Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1048/2023-T
Data da decisão: 2024-08-20   Outros 
Valor do pedido: € 130.645,45
Tema: CSR - Repercussão de impostos indiretos. Reembolso do imposto.
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SUMÁRIO:

 

I – As entidades utilizadoras da rede rodoviária nacional que suportam o encargo tributário da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) por efeito da repercussão, têm legitimidade processual para impugnar judicialmente os atos de liquidação do imposto que incidam sobre combustíveis que tenham adquirido, como meio de reagirem contra a ilegalidade da repercussão.

II - A CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, não prossegue “motivos específicos”, na aceção do artigo l.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118/CE, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que se encontram atribuídos à concessionária.

III – A prova da repercussão de impostos indiretos suportados pelo operador económico e do enriquecimento sem causa do mesmo em virtude da sua restituição carece de ser demonstrada através de documentos que identifiquem o efetivo pagamento do imposto, não podendo assentar em juízos presuntivos (ou em meras declarações genéricas).

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros, Fernando Araújo (árbitro presidente), José Nunes Barata e Ana Rita do Livramento Chacim (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

  1. RELATÓRIO
  1. A..., LDA., pessoa coletiva com o n.º..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-..., Vila Nova de Gaia, (doravante “Requerente”), vem, nos termos do disposto nos artigos 95.º, n.º 1 e 2 da Lei Geral Tributária (“LGT”), e ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por “RJAT”), requerer a constituição do Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira (doravante designada de “Requerida” ou “AT”), com vista à pronúncia deste Tribunal do seu pedido de revisão oficiosa do ato tributário de liquidação de Imposto Sobre Produtos Petrolíferos – Contribuição de Serviço Rodoviário referente às declarações e liquidação do período entre maio de 2019 e dezembro de 2022, no valor global de 130.645,45€ (cento e trinta mil seiscentos e quarenta e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos) a título de CSR, com o consequente reembolso e acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.
  2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 28.12.2023 pelo Presidente do CAAD e notificado à AT nos termos regulamentares.
  3. Em 10.01.2024, a Requerida apresentou Requerimento dirigido ao Senhor Presidente do CAAD, no sentido de: «(…) informar que analisado o pedido, não detetou a identificação de qualquer ato tributário. Identificação que, aliás, também não consta da plataforma do Centro de Arbitragem Tributária. Tendo em conta, que: a) A competência dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, abrange exclusivamente a apreciação direta da legalidade de ato(s) de liquidação ou de atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de ato(s) daquele tipo, conforme decorre do n.º 1, do artigo 2.º do RJAT e como se depreende das referências exs que se fazem na alínea a), do nº 1, do artigo 10.º do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT; Conforme dispõe expressamente a alínea b), do nº 2, do artigo 10º do RJAT, do requerimento em que é formulado o pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral; c) Sem a identificação, por parte dos interessados, do ato ou atos tributários, cuja ilegalidade é invocada, não pode o dirigente máximo da AT exercer a faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT. Solicita-se que seja(m) identificado(s) o(s) ato(s) de liquidação cuja legalidade o requerente pretende ver sindicada, entendendo-se que o termo inicial do prazo para o exercício da faculdade prevista no artigo 13º do RJAT só ocorre após a notificação, à Autoridade Tributária e Aduaneira, da identificação, em concreto, do(s) ato(s) de liquidação cuja ilegalidade é suscitada.»
  4. Na mesma data, a Requerente foi notificada do despacho proferido pelo Senhor Presidente do CAAD no sentido de informar que «Com referência ao Processo em epígrafe e na sequência da comunicação da Autoridade Tributária envie-se a mesma ao Tribunal Arbitral a constituir, por ser esse o órgão competente para a sua apreciação. (…)»
  5. Com referência ao requerimento da Requerida de 10.01.2024, a Requerente veio expor ao Tribunal, em 24.01.2024, que o mesmo não tem «(…) cabimento de facto e nos termos da lei, uma vez que além do mais no seu articulado inicial (artigos 34 a 41) e prova documental junta (“Liquidações” e Documentos nºs 1 a 896 juntos com o articulado inicial submetido) está perfeitamente identificado o acto tributário objecto da causa de pedir e pedidos nos presentes autos (Cfr. art.ºs 2.º, n.º 1, al. a) e 10.º, n.º 1, al. a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT).»
  6. Na mesma data, as Partes foram notificadas do despacho proferido pelo Senhor Presidente do CAAD no sentido de determinar que: «(…) envie-se a mesma ao Tribunal Arbitral a constituir, por ser esse o órgão competente para a sua apreciação. (…)»
  7. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto do artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), ambos do RJAT, o Conselho Deontológico, designou os árbitros do Tribunal Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a sua aceitação, nos termos legalmente previstos.
  8. Em 14.02.2024, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea c), do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
  9. Desta forma, o Tribunal Coletivo foi regularmente constituído em 05.03.2024, com base no disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio.
  10. Por despacho arbitral de 05.03.2023, foi cumprido o disposto no artigo 17.º do RJAT, tendo a Requerida sido notificada para apresentar a sua Resposta.
  11. A 13.04.2024 a AT juntou aos autos o respetivo processo administrativo e apresentou a sua Resposta, em defesa da legalidade dos atos impugnados, concluindo pela improcedência do pedido arbitral, pela legalidade e manutenção dos mesmos na ordem jurídica.
  12. Por despacho de 17.04.2024 proferido pelo Presidente do presente Tribunal Arbitral, com a concordância dos Co-Árbitros, determinou-se a notificação das Partes nos seguintes termos:

«Notifique-se a Requerente para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, querendo, sobre a matéria de excepção suscitada pela Requerida na sua resposta.»

  1. Por Requerimento de 02.05.2024, a Requerente veio pronunciar-se quanto à matéria de exceção suscitada pela Requerida.
  2. Por despacho de 06.05.2024 proferido pelo Presidente do presente Tribunal Arbitral, com a concordância dos Co-Árbitros, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi dispensada nos termos seguintes:

«Tendo sido exercido o contraditório em matéria de excepção, entende este tribunal que a prova testemunhal é inteiramente dispensável, seja porque as questões que subsistem são essencialmente de direito; seja porque, nos termos do art. 393º do Código Civil, havendo documentos, a prova testemunhal teria necessariamente de cingir-se à interpretação do contexto desses documentos, não podendo incidir nos factos que esses documentos provam; pelo que se dispensa a reunião do art. 18º do RJAT, podendo as partes apresentar alegações escritas, a Requerente no prazo de 10 dias contados da notificação do presente despacho, e a Requerida no prazo de 10 dias contado da notificação das alegações da Requerente, ou da falta de apresentação das mesmas.

Nos termos do art. 21º, 1, do RJAT, a decisão final será proferida e comunicada até 5 de Setembro de 2024, devendo a Requerente pagar o remanescente da taxa de arbitragem até essa data, dando cumprimento ao disposto no art. 4º, 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária. (…)»

  1. Por Requerimento de 29.05.2024, a Requerida veio apresentar alegações escritas.
  2. Por Requerimento de 03.06.2024, a Requerente veio apresentar alegações escritas.
  1. POSIÇÃO DAS PARTES
  1. PEDIDO DA REQUERENTE

A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, com vista à anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa do ato tributário de liquidação de Imposto Sobre Produtos Petrolíferos – Contribuição de Serviço Rodoviário referente às declarações e liquidação do período entre maio de 2019 e dezembro de 2022, o seguinte:

  1. No âmbito da sua atividade, a Requerente recorreu ao uso de gasóleo e gasolina para abastecimento dos seus veículos que fazem o transporte das mercadorias, correspondências (entre outros).
  2. Nas faturas correspondentes ao referido abastecimento, consta repercutido, o Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP), a Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e outros tributos.
  3. De acordo com o respetivo regime jurídico (Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto), a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário, prescrevendo-se que a mesma é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos IEC, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.
  4. A CSR é, assim, suportada por um universo de contribuintes muito mais largo do que aqueles que fazem uso da parte da rede rodoviária nacional que está a cargo da Estradas de Portugal/Infraestruturas de Portugal. Desta forma, os consumidores finais – os repercutidos – têm legitimidade para contestar as liquidações da CSR, de forma a obter a sua anulação e respetivo reembolso.
  5. Por considerar que se encontravam preenchidos os pressupostos e requisitos previstos no art.º 78.º da LGT, a Requerente apresentou o seu pedido de revisão oficiosa, quanto ao Imposto Sobre Produtos Petrolíferos, designadamente quanto à Contribuição de Serviço Rodoviário de maio de 2019 a dezembro de 2022.
  6. O valor de CSR em contestação corresponde ao período entre maio de 2019 e dezembro de 2022, perfazendo o valor global de 130.645,45€ (cento e trinta mil seiscentos e quarenta e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos), o qual resulta do somatório dos montantes constantes dos quadros apresentados pela Requerente, que incluem igualmente a identificação das respetivas faturas, por ano (20.247,60€ + 35.390,46€ + 38.279,12€ +36.728,27€).
  7. Não tendo sido proferida qualquer decisão sobre o pedido de revisão oficiosa apresentado, alega que se formou a presunção de indeferimento tácito, nos termos previstos nos artigos 54.º a 57.º e 78.º, todos da LGT em conjugação com o art.º 102.º, n.º 1, al. d), do CPPT, sendo este o objeto deste pedido de pronúncia e decisão arbitral.
  8. Analisada a matéria de direito, entende que a liquidação da CSR não é legítima e legal, uma vez que tal tributo, não pode ser configurado como imposto, não respeitando a legislação nacional e jurisprudência. Indica aqui várias decisões proferidas por tribunais a funcionar no CAAD.
  9. Refere igualmente o entendimento do Tribunal de Justiça (Despacho de 7 de fevereiro de 2022), segundo o qual a CSR não prossegue “motivos específicos”, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional. Sendo insuscetível de enquadramento na Diretiva 2008/11, a Requerente suscita a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de CSR por ilegalidade abstrata, por violação do Direito da União Europeia.
  10. Conclui que a AT manteve na ordem jurídica atos tributários que são ilegais, razão pela qual se impõe restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito.
  11. Neste âmbito, vem requerer que deve ser julgado provado e procedente o pedido arbitral e anulados os referidos atos de liquidação da CSR de 2019-05 até 2022-12, no valor global de 130.645,45€, o reembolso das quantias que pagou indevidamente, bem como o recebimento de juros indemnizatórios calculados desde a data dos pagamentos indevidos e a condenação da Requerida nas custas do processo arbitral.

 

II.2. RESPOSTA DA REQUERIDA

A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua Resposta, defendendo-se por exceção e por impugnação, alegando, em síntese, o seguinte.

  1. POR EXCEÇÃO:
  1. Da incompetência do Tribunal em razão da matéria:

Tratando-se de uma contribuição e não de um imposto, as matérias sobre a CSR
encontram-se excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal
(cf. artigos 2.º e 3.º do RJAT e artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março).

Neste sentido, a Requerida salienta várias decisões proferidas por tribunais a funcionar no CAAD, em particular, a respeitante ao Processo n.º 31/2023-T, na qual se conclui que não é abrangida pela vinculação da AT, a apreciação de litígios que tenham por objeto pretensões relativas à CSR.

Entende, assim que, independentemente do nomen iuris ou da natureza jurídica da CSR, a verdade é que não é, por definição, um imposto e, portanto, o CAAD não tem competência para decidir sobre esta matéria.

