Sumário:
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A efetivação do “direito à dedução” é o garante da neutralidade do IVA.
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Assim, a aplicabilidade de normas legais que excluem ou limitam o direito à dedução tem que ser cuidadosamente ponderada, atenta a concreta factualidade em causa.
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A ocorrência de operações isentas entre sujeitos passivos gera, também, efeitos cumulativos, pelo que a aplicabilidade de normas que preveem isenções de IVA tem, também, que ser cuidadosamente ponderada, atenta a concreta factualidade em causa.
DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
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A..., LDA, NIPC..., doravante “Requerente”, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, nos termos dos artigos 2º, 1, a), e 10º, 1 e 2 do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações por último introduzidas pela Lei nº 7/2021, de 26 de Fevereiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), e dos arts. 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, em que é demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
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A Requerente pediu pronúncia arbitral sobre a legalidade dos atos de liquidação de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) nº ..., relativo ao período de 2017 09 ( 280.113,50 euros – imposto mais 45.708,38 de juros compensatórios) e nº 2021..., relativa ao período 2017-10-01 a 2017-12-31, 7 (46,153,87 euros de imposto mais 7.060,90 de juros compensatórios).
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O pedido foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 21 de agosto de 2023 e automaticamente notificado à AT.
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O Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação.
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As partes não se opuseram, para efeitos dos termos conjugados dos arts. 11º, 1, b) e c), e 8º do RJAT, e arts. 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD.
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O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 30 de outubro de 2023;
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Por despacho de 31 de outubro de 2023, foi a AT notificada para, nos termos do art. 17º do RJAT, apresentar resposta e juntar o procedimento administrativo.
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A Requerida apresentou a sua Resposta em 04 de dezembro de 2023, juntamente com o Processo Administrativo.
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Por despacho de 12 de janeiro de 2024, designou-se o dia 8 de fevereiro de 2024, pelas 15 horas, para a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT e audição dos declarantes e testemunhas.
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Em 8 de fevereiro de 2024, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e foram prestadas declarações de parte por F... . As partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas.
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A Requerente apresentou alegações em 26 de fevereiro de 2024.
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A Requerida apresentou alegações em 12 de março de 2024.
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Por despachos de 23 de abril de 2024, 1 de julho de 2024 e 29 de agosto de 2024 foi prorrogada a data-limite para a prolação da decisão arbitral.
II – Posição das Partes
II. A. Posição da Requerente
A Requerente pretende que o Tribunal se pronuncie sobre os seguintes vícios que imputa aos atos de liquidação adicional de IVA que impugna, declarando a sua ilegalidade e anulando-os, nos termos da alínea a) do artigo 99.º do CPPT;
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Honorários de notariado
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A Requerente começa por referir que decorre da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA o direito à dedução do IVA suportado com a aquisição de bens e serviços sujeitos a imposto.
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Assim, entende que a AT não fez uma correta aplicação da referida disposição legal pois considerou que o IVA incorrido com os honorários de notariado se relacionam com operações isentas, não sendo o IVA incorrido dedutível.
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Sustenta a Requerente que, embora a aquisição dos imóveis seja uma operação isenta para efeitos de IVA, a aquisição dos serviços de notariado é uma operação sujeita e não isenta de IVA.
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Sendo a Requerente um sujeito passivo de IVA que suporta e deduz IVA no âmbito da sua atividade normal, pode e deve deduzir o IVA suportado com a aquisição de serviços de notariado.
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Isto, independentemente do tratamento contabilístico e fiscal do gasto para efeitos de IRC.
b) Função financeira
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Prossegue a Requerente afirmando que o mesmo entendimento é de aplicar ao IVA deduzido com a função financeira resultante da assunção pela Requerente do “Acordo de Aquisição de Opção de Compra de Imóveis” (cf. as páginas 30 e 31 do RIT), relativamente à dedução de IVA no montante de € 14.219,34.
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Opção de compra de imóveis
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No que respeita à correção relacionada com a aquisição dos direitos de compra, a Requerente sustenta que aquisição de um direito de opção de compra de imóveis se qualifica como sendo uma aquisição de uma posição contratual, não sendo, portanto, nem a aquisição de bens, nem a aquisição de quaisquer serviços.
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Sustenta ainda que a intervenção da D... nada tem que ver com intermediação imobiliária. Está em causa uma cessão da posição contratual, não tendo sido prestados quaisquer serviços de intermediação imobiliária.
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Mais invoca a Requerente que a opção de compra dos imóveis adquirida não representa uma compra ou promessa de compra do mesmo, mas apenas de um direito ao exercício de uma opção de compra, o qual, aliás, poderia nem sequer vir a ser exercido. Caso a Requerente não tivesse exercido o seu direito, não se teria verificado a aquisição dos imóveis, não podendo, pois, a alegada prestação de serviços da D... ser associada a qualquer imóvel localizado em Portugal.
