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Sumário:
I - O erro no enquadramento jurídico-normativo em sede de IVA de uma operação é um “erro de direito”, enquadrável no artigo 98.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (“CIVA”).
II - O prazo de exercício do direito à dedução do imposto é, em caso de “erro de direito”, de quatro anos após o nascimento do direito à dedução.
III - Entendendo o sujeito passivo que determinada declaração de imposto enferma de “erro de direito”, deverá apresentar declaração de substituição, ou impugnar, graciosa ou contenciosamente a mesma.
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
1. A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., n.º ..., Porto, vem, na sequência da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra o ato de autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), na declaração referente ao período de abril de 2021, por determinação de imposto em excesso entregue ao Estado, no montante de 21 366,53 euros, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, números 1 e 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente, requerer a constituição de tribunal e apresentar pedido de pronúncia arbitral com vista à declaração de ilegalidade da referida decisão de indeferimento e, mediatamente, do ato tributário antecedente que dela foi objeto, a referida autoliquidação de IVA.
2.O pedido de constituição do Tribunal Arbitral apresentado em 12 de setembro de 2023 foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”), no dia 14 de setembro de 2023.
3. Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 2, no artigo 6.º, n.º 1 e no artigo 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, na redação vigente, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro, que, no prazo legal, comunicou a aceitação do encargo.
4. O Tribunal Arbitral ficou constituído em 21 de novembro de 2023, sendo que no dia 18 de dezembro de 2023 foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta.
5. Em 2 de fevereiro de 2024, a Requerida apresentou resposta, na qual pugnou pela improcedência integral da ação arbitral, e juntou aos autos o processo administrativo (“PA”)
6. O Tribunal Arbitral determinou, por despacho de 21 de maio de 2024, a dispensa da realização da reunião a que o artigo 18.º do RJAT alude, ao abrigo dos princípios da autonomia (do Tribunal Arbitral) na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais, previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT. Por outro lado, perante o facto de as questões que o processo suscita estarem suficientemente debatidas nas peças processuais apresentadas pelas partes, dispensou, igualmente, a apresentação de alegações – artigo 113.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
7. O Tribunal Arbitral determinou a prorrogação do prazo para proferir decisão arbitral, por períodos de dois meses, com os fundamentos descritos nos despachos datados de 21 de maio de 2024 e de 19 de julho de 2024.
II. POSIÇÕES DAS PARTES
8. A Requerente defende que o indeferimento expresso da reclamação graciosa e, mediatamente, a autoliquidação de IVA, do período de abril de 2021, são ilegais, na medida em que alega ser possível proceder à correção retroativa do método de dedução aplicado enquanto “erro de direito”. Alega, em defesa da referida tese, o seguinte:
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Existem diversos normativos legais no CIVA que preveem a possibilidade de regularização do imposto, tanto a favor do Estado, como a favor do sujeito passivo, por exigência do princípio da neutralidade;
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Resulta do entendimento do Supremo Tribunal Administrativo que as regras aplicáveis ao exercício normal do direito à dedução (dedução inicial) encontram-se reguladas nos artigos 22.º e seguintes (incluindo o n.º 6 do artigo 23.º, relativamente a bens de utilização mista) do CIVA;
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No caso de situações patológicas, que se traduzem na existência de erros, falhas ou lapsos, aplicam-se as regras constantes no artigo 78.º, n.º 6, do CIVA (para “erros materiais” e “erros de cálculo”) ou, a prevista no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, para “erros de direito”;
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Em qualquer dos casos, nem o artigo 22.º, n.º 2, nem o artigo 23.º, n.º 6, nem o artigo 78.º, todos do CIVA, proíbem os sujeitos passivos de, no prazo de caducidade aplicável (4 anos), promoverem uma correção do montante de IVA deduzido, em virtude de uma alteração retroativa do método (de dedução) inicialmente utilizado.
9. Em resumo, conclui que: (i) o erro na determinação do enquadramento jurídico-fiscal de operações realizadas pelo sujeito passivo constitui um “erro de direito”; (ii) esse “erro de direito” é passível de correção, não existindo, na legislação nacional ou europeia, qualquer restrição a essa correção, dentro do prazo de caducidade; e (iii) o prazo para o exercício do direito à dedução de IVA adicional, resultante de tal erro, é de quatro anos. Isto é, se o prazo de quatro anos para a regularização do IVA, de abril de 2021, não se encontra esgotado, tem direito à dedução integral com recurso ao método de imputação direta.