Refere ainda a decisão proferida no Processo n.º 31/2023-T, quando a mesma explicita que, «A intenção governamental de afastar da vinculação à arbitragem tributária as pretensões relativas a contribuições é confirmada pela alteração efectuada ao artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2001 pela Portaria n.º 287/2019, de 3 de Setembro, em que se manteve a referência restritiva a «impostos», em momento em que a Autoridade Tributária e  Aduaneira  já  administrava vários tributos com a  designação de «contribuições», como, além da CSR e da contribuição sobre o sector bancário, a contribuição extraordinária sobre o setor energético (criada pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro) e a contribuição extraordinária sobre a indústria farmacêutica (criada pelo artigo 168.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro). (…) Assim, em boa hermenêutica, é de concluir que o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quando se refere a «impostos», está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação (como, por exemplo, o IVA, o IRC e o IRS) e àqueles que, embora tenham outra designação, a própria lei explicitamente considera «impostos». (…) E, paralelamente, aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas», que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir que devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos.»

Desta forma, estamos perante uma exceção dilatória nos termos dos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, al. a) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ao presente processo por via do artigo 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa.

Sem conceder, a AT alega igualmente que a Requerente suscita a legalidade do regime da CSR, pretendendo, em rigor, a não aplicação de um diploma legislativo aprovado por Lei da Assembleia da República, decorrente do exercício da função legislativa. Desta forma, considera que a presente ação visa suspender a eficácia de atos legislativos, sendo que, conforme decorre do RJAT, a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação. Entende que não é da competência do tribunal arbitral, a fiscalização da legalidade de normas em abstrato, sem enquadramento processual impugnatório de ato concreto de liquidação, nem a execução de sentenças/decisões.

Neste sentido, a Requerida identifica as decisões proferidas nos Processos n.º 212/2020-T, n.º 707/2019-T, n.º 131/2019-T e n.º 117/2021-T.

Argumenta ainda a Requerida, salientando várias decisões proferidas por tribunais arbitrais que funcionam no CAAD[1] que, ainda que se considerasse a competência do tribunal arbitral para a apreciação da ilegalidade dos atos de liquidação de ISP/CSR (que a Requerente não consegue identificar), nunca poderia o tribunal arbitral pronunciar-se sobre atos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos dos atos de liquidação de ISP/CSR, e que para mais, não correspondem a uma repercussão legal, mas a uma repercussão meramente económica ou de facto, como, à frente, se desenvolverá.

Pelo que, o presente pedido arbitral extravasa e excede a competência do tribunal arbitral em razão da matéria, o que consubstancia uma exceção dilatória nos termos do vertido nos artigos 576.º, nº 1 e nº 2 e 577.º, al. a) do CPC, aplicável ao presente processo por via do artigo 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa.

  1. Da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente

Igualmente sem conceder, a Requerida alega não existir ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, entendendo que, apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago. No âmbito dos IEC, de acordo com o estatuído nos artigos 15.º e 16.º do respetivo Código, os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto. Apenas podem solicitar o reembolso do imposto pago os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.

Não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do Código dos IEC, não tem legitimidade nos termos supra, nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral.

Esta situação contém, assim, duas relações jurídicas distintas: a relação jurídica tributária de direito público, pela qual o Estado é credor de uma certa quantia de um sujeito passivo, e a relação jurídica de direito privado, pela qual os adquirentes do combustível, na medida em que entendem ser repercutidos, podem vir a ter o direito de exigir uma certa quantia do sujeito passivo.

Conclui a Requerida que não pode a Requerente pedir à AT o reembolso de um tributo que nunca entregou ao Estado. A repercussão da CSR tem uma natureza meramente económica ou de facto, entendendo que a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que instituiu a CSR, não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal. Neste sentido, são indicadas as decisões arbitrais proferidas nos Processos n.ºs 296/2023- T, 375/2023, 408/2023-T, 452/2023-T e 467/2023-T.

Tal como ocorre nos designados impostos especiais sobre o consumo (como o ISP/ISPPE, IABA ou IT) o ónus da CSR é transferível, através do fenómeno financeiro da repercussão económica dos custos (todas as despesas que se repercutem no valor do produto ou serviço: matéria-prima, custos administrativos, impostos, despesas salariais, margem de lucro, etc.) que podem ser tidos em conta na política de definição dos preços de venda.

Salienta que a Requerente, enquanto sociedade comercial que desenvolve uma atividade com fins lucrativos, relacionada com o transporte rodoviário de mercadorias, repassa, necessariamente no preço dos serviços praticados, os gastos em que incorre, nomeadamente com a aquisição de combustíveis, pelo que as entidades potencialmente lesadas com o encargo da CSR, são os consumidores finais de tais serviços e não a Requerente.

Contrariamente ao pretendido pela Requerente, as faturas apresentadas não corporizam atos de repercussão de CSR, nem atestam que tal tributo foi suportado pela Requerente enquanto consumidor final.

A Requerente não consegue demonstrar que o valor pago pelos combustíveis que adquiriu às suas fornecedoras, tem incluído o valor da CSR pago pelo sujeito passivo de ISP/CSR, nem que suportou, a final, o encargo de tal tributo, isto é, que não o repassou no preço dos serviços praticados aos seus clientes, enquanto consumidores finais.

Salienta que nas faturas juntas aos autos apenas constam valores referentes ao IVA, não contendo qualquer referência a montantes pagos a título de ISP ou CSR, sendo absolutamente omissas nesse aspeto. Ademais, todas as faturas juntas aos autos, por si só, não fazem prova do alegado pagamento, pois não consubstanciam fatura-recibo, nem recibo, nem nota de crédito, nem a conjugação de documentos (contabilísticos ou outros), que permitam comprovar o pagamento dos montantes alegados pela Requerente.

De onde decorre a falta de legitimidade da Requerente. Nesse mesmo sentido, indica igualmente diferentes decisões de tribunais arbitrais a funcionar no CAAD, nomeadamente as proferidas no âmbito dos processos n.os 296/2023-T, 332/2023-T, 375/2023-T, 408/2023-T, 438/2023-T, 466/2023-T, 467/2023-T e 490/2023-T.

Salienta ainda a Requerida que, a não se entender assim, a mesma poderia vir a ser sucessivamente condenada a pagar os mesmos montantes de CSR, mais do que uma vez, a todo e qualquer operador económico que tenha tido intervenção na cadeia comercial de combustíveis: desde o sujeito passivo de imposto, passando pelos grossistas, distribuidores, revendedores, e outros, até ao consumidor final, tenham ou não estes suportado os valores em causa.

Inexistindo efetiva titularidade do direito a que se arroga, carece a Requerente de legitimidade processual, o que consubstancia uma exceção dilatória nos termos dos artigos 576.º, nº 1 e n.º 2, 577.º, al. e) e 578.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo, consequentemente, a Requerida ser absolvida da instância. Ou, caso assim não se entenda, carece a Requerente de legitimidade substantiva, o que consubstancia uma exceção perentória nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 576.º n.º 1 e n.º 3 e 579.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT, devendo a Requerida ser absolvida do pedido.

 

  1. Ineptidão da petição inicial – Da falta de objeto

Alega ainda a Requerida que se encontra verificada a ineptidão da petição inicial por a mesma conter deficiências que comprometem irremediavelmente a sua finalidade, determinando a nulidade de todo o processo e a absolvição da instância, conforme artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º alínea b) e 278.º, n.º 1, alínea b), do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT.

Entende a AT que o presente PPA não respeita os pressupostos legais de aceitação do requerimento/petição inicial, por violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, requisito essencial à aceitação do pedido.

A identificação do(s) ato(s) tributário(s) objeto do pedido é condição essencial para a aceitação do pedido de constituição do tribunal arbitral. O que não acontece, existindo apenas a identificação de faturas de aquisição de combustíveis aos fornecedores, sem a identificação dos atos tributários. A este respeito, a Requerida salienta o requerimento remetido ao Senhor Presidente do CAAD no dia 10.01.2024 (antes da constituição do tribunal arbitral).

Desta forma, alega a AT que não lhe é possível estabelecer qualquer correspondência entre os atos de liquidação alegadamente praticados pelas suas fornecedoras e as faturas apresentadas pela Requerente.

Argumenta que a Requerente não é sujeito passivo de ISP, nem efetuou qualquer introdução no consumo de produtos petrolíferos. Desta forma, entende que a Requerente alega, mas não concretiza, nem logra provar que efetuou qualquer pagamento a título de CSR. Nunca seria possível fazer qualquer correspondência entre as quantidades de produtos introduzidos no consumo e as quantidades de produto adquiridas pela Requerente às suas fornecedoras. Efetivamente, apenas os sujeitos da liquidação, isto é, apenas os sujeitos passivos que declararam os produtos para consumo e efetuaram o pagamento das imposições correspondentes, podem solicitar a revisão das liquidações/reembolso da CSR e do ISP junto da alfândega competente.

Alega ainda a AT que os produtos sobre os quais incide CSR são tributados de acordo com a respetiva unidade de tributação, i.e., no caso da gasolina e gasóleo, a unidade de tributação é de 1000 litros tendo em conta a temperatura de referência de 15º C (cf. artigo 91.º do Código dos IEC). Ou seja, aquando da DIC são consideradas as quantidades de acordo com a temperatura de referência a 15º C. Nas vendas subsequentes desses produtos, não é possível fazer tal conversão sendo consideradas as quantidades em função da temperatura observada no momento o que, obviamente, originará oscilações (regra geral, quantidades superiores, tendo em conta a temperatura média nacional). No limite, os litros vendidos e os correspondentes montantes de CSR que a Requerente alega ter suportado serão, por isso, superiores aos montantes de CSR efetivamente liquidados e cobrados ao sujeito passivo (considerando a temperatura de referência a 15º C). Pelo que, o valor efetivamente cobrado pela AT poderá ser inferior ao montante que a Requerente pretende ver devolvido, de onde resulta imprescindível que a Requerente faça prova dos valores efetivamente pagos por si a título de CSR, como alega, demonstrando de que forma calculou o apuramento daqueles montantes, sendo que, os documentos juntos com o PPA não contêm uma descrição de valores faturados a título de CSR.

 

  1. Ineptidão da petição inicial – Da ininteligibilidade do pedido e contradição entre este e sua causa de pedir

Alega ainda a Requerida que a Requerente formulou um pedido de pronúncia sobre a legalidade de liquidações, sendo certo que não identifica qualquer ato através da mera impugnação das alegadas repercussões, bem como o nexo entre as repercussões e as liquidações da CSR.

Entende a Requerida que não se pode inferir, da alegada ilegalidade das liquidações, a ilegalidade das alegadas repercussões. Indica, para o efeito, o decidido no Processo
n.º 364/2023-T, em que foi Árbitro Presidente o Senhor Doutor Professor Fernando Araújo, com uma factualidade semelhante à que tratamos nos presentes autos, no qual o Tribunal considerou existir uma margem de ininteligibilidade na indicação no pedido, não sendo possível discernir se o objeto do pedido seriam as liquidações, ou, se seriam, por outro lado, as repercussões. Ainda na mesma decisão, o tribunal detetou uma contradição entre o pedido – anulação das liquidações e do indeferimento tácito da revisão dessas liquidações – e a causa de pedir - a repercussão de um tributo inválido por desconformidade desse tributo com o Direito da UE.

Considera assim que, ainda que a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial seja de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 196º do CPC (aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT), a Requerida vem invocar a mesma por uma dupla razão: a
não-identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral, o que compromete irremediavelmente, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º, a finalidade da petição inicial, e a contradição entre o pedido e a causa de pedir, levando à nulidade de todo o processo nos termos conjugados do n.º 1 do artigo 186.º e da alínea b) do artigo 577.º, ambos do CPC.

 

  1. Da caducidade do direito de ação

Alega ainda a caducidade do direito de ação, e consequente exceção dilatória nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 89.º n.º1, 2 e 4 al. k), do CPTA, considerando que a falta de identificação dos atos de liquidação em discussão impede a aferição da tempestividade do pedido de revisão oficiosa da liquidação e de reembolso por alegado pagamento de valores a título de alegada repercussão económica da CSR, e, consequentemente, da tempestividade do pedido arbitral formulado pela Requerente.