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Assim, entende que o IVA adicionalmente liquidado em consequência da aquisição da opção de compra não se mostra devido
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Acresce que ainda que se considerasse esta prestação de serviços como tributável em Portugal para efeitos de IVA, a mesma sempre deveria conferir o direito à dedução, no termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º, do Código do IVA.
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Relativamente ao IVA incorrido nas operações de manutenção dos olivais inicialmente levadas a cabo pela C..., e posteriormente redebitado, relativo a serviços prestados com a manutenção do olival em data anterior ao início da atividade da Requerente, deve ser considerado dedutível, por estarem em causa atos preparatórios de uma atividade tributável;
II. B. Posição da Requerida
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Na sua resposta, a Requerida defende-se por impugnação, sendo que, no essencial, reproduz o Relatório de Conclusões do Procedimento de Inspeção Tributária.
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Salienta que a Requerente não liquidou IVA na aquisição de direito de opção de compra de imóveis a fornecedor não sediado em Portugal, operação que considera tratar-se de uma prestação de serviços tributável nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 8, alínea a), por se tratar de prestação de serviços relacionada com imóvel sito em Portugal.
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Relativamente ao tema “dedução do IVA incorrido em despesas de manutenção dos olivais”, a Requerida entende que a Requerente pretende exercer o direito à dedução por referência a imposto (IVA) incorrido em data anterior à sua própria existência, o que considera inadmissível.
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No que respeita ao IVA incorrido com honorários de notariado e função financeira, a Requerida considera tratar-se de operações relacionadas com imóveis e, como tal, isentas de imposto, pelo que não seria conferido à Requerente direito à dedução do mesmo.
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Por fim, termina dizendo que o IVA relativo à aquisição do direito de opção não foi objeto de correção por não ter sido deduzido pela Requerente, manifestando-se assim, no sentido de que se tivesse sido exercido o direito à dedução de tal imposto, o mesmo teria sido negado no âmbito do procedimento de inspeção.
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Conclui pedindo a improcedência do pedido e a manutenção dos atos de liquidação praticados por consubstanciarem um a correta aplicação do direito aos factos.
III – Saneador
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
IV – Matéria de Facto
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Os factos elencados supra foram dados como provados, ou não-provados com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, e nos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo.
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Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123º, 2, do CPPT e artigos. 596º, 1 e 607º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. artigos 13.º do CPPT, 99º da LGT, 90º do CPTA e artigos 5º, 2 e 411.º do CPC).
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Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16º, e) do RJAT, e art. 607º, 4, do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
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Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. artigo 607º, 5 do CPC, ex vi artigo 29º, 1, e) do RJAT).
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Além disso, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
IV. A. Factos provados
Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente, constituída em 5 de julho de 2017, dedica-se à exploração agrícola, bem como à prestação de serviços, consultoria técnica agrícola e comercialização de produtos agrícolas e fitofármacos (cf. Documento 9 junto com o Requerimento Inicial);
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A Requerente encontra-se registada, junto da Autoridade Tributária, para o exercício da sua atividade desde o dia 11 de julho de 2017, com o CAE 01261 - Olivicultura, sendo que estava enquadrada, à data dos factos em apreço, no regime normal de periodicidade trimestral (cf. Documento 16, página 8, junto com o Requerimento Inicial);
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No exercício da sua atividade, a Requerente adquiriu um negócio de exploração olivícola sito nos prédios rústicos denominados de ..., ..., ... e ..., através de uma sequência de transações que envolveu as sociedades B..., Lda. (“B...”), C..., Lda. (“C...”) e D..., Limitada, sociedade de direito Macaense (“D...”) (cf. Documento 16, página 13, junto com o Requerimento Inicial);
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A B... havia celebrado com a C..., em 27 de junho 2016, um contrato de mandato sem representação, com exclusividade, para a venda dos referidos prédios, designados, no seu conjunto, por “Herdade...”, de que era proprietária (cf. Documento 10, junto com o Requerimento Inicial);
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No âmbito do mesmo contrato, a C... atribuiu à B... o direito de opção de compra da referida herdade (cf. Documento 10, junto com o Requerimento Inicial);
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Em tal contrato foi estabelecido um preço global de € 10.500.00,00 (dez milhões e quinhentos mil euros), acrescidos dos encargos fiscais, qualquer que seja a sua natureza, suportados pela Primeira Outorgante [C...], que decorram ou tenham decorrido da sua aquisição e/ou propriedade dos Imóveis, até à data da celebração do negócio de compra e venda a favor do interessado proposto pela Segunda Outorgante [B...] ou a própria.
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Ao preço referido acresceria o valor de uma função financeira de 3,5% ao ano, a calcular sobre o valor mencionado, pelo período decorrido entre 28.06.2016 e a data da concretização da venda da herdade.
