SUMÁRIO:
1. A interpretação do Tribunal de Justiça sobre o direito da União Europeia é vinculativa para os órgãos jurisdicionais nacionais, com a necessária desaplicação do direito interno em caso de desconformidade com aquele.
2. O artigo 22.º do EBF, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados, é incompatível com a liberdade de circulação de capitais que decorre do artigo 63.º do TFUE.
DECISÃO ARBITRAL
As árbitros Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro (Presidente), Dra. Raquel Franco, Dra. Cristina Coisinha, (Adjuntas) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem o seguinte:
1. Relatório
A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito luxemburguês, número de contribuinte português ..., com sede em ..., ..., Luxemburgo (doravante “Requerente”), representado por B... B.V., na qualidade de sociedade gestora, com sede em ..., ..., Países Baixos, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.o 10/2011, de 20 de janeiro, apresentou pedido de pronúncia arbitral para apreciação da legalidade dos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos ao ano de 2021, bem como da formação da presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa previamente apresentada para o efeito.
O Requerente peticiona:
A anulação do ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa previamente apresentada pelo Requerente;
(ii) Em virtude da procedência do pedido acima, a anulação dos atos tributários de retenção na fonte de IRC ora sindicados por vício de violação de lei, em concreto por violação do Direito Comunitário e da CRP, nos termos acima melhor expostos;
(iii) O reconhecimento do direito do Requerente à restituição da quantia de € 69.193,08, relativa a retenções na fonte de IRC suportadas em Portugal sobre dividendos distribuídos no ano de 2021, ao abrigo do disposto nos artigos 94.º do CIRC e 22.º do EBF, tudo com as demais consequências legais, mormente o reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT;
(iv) Com a procedência dos pedidos formulados supra, a condenação da Autoridade Tributária no pagamento das custas de arbitragem.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante designada por Requerida ou AT).
O pedido de constituição do tribunal arbitral entregue no dia 20-10-2023 foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 23-10-2023.
O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 11-12-2023, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo ficou constituído em 02-01-2024, e a Requerida foi notificada para apresentar Resposta em 03-01-2024.
Em 07-02-2024, a Requerida apresentou a Resposta, com defesa por exceção e impugnação, e juntou o processo administrativo.
Por despacho de 09-02-2024, o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2, todos do RJAT.
A 29-02-2024 o Requerente e a Requerida apresentaram alegações escritas, e o Requerente exerceu o seu direito ao contraditório sobre as exceções invocadas. A Requerida remeteu e deu por integralmente reproduzido o aduzido em sede de Resposta e aí peticionado.
2. Posição das partes
2.1. Posição do Requerente
O Requerente, em apoio da sua pretensão, menciona o acórdão do TJUE proferido em 17 de março de 2022, no Processo n.º C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN) no qual se decidiu que Portugal ao sujeitar, à data dos factos tributários em análise, a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal aos OIC estabelecidos em Estados Membros da União Europeia (“UE”) (in casu a Alemanha), simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC estabelecidos e domiciliados em Portugal viola, de forma frontal, o artigo 63.º do Tratado para o Funcionamento da União Europeia (doravante “TFUE”).
O Requerente defende, que o regime previsto no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) resulta um tratamento discriminatório para os OIC não residentes em relação aos residentes, que é incompatível com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
2.2. Posição da Requerida
A Requerida defende-se por exceção invocando a incompetência material do Tribunal Arbitral.
E, por impugnação defende a improcedência do pedido, aceitando a discriminação feita no artigo 22.º do EBF, atendendo à residência fiscal do OIC.
3. Exceção da incompetência material Tribunal Arbitral
A Requerida invoca a exceção da incompetência do Tribunal Arbitral “quanto ao pedido de condenação da AT ao reembolso à requerente do montante de imposto de € 69.193,08, relativa a retenções na fonte de IRC suportadas em Portugal sobre dividendos distribuídos no ano de 2021, acrescido de juros indemnizatórios”.
