Sumário:
I - O ato tributário impugnado pelo Requerente foi revogado pela AT, o que implica a inutilidade e impossibilidade deste Tribunal declarar a ilegalidade e determinar a consequente anulação de um acto que já se encontra suprimido da ordem jurídica.
II – Com a referida revogação e respetiva aceitação o Requerente atingiu a totalidade dos efeitos pretendidos com o presente pedido de pronúncia arbitral.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Guilherme W. d´Oliveira Martins, Alexandra Gonçalves Marques e Adelaide Moura, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:
I. Relatório
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Os Requerentes A..., NIF ... e B..., NIF..., ambos residentes na..., n.º ..., ...-... Neiva, vêm apresentar pedido de constituição do presente Tribunal Arbitral para a revogação do ato de liquidação de IRS nº 2023..., correspondente à declaração de substituição n.º ...-2023-...-..., com o valor de 90.248,40 Euros, cujo valor discordam uma vez que o cálculo operado continua a considerar a exclusão contida no artigo 43.º, n.º 5 do CIRS.
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A AT, apresentou requerimento, com o seguinte conteúdo:
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A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), entidade Requerida no pedido de pronúncia arbitral à margem referenciado, deduzido por A..., contribuinte n.º..., vem informar o Tribunal que o ato objeto do pedido foi parcialmente revogado por despacho da Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária - Impostos sobre o Rendimento, proferido por delegação de competências e datado de 12-04-2024, o qual determina:
- a revogação do ato de liquidação de IRS nº 2023..., do ano de 2022, com valor a pagar de 90.248,40 €, pois não é possível conhecer objetivamente a origem da contraparte adquirente, quer esteja situada, ou não, num país com um regime fiscal claramente mais favorável nos termos da Portaria n.º 150/2004, de 13/02, o que determina a inaplicabilidade da norma constante do art.º 43.º, n.º 5 do CIRS.
- a manutenção da liquidação dos juros indemnizatórios, por inexistência de erro imputável aos serviços, uma vez que a liquidação contestada teve por base os elementos declarados pelo SP no quadro 9, do anexo G, das declarações modelo 3 de IRS (nº ...-2022 - ...- ... de 16-06-2023 bem como a declaração de substituição nº ...- 2022 - ... –...de 01-08-2023), respeitantes o país da contraparte de cada uma das mais e menos valias.
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Mais se informa que a Direção de Serviços do IRS procederá à comunicação do despacho de revogação ao mandatário da Requerente, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 13.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), bem como à Direção de Finanças de Viana do Castelo para efeitos de execução.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 31-01-2024, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 02-02-2024. Em 20-03-2024, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, na mesma data, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou, assim, constituído em 10-04-2024, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data em cumprimento do disposto no artigo 17.º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.
Em 16-04-2023, a Requerida veio requerer a revogação parcial do ato.
Este Tribunal em 12-06-2024, veio proferir o seguinte despacho:
“1. Notifique-se a Requerente informar no prazo de 5 dias se pretende prosseguir com a presente impugnação, tendo em conta o despacho de revogação parcial apresentado.
2. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito e a prova produzida é meramente documental.
3. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação da sentença.
4. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, até à data limite da prolação da decisão final.
5. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.
Notifiquem-se as partes do presente despacho.”
Na sequência do despacho, a Requerente em 20-06-2024, veio aceitar a revogação e requerer a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
II. Saneamento
O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
O processo não enferma de nulidades.
III. Fundamentação
III.1. Matéria de facto
Factos dados como provados
Na sequência do pedido arbitral formulado pela Requerente, veio a Requerida efetuar os seguintes atos:
- a revogação do ato de liquidação de IRS nº 2023..., do ano de 2022, com valor a pagar de 90.248,40 €, pois não é possível conhecer objetivamente a origem da contraparte adquirente, quer esteja situada, ou não, num país com um regime fiscal claramente mais favorável nos termos da Portaria n.º 150/2004, de 13/02, o que determina a inaplicabilidade da norma constante do art.º 43.º, n.º 5 do CIRS.
- a manutenção da liquidação dos juros indemnizatórios, por inexistência de erro imputável aos serviços, uma vez que a liquidação contestada teve por base os elementos declarados pelo SP no quadro 9, do anexo G, das declarações modelo 3 de IRS (nº ...- 2022 - ... - ... de 16-06-2023 bem como a declaração de substituição nº ... - 2022 - ... –...de 01-08-2023), respeitantes o país da contraparte de cada uma das mais e menos valias.
Factos dados como não provados
Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.
Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
III. 2. Matéria de Direito
Tendo sido revogado o acto de liquidação impugnado pelo Requerente nos presentes autos, cumpre apreciar a utilidade da apreciação do pedido.
A respeito da inutilidade superveniente da lide pronunciou-se já o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 30 de Julho de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 0875/14, no qual referiu que “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277o do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.
É também este o sentido que a doutrina tem conferido ao conceito em análise, referindo LEBRE DE FREITAS, RUI PINTO e JOÃO REDINHA, em Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 555, que “(...) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.
Ora, conforme resulta da matéria de facto dada como provada nos presentes autos, o acto tributário impugnado pelo Requerente foi revogado pela AT e aceite plenamente pela Requerente, o que implica a inutilidade e impossibilidade deste Tribunal declarar a ilegalidade e determinar a consequente anulação de um acto que já se encontra suprimido da ordem jurídica. Com a referida revogação o Requerente atingiu a totalidade dos efeitos pretendidos com o presente pedido de pronúncia arbitral.
Em face do exposto entende este Tribunal que se verifica a inutilidade superveniente da lide quanto à apreciação da legalidade e consequente anulação do acto tributário impugnado pelo Requerente, de tal forma que se julga extinta a instância nos termos e para os efeitos previstos no artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
IV. DECISÃO
Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide;
b) Absolver a Requerida da instância;
c) Condenar a Requerida nas custas do processo.
V. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 90.248,40 (noventa mil duzentos e quarenta e oito euros e ), nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VI. Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 2.754,00 (dois mil setecentos e cinquenta e quatro euros), a pagar pela Requerida, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 7 de agosto de 2024.
Os Árbitros,
(Guilherme W. d’Oliveira Martins)
(Alexandra Gonçalves Marques)
(Adelaide Moura)