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Na mesma data, foi celebrado um contrato de cessão de exploração olivícola entre a C..., a B... e o Sr. E..., gerente desta última entidade, visando assegurar a manutenção dos cultivos existentes nos imóveis até 2018-01-31 (data limite para se exercer o direito de aquisição dos imóveis), (cf. Documento 11 junto com o Requerimento Inicial);
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Pela cessão da exploração olivícola, a C... seria remunerada num total de até € 1.000.000, tendo sido entretanto contratualmente acordado que “caso a Segunda Contratante [B...] venha a exercer o direito de opção de compra que lhe foi conferido, antes do vencimento de qualquer uma das prestações (…) as importâncias aí previstas não seriam devidas (
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Em 7 de julho de 2017, foi celebrado entre D... e a B... um contrato de cessão gratuita da posição contratual desta no contrato de mandato com opção de compra acima referido. (cf. Documento 12 junto com o Requerimento Inicial);
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Em 14 de julho de 2017, foi celebrado entre a B..., a D... e a Requerente um “acordo com aquisição de opção de compra de imóveis” segundo o qual a segunda outorgante transmitiu à terceira o direito, adquirido da primeira, de exercer a opção de compra dos imóveis que constituem a herdade (cf. Documento 13 junto com o Requerimento Inicial);
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Nessa mesma data, foi também celebrado um contrato-promessa de compra e venda de imóveis (“CPCV”) entre a C... e a Requerente relativo à aquisição dos imóveis que constituíam a herdade (cf. Documento 14 junto com Requerimento Inicial).
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No citado Acordo, a A... assume ainda o pagamento conjunto, correspondente a 50% da função financeira, acima referida, que se mostrar devida pela “B... ” à “C...”.
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Em 18 de julho de 2019, foi celebrado um aditamento ao acordo com aquisição de opção de compra (cf. Documento 15 junto com o Requerimento Inicial);
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Desde janeiro de 2017, a B... realizou e suportou diferentes despesas relativas a operações de manutenção/conservação do olival, que foram objeto de refaturação à Requerente como contratualmente previsto (cf. Documento 16 junto com Requerimento Inicial);
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Essas despesas visaram garantir o adequado rendimento da campanha agrícola de 2017, o qual, segundo os contratos celebrados, passaria a pertencer à Requerente na qualidade de proprietária dos imóveis onde de situam os olivais em causa.
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A “D...” emitiu em nome da Requerente a fatura n.º A1407/2017, de emissão de 2017-07-14, no montante de 1.300.000,00 €, a cujo pagamento esta procedeu, sem qualquer referência a IVA;
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O objetivo de tal transação foi adquirir a “opção de compra” que a D...–detinha no contrato, para posteriormente se efetuar a aquisição dos imóveis.
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A Requerente foi objeto de uma ação de inspeção tributária da qual resultaram as liquidações ora impugnadas (cf. pág. 6 do Documento 16 junto com o Requerimento Inicial);
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Em tal ação inspetiva foram feitas as seguintes correções:
- falta de liquidação de IVA na fatura, no montante de 1.300.000 relativa à aquisição da opção de compra, sendo o imposto em falta de 299.000,00 € e com referência ao período 2017/09
- não aceitação da dedução de IVA, no montante de 12.624,84 €, por se reportar a faturas emitidas em datas anteriores ao início de atividade declarada pelo sujeito passivo (2017-07-11), e à própria data da sua constituição (2017-07-05).
- não aceitação da dedução de IVA, no valor de 423,16 €, liquidado relativamente a serviços notarias relativos à escritura de aquisição dos imóveis em causa, com referência ao período de 2017/12.
- não aceitação da dedução de IVA liquidado pela C... relativamente ao pagamento da função financeira, no montante de 14.219,37 €, relativo ao período 2017/12.
U) A Requerente foi notificada dos atos de liquidação de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) e de Juros Compensatórios n.ºs 2021 ... e 2021 ..., decorrentes de tais correções, tando pago, em 1 de Fevereiro de 2022, a o valor liquidado adicionalmente (cf. Documento 19 junto com o Requerimento Inicial);
IV. B. Factos não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
V. Sobre o Mérito da Causa
V.A Fundamentação da decisão
Em face do que antecede, as questões suscitadas e que deverão ser apreciadas pelo Tribunal são as seguintes:
- O IVA incorrido nas operações de manutenção dos olivais levadas a cabo pela B..., em data anterior ao início da atividade da Requerente, valores que a esta foram redibitados, nos termos contratuais, e por esta foram suportadas, deve ser considerado dedutível pela Requerente?
- O IVA suportado pela Requerente em despesas notariais relativas à celebração da escritura definitiva de aquisição da Herdade ... deve ser considerado dedutível?