“Vem a requerente deduzir o presente p.p.a. da presunção de indeferimento tácito que se terá formado na sequência da apresentação de uma reclamação graciosa tendo em vista anular as retenções na fonte referentes ao exercício de 2021, na medida do excesso de base de incidência das mesmas, que gerou um montante de retenções na fonte em IRC indevidamente liquidado no valor de € € 69.193,08.
Invoca a Requerente que, em 2021 auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória (...).
Antes de mais, nos termos do disposto no art. 2º, alínea a) da Portaria no 112/2011, de 22 de Março, a AT vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, referidas no nº 1 do art. 2º do RJAT, “ com excepção de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”
Como bem refere Jorge Lopes de Sousa:
«a competência dos Tribunais Arbitrais compreende a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade:
a) De atos de liquidação de tributos cuja administração seja cometida à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) [...];
b) De atos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta de tributos cuja administração seja cometida à AT, desde que tenham sido precedidos de recursos à via administrativa prévia necessária, prevista nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) [...];
(c) De atos de fixação da matéria tributável sem recurso a métodos indiretos, quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo [...];
(d) De atos de determinação da matéria tributável sem recurso a métodos indiretos [...];
(e) De atos de fixação de valores patrimoniais, para efeitos de imposto, cuja administração seja cometida à AT [...];
(f) De atos de liquidação de direitos aduaneiros e encargos de efeito equivalente sobre exportação de mercadorias [...];
(g) As pretensões relativas a imposições à exportação instituídas no âmbito da política agrícola comum (PAC) ou no âmbito de regimes específicos aplicáveis a determinadas mercadorias resultantes da transformação de produtos agrícolas [...];
(h) De atos de liquidação de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), imposto especiais sobre o consumo (IEC's) e outros impostos indiretos sobre mercadorias que não sejam sujeitas a direitos de importação [...]» - cf. JORGE LOPES DE SOUSA, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pp. 105-108, sublinhados nossos.
Ora constata-se que a requerente pede que o Tribunal Arbitral corrija/anule parcialmente a liquidação efetuada e proceda, ele mesmo, à determinação desse cálculo líquido, apurando a taxa o valor a restituir, e, desta forma, condenando a AT ao reembolso de uma quantia determinada.
Ora, o Tribunal Arbitral não tem competência para determinar a validade do cálculo apresentado pela requerente determinando a condenação ao pagamento da quantia pedida pela requerente e que passa pela necessária anulação parcial das retenções efetuadas.
Tal situação impõe-se por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT.
Sendo constitucionalmente vedada, por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e da legalidade [cf. artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP e ainda o artigo e 266.º, n.º 2, da CRP], como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, a interpretação, ainda que extensiva, que amplie a vinculação da AT à tutela arbitral fixada legalmente, por tal pressupor, necessariamente, a consequente dilatação das situações em que esta obrigatoriamente se submete a tal regime, renunciando nessa medida ao recurso jurisdicional pleno [cf. artigos 25.º e 27.º da RJAT, que impõem uma restrição dos recursos da decisão arbitral].”
Deste modo, verifica-se a existência de uma exceção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
O Requerente na resposta a esta exceção alega:
“Como se passa a demonstrar tal exceção deve ser julgada improcedente, ao contrário do que pretende fazer crer a Requerida.
Desde logo, conforme resulta do pedido arbitral apresentado pelo Requerente, requer-se a este Douto Tribunal a concreta apreciação da legalidade dos atos de retenção na fonte de IRC suportados no ano de 2021, atos esses que foram objeto de prévia apresentação de reclamação graciosa, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 132.º do CPPT.
É assim evidente a competência do presente tribunal e da jurisdição arbitral para conhecer do presente pedido, nos termos do artigo 10.º do RJAT e da Portaria que definiu os termos da vinculação da AT.
Ora, na ótica do Requerente, a apreciação por parte deste Douto Tribunal da legalidade dos atos tributários ora sindicados, levará à sua total anulação, o que significa que, tendo sido o imposto entregue juntos dos cofres do Estado, a referida anulação implicará necessariamente o direito do Requerente à integral reconstituição da sua situação tributária, ou seja, ao reembolso do imposto suportado e por si identificado nos presentes autos, bem como dos correspondentes juros indemnizatórios devidos nos termos legais.