Tendo em conta que a Requerente pretende sindicar as aquisições no período compreendido entre maio de 2019 e dezembro de 2022, e atento o prazo para apresentação de reclamação graciosa, de 120 (cento e vinte) dias a partir do termo do prazo do pagamento do ISP/CSR, previsto na 1ª parte do n.º 1 do artigo 78.º, da LGT, facilmente se depreende que, a 01.06.2023, este se encontrava largamente ultrapassado. E é por este motivo que a Requerente apresenta um pedido de revisão oficiosa, fundamentado em erro imputável ao serviço, meio previsto na 2ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, de modo a fazer-se valer do prazo de 4 anos aí então previsto. O que sempre seria infundamentado.

Entende ainda que, no âmbito dos IEC, os pedidos de reembolso apresentados nas alfândegas devem ser apreciados à luz do disposto nos artigos 15.º a 20.º, do Código dos IEC. Sendo que, além de a Requerente não ser sujeito passivo de ISP/CSR e de não ter provado ter procedido ao pagamento dos respetivos valores, em 01.06.2023, já se encontrava precludido o prazo de 3 (três) anos, previsto no artigo 15.º, n.º 3, do Código dos IEC para requerer o reembolso do alegado valor pago por alegada repercussão económica de CSR, pelo menos no que se refere a todas as aquisições efetuadas pela Requerente em data anterior a 01.06.2020 (cfr. as faturas juntas ao pedido arbitral).

Desta forma, conclui a Requerida que, o vício do pedido arbitral decorrente da falta de identificação do(s) ato(s) tributário(s) em crise tem, entre outros, como efeito a impossibilidade de se aferir em pleno da tempestividade dos pedidos de revisão oficiosa e de reembolso por alegado pagamento de valores a título de alegada repercussão económica da CSR, e, consequentemente, da tempestividade do pedido arbitral.

 

  1. Por Impugnação
  1. Defendendo-se igualmente por impugnação, alega a Requerida que, a prova de pagamento da CSR é um facto positivo e não é prova suficiente justificar a ocorrência de uma efetiva repercussão desse tributo, com base em meros juízos presuntivos, sem efetuar a demonstração objetiva da realidade dos factos através de elementos de prova que se relacionem com os fatores inerentes às transações comerciais que foram realizadas.
  2. Alega assim que os documentos juntos aos autos, em momento algum sustentam as afirmações da Requerente, designadamente que tenha pago e suportado integralmente o encargo do pagamento da CSR por repercussão. As faturas apresentadas não consubstanciam fatura-recibo, nem recibo, nem nota de crédito, nem a conjugação de documentos (contabilísticos ou outros), que permitam comprovar o pagamento dos montantes alegados pela Requerente. Acresce que existem faturas que contêm parcelas com a designação "descontos" e menções a “documentos de conferência”, das quais constam valores sem descritivo da respetiva natureza e conteúdo, o que contribui para a falta de rigor e, por si só, suscita dúvidas quanto à própria presunção da repercussão da CSR.
  3. Entende ainda que não se poderá exigir à Requerida que faça prova da não repercussão, isto é, de um facto negativo, o que configuraria a exigência de uma prova ‘diabólica’, sem que se mostrem respeitadas as regras do ónus da prova. 
  4. Por último, e no que respeita ao pagamento de juros indemnizatórios, defende a AT que sendo seguida a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (Acórdãos de 28/01/2015, no Processo n.º 0722/14, de 11/12/2019, no Processo n.º 058/19.9BALSB, de 20/05/2020, no Processo n.º 05/19.8BALSB, de 26/05/2022, no Proc. n.º 159/21.3BALSB), entende-se que os juros indemnizatórios só serão devidos depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, e não desde a data do pagamento do imposto. No mesmo sentido, identificam-se as decisões proferidas nos Processos n.º 296/2020-T, 18/2021-T, 785/2020-T e 271/2021-T (todos referentes a tribunais a funcionar no CAAD).
  5. Face a todo o exposto, conclui que o Tribunal arbitral deverá decidir no sentido da improcedência do pedido de anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, bem como da anulação parcial da(s) liquidação(ões) de ISP/CSR, não havendo, consequentemente, lugar ao reembolso da CSR alegadamente repercutida, nem ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

  1. RESPOSTA DA REQUERENTE ÀS EXCEÇÕES

A Requerente veio pronunciar-se no prazo concedido para o exercício do contraditório quanto à matéria de exceção suscitada pela Requerida, entendendo fundamentalmente que:

  1. A respeito da competência do Tribunal, entende que não pode senão concluir-se que a CSR é, não uma contribuição financeira, mas um verdadeiro imposto, dado o seu caráter inequivocamente unilateral, pelo que não poderá deixar de ser sindicado pelo Tribunal Arbitral. Nesse sentido, indica a posição assumida no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 113/2023-T, de 15-07-2023 e n.º 410/2023-T, em que o Tribunal Arbitral decidiu improceder a exceção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria para apreciar o mérito do pedido arbitral.
  2. Refere ainda que foi o legislador português que, não obstante classificar o tributo como “contribuição”, definiu a respetiva incidência subjetiva em termos análogos às do ISP, colocando-se assim no âmbito de aplicação do artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118.
  3. Desta forma, e atentos os princípios da interpretação conforme e do primado do Direito da União Europeia (consagrado no art.º 8.º, n.º 4, da CRP, tal como interpretado pelo Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 422/2020), há que considerar que os dispositivos legais que regulam a CSR devem ser interpretados no sentido de que consagram um imposto indireto sobre o consumo de produtos petrolíferos.
  4. Sobre a alegada ilegitimidade da Requerente, salienta a incongruência da posição perfilhada pela Requerida, a qual, em sede de inúmeros processos arbitrais tributários tem recorrentemente defendido a ilegitimidade processual dos sujeitos passivos na medida em que o encargo da CSR é, na verdade, suportado pelo consumidor do combustível.
  5. Defende, assim, que têm legitimidade para intervir no processo tributário todos aqueles que demonstrem ter um interesse legalmente protegido cuja tutela dependa desse processo, ainda que não sejam legalmente responsáveis pelo cumprimento de quaisquer obrigações tributárias. O mesmo é dizer que a legitimidade no processo tributário não se confunde com a qualidade de sujeito passivo, sendo certo que é atribuída legitimidade processual a entidades que não se qualificam como sujeitos passivos, designadamente em situações de repercussão do pagamento do imposto (atendendo ao sacrifício patrimonial inerente ao pagamento da prestação tributária).
  6. Nesse sentido, a prova documental carreada para os autos pela Requerente, concretamente as Liquidações e Documentos nºs 1 a 896 que correspondem a faturas emitidas e pagas. Caso se entenda que existe alguma insuficiência a Requerente ainda poderá juntar prova documental, até porque, de facto demonstra e prova que pagos os valores referentes à CSR.
  7. Sobre a alegada ineptidão, salienta que não era exigível à Requerente que identificasse as liquidações que a Requerida emitiu com base nas vendas de combustíveis em causa, nem essa identificação é necessária para apurar a legalidade da cobrança de CSR ínsita nas faturas em causa.
  8. A exigência de identificação das liquidações, numa situação deste tipo, em que o repercutido não tem possibilidade de as identificar e a identificação não é imprescindível para apurar a legalidade da cobrança de CSR ínsita nas faturas, seria incompaginável com o princípio constitucional da proporcionalidade e o direito à tutela judicial efetiva (garantido pelos art.ºs 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP), pois inviabilizaria a possibilidade prática de a Requerente impugnar contenciosamente atos que lhe aplicam tributação e lesam a sua esfera jurídica. Pelo exposto, também deverá improceder a exceção da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral.
  9. Relembra que, não indicando o CPPT as situações em que se deve entender que ocorre ineptidão da petição inicial, há que fazer apelo ao CPC, que é de aplicação subsidiária, nos termos do artigo 2.º, al. e), daquele Código, e também o é no âmbito do processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, nº. 1, al. e), do RJAT. No artigo 186.º,
    n.º 1, do CPC, indicam-se como situações de ineptidão da petição inicial, (i) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; (ii) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir; (iii) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
  10. No caso em apreço, o que a Requerente pretende é que o Tribunal declare procedente a pretensão de decisão e pronúncia arbitral do seu pedido de revisão oficiosa do ato tributário de liquidação de Imposto Sobre Produtos Petrolíferos – Contribuição de Serviço Rodoviário referentes às declarações e liquidação de 2019-05 até 2022-12, no valor global de 130.645,45€ (cento e trinta mil seiscentos e quarenta e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos), com o consequente reembolso pela Requerida à Requerente, acrescido de juros indemnizatórios.
  11. Por último, e a respeito da caducidade do direito de ação, entende a Requerente estar perante uma outra contradição na linha de argumentação da Requerida, porquanto não se compreende como pode a Requerida considerar que o tributo em causa não é um imposto (mas sim uma contribuição financeira) e, simultaneamente, pretender que seja aplicado à Requerente um regime (i.e., os artigos 15.º e 16.º do CIEC) que expressamente se refere (i) a impostos (i.e., a impostos especiais sobre o consumo – “IEC”) e (ii) aos sujeitos passivos que introduziram no consumo os produtos a eles sujeitos.
  12. Por outro lado, ao contrário do que afirma a Requerida, o pedido de revisão oficiosa é um meio procedimental idóneo para reagir contra a ilegalidade de liquidações de CSR cujo encargo tenha sido totalmente suportado por terceiro sob as vestes de contribuinte de facto (in casu, pela Requerente), sendo, por isso, um meio de garantia ao dispor na situação concreta.
  13. Contrariamente à posição perfilhada pela Requerida na aceção do art.º 78.º, n.os 1 e 4, da LGT, o requisito atinente à tempestividade deve ser aferido por referência à data da tomada de conhecimento da liquidação do tributo pelo que, a Requerente – enquanto contribuinte de facto – tomou conhecimento dos atos de liquidação de CSR quando foi notificada das faturas emitidas e tendo a Requerente, computado o prazo de apresentação do pedido de revisão oficiosa a partir da data de emissão das referidas faturas, não tem lugar a intempestividade ensaiada pela Entidade Requerida.
  14. De resto como defende a Requerente, o prazo para apresentação do pedido de revisão oficiosa era o de quatro anos, com fundamento em erro imputável aos serviços. No caso em apreço, é manifesto que os erros imputados aos atos impugnados não são imputáveis à Requerente, pois não teve qualquer intervenção no procedimento de liquidação.
  15. Pelo exposto, o prazo para apresentação de pedido de revisão oficiosa era de quatro anos, com fundamento em erro imputável aos serviços, pelo que o mesmo foi apresentado tempestivamente. Nos termos do art.º 10.º, n.º 1, al. a) do RJAT, o prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral é de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma.
  16. O indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa formou-se e a Requerente apresentou tempestivamente o presente pedido de arbitral.

 

  1. ALEGAÇÕES FINAIS

As Partes pronunciaram-se no prazo concedido para a apresentação das alegações finais escritas, reiterando os respetivos entendimentos anteriormente expostos.

A Requerida remeteu e deu por integralmente reproduzido o aduzido em sede de Resposta e aí peticionado. A Requerente veio remeter para o articulado inicial e para a resposta apresentada sobre as exceções invocadas, salientando não ter sido junta ou produzida qualquer outra prova pela Requerida para contrariar os factos, fundamentos e prova do articulado inicial da Requerente.

 

  1. SANEAMENTO

O Tribunal foi regularmente constituído, é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista as disposições contidas no artigo 2.º, n.º 1 e artigo 5.º, n.ºs. 1 e 3 ambos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, estando ambas regularmente representadas, de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT.