- O IVA suportado pela Requerente em razão do pagamento da função financeira deve ser considerado dedutível?
- A operação de aquisição de uma opção de compra relativa a imóveis é sujeita a IVA nos termos da alínea a) do n.º 8 do artigo 6.º do Código do IVA (in fine)?;
- Caso a resposta à questão anterior seja positiva, deve o imposto liquidado ser integralmente dedutível pela Requerente?
- Estão verificados os pressupostos para condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios?
V.A.1. O IVA incorrido nas operações inicialmente levadas a cabo pela B..., e posteriormente redebitado à Requerente, relativo a serviços prestados com a manutenção do olival em data anterior à constituição e início da atividade da Requerente, deve ser considerado dedutível?
Como resulta do Relatório de Conclusões do Procedimento de Inspeção Tributária, a Requerida considerou como não passível de dedução o IVA incorrido em faturas emitidas pela sociedade B..., Lda (FA2017/00005; FA2017/00010; FA 2017/00006 e FA2017/00009).
Em termos sintéticos, a Requerida recusou o exercício do direito à dedução por parte da Requerente por considerar que se trata de imposto relativo a factos ocorridos em data anterior à da própria constituição desta empresa.
Apreciando:
Como resulta da sequência de contratos celebrados, a Requerente acordou com a sociedade B... a aquisição de um negócio de exploração agrícola (Olival) sendo que os rendimentos inerentes à campanha de 2017 seriam já seus (da Requerente).
Resulta da experiência comum que os anos agrícolas são regidos pelas características climáticas típicas de cada parte do ano civil, não se confundindo com o mesmo. E não se confundindo também com os exercícios económicos ou períodos de tributação que são meras ficções para efeitos de enquadramento temporal do apuramento de imposto devido ao Estado.
Não obstante, e atento o carácter formal do imposto aqui em análise, importa determinar quais as regras aplicáveis ao exercício do direito à dedução.
Sendo o IVA um tributo que opera através do método subtrativo indireto, por força do qual os operadores económicos deduzem ao imposto referente às suas operações ativas (venda de bens/prestação de serviços) o que lhes foi faturado na compra de inputs da sua produção, o regime da dedução é uma peça basilar e essencial do seu funcionamento. Com efeito, apenas pelo (correto) exercício do direito à dedução do imposto incorrido, se alcança a pretendida neutralidade, no sentido de que apenas o consumidor final suporta economicamente o mesmo (por efeito da repercussão legal).
Nos termos do artigo 19.º, do Código do IVA:
1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:
a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;
b) O imposto devido pela importação de bens;
c) O imposto pago pelas aquisições de bens ou serviços abrangidos pelas alíneas e), h), i), j), l), m) e n) do n.º 1 do artigo 2.º;
d) O imposto pago como destinatário de operações tributáveis efectuadas por sujeitos passivos estabelecidos no estrangeiro, quando estes não tenham no território nacional um representante legalmente acreditado e não tenham facturado o imposto;
e) O imposto pago pelo sujeito passivo à saída dos bens de um regime de entreposto não aduaneiro, de acordo com o n.º 6 do artigo 15.º
2 - Só confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo:
a) Em faturas passadas na forma legal;
b) No recibo de pagamento do IVA que faz parte das declarações de importação, bem como em documentos emitidos por via eletrónica pela Autoridade Tributária e Aduaneira, nos quais constem o número e a data do movimento de caixa;
c) Nos recibos emitidos a sujeitos passivos enquadrados no «regime de IVA de caixa», passados na forma legal prevista neste regime.
3 - Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura.
4 - Não pode igualmente deduzir-se o imposto que resulte de operações em que o transmitente dos bens ou prestador dos serviços não entregar nos cofres do Estado o imposto liquidado, quando o sujeito passivo tenha ou devesse ter conhecimento de que o transmitente dos bens ou prestador de serviços não dispõe de adequada estrutura empresarial susceptível de exercer a actividade declarada.
5 - No caso de faturas emitidas pelos próprios adquirentes dos bens ou serviços, o exercício do direito à dedução fica condicionado à verificação das condições previstas no n.º 11 do artigo 36.º.
Pela análise deste primeiro artigo, não parece haver dúvidas que os requisitos de que a Lei faz depender o exercício do direito à dedução estão verificados.
Não obstante, importa, também, ter em consideração o disposto no artigo 20.º do Código do IVA:
1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:
a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;
b) Transmissões de bens e prestações de serviços que consistam em:
I) Exportações e operações isentas nos termos do artigo 14.º;
II) Operações efectuadas no estrangeiro que seriam tributáveis se fossem efectuadas no território nacional;
III) Prestações de serviços cujo valor esteja incluído na base tributável de bens importados, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 17.º;
IV) Transmissões de bens e prestações de serviços abrangidas pelas alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 e pelos n.os 8 e 10 do artigo 15.º;
V) Operações isentas nos termos dos n.os 27) e 28) do artigo 9.º, quando o destinatário esteja estabelecido ou domiciliado fora da Comunidade Europeia ou que estejam directamente ligadas a bens, que se destinam a ser exportados para países não pertencentes à mesma Comunidade;
VI) Operações isentas nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro.
