SUMÁRIO
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A Derrama Municipal é um imposto municipal que incide sobre os rendimentos tributáveis e não isentos de IRC, na proporção do rendimento gerado na área geográfica do município por sujeitos passivos residentes e que aí exerçam atividade comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território.
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Os rendimentos gerados fora do território nacional, designadamente os relativos a dividendos distribuídos e juros pagos por sociedades estrangeiras, não residentes em território nacional e sem estabelecimento estável em Portugal ao qual aqueles sejam imputáveis, não devem contribuir para a base do cálculo da Derrama Municipal lançada pelo município.
DECISÃO ARBITRAL
A..., S.A., (doravante abreviadamente designada por “A...” ou “REQUERENTE”), sociedade com o número único de identificação de pessoa coletiva ..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... Lisboa, veio, nos termos legais, requerer a constituição de tribunal arbitral.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
I – RELATÓRIO
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O pedido
A Requerente peticiona a declaração de ilegalidade e anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e, consequentemente, dos atos de autoliquidação de IRC, na componente de parte da derrama municipal suportada, relativos aos períodos de tributação de 2018 e 2019, no que respeita ao montante total de € 223.942,35 (o qual é composto pelos montantes de € 107.211,79 e € 116.730,56 referentes ao período de tributação de 2018 e 2019, respetivamente).
Pede ainda o reconhecimento do direito ao reembolso de € 223.942,35, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados desde a data do pagamento do respetivo imposto.
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O litígio
A questão a decidir é saber se, face à submissão pela Requerente das Modelos 22 de IRC dos anos de 2018 e 2019, onde declarou lucro tributável positivo e rendimentos obtidos no estrangeiro que concorreram para a determinação desse lucro tributável, o que levou à obrigatoriedade do cálculo e liquidação da derrama municipal sobre esses valores, se os mesmos rendimentos obtidos no estrangeiro são passíveis de base de incidência para o cálculo da derrama municipal.
A Requerente conclui, obviamente, pela negativa.
A Requerida propugna a posição contrária, não sem antes se defender por excepção, invocando a incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria para apreciar ilegalidades da revisão oficiosa, por violação do art.º 2.º alínea a) da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março. Defende que apenas se vinculou, nos termos dessa Portaria, à jurisdição dos tribunais arbitrais se o pedido de declaração de ilegalidade de acto de liquidação tiver sido precedido de recurso à via administrativa de Reclamação Graciosa, pelo que invoca a incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar pedidos de legalidade de autoliquidação quando não foi cumprido o “ónus” da reclamação necessária. Mais invoca a inconstitucionalidade da sua autovinculação à lide arbitral, caso seja professada uma certa interpretação hermenêutica, e do erro na forma de processo utilizada. Defende-se também por impugnação propugnando assim o indeferimento “in totum” dos pedidos.
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Tramitação processual
O pedido foi aceite em 4/1/2024.
Os árbitros foram nomeados pelo Conselho Deontológico do CAAD, que aceitaram as nomeações, as quais não foram objeto de oposição.
O tribunal arbitral ficou constituído em 15/3/2024.
A Requerida apresentou resposta e juntou o PA.
Por despacho de 5/6/2024, foi dispensada a realização da reunião a que se refere o art. 18º do RJAT. Nenhuma das partes se opôs. Pelo mesmo despacho foram as partes notificadas para, querendo, apresentarem alegações simultâneas, fixando-se o prazo de 10 (dez) dias. A Requerente alegou em 24/6/2024 e a Requerida em 25/6/2024.
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Saneamento
Conforme supra referido, foram invocadas pela Requerida várias excepções - incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria para apreciar ilegalidades da revisão oficiosa, por violação do art.º 2.º alínea a) da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março; também falta de vinculo se o acto tributário não tiver sido precedido de recurso à via administrativa de Reclamação Graciosa “necessária”, a inconstitucionalidade da sua autovinculação à lide arbitral, caso seja professada uma certa interpretação hermenêutica e ainda o erro na forma de processo utilizada.
Na elaboração da decisão arbitral deve dar-se prioridade ao conhecimento “das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica” (artigo 608.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Cumpre apreciar.