Note-se que o Requerente apresentou prova documental dos atos tributários e das quantias de imposto por si suportadas no ano de 2021, cabendo à Requerida contestar os valores objeto do presente pedido, o que, contudo, não sucedeu.
Ora, o que não se pode admitir é que a Requerida sustente que o tribunal não poderia, face à prova documental produzida nos autos, quantificar o valor a reembolsar e determinar o pagamento de juros indemnizatórios, sendo estes pedidos mera consequência do pedido principal de anulação dos atos sindicados por vício de ilegalidade.
posição tem sido defendida de forma unânime em sede arbitral de que é exemplo a decisão arbitral proferida no processo n.º 314/2018-T, de 22.11.2018
Vejamos
O Requerente apresentou reclamação graciosa em 22-03-2023, no Serviço de Finanças de Lisboa ..., em que pediu a anulação dos atos tributários de retenção na fonte IRC, por vício de violação de lei, relativo ao período de tributação de 2021 e a restituição do imposto indevidamente suportado pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios.
No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente esclarece que a sua pretensão tem por objeto, a anulação dos atos tributários de retenção na fonte IRC, por vício de violação de lei, relativo ao período de tributação de 2021, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra esse ato.
O Requerente faz um pedido de natureza anulatória, uma vez que o pedido de pronúncia arbitral foi deduzido para que fosse apreciada a (i)legalidade do ato tributário materializado retenção na fonte de IRC e do ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada para apreciação da legalidade desse ato tributário.
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
Nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da “ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, (...) actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria coletável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.
Os artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 março, dispõem que a Direção Geral dos Impostos se encontra vinculada à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no Centro de Arbitragem Administrativa, nomeadamente nos processos que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos.
A competência dos Tribunais Arbitrais em matéria tributária compreende as pretensões que envolvam a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de fixação da matéria coletável e de fixação de valores patrimoniais, nos termos do artigo 2.º, n.º 1 a) e b) do RJAT, constituindo um efeito da decisão arbitral de procedência que a AT deva praticar o ato tributário legalmente devido de substituição do ato impugnado e restabelecer a situação que existiria se esse ato não tivesse sido praticado (cfr. artigo 24.º, n.º 1, do RJAT).
Neste sentido é de mencionar a decisão arbitral de 10 de janeiro de 2022, proferida no Processo n.º 448/2021-T: “(...) É, assim, inequívoco que o Governo, no exercício dos poderes legislativos que lhe foram concedidos pela autorização legislativa, atribuiu aos tribunais arbitrais competência para a declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, sem qualquer restrição”.
Pelo exposto improcede a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral.
4. Saneamento
O Tribunal Arbitral coletivo foi regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido, que foi tempestivamente apresentado nos termos dos artigos 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT.
O processo não enferma de nulidades, nem existem outras exceções ou questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
5. Matéria de facto
5.1. – Factos provados
Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
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O Requerente é, de acordo com o quadro luxemburguês, uma pessoa coletiva de direito luxemburguês, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), constituído sob a forma contratual, comumente designada de fundo de investimento; (cfr. doc. 1 junto com o PPA).
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O Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem estabelecimento estável no país, tendo a sua residência fiscal no Luxemburgo (cfr. doc. 1 junto com o PPA – certificado de residência relativo ao ano de 2021).
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O Requerente é gerido por uma entidade gestora de fundos de investimento, a B... B.V., entidade com sede nos Países Baixos (cfr. doc. 2 junto com o PPA- certificado de residência fiscal relativo ao ano de 2021).
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No ano de 2021, o Requerente era detentor de participações sociais nas seguintes sociedades residentes em Portugal:
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No ano de 2021 o Requerente, na qualidade de acionista de sociedades residentes em Portugal, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal que foram tributados por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25% prevista no n.º 4 do artigo 87.º do Código do IRC (“CIRC”).