A Requerida veio suscitar, na Resposta apresentada, as seguintes exceções (dilatórias e perentórias), as quais importa apreciar preliminarmente à apreciação do mérito da causa.

 

VI.1. Exceção da incompetência relativa do tribunal arbitral em razão da matéria

Estando em causa o âmbito de competência dos Tribunais arbitrais do CAAD previsto no artigo 2.º do RJAT, o qual abrange (al. a) do seu n.º 1) a “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;” e no proémio do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, no qual se estabelece tal vinculação às “pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida”, tem sido objeto de discussão se as pretensões referentes a “contribuições” podem ser objeto de apreciação pelos tribunais arbitrais que funcionem no CAAD.

Suscita assim a Requerida a incompetência do Tribunal fundamentando com a respetiva vinculação à apreciação de impostos, aqui não se incluindo tributos de outra natureza como as contribuições, manifestando a Requerente a sua integral discordância, nos termos já descritos.

Salienta este Tribunal que a presente questão foi várias vezes objeto de análise e pronúncia por tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, referindo-se, a este respeito, a decisão prolatada no processo n.º 409/2023-T, onde se pôde concluir pela competência dos Tribunais arbitrais do CAAD, por se considerar que a CSR consubstancia um imposto (mal) disfarçado de contribuição.

Pode ler-se na referida decisão que: «Como se escreveu no Sumário da decisão do processo
n.º 629/2021-T, “
Uma parcela de um imposto especial de consumo não deixa de ser um imposto especial de consumo por o legislador lhe atribuir uma narrativa (de resto oscilante entre a compensação de custos e a contrapartida de benefícios) e lhe providenciar uma consignação orgânica (mormente se a entidade que dela beneficia deixa de ter como função única providenciar a suposta contrapartida que justificaria a alteração de género).

Nessa decisão, os argumentos usados para caracterizar a CSR como imposto foram essencialmente os seguintes (negritos no original, *notas suprimidas):

- histórico:

“A Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (“Regula o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E.”) criou a CSR por desdobramento do ISP – que é, indiscutivelmente, um imposto especial de consumo*. Como se escrevia no artigo 7.º dessa lei, sob a epígrafe “Fixação das taxas do ISP”,

“As taxas do ISP são estabelecidas por portaria conjunta nos termos do Código dos Impostos Especiais de Consumo, por forma a garantir a neutralidade fiscal e o não agravamento do preço de venda dos combustíveis em consequência da criação da contribuição de serviço rodoviário.

(…)

a única diferença entre os € 525,1 milhões que o ISP perdeu e os € 525,1 milhões que a CSR ganhou em 2008 residiu na alteração da sua designação e na sua afectação. Enquanto imposto especial de consumo louvava-se na cobertura de um custo: os custos ambientais que o preço dos combustíveis não internalizavam (uma externalidade). A partir do momento em que uma parte – arbitrária – da receita gerada pelo ISP passou a ter a designação de CSR, passou (parece – mas contra o já referido pelo legislador*) a louvar-se no benefício proporcionado aos causadores do custo.”.

- conceptual:

Procurando identificar os critérios de distinção das taxas, das contribuições financeiras*, das contribuições especiais e dos impostos, a A. [Suzana Tavares da Silva, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2013] recorre, para a delimitação dos contornos das contribuições financeiras, aos critérios desenvolvidos pelo Tribunal Constitucional Alemão:

“1) incidir sobre um grupo homogéneo; 2) manter uma proximidade com a obrigação tributária e as suas finalidades; 3) corresponder a uma relação encargo/benefício capaz de demonstrar que as receitas geradas são fruídas pelos membros do grupo” (p. 91).”

(…)

a CSR apresenta diferenças muito significativas em relação ao comum das contribuições financeiras, sejam elas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas” de regulação ou as “grandes contribuições” que foram surgindo a título transitório e se vão mantendo (Contribuição sobre o Sector Bancário, Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético - CESE, Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica, …).

Em primeiro lugar, nessas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas de regulação” e “contribuições”, o sujeito passivo é o contribuinte (na CESE há mesmo uma proibição da sua repercussão), enquanto que na CSR um e outro são diferentes: o sujeito passivo (quem tem de entregar o imposto ao Fisco) é o introdutor dos produtos no mercado e o contribuinte (quem tem de suportar a exacção fiscal) é o adquirente dos combustíveis (incluindo, como a já citada jurisprudência arbitral evidencia, adquirentes de combustíveis que nada têm a ver com a utilização das estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal).

Em segundo lugar, o nexo grupal – que faria das contribuições financeiras uma espécie de taxas colectivas – não se estabelece com os sujeitos passivos da CSR, mas sim com terceiros não participantes na relação tributária. (…)

Em terceiro lugar, enquanto nas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas de regulação” e “contribuições” é a pertença ao grupo que permite de imediato a identificação do devedor – sendo a indução de um custo ou a obtenção de um benefício presumida a partir dessa inclusão nelena CSR não há nenhum grupo prévio a que se possa imputar o pagamento: é porque se paga a CSR que se supõe que se integra o grupo. (…)

Em quarto lugar, o princípio da equivalência – a que se recorre para conferir unidade de sentido às contribuições financeiras*, equiparando-se o pagamento feito à repartição, tendencialmente idêntica (ou, pelo menos, com base em características dadas e estáveis), dos custos especificamente gerados pelo grupo homogéneo (ou dos benefícios auferidos pelo grupo homogéneo, como nas “taxas” das autoridades reguladoras, ou, forçando mais ou menos a nota, nas tais “grandes contribuições”) – assume na CSR uma ligação a um índice variável: o do consumo dos “grandes combustíveis rodoviários”*. Com a agravante de o presumido benefício não ter uma relação directa com esse índice variável: por um lado, as vias da Rede Rodoviária Nacional (que foram concessionadas, em 2007, à EP - Estradas de Portugal, E.P.E.) não são a totalidade das estradas nacionais (além das auto-estradas concessionadas, e da rede municipal – urbana e rural –, o Plano Rodoviário Nacional prevê a transferência para as autarquias das estradas que não estejam nele incluídas). Noutras palavras: a utilidade proporcionada pela circulação nas estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal não é segmentável da que é proporcionada pelas demais; por outro lado, uma fracção crescente dos utilizadores dessa sub-parcela das vias de circulação automóvel – a rede rodoviária nacional – não fica sujeita a essa “contribuição”: o dos utilizadores dela com veículos eléctricos ou velocípedes. (…)

Em quinto lugar, e não obstante – como já referido – não ser bom critério determinar a natureza de um tributo a partir da sua consignação material ou orgânica*, certo é que a EP - Estradas de Portugal, E.P.E. só gastava o dinheiro em estradas (e no mais necessário a poder fazê-lo, incluindo as suas despesas correntes), mas, com a fusão, em 2015, com a Rede Ferroviária Nacional - REFER E.P.E. para dar origem à Infraestruturas de Portugal, isso deixou de ser assim.”

            E, em termos de índices da natureza da CSR[2],

- doutrinal:

“- na recolha de Casalta Nabais Estudos sobre a Tributação dos Transportes e do Petróleo, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 42-43, refere-se, a propósito da CSR (e de outras figuras aí referidas), “estarmos perante tributos que, atenta a sua estrutura unilateral, se configuram como efectivos impostos, muito embora dada a titularidade activa das correspondentes relações tributárias (e o destino da sua receita), tenham clara natureza parafiscal.”. Como o A. escreve em Direito Fiscal, 11.ª ed, Almedina, Coimbra, 2021, pp. 53-54, “o critério para a distinção entre os tipos de tributos [reporta-se] exclusivamente à estrutura da relação tributária, ao tipo de relação que se estabelece entre os respetivos sujeito ativo e passivo, e não à titularidade activa dessa relação (…) É, pois, a estrutura bilateral da relação jurídica, em que assentam tanto as taxas como as contribuições financeiras, que revela a natureza comutativa destes tributos, os quais, porque concretizam uma efectiva troca de utilidades económicas, têm por base […] uma legitimidade económica. / O que vale também relativamente à titularidade da receita dos tributos. De facto, esta titularidade, até porque está para além da relação tributária integrando [-se …] numa relação financeira a constituir-se a jusante da relação tributária, nada pode dizer sobre o tipo de tributo.” (destaques aditados).”

(…).»

O Tribunal recorreu ainda ao elemento jurisprudencial, indicando então que, “apenas DUAS das 19 decisões do CAAD que a Requerente invoca (na sua Resposta às excepções) para afirmar que tais tribunais arbitrais têm aceite a sua jurisdição sobre a CSR o poderiam substanciar (as dos processos n.os 483/2014-T e 147/2015-T8, que autonomizaram o seu tratamento), sendo as demais resultantes da consideração indiferenciada da CSR com o imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP)*.

O mesmo se diga para a jurisprudência dos Tribunais superiores, ainda que estes não tenham de cuidar da delimitação da sua competência em função da natureza do tributo, e se não conheçam decisões suas sobre a CSR.

Também não é indiferente que o Tribunal de Contas, a pp. 90 do seu Parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2008 (https://erario.tcontas.pt/pt/actos/parecer-cge/2008/pcge2008-v1.pdf  ), tenha considerado o seguinte:

“Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança.””

Conclui o Tribunal, com o qual se concorda, que «Evidentemente, sendo a CSR um imposto, a questão da competência do presente Tribunal deixa de ser controvertida, e fica prejudicada a indagação de saber se as questões relativas às contribuições se incluem no âmbito da jurisdição dos Tribunais arbitrais do CAAD – e, ou, no da vinculação da AT à sua jurisdição.»

Neste mesmo sentido, remete-se ainda para a decisão prolatada no Processo n.º 534/2023-T, quando recorda que «(…) no processo arbitral que motivou o pedido de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça (Processo n.º 564/2020-T, de 30-03-2022), o Tribunal qualificou a CSR como um imposto, formulando as questões prejudiciais com base nesse pressuposto.

6.46. Afigura-se que na decisão em que culminou esse pedido de reenvio (o Despacho do Tribunal de Justiça de 07-02-2022 Vapo Atlantic, processo C-460/21), o Tribunal de Justiça, para além de não colocar em causa essa qualificação, assume, para efeitos do artigo 1 da Diretiva 2008/118, um conceito funcional ou autónomo de imposto indireto. Tal conceito abrange quaisquer “imposições” indiretas que, pelas suas caraterísticas estruturais e teleológicas, não tenham um “motivo específico” na aceção da diretiva e possam, por conseguinte, privar o imposto especial de consumo harmonizado (no caso português, o ISP) de “todo o efeito útil”.

6.47. Dito de outro modo, para o Tribunal de Justiça, o tributo instituído pela lei portuguesa – e que este designou por “contribuição” – constitui um imposto porquanto, em virtude do desenho escolhido pelo legislador português, representa uma imposição indireta sem motivo específico e como tal suceptível de frustrar os desideratos de harmonização positiva subjacentes à Diretiva 2008/118.

No sentido do que acima se entende, concluindo-se pela competência do Tribunal,
concorda-se com a posição assumida nas decisões prolatadas nos processos n.º 790/2023-T,
n.º 534/2023-T, na qual se remete para o igual sentido da posição assumida nos processos
n.º 113/2023-T e 410/2023-T.

Em face do que acima se expõe, improcede a alegada exceção da incompetência relativa do Tribunal Arbitral em razão da matéria suscitada pela Requerida.

II.2. Exceção da incompetência absoluta do tribunal arbitral em razão da matéria

A Requerida alega igualmente que a Requerente suscita a legalidade do regime da CSR, pretendendo, em rigor, a não aplicação de um diploma legislativo aprovado por Lei da Assembleia da República, decorrente do exercício da função legislativa. Desta forma, considera que a presente ação visa suspender a eficácia de atos legislativos, sendo que, conforme decorre do RJAT, a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação. Não sendo assim da competência do tribunal arbitral nem a fiscalização da legalidade de normas em abstrato, sem enquadramento processual impugnatório de ato concreto de liquidação, nem a execução de sentenças/decisões.