2 - Não confere, porém, direito à dedução o imposto respeitante a operações que dêem lugar aos pagamentos referidos na alínea c) do n.º 6 do artigo 16.º
Da aplicação da referida disposição legal aos factos que caracterizam a situação em análise não parece, também, resultar qualquer limitação ao exercício do direito à dedução.
Analisados os requisitos, subjetivos, objetivos e formais, importa, por fim, analisar os requisitos temporais. É, sobre a verificação deste concreto requisito que a Requerida se insurge.
O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, nos termos do disposto nos artigos 7.º e 8.º do CIVA devendo a mesma, sem prejuízo do disposto no artigo 78.º, ser efetuada na declaração do período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação, sendo que quando a receção dos documentos referidos tiver lugar em período de declaração diferente do da respetiva emissão, pode a dedução efetuar-se, se ainda for possível, no período de declaração em que aquela emissão teve lugar (cf. números 1, 2 e 3 do art. 22.º do CIVA).
E, no que às prestações de serviços respeita (que é o que aqui está em causa atenta a técnica legislativa utilizada que qualifica como prestação de serviços tudo o que não seja uma transmissão de bens), o artigo 7.º, do Código do IVA determina que o imposto se torna exigível / dedutível no momento da sua realização. Ora, a aferição do facto gerador apenas pode ser admitida com recurso a critérios de aferição próprios deste imposto. Malgrado inexistir na legislação de IVA a definição do momento em que uma prestação de serviços se considera realizada, decorre de vasta jurisprudência comunitária que tal acontece quando nas circunstâncias ou elementos que a caracterizam revelem, materialmente, a sua completude. Assim, para esta aferição deveremos tomar em conta a realidade económica e comercial em que decorrem as operações.
Ora, como decorre do processo, esta prestação de serviços é enquadrada por uma série de relações contratuais através das quais a Requerente “adquiriu” economicamente uma atividade (e o seu feixe de obrigações - designadamente os custos necessários e relacionados com as operações tributáveis- e direitos – essencialmente ao resultado económico da atividade), em momento anterior ao da sua aquisição civil.
Assim, dos factos que caracterizam o caso em apreço, resulta:
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estar em causa IVA incorrido com a aquisição de serviços a outros sujeitos passivos, diretamente relacionada com operações tributárias (ativas) posteriormente realizadas a jusante pela Requerente; e
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estarem devidamente justiças as razões pelas quais as aquisições em causa foram inicialmente faturadas em nome da B... e, depois, por esta debitadas à Requerente.
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a concreta prestação de serviços de que resulta o direito à dedução ter realizada com a emissão da fatura respetiva em concretização do feixe negocial acordado.
Não pode, pois, manterem-se na ordem jurídica, nesta parte, os atos de liquidação que constituem o objeto do presente pedido de pronuncia arbitral, por violação do disposto nos artigos 19.º e 20.º, do Código do IVA.
Outro entendimento resultaria numa clara violação da neutralidade do IVA, no gerar de uma tributação cumulativa neste imposto, sem qualquer justificação.
V.A.2. O IVA incorrido nas despesas notariais relativas à celebração da escritura definitiva de aquisição da Herdade ..., bem como o imposto cobrado sobre o pagamento da função financeira assumida pela Requerente, deve ser considerado dedutível?
No seu entender (da Requerida), tais operações mostram-se inerentes à aquisição de imóveis, nomeadamente, na aquisição de um direito real de propriedade de bem imóvel, operação sujeita a imposto mas dela isenta (cfr. Documento 16, página 33). Assim, a dedução do imposto incorrido estaria vedada pela alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º, do Código do IVA.
Em primeiro lugar, há que frisar que a aquisição de imóvel e o pagamento de honorários a um notário são operação materialmente distintas (desde logo estão em causa uma transmissão de bens e uma prestação de serviços). Embora a eficácia da aquisição de um imóvel implique a sua formalização por escritura pública, o certo é que a escritura pública não pode ser entendida como constituindo “parte”, ainda que acessória, da aquisição. O mesmo é dizer que o facto de a aquisição de imóveis estar isenta de IVA tal não pode ser entendido como significando, sem mais, que o IVA suportado na escritura pública não possa ser deduzido.
Relativamente ao pagamento da função financeira, poder-se-ia discutir a liquidação de IVA relativa a este pagamento, qual a razão de ser a ele subjacente. Porém, não tendo a AT questionado tal sujeição, a questão reduz-se à do exercício do direito à dedução, pela que, também para esta questão valerão as mesmas considerações que as relativas à questão dos honorários do notário.