10. Para a Requerida, a pretensão da Requerente não se subsume ao direito de correção da dedução de IVA incorrido nos recursos de utilização mista, mas a uma alteração retroativa do método aplicado de cálculo do direito à dedução do imposto suportado em bens e serviços de utilização mista. Ou seja, a pretensão não tem ligação com o exercício do direito à dedução (que nunca foi deduzido), mas antes respeita a uma regularização de imposto já deduzido.
11. A situação sub iudice não é subsumível no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, na medida em que:
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Já foi exercido o direito a deduzir o imposto contido nas faturas registadas relativamente a cada bem e/ou serviço;
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O imposto dedutível foi calculado nos termos do artigo 23.º do CIVA, tendo sido apurado segundo o método escolhido;
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Não se afiguraria aceitável que um sujeito passivo procedesse à modificação retroativa do próprio método utilizado para a determinação dos montantes de imposto a deduzir, não só porque não existe nenhuma norma no sistema comum do IVA, como também a admissão de um procedimento com implicações retroativas colidiria com o princípio da segurança jurídica que enforma o referido sistema (comum);
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Não é possível proceder à alteração retroativa do método de cálculo do direito à dedução inicial, pois não existe qualquer erro;
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O artigo 23.º, n.º 6, do CIVA, veda igualmente a correção à metodologia de cálculo, visto que a norma não prevê a possibilidade de um sujeito passivo que tenha optado por um método de cálculo do direito à dedução do imposto suportado em bens e/ou serviços de utilização mista, poder alterar, retroativamente, o método utilizado, recalculando a dedução inicial;
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Não se aplica o argumento para legitimar esse recálculo de que, na falta de norma especial que se aplique à situação em apreço, dever-se-á recorrer ao previsto no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA.
12. Não se verifica, no caso sub iudice, um verdadeiro e próprio “erro de direito”, por, na verdade, se encontrar em causa um pedido de aplicação retroativa do método de dedução respeitante à aquisição de serviços que a Requerente contabilizou como encargos de utilização mista.
III. SANEAMENTO
13. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido, que foi tempestivamente apresentado nos termos dos artigos 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT. O processo não enferma de nulidades, nem existem exceções ou questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
IV. MATÉRIA DE FACTO
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Factos provados
a) A Requerente é uma instituição de crédito e tem como objeto social a realização das operações descritas no artigo 4.º, n.º 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
(Facto aceite pela Requerente e pela Requerida)
b) A Requerente é um sujeito passivo misto que realiza operações isentas de IVA, que não conferem direito à dedução, e outras que conferem direito à dedução do referido imposto.
(Facto aceite pela Requerente, pela Requerida e PA)
c) No âmbito da sua atividade adquiriu, entre janeiro e abril de 2021, serviços informáticos e de sistemas (serviços de IT) aos fornecedores B..., C... e D... .
(Facto aceite pela Requerente, pela Requerida e PA)
d) Os serviços descritos no número anterior tiveram por objetivo colmatar necessidades de desenvolvimento de aplicações informáticas e de sistemas da “E..., S.A.”, entidade que integra o Grupo F..., à semelhança da Requerente.
(Facto aceite pela Requerente e pela Requerida)
e) Os serviços em causa totalizaram o montante global de 99 890,24 euros, aos quais acresceu o montante total de IVA de 22 974,76 euros, conforme detalhe infra:
Período
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Fornecedores
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IVA incorrido pela Requerente
em serviços refaturados
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Serviços IT
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janeiro a abril de 2021
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B…
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18 099,16 euros
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C…
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2 364,00 euros
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D…
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2 511,60 euros
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Total
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22 974,76 euros
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(Facto aceite pela Requerente, pela Requerida e PA)
f) Os serviços adquiridos destinaram-se à prestação de serviços, da mesma natureza, à “E..., S.A.”, e, assim, a Requerente procedeu, nesse mesmo ano, ao redébito desses montantes à referida entidade, os quais foram tributados em IVA, nos termos gerais.
(Facto aceite pela Requerente, pela Requerida e PA)
g) A Requerente faturou serviços de IT à “E..., S.A.”, em 2021, no montante de 99 890,24 euros, tendo liquidado IVA no valor de 22 974,76 euros.
