despesas que diz respeitarem a activos transmitidos, motivo porque a dúvida a esse propósito lhe é desfavorável.”
Assim, competirá à Autoridade Tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais legitimadores da sua atuação, devendo para tanto provar os factos constitutivos de que legalmente depende a decisão administrativo-tributária com certo conteúdo e com certo sentido.
Ao invés, recai sobre o sujeito passivo provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT, isto é, efetuar a demonstração probatória em que se sustenta o por si declarado ou invocado, recaindo, pois, sobre a Requerente o ónus de esclarecer, comprovar e documentar as operações em causa e a sua respetiva justificação.
Importa ter presente o disposto no artigo 75.º, n.º 1 da LGT (cuja matéria se encontrava anteriormente vertida no artigo 78º do CPT – versado no aresto supra) do qual se colhe que as declarações dos contribuintes, apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua escrita, quando devidamente organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, se presumem verdadeiras.
Sucede, no entanto, que no caso em apreciação, a Requerente omitiu a apresentação da declaração Modelo 3 e respetivo Anexo G, relativo ao ano da alienação – 2020 – onde deveria inscrever os elementos necessários ao apuramento da eventual mais ou menos-valia fiscal decorrente de tal alienação imobiliária.
Tal omissão declarativa, designadamente em violação do n.º 1 do artigo 57º do CIRS, não permite que a Requerente se possa prevalecer da presunção de veracidade decorrente do n.º 1 do artigo 75º da LGT.
De outra banda, atenta tal omissão por parte do sujeito passivo, a Autoridade Tributária atuou in casu estribada nos elementos relativos ao Imóvel a que tinha acesso, nomeadamente, fazendo uso do valor patrimonial tributário (VPT) do Imóvel, para efeitos de preenchimento do critério atinente ao valor de aquisição do Imóvel alienado, assentando assim tal decisão administrativa quanto à fixação do valor de aquisição em critério idóneo, porquanto legalmente previsto no n.º 3 do artigo 46º do CIRS, sem que decorra evidenciado ter a Requerida acesso a informação ou quaisquer elementos que lhe permitissem concluir pelo mais elevado montante que pudesse decorrer do critério constante in fine do versado normativo.
Ante o preenchimento do ónus probatório que sobre a AT inicialmente recaía quanto aos pressupostos utilizados para efeitos de quantificação da mais-valia e mais concretamente em sede de valor de aquisição, importa agora aferir se a Requerente, inconformada com tal decisão administrativa, logrou efetuar prova, nos termos do n.º 1 do artigo 74º da LGT, relativamente ao critério (e respetivo valor) que entende dever ser utilizado, na esteira da vinda de identificar norma legal.
Isto é, se logra comprovar que o custo aquisição do terreno, acrescido dos custos de construção da edificação objeto de alienação, por entender deste critério resultar valor superior ao critério do VPT utilizado pela Autoridade Tributária na determinação da mais-valia.
Ora, a resposta a esta questão não pode deixar de ser afirmativa.
Da documentação junta a estes autos, constante do PA instrutor e bem assim dos elementos juntos com o PPA resultam suficientemente demonstrados os custos pela Requerente incorridos em matéria de valor de aquisição do terreno – através da respetiva escritura – e bem assim dos encargos havidos com a construção do Imóvel no originariamente prédio rústico, os quais, quando somados resultam em valor manifestamente superior ao valor do VPT do Imóvel.
A este respeito, a Requerente logrou juntar aqui e bem assim em sede administrativa, documentação apta a tal demonstração, nomeadamente coligindo faturas e também recibos emitidos pela sociedade empreiteira, o respetivo contrato de empreitada e bem assim documento relativo a orçamento relativo à lista de materiais e bens dessa mesma empreitada.
A documentação a que se ora se alude e em que se funda a matéria de facto provada permite colher todos os elementos essenciais relativos à demonstração dos custos, tempo, espaço, sujeitos intervenientes e modo como as operações de aquisição do prédio rústico e respetiva construção do Imóvel tiveram lugar.