O artigo 168.º, alínea a) da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006 (“Diretiva IVA”) estabelece que: “[q]uando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:
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O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;”.
Do artigo 20.º, n.º 1 do Código do IVA encontram-se arredadas as“aquisições não destinadas a fins empresariais”. “Não se destinando as aquisições a fins empresariais, não poderá o sujeito passivo proceder à respectiva dedução de acordo com o artigo 20.º do CIVA.” (Emanuel Vidal Lima, Imposto sobre o Valor Acrescentado – comentado e anotado, Porto Editora, 9.ª ed., 2003, p. 366).
No caso em apreço, a Requerente tem como objeto social a exploração agrícola, bem como a prestação de serviços, consultoria técnica agrícola e comercialização de produtos agrícolas e fitofármacos. Atividade essa que gera, a final, operações sujeitas (que justifica o enquadramento para efeitos de IVA que a Requerente tem junto da AT), sendo que a aquisição de terrenos não pode deixar de estar umbilicalmente relacionado com a prossecução da atividade económica a que se dedica. Assim, o IVA, sendo incorrido na aquisição serviços que se destinam a ser utilizados para prosseguir os fins das operações tributadas do sujeito passivo, ou seja, incorporados na atividade, não pode deixar de ser dedutível sob pena de ser comprometida a neutralidade que constitui uma pedra basilar deste imposto.
Nem a lei, nem os princípios estruturantes do IVA obrigam a que o IVA suportado esteja diretamente relacionado com a obtenção de outputs sujeitos a IVA. De igual modo não se exige que o IVA a deduzir esteja diretamente relacionado com um output específico, mas seja incorporado na atividade económica do sujeito passivo.
O TJUE tem inclusivamente vindo a defender que basta uma relação indireta entre o bem ou serviço no qual o IVA foi incorrido e as operações produzidas a jusante (a atividade económica do sujeito passivo) para que este seja dedutível. Com efeito, atente-se o acórdão do TJUE de 14 de setembro de 2017, proferido no processo n.º C-132/16 que “[r]esulta do artigo 168.º da Diretiva 2006/112 que na medida em que o sujeito passivo, agindo nessa qualidade no momento em que adquire um bem ou um serviço, utilize esse bem ou serviço para as necessidades das suas operações tributadas está autorizado a deduzir o IVA devido ou pago em relação ao referido bem ou serviço (v., neste sentido, acórdão de 22 de outubro de 2015, Sveda, C‑126/14, EU:C:2015:712, n.o 18).
Segundo jurisprudência constante, a existência de uma relação direta e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução é, em princípio, necessária para que o direito a dedução do IVA pago a montante seja reconhecido ao sujeito passivo e para determinar a extensão de tal direito. O direito a dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efetuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução (acórdãos de 29 de outubro de 2009, SKF, C‑29/08, EU:C:2009:665, n.o 57, e de 18 de julho de 2013, AES‑3C Maritza East 1, C‑124/12, EU:C:2013:488, n.o 27).
Foi também admitido, no entanto, um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de uma relação direta e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das despesas gerais deste último e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens fornecidos ou dos serviços prestados pelo mesmo. Tais custos têm, com efeito, uma relação direta e imediata com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo (v., designadamente, acórdãos de 29 de outubro de 2009, SKF, C‑29/08, EU:C:2009:665, n.o 58, e de 18 de julho de 2013, AES‑3C Maritza East 1, C‑124/12, EU:C:2013:488, n.o 28).”(sublinhados nossos) (Acórdão do TJUE de 14 de setembro de 2017, proferido no processo n.º C-132/16, Iberdrola Inmobiliaria Real Estate Investements, EU:C:2017:683, parágrafos n.ºs 27, 28 e 29).
Alexandra Martins refere a este respeito que“o TJUE satisfaz-se com um nexo indirecto, conquanto se demonstre que os inputs integram o objectivo último de prossecução de uma actividade (output) que confere o direito à dedução ou na medida em que o confira.” (Alexandra Martins, Desconstruindo dogmas: o direito à dedução e as isenções, Cadernos IVA 2016, Coimbra: Almedina, 2016, p. 32) (vide Acórdão proferido no processo n.º 426/2017-T).
Em face do exposto, os actos de liquidação são ilegais, devendo ser anulados por violação dos artigos 19.º e 20.º, do Código do IVA.
V.A.3. A operação de aquisição da opção de compra é sujeita a IVA nos termos da alínea a) do n.º 8 do artigo 6.º do Código do IVA (in fine)?