(Documento junto pela Requerente, sob o número 3, com o pedido de pronúncia arbitral e PA)
h) Do universo de IVA incorrido na aquisição de serviços de IT e que foram redebitados à “E..., S.A.”, no valor total de 22 974,76 euros, a Requerente deduziu 1 608,23 euros, através da aplicação da percentagem de dedução de 7%.
(Documento junto pela Requerente, sob o número 4, com o pedido de pronúncia arbitral e PA)
i) Em particular, a Requerente deduziu, na autoliquidação (de IVA) correspondente ao período de abril de 2021, 7% do IVA incorrido na aquisição dos serviços objeto dos seguintes documentos:
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Faturas 69/UMI21 e 140/UMI21, emitidas pela C...;
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Faturas 14/0295007670 e 14/0295007923, emitidas pela B...;
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Faturas FCLE0121/00102 e FCLE0121/00399, emitidas pela D... .
(Documentos juntos pela Requerente, sob o números 2 e 4, com o pedido de pronúncia arbitral e PA)
j) A autoliquidação de IVA correspondente ao período de abril de 2021, consubstancia-se na declaração periódica n.º ... .
(PA)
k) A Requerente apresentou reclamação graciosa (artigo 131.º do CPPT), no dia 31 de março de 2023, da sobredita autoliquidação.
(PA)
l) A reclamação graciosa foi expressamente indeferida, por despacho de 6 de junho de 2023, com, nomeadamente, os seguintes fundamentos:
(…)
51. Aliás, a autoliquidação não está errada, já que a mesma reflete os registos contabilísticos da Reclamante.
52. Quer a dedução, quer a liquidação do imposto, são efetuadas pelo sujeito passivo na sua contabilidade, servindo o respetivo registo de base ao preenchimento da declaração periódica.
53. A AT não pode substituir-se aos sujeitos passivos no exercício legítimo do direito de opção sobre deduzir ou não o imposto e em que moldes, sendo que ainda que o fizesse, pelo referido no ponto anterior, ao liquidar o imposto fá-lo-ia nos mesmos termos que o sujeito passivo o fez.
54. Desta forma, nestes casos, não é legítimo ao sujeito passivo vir invocar a ocorrência de um erro quando a declaração periódica apresentada materializa uma opção por deduzir o IVA nos termos em que o fez, a qual é legítima.
55. A Reclamante dispunha de todas as informações, sendo que nenhuma alteração legislativa ocorreu quanto a este tipo de encargos, não se vislumbrando qualquer razão que motivasse o alegado erro.
56. Do não exercício da faculdade que lhe é concedida, não pode resultar a ilegalidade da autoliquidação por ocorrência de erro.
57. A mencionada segregação dos custos, à semelhança do que acontece com a escolha dos métodos de cálculo do direito à dedução inicial relativa aos bens de utilização mista, deve ser efetuada para cada aquisição de bens ou serviços nas condições previstas no n.º 1 do artigo 20.º, n.º 1 do artigo 22.º e no artigo 23.º do CIVA. Não se aceitando a alegação de erro com base em segregações só posteriormente realizadas.
58.Neste pressuposto, inexistindo um erro na autoliquidação, não existe fundamento para a apresentação da Reclamação Graciosa nos termos do disposto no artigo 131.º do CPPT, que se mostra desta forma inviável.
(…)
(PA)
m) O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no dia 12 de setembro de 2023.
(Sistema informático do CAAD).
ii. Factos não provados
Não há factos com relevância para a decisão que não se tenham provado.
14. Fundamentação da fixação da matéria de facto
O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não tendo de se pronunciar quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Não há controvérsia quanto à matéria de facto, tendo esta ficado provada com a referência a concretos documentos ou ao “PA” em cada facto assente.
V. MATÉRIA DE DIREITO
O objeto do dissídio encontra-se em decidir se é possível realizar a dedução integral de IVA de acordo com o método da dedução direta, respeitante ao período de abril de 2021, de serviços de IT adquiridos pela Requerente à “B...”, à “C...” e à “D...” (tributados à taxa normal), refaturados à “E..., S.A.”, tendo sido liquidado o IVA à taxa normal, quando a Requerente deduziu IVA, ab initio, com base no método da percentagem de dedução - 7%.