Acrescendo que tal acervo documental pela Requerente coligido assume caráter de documentos externos, em conformidade com o entendimento dominante em sede de doutrina e jurisprudência, no sentido de que “Normalmente, a comprovação documental faz-se por documento externo, ou seja, que provenha ou se destine ao exterior (ex: facturas, recibos e notas de crédito), com menção das características fundamentais da operação em causa. Mas, a falta de documento externo não impede a dedutibilidade, podendo a comprovação ser efectuada por documento interno, desde que permita aferir sobre a efectividade da operação e do montante”[1]
Ora, em contraponto, sustenta a Requerida que a documentação exibida pela Requerente àquela não se encontra em conformidade com as formalidades legais decorrentes do disposto no n.º 5 do artigo 36º do CIVA, designadamente por via da insuficiência da descrição “Trabalhos executados da empreitada, construção de moradia unifamiliar de ... ”.
A este respeito, tal conclusão resulta distorcida da realidade documental apresentada, na medida em que tal conclusão se deve efetuar, tendo por base não só as faturas e recibos, mas com base numa análise global a toda a documentação carreada para o efeito de tal comprovação se afigura congruente, sendo inequívoco concluir de todo esse acervo documental pela Requerente apresentado os termos em que tais custos (de aquisição do prédio rústico e respetiva construção) foram incorridos.
Por outro lado, acresce que não se permite extrair de qualquer norma do Código do IRS ou de outro compêndio legal, que o legislador tenha erigido como pressuposto para aceitação de determinado encargo em sede de IRS e mais especificamente em matéria de mais-valias, da verificação e conformidade de tais encargos com os requisitos das faturas em matéria de IVA.
Ou seja, inexiste nesta matéria qualquer remissão legal para tal preceito relativo aos requisitos das faturas em sede de CIVA que de per se permita excluir todo e qualquer encargo em sede de IRS, pela mera circunstância de tal documentação apresentada poder ser desconforme com tais requisitos em sede de IVA.
Neste sentido, de resto, vai a jurisprudência que, reiteradamente, vem afastando a imprescindibilidade de verificação dos requisitos das faturas previstas no CIVA, para efeitos de consideração fiscal de encargos, quer em sede de IRS, como de IRC, podendo, a este propósito citar-se, por todos, o acordado pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 04.05.2023[2], segundo o qual “…a invocação da falta de requisitos de validade das facturas, previstos no CIVA, não é, só por si, fundamento da não aceitação fiscal, em IRS, dos custos cujos lançamentos estão documentados na contabilidade.” em ordem a legitimar a idoneidade fiscal, leia-se, a consideração in casu para efeitos de custo de aquisição em sede de cálculos das mais-valias, dos custos incorridos
Ante o vindo de assentar, não se poderá deixar de concluir que, ante o acervo documental junto aos autos, a Requerente logrou, com sucesso, fazer a legalmente imposta demonstração do direito a que processualmente se arrogou, quer em sede de RG, quer na presente instância arbitral, em obediência ao preceituado no n.º 1 do artigo. 74.º da LGT.
Acresce que, no caso em apreciação, a Requerida se afigura abordar a questão numa perspetiva de índole desvalorativa quanto à documentação coligida, mas sem aportar a estes autos quaisquer factos que este tribunal arbitral possa reputar como relevantes quer isolada, quer no seu conjunto, que permitam fazer perigar a convicção, documentalmente estribada, relativamente à aplicação in casu, por superior, do critério legal decorrente do n.º 3 in fine do artigo 46º do CIRS.
Analisada a Resposta (e alegações da Requerida) e bem assim o respetivo PA instrutor, de tal acervo não decorre qualquer evidenciação que permita colocar em crise que a empreitada tenha tido lugar e incidido sobre o Imóvel em apreço.
É certo que a Requerente era titular de um outro prédio na mesma freguesia, o que poderia suscitar o pertinente questionar sobre em que prédio teria ocorrido a construção da moradia unifamiliar em causa.
Sucede que, conforme decorre da declaração oficiosamente preenchida pela AT e levada a liquidação, o prédio inscrito sob o artigo matricial ... terá mantido a sua natureza de prédio rústico, realidade esta predial não infirmada pela Requerente.
De onde, neste conspecto, não é de todo verosímil que a empreitada pudesse ter tido lugar nesse prédio rústico sem que tal transformação quanto à natureza do prédio se encontrasse relevada na matriz ou no registo, prédio rústico este que foi igualmente objeto de alienação no ano em que o foi o prédio urbano cujo valor de aquisição se controverte nestes autos - Imóvel.