Desta forma, salienta a Requerida que, ainda que se considerasse a competência do tribunal arbitral para a apreciação da ilegalidade dos atos de liquidação de ISP/CSR (que a Requerente não consegue identificar), nunca poderia o tribunal arbitral pronunciar-se sobre atos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos dos atos de liquidação de ISP/CSR, e que para mais, não correspondem a uma repercussão legal, mas a uma repercussão meramente económica ou de facto.

A este respeito, subscreve este Tribunal o entendimento vertido nas decisões prolatadas no Processo n.º 534/2023-T e Processo n.º 410/2023-T CAAD, transcrevendo-se o disposto neste último quando refere que: «(…) continuando a adoptar a posição assumida no âmbito do Processo nº 113/2023-T, de 13-07-2023, refira-se, desde já, que entende este Tribunal Arbitral que improcede também esta excepção da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria para apreciar o mérito do pedido arbitral, porquanto a arguição da excepção pela Requerida assenta num evidente equívoco.

Com efeito, as Requerentes formularam um pedido de pronúncia arbitral (na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados (em 31 de Janeiro de 2023, junto da Alfândega do Jardim do Tabaco e da Alfândega de Setúbal), relativos à declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de CSR praticados pela Requerida (com base nas Declarações de Introdução no Consumo («DIC») submetidas pelas fornecedoras de combustíveis) e, bem assim, relativos aos consequentes actos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário adquiridos, pelas Requerentes, àquelas entidade fornecedoras, no período compreendido entre 2019 e 2022, tendo invocando como causa de pedir, a desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva 2008/118, do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, não tendo sido suscitada a inconstitucionalidade de qualquer das normas do respectivo regime jurídico.» [nosso sublinhado]

A referida situação acompanha a estrutura factual subjacente ao presente PPA, tendo por objeto a impugnação de CSR cobrada em faturas emitidas no período entre maio de 2019 e dezembro de 2022, perfazendo o valor global de 130.645,45€ (cento e trinta mil seiscentos e quarenta e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos), tendo sido invocada na causa de pedir a situação de desconformidade com a Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008 («Diretiva 2008/118/CE»).

Recorrendo ainda à fundamentação presente na decisão prolatada no Processo n.º 534/2023-T: «Mas ainda que o tivessem feito, importa assinalar que a Constituição admite o controlo difuso de constitucionalidade pelos tribunais (artigo 204.º) e prevê o recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou apliquem norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo (artigo 280.º, n.º 1).

A desaplicação de normas pelos tribunais, por iniciativa oficiosa ou por iniciativa das partes, corresponde a uma forma de fiscalização concreta de constitucionalidade para que os tribunais têm competência própria, não se confundindo com a competência do Tribunal Constitucional, que intervém em sede de recurso de constitucionalidade ou no âmbito da fiscalização abstracta da constitucionalidade (artigo 281.º da CRP).

Por outro lado, o referido artigo 204.° da Constituição, ao admitir o controlo difuso da constitucionalidade, refere-se genericamente aos tribunais, não distinguindo entre Tribunais Estaduais e Tribunais Arbitrais, e o artigo 280.°, ao definir o âmbito da fiscalização concreta de constitucionalidade, admite o recurso de constitucionalidade relativamente a decisões dos tribunais, referindo-se a decisões de quaisquer tribunais.

E, como o Tribunal Constitucional tem também vindo a afirmar, os Tribunais Arbitrais (necessários ou voluntários) são também tribunais, dispondo do poder-dever de verificar a conformidade constitucional de normas aplicáveis no decurso de um processo arbitral e de recusar a aplicação das que considerem inconstitucionais.[5]

Como facilmente se compreenderá, ainda que tivesse sido suscitada, no pedido de pronúncia arbitral, a inconstitucionalidade de qualquer das normas do regime da CSR, nada obstava a que o Tribunal Arbitral se pronunciasse sobre a questão de constitucionalidade no âmbito do controlo difuso a que se refere o artigo 204° da Constituição.

No caso, estando em causa a desconformidade do regime da CSR com a o regime previsto na Diretiva 2008/118, do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, não pode deixar de concluir-se, do mesmo modo, pela competência contenciosa do Tribunal Arbitral para a apreciação do litígio.

Com efeito, as normas de direito europeu derivado, como normas de direito internacional convencional, vigoram diretamente na ordem jurídica interna com a mesma relevância das normas de direito interno, vinculando imediatamente o Estado e os cidadãos (artigo 8.º da Constituição).

A impugnação judicial de um acto de liquidação pode ser deduzida com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 99.º do CPPT), nada permitindo distinguir entre a ilegalidade resultante de normas de direito interno ou de direito internacional convencional.

Torna-se assim claro que não existe qualquer obstáculo a que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre o fundamento de ilegalidade dos actos de liquidação baseado em desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva Europeia acima referida, sendo, nestes termos, considerada improcedente a alegada excepção de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria.

Em face do que acima se expõe, entende este Tribunal que improcede a alegada exceção da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria suscitada pela Requerida. No sentido do que se entende, refere-se a posição assumida na decisão prolatada no processo
n.º 113/2023-T e n.º 790/2023-T.

 

II.3. Legitimidade processual e substantiva da Requerente

Considera a Requerida que apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR, possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago. Conclui a Requerida que não pode a Requerente pedir à AT o reembolso de um tributo que nunca entregou ao Estado. A repercussão da CSR tem uma natureza meramente económica ou de facto, entendendo que a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que instituiu a CSR, não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal. Tal como ocorre nos designados impostos especiais sobre o consumo (como o ISP/ISPPE, IABA ou IT) o ónus da CSR é transferível, através do fenómeno financeiro da repercussão económica dos custos.

Opondo-se ao referido entendimento, a Requerente conclui que improcede igualmente esta exceção, recorrendo ao decidido no mesmo acórdão supra citado [processo n.º 486/2023-T de 14 de dezembro de 2023].

Sendo esta uma questão já igualmente discutida por diversos Tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, salientando-se aqui as decisões prolatadas nos processos n.º 113/2023-T,
676/2023-T, 24/2023-T, 790/2023-T, entende este Tribunal que a legitimidade processual ativa da Requerente, aqui Repercutida, compreende a análise conjugada do disposto nos artigos 18.º, n.º 4, alínea a), 2.ª parte da Lei Geral Tributária (LGT) «Não é sujeito passivo quem: a) suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias;» em articulação com o artigo 54.º, n.º 2 da LGT segundo o qual, «As garantias dos contribuintes previstas no presente capítulo aplicam-se também à autoliquidação, retenção na fonte ou repercussão legal a terceiros da dívida tributária, na parte não incompatível com a natureza destas figuras.» Neste mesmo sentido, o artigo 9.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), vem consagrar uma abrangência alargada no que concerne à determinação de legitimidade no procedimento tributário, definindo que, «Têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido». Neste sentido,
refere-se ainda o disposto no artigo 65.º da LGT que, sob a epígrafe “Contribuintes e outros interessados”, vem estabelecer que «Têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.»

A este respeito, e como bem se refere na decisão prolatada no processo n.º 676/2023-T, «Embora não seja o sujeito passivo da relação tributária subjacente à repercussão, as Requerentes, enquanto entidades repercutidas, podem impugnar os próprios atos de liquidação do imposto, através de qualquer daqueles meios procedimentais ou processuais, como modo de reagir contra a ilegalidade da repercussão. Para além da legitimidade ativa das Requerentes, se encontrar coberta pela referida norma do artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, essa legitimidade é também reconhecida pela regra geral do artigo 9.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”.

Alega ainda a Autoridade Tributária que, face ao regime especial dos artigos 15.º e 16.º do CIEC, apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do ISP e da CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago, e, como tal, os adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto.

Há que fazer notar, a este propósito, que o artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007, que cria a Contribuição de Serviço Rodoviário, apenas remete para o CIEC o procedimento de liquidação e cobrança do imposto, remissão que igualmente é efetuada para a LGT e o CPPT, significando que, nesse âmbito, haverá de ter-se em consideração as disposições conjugadas do CIEC e da demais legislação tributária aplicável.

Por outro lado, o regime específico previsto nos artigos 15.º e seguintes do CIEC abrange o reembolso com fundamento em erro na liquidação ou em caso de expedição ou exportação, ao passo que o que está em causa no presente processo arbitral não é um qualquer pedido de reembolso, mas a declaração de ilegalidade dos atos tributários de repercussão do imposto por violação do direito europeu.

E, nesses termos, a questão da legitimidade ativa terá de ser analisada à luz das regras processuais aplicáveis, e não do regime específico do reembolso do imposto que consta das citadas disposições do CIEC. [nosso sublinhado]

Concluiu então o Douto Tribunal que «A alegada exceção de ilegitimidade ativa, tal como se encontra formulada, é improcedente e nada obsta ao prosseguimento do processo no tocante aos falados atos de liquidação como meio de obter a consequente anulação dos atos de repercussão.»

Entende igualmente este Tribunal que aquele que suporta o ónus financeiro do tributo (CSR) terá sempre “interesse legítimo” em contestar o impacto (decréscimo) patrimonial ilegal em que incorre enquanto repercutido do mesmo. Não existindo dúvidas sobre o sentido da decisão do TJUE quanto à desconformidade da CSR para com o direito da União Europeia, impõe-se ao Estado assegurar a eficácia do direito da União Europeia, garantindo-se o cumprimento do direito à tutela jurisdicional efetiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos (art. 268.º, n.º 4, da CRP).

II.4. Ineptidão da petição inicial – Da falta de objeto, ininteligibilidade e contradição entre este a sua causa de pedir 

A Requerida alega ainda que se encontra verificada a ineptidão da petição inicial, por não identificar os atos tributários objeto do pedido e, desta forma, não respeitar os pressupostos legais de aceitação do requerimento/petição inicial, por violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT.

Entende a Requerida que existe apenas a identificação de faturas de aquisição de combustíveis aos fornecedores, sem a identificação dos atos tributários. Desta forma, alega que não lhe é possível estabelecer qualquer correspondência entre os atos de liquidação alegadamente praticados pelas suas fornecedoras e as faturas apresentadas pela Requerente. Argumenta ainda que a Requerente não é sujeito passivo de ISP, nem efetuou qualquer introdução no consumo de produtos petrolíferos. Desta forma, entende que a Requerente alega, mas não concretiza, nem logra provar que efetuou qualquer pagamento a título de CSR.

Efetivamente, apenas os sujeitos da liquidação, isto é, apenas os sujeitos passivos que declararam os produtos para consumo e efetuaram o pagamento das imposições correspondentes, podem solicitar a revisão das liquidações/reembolso da CSR e do ISP junto da alfândega competente.

A presente exceção dilatória é invocada pela Requerida por uma dupla razão. Desde logo, por não ser possível discernir se o objeto do pedido seriam as liquidações, ou, se seriam, as repercussões, suscitando ainda um sentido de contradição entre o pedido – anulação das liquidações e do indeferimento tácito da revisão dessas liquidações – e a causa de pedir - a repercussão de um tributo inválido por desconformidade desse tributo com o Direito da UE.

Para efeitos de análise pelo Tribunal, considera-se o entendimento exposto na decisão prolatada no Processo n.º 534/2023-T, segundo o qual, «O artigo 98º, nº 1, alínea a), do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea c), do RJAT, indica como uma das nulidades insanáveis em processo judicial tributário, a ineptidão da petição inicial. Não indicando o CPPT as situações em que se deve entender que ocorre ineptidão da petição inicial, há que fazer apelo ao CPC, que é de aplicação subsidiária, nos termos do artigo 2º, alínea e), daquele Código, e também o é no âmbito do processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e), do RJAT.