A Requerida entende que não é aplicável, ao caso sub iudice, o prazo de quatro anos previsto no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, na medida em que a Requerente pretende exercer o direito à dedução relativamente ao IVA constante de documentos previamente registados. Vejamos.
Acrescenta-se que, desde já, é este o único elemento controvertido, ou seja, não está em causa a circunstância de os serviços adquiridos pela Requerente terem, ou não, sido suportados para a prestação de serviços à “E..., S.A.”. Ou seja, a questão coloca-se no domínio da natureza do erro.
O artigo 22.º, n.º 2, do CIVA dispõe o seguinte:
Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º, a dedução deve ser efetuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação.
O artigo 78.º, n.º 6, do CIVA prevê:
A correção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efetuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respetivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.
E, por último, o artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, estabelece que:
Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respetivamente.
Já a doutrina[1] defende que:
“(…) parece claro que a lei estabelece (i) um regime e um prazo regra para o exercício do direito à dedução (…); e (ii) vários regimes (e diferentes prazos de exercício do direito à dedução) para vicissitudes que sobrevenham ao momento da ocorrência da operação e que determinem um valor diferente de imposto a deduzir, previsto nos artigos 78.º e 98.º, nº 2, do CIVA. Em qualquer caso, parece-nos certo que no decurso do prazo de caducidade, e sem prejuízo dos casos especialmente previstos no artigo 78.º do CIVA, tal direito pode ser exercido a todo o tempo, com a limitação última do prazo de 4 anos. Não se ignora que alguma jurisprudência vem decidindo em sentido diverso, e afirmando que o momento para o exercício da dedução se limita à declaração do período em que a fatura foi recebida e, decorrido o período no qual o sujeito passivo receba a fatura sem que tal direito à dedução haja sido exercido, o correspondente IVA deixaria de poder ser deduzido. Não pode contudo ignorar-se a letra expressa da lei, além do que essa não parece ser a intenção do legislador, que introduziu, a partir de 2003, a menção expressa à possibilidade de dedução do IVA em período posterior ao da emissão da fatura, por alteração legal ao artigo 22º, nº 2, do CIVA, alteração que, entendemos, visava precisamente deixar claro que, dentro do prazo de caducidade legalmente previsto no artigo 98.º, nº 2, do CIVA, e sem prejuízo das situações expressamente previstas no artigo 78.º do CIVA, o sujeito passivo poderá exercer o direito à dedução a qualquer momento. (…) ficando agora cristalino que a dedução pode ser exercida na declaração do período em que é recebida a fatura; ou, na falta de exercício nesse momento, em declaração de período posterior, com as limitações e prazos especialmente previstos para as situações especialmente consagradas no artigo 78º do CIVA ou, fora de tais situações, com a limitação temporal do prazo de 4 anos estabelecido no artigo 98º, nº 2 do CIVA”.
E a jurisprudência propugna[2] que:
(…) uma indevida aplicação do normativo de incidência fiscal aplicável a um tipo de operações configura uma inexatidão de faturas, às quais se aplicaria o prazo de 2 anos.
Pelo contrário, um erro no enquadramento jurídico-normativo em sede de IVA de uma operação não é uma inexatidão da fatura, nos termos referidos do artigo 78.º, n.º 3 do Código do IVA, mas antes um erro de Direito, enquadrável no artigo 98.º do Código do IVA. (nosso sublinhado)
O direito à dedução constitui um elemento estruturante do IVA, sendo o imposto suportado a montante por um agente económico que deve, salvo quando expressa e justificadamente se estabeleça em sentido contrário, ser sempre passível de dedução. De tal modo, qualquer restrição injustificada ao exercício do direito à dedução é, por via de regra, contrária ao sistema do IVA e aos princípios aplicáveis.
Ainda assim, a tutela da segurança dos créditos fiscais e das relações tributárias impõe que se fixe um prazo-limite para o exercício do referido direito, desde que seja “razoável” (acórdão C-427/08 do TJUE, processo “Alstom Power”).
O legislador prevê duas modalidades de prazos para o exercício do direito à dedução, a primeira para o exercício em situações “normais” e a segunda, para as “patológicas”.
Na primeira modalidade, o conjunto de prazos para o exercício do direito à dedução encontra-se previsto no artigo 23.º do CIVA, e respeita a hipóteses de relacionamento normal entre o contribuinte e a Administração Fiscal na exigibilidade do imposto. Nestes casos, o exercício regular do direito à dedução é previsto normativamente em função do método de dedução adotado e deve ser exercido em período mais curto, contado a partir do momento em que o imposto se torna exigível.