De resto, cumpre salientar que não chegou, a qualquer título a estes autos, qualquer informação (indiciária que fosse), independentemente da respetiva prova, que permita sustentar uma qualquer tese segundo a qual a Requerente fosse titular de outro qualquer prédio sito na ..., ..., para além dos dois prédios alienados pela Requerente em 2020, informação essa que seria, da maior pertinência no âmbito da presente apreciação arbitral.
Resulta, no entanto, que o PA instrutor é nessa matéria omisso, limitando-se a coligir a documentação relativa aos meios de defesa graciosos anteriores à presente impugnação arbitral, sem que em qualquer outro processado a Requerida refira a existência de qualquer outro prédio na titularidade da Requerente com uma localização passível de aí poder ter sido levada a efeito a empreitada em causa.
Acresce ainda que, mesmo nessa hipótese, ficaria por explicitar a razão da transformação do Imóvel, adquirido com a natureza de prédio rústico e alienado já como prédio urbano, cujo valor de aquisição está na base do presente dissenso.
Uma vez mais, enquanto sujeito ativo da relação tributária, a Requerida não poderá deixar de estar na posse de mais informação do que aquela que acabou por disponibilizar nestes autos, como, por exemplo, fazer chegar aos autos em sede de PA instrutor, informação sobre a existência de mais prédios na titularidade da Requerente, a fundamentação documental ou meramente informativa que esteve na base de tal alteração quanto à natureza predial (matricial) em causa, juntando cópia da Modelo 1 de IMI a que se refere o artigo 13º do CIMI ou em caso de omissão de tal apresentação, explicitar os termos (porventura , oficiosos) em que tal transformação quanto à natureza se baseou.
Ora, a omissão de qualquer informação relevante quanto a todo este contexto não pode deixar de ser ponderada e valorada aquando da apreciação da prova produzida, sendo que in casu a Requerida acabou por trilhar um posicionamento essencialmente assente em inércia probatória, insuscetível de permitir colocar em crise a suficientemente robusta documentação apresentada pela Requerente, a qual, no entendimento deste tribunal arbitral, justifica o posicionamento e respetivo pedido formulado pela Requerente.
Atenta a prova produzida, não se pode deixar de concluir pela existência de vício de violação de lei, por adoção de critério incorreto relativamente àquele que o n.º 3 do artigo 46º do CIRS impõe, padecendo o ato tributário de ilegalidade neste segmento, ao ter assente a aferição do valor de aquisição assente no VPT do Imóvel, quando se comprova que o custo de aquisição do prédio rústico - € 40.000,00 - acrescido do custo de construção - € 313.740,25 - nele efetuada é superior ao critério adotado (VPT) na liquidação em causa, não podendo tal labelo deixar de igualmente se repercutir nas respetivas decisões administrativas que assim o não entenderam.
4.3 Questões de conhecimento prejudicado:
Em face do provimento decorrente da causa de pedir melhor expendida no ponto que antecede, fica assim prejudicada a apreciação da invocada existência de preterição das diligências probatórias requeridas.
4.4. Extensão da decisão anulatória quanto ao ato de tributário de liquidação de IRS e JC:
Tendo-se concluído pela ilegalidade parcial do ato de liquidação de IRS e juros compensatórios, o qual constitui o objeto mediato destes autos, cumpre ainda precisar a extensão do efeito da decisão anulatória.
No seu pedido arbitral peticionou o Requerente pela anulação da liquidação, por nesta se encontrar apurado imposto em excesso, por via da desconsideração do valor de aquisição do imóvel, o qual entende ser de € 40.000,00 (valor de aquisição do prédio rústico), acrescido de 313.740,25 €.(custo de construção) , por superior ao valor do respetivo VPT do Imóvel.
Quanto a este pedido anulatório com esta base sustentado e considerando os dados disponíveis, revela-se necessário precisar que “O processo arbitral tributário, à semelhança do que acontece com a impugnação judicial, é, essencialmente um contencioso de mera anulação. Não obstante, à semelhança do que sucede com o contencioso tributário impugnatório no âmbito dos tribunais tributários estaduais, existem alguns poderes condenatórios, estritamente ligados ao poder anulatório, relacionados com o direito a juros indemnizatórios, com o direito a indemnização por prestação indevida de garantia ou com o direito à restituição do imposto indevidamente pago.