No artigo 186.º, n.º 2, do Código do Processo Civil, estabelece-se que «Diz-se inepta a petição: a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir; c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.»

O nº 3 do mesmo artigo estabelece que “se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial”.

Neste sentido, como se salienta da decisão prolatada no Processo n.º 790/2023-T, «A ineptidão da petição inicial, gerando a nulidade do processo, ocorre quando se verifiquem alguns dos vícios mencionados no artigo 186.º, n.º 2, do CPC, ou seja, quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir ou se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis. Para se considerar inepta a petição, no primeiro caso, não basta uma qualquer deficiência da petição, tornando-se necessária a absoluta falta de indicação do pedido ou a sua formulação em termos insanavelmente obscuros ou contraditórios de modo a não permitir determinar, em face do articulado, qual é o pedido ou a causa de pedir (cfr. Manuel Andrade, Lições Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1976, pág. 177).»

Ora, no caso em apreço, resulta claro ao Tribunal que se pretende a declaração da ilegalidade das liquidações respeitantes à CSR praticadas pela Requerida com base nas DIC submetidas pela respetiva fornecedora de combustíveis, com consequente (declaração de) ilegalidade da liquidação da CSR consubstanciada nas faturas de aquisição de gasóleo pela Requerente. Sendo estas referentes aos meses entre maio de 2019 e dezembro de 2022, perfazendo o valor global de 130.645,45€ a título de CSR, e respetivos juros indemnizatórios e, bem assim, da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra aqueles atos tributários.

Com respeito à exigência de identificação da liquidação, entende este Tribunal que tal exigência não poderá ser aqui imposta, na medida em que o repercutido nunca teria a possibilidade de as identificar, considerando os termos legalmente definidos pelo próprio regime jurídico que aprova a CSR.

Reside aqui em causa a legalidade da cobrança de CSR, a qual, por imposição do referido regime legal, se encontra ínsita nas faturas de aquisição de combustível. Considerar que a respetiva apreciação de legalidade se encontra dependente da identificação das respetivas liquidações não respeitaria o princípio constitucional da proporcionalidade e o direito à tutela judicial efetiva garantido pelos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, pois inviabilizaria a possibilidade prática de as Requerentes impugnarem contenciosamente atos que lhe aplicam tributação e lesam as suas esferas jurídicas.

Neste sentido, refere-se o entendimento exposto na decisão prolatada no processo
n.º 676/2023-T. «Como se depreende do transcrito artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT, o preceito recusa a qualidade de sujeito passivo a quem não estiver sujeito diretamente a uma obrigação fiscal, como é o caso do consumidor final de bens ou serviços, mas admite que da repercussão do imposto possa resultar a violação de um interesse legalmente protegido, e, nesse sentido, confere ao repercutido o direito à impugnação administrativa ou judicial como meio adequado de reação contra a repercussão ilegal do imposto, o que se justifica, no plano de política legislativa, por razões de similitude com a lesão que seja causada por um ato ilegal de liquidação (cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, 2001, págs. 116-117). [nosso sublinhado]

Nada obsta, por conseguinte, que as Requerentes possam deduzir um pedido de pronúncia arbitral contra os atos tributários de liquidação da CSR, e, por outro lado, esses atos encontram-se identificados e documentados pelo único meio possível qual seja a emissão de faturas emitidas pelo fornecedor do combustível que consubstancia a repercussão do encargo tributário na esfera jurídica dos adquirentes. [nosso sublinhado]

Resta referir que, não sendo as Requerentes os sujeitos passivos do imposto, nem os diretos responsáveis pela sua liquidação, mas apenas as entidades que suportam o encargo por efeito da repercussão, não lhes compete o ónus de identificação e de comprovação dos atos de liquidação repercutidos, nem a prova da conexão entre os atos de liquidação e as faturas de compra que revelam a repercussão do imposto. [nosso sublinhado]

Sendo certo que o contribuinte se encontra na impossibilidade de obter elementos de informação que estão na posse de uma terceira entidade, por não ser ele também o sujeito passivo do imposto. [nosso sublinhado]

Não se verifica, por conseguinte, a ineptidão da petição por falta ou ininteligibilidade da indicação do pedido ou da causa de pedir, nem por alguma das outras causas enunciadas no artigo 186.º do CPC.

A questão de saber se houve uma efetiva repercussão do encargo tributário na esfera jurídica da adquirente, aqui Requerente, ou se existe correlação entre os atos de liquidação da CSR e as faturas de aquisição de combustível, apenas poderá relevar no âmbito da apreciação da matéria para efeito do julgamento de procedência do pedido.

Pelo que acima se expõe, entende este Tribunal que improcede igualmente a exceção de ineptidão da petição inicial.

 

II.5. Caducidade do direito de ação

Sobre a alegada caducidade do direito de ação defendida pela Requerida, considerando que a falta de identificação dos atos de liquidação impede a aferição da tempestividade do pedido de revisão oficiosa formulado pela Requerente, entendendo que a mesma não poderia invocar o prazo de 4 anos previsto na 2.ª parte do artigo 78.º, n.º1 da LGT, e consequentemente da tempestividade do pedido arbitral, refere-se que a questão foi igualmente analisada em diferentes decisões prolatadas em processos de tribunais a funcionar no CAAD.

Pelo que, refere este Tribunal o entendimento exposto na decisão prolatada no processo n.º 676/2023-T. «Deve começar por dizer-se - como se afirma, entre outros, nos acórdãos do STA de 14 de Março de 2012 (Processo n.º 01007/11) e de 8 de Março de 2017 (Processo n.º 01019/14) – que a revisão oficiosa do acto tributário pode ser efetuada a pedido do contribuinte no prazo de quatro anos contados da liquidação (ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago) quando houver erro imputável aos serviços, devendo entender-se como tal o erro material, o erro de facto ou o erro de direito, independentemente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação.

É o que resulta do disposto no artigo 78.º, n.º 7, da LGT, pelo qual a revisão oficiosa, nos termos previstos no n.º 1 desse artigo, pode ser desencadeada pelo sujeito passivo mediante requerimento dirigido ao órgão competente da Administração Tributária e com base nos mesmos pressupostos legais: no prazo de quatro anos e com fundamento em erro imputável aos serviços. O que se tem entendido como uma decorrência do princípio da justiça e da verdade material (cfr., neste sentido, Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento Tributário, 5.ª edição, Coimbra, págs. 227-228). (…)

Conforme é também jurisprudencialmente aceite, existindo um erro de direito numa liquidação efetuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, em resultado da obrigação genérica de a administração tributária atuar em plena conformidade com a lei.

Por outro lado, como é evidente, a existência do erro que constitui fundamento do pedido de revisão não pode ser aferida a partir da posição jurídica que tenha sido assumida pela Autoridade Tributária na apreciação do pedido de revisão, mas com base nos vícios de ilegalidade que tenham sido arguidos pelo sujeito passivo na formulação do pedido. Sendo que o processo arbitral foi deduzido precisamente para discutir a validade do entendimento adotado pela Administração na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.»

Nestes termos, tendo sido invocado um erro imputável aos serviços e verificando-se que o pedido de revisão oficiosa deu entrada a 1 de junho de 2023, cujo objeto reside na impugnação de CSR cobrada em faturas emitidas entre maio de 2019 e 31 de dezembro 2022, no momento da apresentação do pedido, e considerando a regra de contagem do prazo do artigo 279.º, alínea b), do Código Civil, não tinha ainda decorrido o prazo de quatro anos após a liquidação a que se refere o artigo 78.º, n.º 1, da LGT.

Não tendo havido decisão do pedido de revisão oficiosa no prazo cominado para o efeito (quatro meses), a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral, aceite em 28 de novembro de 2023, dentro do prazo de 90 dias após o termo do prazo legalmente cominado para a decisão sobre o pedido de revisão oficiosa (cf. artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT).

Não se verifica, por conseguinte, a pretendida caducidade do direito de ação.

 

II.6. Não foram suscitadas quaisquer outras exceções de que cumpra conhecer nem se verificam nulidades.

Cumpre apreciar e decidir.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

FACTOS PROVADOS

Para a decisão da causa submetida à apreciação do Tribunal, cumpre atender aos seguintes factos que se julgam provados:

  1. A Requerente é uma sociedade comercial por quotas, a qual se dedica, de acordo com o seu objeto social, ao transporte rodoviário de mercadorias, efetuado exclusivamente, por veículos ligeiros de mercadorias, outras atividades postais e de courrier, atividades de mudanças por via rodoviária, assistência a veículos na estrada, aluguer de veículos automóveis ligeiros, comércio por grosso e a retalho de motociclos e suas peças e acessórios, comércio por grosso e a retalho de peças e acessórios para veículos automóveis, manutenção e reparação de veículos automóveis e motociclos (cf. cópia da certidão permanente da sociedade);
  2. A Requerente não é operador económico detentor do estatuto IEC de destinatário registado, concedido ao abrigo e nos termos do regime previsto no Código dos IEC – facto não controvertido;
  3. Entre maio de 2019 e 31 de dezembro 2022, a Requerente adquiriu, sem que tal fosse controvertido, gasóleo às empresas fornecedoras de combustíveis identificadas, conforme cópia das faturas anexas ao processo administrativo;
  4. As aquisições de combustíveis encontram-se documentadas nas faturas que constam dos documentos identificados como “Documentos n.ºs 1 a 150; 151 a 477; 478 a 775; 776 a 896”, cuja respetiva organização de forma agrupada, por data, consta dos documentos apresentados como “Liquidações 2019, 2020, 2021, 2022”, que aqui se dão como reproduzidas;
  5. Alegando a Requerente ter-lhe sido integralmente repercutido a CSR, o que estaria comprovado através das faturas emitidas pelas fornecedoras de combustíveis, foi deduzido a 1 de junho de 2023, um pedido de revisão oficiosa com vista à anulação das referidas liquidações de CSR, e dos consequentes atos de repercussão, no valor global de 130.645,45€ (cento e trinta mil seiscentos e quarenta e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos) – cf. cópia do pedido entregue na Alfândega do Freixieiro;

 

  1. A AT não emitiu decisão quanto aos pedidos de revisão oficiosa no prazo legalmente cominado para o efeito – facto não controvertido;
  2. O pedido de pronúncia arbitral foi aceite no dia 28.12.2024.

 

FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provou que tenha havido efetiva repercussão, parcial ou integral, da contribuição de serviço rodoviário (CSR) na esfera jurídica da Requerente relativamente ao combustível adquirido.

 

Motivação da decisão da matéria de facto

O Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada e com relevância para a decisão – cf. n.º 2, do art.º 123.º do CPPT e n.º 3 do art.º 607.º do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi al. a) e e) do n.º 1, do art. 29.º do RJAT.

A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada, para além do reconhecimento de factos não controvertidos pelas partes, resultou da análise crítica dos documentos juntos aos autos com o pedido de pronúncia arbitral, da resposta da Requerida e dos demais documentos juntos e constantes do processo, como indicado em relação a cada facto julgado provado.

Quanto ao facto dado como não provado, trata-se de matéria que foi alegada pela Requerente, contestada pela Requerida, em que pretende provar o pagamento da CSR através das faturas que documentam as aquisições de combustíveis referentes aos meses de maio de 2019 e dezembro de 2022, mediante a presunção da sua repercussão económica no preço.

O Tribunal considera que a faturação apresentada documenta as transações das fornecedoras de combustíveis com a Requerente, mas não faz, nem pode fazer, prova de repercussão económica da CSR, seja porque os montantes da CSR não eram discriminados, nem podiam sê-lo, nessa faturação (apenas se discriminando os valores de IVA), seja porque está vedada – dada a posição expressa do TJUE – a presunção de que tenha havido repercussão integral da CSR em toda e qualquer das transações documentadas.