Na segunda modalidade, o exercício do direito à dedução foi viciado por erros, falhas ou lapsos e, assim, o legislador consagrou prazos mais dilatados para a respetiva correção, adequados às vicissitudes imponderadas que estão na sua base. Os prazos são de dois anos, artigo 78.º, n.º 6, do CIVA, para as “regularizações” e, de quatro anos, artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, para a “revisão oficiosa”.
Os quatro anos configuram, assim, o prazo máximo para o exercício do direito à dedução, após o nascimento do referido direito.
Deste modo, a primeira modalidade é aplicável a “erros materiais ou de cálculo”, já a segunda encontra-se gizada para os “erros de direito”.
A questão sub iudice subsume-se a uma situação patológica, pois como resulta da matéria assente, foi na sequência de uma revisão interna de procedimentos que permitiu à Requerente a aquisição de notícia quanto ao erro, na medida em que os serviços por si adquiridos (prestação de serviços de IT) visaram a prestação de serviços com a mesma natureza à E..., S.A., sociedade que também integra o grupo “F...”.
E, como sustenta a jurisprudência[3] “(…) um erro no enquadramento jurídico-normativo em sede de IVA de uma operação não é uma inexatidão da fatura, nos termos referidos do artigo 78.º, n.º 3 do Código do IVA, mas antes um erro de Direito, enquadrável no artigo 98.º do Código do IVA.” (nosso sublinhado).
Na situação sub iudice, o erro da Requerente deve qualificar-se como um “erro de direito”, emerge da aplicação indevida do artigo 23.º do CIVA, a imposto totalmente dedutível por imputação direta, nos termos do artigo 20.º do CIVA, pois respeita a serviços adquiridos exclusivamente afetos a operações tributáveis.
A errada aplicação do método de dedução constitui um “erro de direito” e o prazo para reclamar do imposto entregue em excesso é, assim, de quatro anos. Destaca-se que nada mais é controvertido para a Requerida, por exemplo, a dedução de imposto de acordo com a imputação direta.
A Requerente apresentou reclamação graciosa no 31 de março de 2023, relativamente ao IVA autoliquidado do período de abril de 2021. Assim, tendo sido apresentada reclamação graciosa[4], o pedido de correção foi tempestivamente exercido e, como tal, deve, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa ser anulada e, mediatamente, a autoliquidação de IVA, no segmento em que deduz 7% (de IVA), com recurso ao método da percentagem de dedução. O “erro de direito” deve poder ser retificado no prazo de quatro anos, artigo 98.º, n.º 2, do CIVA.
Em resumo, perante todas as razões enunciadas, impõe-se concluir que o despacho de indeferimento da reclamação graciosa é ilegal, bem como enferma de ilegalidade o ato de autoliquidação de IVA, relativo ao período de tributação de abril de 2021, fundado em “erro de direito” na adoção do método de apuramento do IVA incorrido na aquisição de serviços de IT, razão pela qual devem ser anulados, nos termos peticionados.
VI. DECISÃO
Termos em que se decide:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, assim, anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, mediatamente, anular parcialmente a autoliquidação de IVA, do período de abril de 2021, com as legais consequências;
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Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.
VII. VALOR DO PROCESSO
Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), fixa-se ao processo o valor de 21 366, 53 euros.
VIII. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de 1224 euros, a suportar pela Requerida, conforme o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 20 de setembro de 2024
O Árbitro,
Francisco Nicolau Domingos
[1] Cláudia Reis Duarte/Mariana Coentro Ribeiro, “A Caducidade do direito à dedução ou a negação da neutralidade do imposto?”, Cadernos do IVA, Sérgio Vasques (Coord.), Almedina, 2019, pp. 109-111.
[2] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23 de novembro de 2022, proferido no âmbito do processo n.º 021/21.0BALSB.
[3] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23 de novembro de 2022, proferido no âmbito do processo n.º 021/21.0BALSB.
[4] A jurisprudência sustenta, a este propósito que: “Entendendo o sujeito passivo que determinada declaração de imposto enferma de erro de direito, deverá apresentar declaração de substituição, ou impugnar, graciosa ou contenciosamente a mesma”, decisão arbitral n.º 271/2020-T, de 5 de novembro de 2021.