Em último lugar, a Requerida considerou que a Requerente deveria ter liquidado IVA na aquisição do direito de opção de compra sobre os imóveis já acima identificados. Para tanto socorre-se da alínea a) do n.º 8 do artigo 6.º, do Código do IVA que determina serem tributáveis em Portugal:
a) Prestações de serviços relacionadas com um imóvel sito no território nacional, incluindo os serviços prestados por arquitectos, por empresas de fiscalização de obras, por peritos e agentes imobiliários, e os que tenham por objecto preparar ou coordenar a execução de trabalhos imobiliários, assim como a concessão de direitos de utilização de bens imóveis e a prestação de serviços de alojamento efectuadas no âmbito da actividade hoteleira ou de outras com funções análogas, tais como parques de campismo;
Mais invoca a Requerida que a alínea P) do n.º 2 do ponto II do Ofício Circulado n.º 30191 de 2017-06-08 prevê os serviços aqui em causa.
Está em causa determinar se a operação realizada – aquisição de direito de opção sobre a aquisição de imóveis concretos, descritos na cláusula primeira do Acordo junto ao requerimento inicial como Documento 13 - se relaciona, ou não, com imóveis sitos em Portugal, para efeitos da sobredita disposição legal.
Em primeiro lugar, importa analisar o contrato que deu origem à prestação de serviços para efeitos de IVA aqui em causa, de forma a determinar os seus reais efeitos.
Com efeito, embora as partes tenham optado por denominar o contrato de “aquisição de opção de compra de imóveis”, importa verificar o feixe de direitos e obrigações estabelecido e, bem assim, a forma como os mesmos foram estabelecidos,
Ora, o contrato de opção consiste na convenção (atípica) mediante a qual uma das partes (concedente) emite a favor da outra (optante) uma declaração negocial, nos termos da qual fica imediatamente vinculada à celebração de um outro contrato (principal), ficando o optante com o direito potestativo de decidir unilateralmente sobre a sua conclusão. Neste sentido, estamos perante um contrato preparatório ou instrumental: através dele são regulados diversos aspetos que irão conduzir ao surgimento de um outro contrato. Quanto à forma do contrato de opção, será sempre a forma exigida para o contrato principal.
Sobre este contrato, inominado por não estar especificamente previsto no Código Civil, já se pronunciou o Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão de 24 de Setembro de 2020, proferido no Processo n.º 21727/18.5T8SNT.L1-6, nos seguintes termos:
I) O contrato de opção constitui uma proposta contratual irrevogável convencionada, resultante de acordo das partes, enquanto a proposta irrevogável constitui um acto unilateral do proponente.
II) A diferença fundamental entre a promessa unilateral e o contrato de opção encontra-se em, na primeira, a parte se obrigar a emitir a declaração necessária à celebração do contrato definitivo, e, no segundo, essa declaração ser desde logo emitida gerando a sujeição à emissão da declaração negocial da contraparte.
(…)
Ora, no caso em apreço, o feixe obrigacional característico do contrato de opção, não se verifica. Com efeito, até pela forma adoptada (documento particular) a sociedade proprietária dos imóveis não ficou meramente sujeita à emissão de declaração negocial pela contraparte. Com efeito, e uma vez que para o negócio translativo da propriedade de imóveis é imposto a escritura pública ou equivalente, nunca tal obrigação resultaria do contrato exarado em documento particular. Com efeito, do incumprimento contratual, tal qual o contrato foi celebrado, poderá resultar responsabilidade civil, mas a Requerente não tem um direito potestativo que possa ser automaticamente imposto à contraparte.
Ora, nos termos do disposto no artigo 47.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de Novembro: O lugar das prestações de serviços relacionadas com bens imóveis, incluindo os serviços prestados por peritos e agentes imobiliários, a prestação de serviços de alojamento no sector hoteleiro ou em sectores com funções análogas, tais como campos de férias ou terrenos destinados a campismo, a concessão de direitos de utilização de bens imóveis e os serviços de preparação e de coordenação de obras em imóveis, tais como os serviços prestados por arquitectos e por empresas de fiscalização de obras, é o lugar onde está situado o bem imóvel.
E, de acordo com o artigo 31.º-A, do Regulamento de Execução (UE) n.º 1042/2013 do Conselho, de 7 de Outubro:
1. Os serviços relacionados com bens imóveis a que se refere o artigo 47. o da Diretiva 2006/112/CE incluem apenas os serviços que tenham uma relação suficientemente direta com esses bens. Considera-se que os serviços têm uma relação suficientemente direta com bens imóveis nos seguintes casos:
a) Quando derivam de um bem imóvel e esse bem é um elemento constitutivo do serviço e constitui um elemento central e essencial para a prestação dos serviços;
b) Quando são prestados ou destinados a um bem imóvel e têm por objeto a alteração jurídica ou material desse bem.