Junta ainda mapas resumo contendo o cálculo do valor da contribuição a apurar relativamente às quantidades de combustível adquiridos. Sendo estes documentos passíveis de livre apreciação pelo tribunal, entende-se que os mesmos não têm suficiente valor probatório material quanto à efetiva repercussão do imposto relativamente a cada uma das aquisições realizadas. Os elementos probatórios juntos aos autos não contêm os elementos objetivos indispensáveis à exata comprovação do efetivo pagamento da CSR pela Requerente no período em causa, por forma, quer à respetiva confirmação e conexão com os atos tributários de liquidação.

Neste domínio, sublinha-se a jurisprudência do TJUE e o teor do Acórdão de 7 de fevereiro de 2022, Proc. C-460/21, ponto 44: "Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos” – Vd, neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C‑147/01, EU:C:2003:533, n. 96.

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

A Requerente deduziu pedido de pronúncia arbitral peticionando a apreciação da legalidade das liquidações respeitantes à CSR, referentes a faturas liquidadas entre os meses maio de 2019 e 31 de dezembro 2022, cujo encargos tributários com a CSR terão sido repercutidos na esfera da Requerente, no montante no valor global de € 130.645,45, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, e, bem assim, da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentados contra aqueles atos tributários.

Tendo sido apreciadas pelo Tribunal as exceções dilatórias invocadas pela Requerida, e consideradas as posições assumidas pelas Partes nos argumentos apresentados, constituem questões centrais a decidir:

  1. Anulação dos atos tributários referentes à CSR e consequente reembolso da contribuição indevidamente liquidada;
  2. O direito a pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.

Cumpre analisar.

 

  1. Sobre a anulação dos atos tributários referentes às liquidações de CSR e o imposto alegadamente suportado pelo contribuinte por repercussão fiscal:

A análise da matéria em discussão já foi várias vezes objeto de análise e pronúncia por tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

Considerado o respetivo enquadramento legal, refere-se que a CSR foi instituída pela Lei
n.º 55/2007, de 31 de agosto, constituindo «a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis»., sendo desta forma, «fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da [Infraestruturas de Portugal, S.A.] – anteriormente, Estradas de Portugal, E.P.E. - , no que respeita à respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento»[3].

Nos termos do respetivo diploma, a CSR começou por incidir sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos a ISP e dele não isentos (cf. artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, na redação inicial), tendo, por via da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, sido alargado ao combustível GPL auto. A contribuição incide assim sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos e é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (artigo 5.º, n.º 1).

Define igualmente o regime jurídico que o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, S.A. é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (cf. artigo 2.º).

Tendo sido chamado a pronunciar-se, concluiu o TJUE[4] que, «(…) embora a afetação predeterminada do produto da CSR ao financiamento, pela concessionária da rede rodoviária nacional, das competências gerais que lhe são atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, essa afetação não pode, enquanto tal, constituir um requisito suficiente». [nosso sublinhado]

Desta forma, «[para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção desta disposição, a CSR deveria destinar-se, por si só, a assegurar os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional. Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C-82/12, EU:C:2014:108, n.0 30, e de 25 de julho de 2018, Messer France, C-103/17, EU:C:2018:587, n.º 38)»[5]. [nosso sublinhado]

Entende ainda o TJUE que «(…) como resulta do n.º 14 do presente despacho, é certo que a Autoridade Tributária sustenta que existe uma relação entre a afetação das receitas geradas pela CSR e o motivo específico que levou à instituição deste imposto, uma vez que o decreto-lei que atribuiu a concessão da rede rodoviária nacional à IP impõe a esta última que trabalhe em prol, por um lado, da redução da sinistralidade nessa rede e, por outro, da sustentabilidade ambiental. No entanto, como foi salientado no n.º15 do presente despacho, resulta da decisão de reenvio que o produto do imposto em causa no processo principal não se destina exclusivamente ao financiamento de operações que supostamente concorrem para a realização dos dois objetivos mencionados no número anterior do mesmo despacho. Com efeito, as receitas provenientes da CSR destinam-se, mais amplamente, a assegurar o financiamento da atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional»[6] [nosso sublinhado]

Por último, «(…) o pedido de decisão prejudicial não contém nenhum elemento que permita considerar que a CSR, na medida em que incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, foi concebida, no que respeita à sua estrutura, de tal modo que dissuade os sujeitos passivos de utilizarem essa rede ou que os incentiva a adotar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria suscetível de reduzir os acidentes»[7].

Em suma, o TJUE concluiu que, «o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que não prossegue “motivos específicos", na aceção desta disposição, um imposto [em concreto, a CSRJ cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários»[8].[nosso sublinhado]

Pelo que se expõe, haverá este Tribunal igualmente de concluir pela não compatibilidade do regime jurídico da CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, com o disposto no artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva n.º 2008/118.

Na sequência da apreciação das exceções invocadas pela Requerida e do reconhecimento da legitimidade da Requerente, enquanto entidade repercutida, entendendo-se que esta tem um interesse legalmente protegido e o direito de ação, tendo como objetivo a revisão dos respetivos atos de liquidação de CSR, podendo ser ressarcida dos prejuízos decorrentes do alegado pagamento indevido do imposto, caso seja confirmada a sua repercussão do encargo.

Considerada a questão decidenda em análise, e como bem se refere na decisão prolatada no Processo n.º 113/2023-T (igualmente exposto na decisão prolatada no processo n.º 676/2023-T), o Tribunal de Justiça pronunciou-se nos seguintes termos:

«“38. (…) Assim, um Estado-Membro está, em princípio, obrigado a reembolsar os impostos cobrados em violação do direito da União, ao abrigo das regras processuais nacionais aplicáveis e no respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade (-).

39. A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas (-). [nosso sublinhado].

40. Por conseguinte, incumbe às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar o respeito pelo princípio da proibição do enriquecimento sem causa, incluindo quando nada conste a este respeito no direito nacional.

(…)

42. Por conseguinte, um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido (-). [nosso sublinhado].

43. Constituindo esta exceção ao princípio do reembolso dos impostos incompatíveis com o direito da União uma restrição a um direito subjetivo resultante da ordem jurídica da União, há que interpretá-la de forma restritiva, atendendo nomeadamente ao facto de que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo (-).[nosso sublinhado].

Salienta o Tribunal na decisão prolatada no Processo n.º 113/2023-T que, «Como sublinha ainda o TJUE, “a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos” (parágrafo 44). [nosso sublinhado].

Na Resposta apresentada, a Requerida conclui que a repercussão da CSR tem uma natureza meramente económica ou de facto, entendendo que a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que instituiu a CSR, não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal. Tal como ocorre nos designados impostos especiais sobre o consumo (como o ISP/ISPPE, IABA ou IT) o ónus da CSR é transferível, através do fenómeno financeiro da repercussão económica dos custos. Desta forma, entende que, através da política de definição dos preços de venda, todas as despesas se repercutem no valor do produto ou serviço: matéria-prima, custos administrativos, impostos, despesas salariais, margem de lucro, etc.).

Efetivamente, considerado o disposto no regime jurídico que aprova a CSR, compreende este Tribunal que, as empresas petrolíferas, em regra, repercutem o ISP e, ao tempo, a CSR nos operadores a jusante, incluindo, nos consumidores finais. Enquanto impostos aplicados ao consumo, estes caracterizam-se pelo facto de o seu encargo financeiro ser, em regra, repercutido nos restantes operadores da atividade comercial, maxime, no consumidor final.

Não obstante, atendendo ao próprio entendimento do TJUE, na ausência de um mecanismo formal de repercussão da CSR, a prova da repercussão da contribuição dos preços praticados ao consumidor, só pode partir da análise de factos conhecidos e demonstráveis e que possuam alguma consistência prática.

Desta forma, constituindo a repercussão fiscal da CSR um facto positivo, o ónus da prova impende sobre quem o invoca, por forma a comprovar a qualidade de entidade repercutida e lesada pelo encargo tributário. Salienta-se aqui o entendimento proferido pelo Tribunal na decisão prolatada no Processo n.º 452/2023-T: «A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro, alheio à relação jurídica tributária, com quem aquele tem relações económicas. Nas palavras de alguns autores, o repercutido será um mero "contribuinte de facto" (titular da capacidade contributiva), por contraposição ao "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento do tributo. De acordo com a doutrina pode fazer-se a distinção entre a repercussão obrigatória ou legal, a qual encontra consagração, por exemplo, em sede de I.V.A., por contraposição à repercussão voluntária (…)” – Proc. 0581/17.0BEALM, acórdão STA de 28-10-2020.

Termos em que o reconhecimento da legitimidade de ação do contribuinte consumidor final no imposto indireto – CSR - e o equilíbrio entre o direito material e direito processual, exige a clara e rigorosa demonstração dos elementos essenciais para decisão, em especial, meios de prova detalhados que permitam apurar inequivocamente quem efetivamente suportou o imposto, ou seja, a presença de elementos completos sobre o facto tributário subjacente às liquidações do imposto.»

No que concerne à aqui Requerente (ainda que não consumidor final), impõe-se o apuramento inequívoco do imposto suportado. O que à semelhança do entendimento que se transcreve, não acontece.

Explica-se ali (decisão prolatada no Processo n.º 452/2023-T) que «A Requerente como elementos de prova apresentou as faturas emitidas pelo SP, as quais especificam três parcelas: o “preço sem IVA”, “descontos” e “valor IVA”, desconhecendo-se as diferentes componentes que permitem aferir se a CSR integra o preço, ou seja, se foi, total ou parcialmente, repercutida na Requerente pelo SP. (…)

Face à sua natureza de imposto objeto de repercussão legal pelo SP, o IVA encontra-se objetiva e claramente discriminado nas faturas. Atento o regime da CRS e a possibilidade ou não de ser repercutida, a mesma não se apresenta discriminada nas faturas emitidas pelo SP.

Acresce que faturas apresentadas pela Requerente ao conterem uma parcela com a designação “desconto”, sem descritivo da respetiva natureza e conteúdo, contribuem para a falta de rigor e criam a dúvida sobre a própria presunção da repercussão da CSR, na falta, ainda, de elementos que permitam esclarecer os termos da referida relação contratual e tratamento comercial e fiscal da CSR, ou seja, sobre a efetiva repercussão fiscal no âmbito desses operações comerciais relativas ao fornecimento de combustíveis pelo SP (C.../D...) à Requerente.

A prova da repercussão deve ser objetivamente demonstrada por documentos que identifiquem o efetivo pagamento do imposto, não podendo assentar em juízos presuntivos ou em meras declarações genéricas que não contenham os necessários requisitos declarativos (neste sentido, a decisão arbitral proferida no Processo n.º 790/2023-T).

Sem prejuízo do que se refere, não pode este Tribunal deixar de salientar a dificuldade de prova positiva da repercussão. Situação que decorre dos termos de aplicação do próprio regime jurídico que institui a CSR. Conforme expressa o Tribunal na decisão prolatada no Processo
n.º 452/2023-T, «Em face declaração de ilegalidade da CSR pelo TJUE e os subsequentes pedidos de revisão dos atos de liquidação e pedido de reembolso, a Requerida não emitiu orientações para o reembolso da CSR, contrariamente à prática em outros EM na sequência da declaração de ilegalidade de tributos.»

Trata-se de matéria que foi alegada pela Requerente, contestada pela Requerida, em que e primeira pretende provar o pagamento da CSR através das faturas que documentam as aquisições de combustíveis entre os meses maio de 2019 e 31 de dezembro 2022, cujo encargos tributários com a CSR terão sido repercutidos na esfera da Requerente (mediante a presunção da sua repercussão fiscal no preço), e junção de quadros com a identificação das mesmas e o respetivo cálculo da CSR, no montante no valor global de € 130.645,45.