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O Requerente efetuou pedidos de reembolso do imposto retido na fonte em excesso face à taxa prevista no Acordo para Evitar a Dupla Tributação (“ADT”) celebrado entre Portugal e o Luxemburgo (correspondente a 10%, por a taxa prevista no ADT para os dividendos é de 15%), através da entrega do formulário Modelo 21 RFI.
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O pedido arbitral incide sobre o montante das retenções suportadas pelo Requerente em Portugal no ano de 2021, correspondente à diferença entre o valor total retido na fonte à taxa interna prevista no CIRC - 25% - e o valor objeto dos pedidos de reembolso efetuados ao abrigo do ADT - 10% - (i.e., o valor em causa no presente pedido ascende a 15% do valor bruto dos rendimentos auferidos em Portugal),
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No ano de 2021, o Requerente recebeu dividendos e suportou em Portugal IRC por retenção na fonte, no montante total a seguir discriminado:
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Em 22-03-2023, o Requerente apresentou reclamação graciosa no Serviço de Finanças de Lisboa ...; (cfr. doc. 5 junto com o PPA).
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O Requerente não foi notificado de qualquer decisão da AT relativa a este pedido de reclamação graciosa; (cfr. PPA e não contestado pela AT – facto admitido por acordo)
5.2. Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
5.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto
O juiz (ou o árbitro) não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria de facto alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo autor, e decidir se a considera provada ou não provada (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, a) e), do RJAT).
Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal deve basear a sua decisão em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência.
Assim, o presente Tribunal Arbitral formou a sua convicção quanto à factualidade provada tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, como prevê o artigo 110.º do CPPT, a prova documental produzida.
6. Questão de direito
Neste processo arbitral a questão jurídica material que vem controvertida, consiste em determinar se a legislação portuguesa, na redação em vigor à data dos factos tributários, ao excluir de tributação os dividendos distribuídos por uma sociedade residente em Portugal a fundos de investimento mobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (art.º 22º do EBF) e, por isso residentes em território nacional, mas sujeitando a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por essas mesmas sociedades a fundos de investimento mobiliário, que não tenham sido constituídos nem operem de acordo com a legislação nacional, e por isso não residentes, configura uma restrição à livre circulação de capitais, não consentida pelo art.º 63º do TFUE.
O Requerente é um fundo de investimento (Organismo de Investimento Coletivo) constituído ao abrigo do Direito do Luxemburgo.
Em 2021, o Requerente recebeu dividendos, pagos em Portugal por sociedades de direito português, relativamente aos quais foi efetuada retenção na fonte à taxa de 25% e com a diferença de de 10% - Acordo para evitar a dupla tributação
Em dia 22-03-2023, o Requerente apresentou uma reclamação graciosa dos atos de retenção na fonte referidos, tendo-se formado o indeferimento tácito em 23-07-2023.
6.1. A legislação nacional
O artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redação vigente em 2021, estabelecia o seguinte:
Artigo 22.º
Organismos de Investimento Coletivo
1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.
4 – Os prejuízos fiscais apurados nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 52.º do Código do IRC.
5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.
6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.
7 – Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código.
8 – As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.
9 – O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo no entanto ser inferior a um ano civil:
a) No ano do início da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a atividade e o fim do ano civil;
b) No ano da cessação da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e a data da cessação da atividade.
10 – Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.
11 – A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código.
12 – O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC.
13 – As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC.
14 – O disposto no n.º 7 aplica -se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia.
15 – As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba.
16 – No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo-lhes ainda aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro.
Nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, que procedeu, à reforma do regime de tributação dos organismos de investimento coletivo (OIC), “as regras previstas no artigo 22.º do EBF, na redação dada pelo presente decreto-lei, são aplicáveis aos rendimentos obtidos após 1 de julho de 2015”.
No referido artigo 22.º, n.º 1 determina-se que o regime nele previsto é aplicável aos “fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”.