Ora, atentas as características do caso concreto, a prestação de serviços consubstanciada no Acordo de Aquisição de Opção de Compra não parece, também de acordo com as Notas Explicativas da EU em Matéria de IVA, publicas pela Comissão Europeia em 2015 (ISBN...) derivarem de um bem imóvel. E, de igual modo, a prestação de serviços não é prestada ou destinada a um imóvel ou qualquer alteração jurídica do mesmo. Com efeito, e como referido, não obstante a denominação escolhida pelas Partes, o que está em causa é um contrato que, a final, apenas poderá gerar responsabilidade civil pelo incumprimento e nunca a transferência de propriedade. Assim, embora tenha por objeto mediato imóveis sitos em Portugal, não tem uma relação suficientemente directa com esses bens na acepção do artigo 47.º da Directiva 2006, como exigido pelo artigo 31.º-A do Regulamento de Execução (UE) n.º 1042/2013 do Conselho, de 7 de Outubro.
Em face do exposto conclui-se que não está em causa a prestação de um serviço relacionada com um imóvel sito em Portugal, e consequentemente, a mesma não está abrangida pela alínea a), do n.º 8 do artigo 6.º, do Código do IVA. Tendo o acto de liquidação sido praticado com fundamento na referida disposição legal o mesmo não se pode manter na ordem jurídica, por erro sobre os pressupostos de direito, impondo-se a respectiva anulação.
V.A.4. O direito a juros indemnizatórios.
A Requerente solicitou ainda a condenação da Requerida no reembolso da quantia indevidamente paga e no pagamento de juros indemnizatórios.
Neste âmbito importa referir que o artigo 24.º, n.º 1, do RJAT estabelece que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso, a) Praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral; b) Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito; c) Rever os actos tributários que se encontrem numa relação de prejudicialidade ou de dependência com os actos tributários objecto da decisão arbitral, designadamente por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica de imposto, ainda que correspondentes a obrigações periódicas distintas, alterando-os ou substituindo-os, total ou parcialmente; d) Liquidar as prestações tributárias em conformidade com a decisão arbitral ou abster-se de as liquidar”.
Como resulta da conjugação do corpo no n.º 1 com a sua daquele alínea b) a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito", o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT] que estabelece, que "a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.
Embora o artigo 2º, nº 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão "declaração de ilegalidade" para definir a competência dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
Entre essas competências incluem-se a de, na sequência de anulação do acto de que é objecto de impugnação judicial, proferir condenação da «Administração Tributária a restituir o imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios», como é entendimento jurisprudencial pacífico do Supremo Tribunal Administrativo.
Como se diz no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 06-08-2017, processo n.º 06112/12, “o princípio da tutela jurisdicional efectiva com consagração constitucional (cfr. artº. 268º, n.4, da Constituição da República) somente é alcançado se as sentenças puderem ter todos os efeitos necessários e aptos a proteger o direito ou interesse apreciado pelo Tribunal, assim não podendo limitar-se à mera anulação do acto tributário e podendo o processo de impugnação revestir uma natureza condenatória, caso o contribuinte solicite não só a anulação do acto tributário, mas também a devolução do montante pago acrescido dos respectivos juros” e que “o princípio da economia processual que exige que se ponha fim ao litígio utilizando do processo judicial tudo o que puder ser aproveitado para basear uma decisão do Tribunal de onde sai logo uma definição da situação tributária concreta sob análise que não careça de qualquer nova pronúncia da Administração Tributária”. Impõe-se, pois, a condenação no reembolso da quantia (indevidamente) paga pela Requerente.
Nos termos do disposto no artigo 43º, 1 da LGT são devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido". E, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT, o direito a juros indemnizatórios existe também “[q]uando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
Nos termos do art. 24º, 5 do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde o primeiro aniversário da apresentação do pedido de revisão oficiosa até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Tudo isso condicionado pela existência, ou não, de erro imputável aos serviços.
No caso em apreço conclui-se pela ilegalidade das liquidações de IVA por erro nos pressupostos de direito, o que se traduz na existência de erro imputável aos serviços.
Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário há lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
VI. DECISÃO
Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando ilegais e anulando as liquidações oficiosas de IVA impugnadas, relativas aos períodos de tributação 1709T e 1712T, no valor global de € 379.036,65;
-
Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira na restituição da importância indevidamente recebida com base nessas liquidações;
-
Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito;
VIII. Valor do processo
Nos termos do disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art.º 29.º, 1, a), do RJAT e art.º 3.º, 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT) o valor da utilidade económica do pedido é de € 379.036,65.
IX. Custas
Custas no montante de € 6.426,00 (Seis mil, quatrocentos e vinte e seis euros) a cargo da Requerida (cfr. Tabela I, do RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT).
09 de setembro de 2024
Os Árbitros
Rui Duarte Morais
(Árbitro Presidente)
José Nunes Barata
(Árbitro Vogal)
Francisco de Carvalho Furtado
(Árbitro Relator)