Ressalvadas estas exceções, estaremos sempre perante um contencioso de mera anulação, o que significa que perante a impugnação de um acto tributário junto de um tribunal arbitral, a este tribunal caberá apenas considerar o acto legal ou ilegal e, em consequência, mantê-lo ou anulá-lo, cabendo à AT retirar as consequências da eventual decisão anulatória, no respeito pelo disposto no art.º 24.º do RJAT.”, conforme se referiu no acórdão arbitral de 1 de junho de 2021, proferido no âmbito do processo n.º 694/2019-T.
Ainda a respeito desta temática, referiu-se no acórdão do TCA Norte, proferido em 9 de Julho de 2020, no âmbito do processo n.º 9655/16.3BCLSB que “Ao contrário do que sucede no domínio das ações administrativas, quando está em causa a legalidade de atuação da administração, no âmbito das quais o julgador pode emitir injunções e pronúncias condenatórias relativamente à Administração, condenando-a à prática de ato com um conteúdo determinado, tal não sucede no âmbito do contencioso tributário de impugnação de ato de liquidação (quer arbitral quer estadual) com esse alcance, não estando legalmente prevista a possibilidade de condenação à prática de ato devido.”
Tendo em conta a natureza essencialmente anulatória do contencioso arbitral tributário acabada de evidenciar com base na citada jurisprudência, constata-se que ao Tribunal Arbitral não assistem os poderes para emitir injunções condenatórias.
Assim sendo, e porquanto o apuramento da quantificação do montante do IRS e JC que deverá ser considerado como devido pela Requerente consiste numa tarefa cuja competência é atribuída por lei à AT, devendo o ato de liquidação de IRS arbitralmente impugnado ser parcialmente anulado, cabendo à AT a posterior quantificação, tendo por referência o erróneo quantitativo atinente ao custo de aquisição do Imóvel, decorrente da não aceitação do custo de aquisição, acrescido do custo de construção do mesmo a que respeitam os pontos 1 e 3 dos “Factos Provados” e, se necessário em sede de execução de julgados, de modo a conformar o ato de liquidação impugnado com os termos da presente decisão arbitral anulatória, da qual decorrerá um aumento do quantum do valor de aquisição, por via do acréscimo do montante relativo a “valor de aquisição” da linha 4001 do Anexo G, acréscimo esse objetivamente favorável à Requerente.
Nesse exercício, haverá que ter em consideração que a quantificação do montante relativo ao valor de aquisição nos termos do n.º 3 do artigo 46º do CIRS, atenta a quota-parte em causa (50%), não poderá ser apenas o montante decorrente da DC oficiosa recolhida mas antes deverá ter por base o custo de aquisição do artigo 2502 e bem assim o custo de construção do Imóvel, conforme decorre, respetivamente, dos custos incorridos constantes de 1.i) e 3 dos “Factos Provados”.
5. DECISÃO:
Destarte, atento a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide:
-
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular parcialmente o ato tributário de liquidação de IRS e JC de 2020, com o n.º 2022 ... (e respetiva ulterior liquidação corretiva, com o n.º 2023..., de 21.07.2023), com base em vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e incorreta aplicação do direito, do qual resulta um excesso de quantificação do ato tributário, em conformidade com o ponto 4.4. desta decisão, anulando-se igualmente, pelos versados vícios, as decisões de RG e RH que recaíram sobre tal ato tributário, no concreto segmento objeto destes autos – quantificação do valor de aquisição do Imóvel.
-
Condenar a Requerida no pagamento das custas, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Do Valor:
Atenta a correção entretanto ocorrida à liquidação oficiosa objeto destes autos em razão da execução espontânea da decisão de deferimento parcial da RG, fixa-se o valor do processo no montante dessa mesma liquidação corrigida, isto é, em € 6.163,40 (seis mil cento e sessenta e três euros e quarenta cêntimos ), nos termos do artigo 97.°-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e o valor da taxa de arbitragem em € 612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária,
Notifique-se esta decisão arbitral às partes e, oportunamente, arquive-se o processo.
Lisboa, 13 de setembro de 2024.
O Árbitro
Luís Sequeira
Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revisto.
[1] Rui Marques, Código do IRC, anotado e comentado, Almedina, 2019, pág 209;
.
[2] Processo n.º 2485/11.0BELRS, de 04.05.2023, disponível em www.dgsi.pt