O Requerente é constituído ao abrigo da lei luxemburguesa e não da lei nacional e, por isso, o artigo 22.º, n.º 1, do EBF afasta a aplicação daquele regime ao Requerente.
6.2. A legislação do TFUE
Artigo 63.º
(ex-artigo 56.º TCE)
1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
O artigo 65.º do TFUE limita a aplicação deste princípio, estabelecendo o seguinte:
Artigo 65.º
(ex-artigo 58.º TCE)
1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:
a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.
2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.
3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.
A questão da compatibilidade ou não do regime previsto no artigo 22.º, n.º 1, do EBF com o Direito da União Europeia, designadamente o artigo 63.º do TFUE, foi apreciada no acórdão do TJUE de 17-03-2022, proferido no processo n.º C-545/19, relativo a pedido de decisão prejudicial, do qual salientamos as seguintes conclusões, (também transcritas no Acórdão do STA de 28-09-2023, proferido no Processo n.º 093/19.7BALSB):
a) Perante o órgão jurisdicional de reenvio, a A...-Fonds AEVN alega que, nos anos de 2015 e 2016, os OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa estavam sujeitos a um regime fiscal mais favorável do que aquele a que foi sujeita em Portugal, na medida em que, relativamente aos dividendos pagos por sociedades estabelecidas em Portugal, esses organismos estavam isentos, ao abrigo do artigo 22.°, n.° 3, do EBF, do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas. A A...-Fonds AEVN considera que, sendo tributada à taxa de 25 % sobre os dividendos que lhe são pagos por sociedades estabelecidas em Portugal, é objeto de um tratamento discriminatório proibido pelo artigo 18.° TFUE, bem como de uma restrição à liberdade de circulação de capitais proibida pelo artigo 63.° TFUE. (§ 17);
b)Uma vez que a legislação nacional em causa no processo principal tem, assim, por objeto o tratamento fiscal de dividendos recebidos pelos OIC, deve considerar-se que a situação em causa no processo principal é abrangida pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais (§ 33);
c)Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa. (§ 57);
d) um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este Estado-Membro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontra-se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (§ 69);
e) Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes. Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis. (§ 73 e 74);
f) No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado-Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados-Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (§ 83);
g) Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção. (§ 85).
Em consequência, o TJUE expressa a seguinte declaração final:
O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
Nestes termos, concluindo-se pela incompatibilidade do artº.22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 7/2015, de 13/01 (a aplicável ao caso "sub iudice"), com o disposto no artº.63, do TFUE, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia, impõe-se a não aplicação do referido normativo nacional, de onde se deve concluir que a decisão arbitral recorrida não poderá manter-se, dado enfermar de erro de julgamento de direito, determinante da sua anulação, mais sendo a posição adoptada na decisão arbitral fundamento a que se encontra em conformidade com o direito e jurisprudência, europeus.
Por este Acórdão de 28-09-2023, proferido no Processo n.º 093/19.7BALSB o Supremo Tribunal Administrativo uniformizou a jurisprudência sobre esta matéria em obediência ao decidido pelo TJUE nos seguintes termos:
“1-Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação;
2-O artº.63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção;
3-A interpretação do artº.63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o artº.22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.
Neste âmbito, como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que substituiu o artigo 234º do Tratado de Roma (anterior artigo 177º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objeto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).
A supremacia do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP:
“as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.
Assim, considera-se ilegal, por incompatibilidade com o artigo 63.º do TFUE, o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de outros Estados Membros.
Pelo exposto, tem de se concluir que os atos de retenção na fonte impugnados enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de acordo, com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
7. Reembolso das importâncias pagas e juros indemnizatórios
O Requerente pede o reembolso da quantia de € 69.193,08 que foi retida na fonte, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.
7.1. Reembolso
Na sequência da anulação da retenção na fonte o Requerente tem direito a ser reembolsado da quantia retida, o que é consequência da anulação.
Assim, tendo sido retida a quantia de € 69.193,08 o Requerente tem direito a dela ser reembolsado.