Considerando que, importa verdadeiramente averiguar se a prova documental apresentada pela Requerente foi suficiente, entende este Tribunal que não resulta evidente de que tenha havido uma efetiva repercussão do imposto, de modo a poder confirmar-se a factualidade invocada pela Requerente sobre o pagamento indevido da CSR.

Entende-se assim, conforme decisão prolatada no Processo n.º 452/2023-T, que «A prova de um facto positivo – repercussão fiscal da CSR - impende sobre quem a invoca – a
Requerente -, por forma a comprovar a qualidade de entidade repercutida e lesada no âmbito da relação jurídico-tributária da CSR. (…)

Por fim, recorda-se a jurisprudência do TJUE e o teor do Acórdão de 7 de fevereiro de 2022, Proc. C-460/21, ponto 44: "Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos – Vd, neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C‑147/01, EU:C:2003:533, n.º 96. (decisão prolatada no Processo
n.º 452/2023-T). [nosso sublinhado]

Nestes termos, e na ausência de prova bastante de que tenha havido lugar à repercussão do imposto, afastando o caracter presuntivo na determinação do encargo na esfera da Requerente, o pedido arbitral mostra-se ser improcedente.

  1. Do direito reembolso do imposto indevidamente pago e de juros indemnizatórios.

Face à improcedência do pedido principal, fica necessariamente prejudicado o pedido acessório de reembolso do imposto pago e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

  1. DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar improcedentes as exceções invocadas pela Requerida;
  2. Julgar improcedente o pedido arbitral, bem como a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa;
  3. Julgar prejudicado o conhecimento do pedido de reembolso do imposto pago e de pagamento de juros indemnizatórios.
  4. Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

Nos termos do disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), é fixado ao processo o valor € 130.645,45 (cento e trinta mil, seiscentos e quarenta e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos).

 

 

  1. CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 3.060,00 (três mil e sessenta euros), cujo pagamento fica a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de agosto de 2024                    

 

O Tribunal Coletivo,

 

Fernando Araújo

(Árbitro presidente – junta declaração de voto)

 

Ana Rita Chacim

(Árbitro vogal - Relatora)

 

José Nunes Barata

(Árbitro vogal – junta declaração de voto)

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Entendo que, não estando em causa qualquer regime de repercussão legal, não está feita a prova de que tenha havido repercussão efectiva (como estabelecido no Despacho proferido pelo TJUE em 7 de Fevereiro de 2022, no Proc. C-460/21), e com que valores – o que retira, a alegados “repercutidos”, a legitimidade para impugnarem actos de liquidação ocorridos numa relação jurídico-tributária da qual esses repercutidos não foram partes, manifestamente. Pela mesma razão, não é possível a prova, pelos alegados “repercutidos”, do pressuposto do enriquecimento sem causa dos sujeitos passivos da CSR, igualmente estabelecido pelo Despacho proferido pelo TJUE em 7 de Fevereiro de 2022, no Proc. C-460/21.

Além disso, o pedido é ininteligível, na medida em que nem sequer estão adequadamente identificados os actos de liquidação que se pretende impugnar – não tendo sido junta documentação em que aparecessem discriminados: 1) O nº de registo de liquidação; 2) A data do registo de liquidação; 3) O mês de introdução no consumo; 4) Os totais de ISP (e outros); 5) Os totais de CSR; 6) O total liquidado nos impostos devidos em resultado da introdução no consumo dos produtos petrolíferos e energéticos.

Todo o pedido assenta numa mera conjectura, quanto ao valor das liquidações sobre as quais alegadamente se teriam estribado as repercussões económicas de CSR.

Esse valor não é, pois, um facto provado.

Não estando atingido um standard mínimo de prova quanto às liquidações, a petição torna-se ininteligível e é inepta, com todas as consequências. Como se estabeleceu lapidarmente no Acórdão do TCAS de 30-06-2022 (Proc. nº 138/17.5BELRS), “a petição inicial de impugnação que não identifica o acto tributário impugnado, que não formula a pretensão concreta por referência àquele e que não indica os factos concretos que justificariam a adopção da providência judiciária requerida é inepta”.

Concretizar o pedido, no caso do contencioso de anulação de actos administrativos, implica necessariamente identificar os actos cuja anulação se pretende, como, aliás decorre do artigo 108º do CPPT, quando estipula que “A impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o ato impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido”.

Lembremos o art. 10º, 2, b) do RJAT:

Artigo 10.º (Pedido de constituição de tribunal arbitral) (…)

2 - O pedido de constituição de tribunal arbitral é feito mediante requerimento enviado por via electrónica ao presidente do Centro de Arbitragem Administrativa do qual deve constar: (…)

b) A identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral; (…)”

Podendo invocar-se igualmente o art. 78º do CPTA (aplicável ex vi art. 29º, 1, c) do RJAT):

Artigo 78.º (Requisitos da petição inicial) (…)

2 - Na petição inicial, deduzida por forma articulada, deve o autor: (…)

e) Identificar o ato jurídico impugnado, quando seja o caso;

f) Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação; (…)”

Ora, o que temos nos presentes autos é a identificação indirecta de transacções nas quais se liquidou presumivelmente um montante – não discriminado – de ISP, CSR e outros tributos. Na melhor das hipóteses, nesse standard de prova ficou fortemente sugerida, com elevada plausibilidade, a existência de repercussão de CSR previamente liquidada, ainda que uma repercussão não-quantificada.

Sucede, todavia, que os actos de repercussão não são actos tributários, não sendo, portanto, sindicáveis por este tribunal. Só o poderiam ser os actos de liquidação, que, esses sim, são actos tributários. Esses actos de liquidação podem ser comprovados, com facilidade, pelos verdadeiros sujeitos passivos de CSR – mas não o foram. Esses actos não podem ser comprovados por facturação, porque não há repercussão legal e formal, como existe no IVA.

Além disso, mesmo que se tivesse procedido a uma identificação bastante dos actos de liquidação impugnados – de acordo com um standard de prova aceitável –, ainda assim a posição de meros “repercutidos” se depararia, para efeitos da própria legitimação, com dificuldades sérias de prova, relativas à conexão entre tais actos e as transacções realizadas a jusante da introdução no consumo dos produtos sujeitos a ISP e CSR.

É que na CSR não se passavam as coisas do mesmo modo que sucede no IVA.

No IVA, os actos de repercussão do imposto no preço cobrado ao adquirente ocorrem anteriormente à liquidação de IVA propriamente dita, determinando a quantificação e a determinação temporal precisas – criando uma correspondência exacta entre o acto de repercussão e a liquidação de IVA.

Mas, no caso da CSR, e não obstante poder admitir-se a existência de um montante não-quantificado de repercussão económica, os actos de repercussão não só não estavam formalmente ligados ao acto de liquidação, como nem sequer podiam está-lo, dada a própria mecânica do imposto.

Enquanto no IVA o imposto é devido quando ocorre uma venda ou prestação de serviços (sendo essa transacção que determina o nascimento da obrigação do próprio imposto), no caso da CSR era a introdução no consumo que fazia nascer a obrigação tributária (art.º 8.º do CIEC, aplicável à CSR por remissão do art.º 5.º da Lei que estabelece o regime daquele imposto) – pelo que o facto gerador da CSR ocorria sem qualquer conexão com a transacção em que essa mesma CSR pudesse vir a ser, ou não, total ou parcialmente, repercutida.

Na CSR, era possível a um sujeito passivo entregar uma declaração de introdução no consumo (DIC), dando origem a uma liquidação de CSR, e não vender qualquer combustível nesse mesmo período – tal como lhe era possível vender, num determinado período, combustível introduzido no consumo, e sujeito a ISP, CSR e outros, em períodos anteriores àquele em que vendia.

Ou seja, na ausência de uma repercussão formalizada, ao estilo do IVA, não seria, nem é, possível, nem à Requerente, nem ao Tribunal, nem à Autoridade Tributária, identificar as liquidações de CSR às quais corresponderiam – a existir repercussão – as facturas dadas como prova. Só as entidades fornecedoras, na melhor das hipóteses, poderiam efectuar uma tal correspondência entre as facturas emitidas e a CSR.

Mas tal correspondência não foi estabelecida.

Em suma, inexistindo elementos objectivos que permitam fixar uma tal correspondência em termos seguros, o acto impugnado não está satisfatoriamente identificado, em violação dos arts. 10º, 2, b) do RJAT, 108º do CPPT e 78º do CPTA.

Reforça-se, assim, a ininteligibilidade do pedido, e, em consequência, a ineptidão da petição inicial, com a consequência da nulidade de todo o processo, constituindo uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, geradora da absolvição da instância, nos termos do art.º 193º n.º 1, 493.º nºs. 1 e 2, 494.º al. b) e 495.º, do CPC.

Lembremos, por fim, que há uma única razão pela qual o Despacho proferido pelo TJUE em 7 de Fevereiro de 2022, no Proc. C-460/21, admite o reembolso directo a “repercutidos”: quando, provada a repercussão efectiva, o reembolso da CSR apenas aos sujeitos passivos “repercutentes” redundasse num enriquecimento sem causa destes sujeitos (§39 do Despacho). Daí a oposição expressa do TJUE a quaisquer presunções de repercussão, e especificamente à presunção de que, por terem sido concebidos para admitirem a possibilidade de repercussão, os impostos indirectos passam, ipso facto, a ter-se como efectivamente repercutidos (§§ 43 a 47 do Despacho).

Logo, no caso, não se tendo feito prova dessa repercussão efectiva – nem no seu quid, nem no seu quantum –, nada se podendo concluir quanto a um eventual enriquecimento sem causa do sujeito passivo “repercutente”, falta à Requerente a legitimidade para peticionar directamente o reembolso da CSR.

Assim, se não procedesse a excepção de ineptidão do pedido, procederia de imediato, com todas as consequências legais, a excepção de ilegitimidade da Requerente, conduzindo de novo à absolvição da instância.

 

Fernando Araújo

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Adiro plenamente à decisão de improcedência do pedido, entendendo que, neste caso, da factualidade específica do processo, que difere da de outros, e que de modo exemplar consta da decisão, e consequentes implicações na matéria de direito, resulta haver ilegitimidade deste Tribunal, nos termos do art. 2º do RJAT, não havendo, também, legitimidade passiva da Requerente, sem prejuízo da tutela jurisdicional efetiva se poder efetuar no âmbito da relação comercial existente (art. 15º do CIEC).

 

 

 

José Nunes Barata

 



[1]    Concretamente, as decisões proferidas no âmbito dos Processos n.ºs 296/2923-T, 332/2023-T, 375/2023-T, 408/2023-T, 438/2023-T, 466/2023-T, 467/2923-T e 490/2023- T.

[2] Escreveu-se então:

Ainda que a qualificação jurídica de um tributo como imposto ou não-imposto tenha de depender das suas características intrínsecas (…), não são indiferentes os índices que – sendo externos a essa qualificação – foram invocados pela Requerente e pela Requerida. Assim, para começar, a jurisprudência do CAAD (e dos tribunais estaduais que a examinaram) não é indiferente”.

[3]    Cfr. artigo 3.º, n.º 1 e 2, da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, na sua redação atual.

[4]    Despacho do TJUE de 7 de fevereiro de 2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Proc. C-460-21, n.º 29, Vapo Atlantic (europa.eu).

[5]    Idem, ponto n.º 30.

[6]    Despacho do TJUE de 7 de fevereiro de 2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Proc. C-460-21, n.º 31 e 32, disponível em: Vapo Atlantic (europa.eu)

[7]    Despacho do TJUE de 7 de fevereiro de 2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Proc. C-460-21, n.º 34.

[8]    Despacho do TJUE de 7 de fevereiro de 2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Proc. C-460-21, n.º 36.