7.2. Juros indemnizatórios
O TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência não só direito ao reembolso como o direito a juros indemnizatórios, e referimos o acórdão de 18-04-2013, processo n.º C-565/11:
21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C-113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).
22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.º 66).
23 A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).
Como é referido no n.º 23, cabe a cada Estado-Membro determinar as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo.
O artigo 24.º, n.º 5 do RJAT determina que: “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que permite concluir pelo reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no âmbito de um processo arbitral.
A Requerente pede a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, ser contado desde a notificação do despacho de indeferimento, isto é, 23 de julho de 2023.
Importa, assim, apurar se tem direito aos juros indemnizatórios relativamente à quantia de € 69.193,08.
O artigo 43.º, n.º 1, da LGT determina que:
São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Esta disciplina deriva do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante. O que significa que, na execução do julgado anulatório, a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado.
Deste modo, ainda que a ilegalidade decorra da violação do Direito da União Europeia, não impede que se considere estarmos perante um erro que confira direito a juros indemnizatórios, sendo somente necessário que o erro seja imputável aos serviços.
De mencionar a nossa concordância com o decidido no Acórdão do STA de 14-10-2020, proferido no Proc. 01273/08.6BELRS 01364/17:
“De todo o modo, sempre se deixa expresso que, como a Recorrente bem sabe, nos termos dos artigos 61.º do CPPT e 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando, anulados os actos por vício de violação de lei, se apure que a culpa do erro subjacente à anulação do acto é imputável aos serviços da Administração Tributária. Ou, em bom rigor, não é imputável ao contribuinte.
Ora, no caso concreto, verificado o erro e ordenada judicialmente a sua anulação, é manifesto que, para além da devolução dos montantes ilegalmente retidos, a Recorrida tem direito a que lhe sejam pagos os juros vencidos sobre esses valores (ilegalmente retidos) até integral restituição, sendo indiferente, ao reconhecimento desse direito, que o erro decorra especialmente da violação de normas comunitárias e não apenas de normas nacionais. Ou seja, não é o facto do erro de violação de lei resultar da desconformidade do ordenamento nacional com o Direito da União que sustenta o afastamento do direito a juros indemnizatórios uma vez que o que releva é a imputabilidade do seu cometimento à Administração Fiscal, como é o caso. As normas de direito comunitário porque vigoram directamente na ordem jurídica interna, prevalecem sobre as normas do direito interno, não podendo ser afastadas pelos Estados Membros através de imposição de normas de direito interno, que, como se viu, foram aplicadas pela Administração Fiscal.”
Por Acórdão de 29-06-2022 proferido no Processo n.º 93/21.7BALSB, o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo procedeu à harmonização de jurisprudência, especificamente para os casos de retenção na fonte seguida de reclamação graciosa, nos seguintes termos:
“Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº. 43, nºs.1 e 3, da L.G.T.”
Tratando-se de jurisprudência uniformizada, deve ser acatada pelo que se decide que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios desde a data em que terminou o prazo para ser apreciada a reclamação nos termos do n.º 1 do artigo 57.º da LGT.
Nos presentes autos, o Requerente entregou a reclamação graciosa que em 22-03-2023, pelo que tem direito a juros indemnizatórios desde 23-07-2023 até integral reembolso ao Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
8. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
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Julgar improcedente a exceção da incompetência do Tribunal;
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Julgar procedente o pedido de anulação da liquidação de IRC, realizada por retenção na fonte;
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Julgar procedente o pedido de reembolso da quantia de € 69.193,08, e condenar a Administração Tributária a pagar este montante ao Requerente;
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Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios, e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar ao Requerente esses juros, com base na quantia de € 69.193,08, desde 23-07-2023, até integral reembolso ao Requerente,
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Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.
9. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 69.193,08, indicado pelo Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
10. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifique-se
Lisboa, 03-09-2024
As Árbitros
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(Regina de Almeida Monteiro – Presidente e Relatora)
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(Raquel Franco – Adjunta)
(Cristina Coisinha – Adjunta)