Porque o Tribunal entende ser necessário para a apreciação das várias questões entrelaçadas invocadas pela Requerida, iremos proceder à fixação da matéria de facto:
II.1 – Factos Provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente encontra-se colectada em IRC pelo Regime Geral.
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Em 12 de junho de 2019, a Requerente submeteu a declaração periódica de rendimentos de IRC Modelo 22, com referência ao período de tributação de 2018, com o código de identificação n.º..., onde apurou um resultado fiscal positivo no montante de € 7.147.452,87 e, uma derrama municipal no montante de € 107.211,79 – conforme campo 364 do quadro 10. Cfr. documento número 1 junto com o ppa.
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Na Declaração mencionada na alínea antecedente, a Requerente nos Quadros 11 e 11-B, inscreveu o seguinte:
Cfr. documento número 1 junto com o ppa.
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Nesse ano (2018) os rendimentos brutos da requerente correspondem a (i) dividendos, no montante total de € 46.828,11, distribuídos por sociedades estrangeiras, e (ii) juros de obrigações, no montante total de € 9.481.248,43 pagos por sociedades estrangeiras, tudo conforme evidenciado no Documento n.º 8 por si junto.
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Em 24 de julho de 2020, a Requerente submeteu a declaração periódica de rendimentos de IRC Modelo 22, com referência ao período de tributação de 2019, com o código de identificação n.º ..., tendo posteriormente procedido à sua substituição pela submissão em 9 de julho de 2020, por uma declaração periódica de rendimentos de IRC Modelo 22 de substituição, com o código de identificação n.º..., onde apurou um resultado fiscal positivo no montante de € 7.782.037,51 e uma derrama municipal no montante de € 116.730,56 – conforme campo 364 do quadro 10. Cfr. documento número 3 (declaração inicial) e documento número 4 (declaração de substituição) juntos com o ppa.
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Na Declaração de substituição mencionada na alínea antecedente, a Requerente nos Quadros 11 e 11-B inscreveu o seguinte:
Cfr. Documento n.º 4 junto com o ppa
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Nesse ano de 2019, os rendimentos brutos da requerente correspondem a (i) dividendos, no montante total de € 47.957,57, distribuídos por sociedades estrangeiras, (ii) juros de obrigações, no montante total de € 11.381.831,58, pagos por sociedades estrangeiras, tudo conforme evidenciado no Documento n.º 9 por si junto.
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Foram então autoliquidados e pagos pela Requerente os seguintes montantes de lucro tributável e de derrama municipal (Cfr. Documentos números 2 [2018] e 5 [2019] juntos com o ppa):
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O modelo oficial da Declaração Modelo 22, constante do site da AT, para efeitos de apuramento da derrama municipal, no Anexo A, no campo 01 do Quadro 03, impõe a consideração do lucro tributável total apresentado no campo 302 do quadro 09.
O quadro 04 do Anexo A, que se destina ao cálculo da derrama municipal, determina que no subquadro 04-A – critério geral, na coluna 5 deverá “ser inscrito o valor da derrama municipal a distribuir a cada município e corresponde ao produto do lucro tributável (campo 1 do quadro 03 – informações relevantes) pela taxa de derrama (coluna 2) e pelo rácio de repartição (coluna 4), cfr. Instruções de preenchimento Despacho 616/2019, DR. 2ª Série 14/1/2019, Despacho 10551/2019, DR. 2ª Série 18/11/2019.
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A Requerente em 12 de junho de 2023 deduziu revisão oficiosa contra os atos de autoliquidação de IRC referentes aos períodos de tributação de 2018 e de 2019, com fundamento na exclusão de tributação da percentagem da derrama municipal paga correspondente aos rendimentos obtidos fora do território nacional, tendo sido notificada, em 28 de setembro de 2023, da respetiva decisão final de indeferimento. Cfr. documentos números 6 e 7 juntos com o ppa.
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Da decisão final de indeferimento, proferida em 12-09-2023 pelo despacho de Rejeição, do Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, ao abrigo de Subdelegação de competências, que se fundamentou no teor da Informação n.º 162-AIR2/202, elaborada pela mesma Divisão, lê-se o seguinte (Cfr. documento número 7 junto com o ppa):
Despacho:
Concordando com o informado, determino o arquivamento do pedido formulado nos autos, com todas as consequências legais, disso se notificando a Requerente para os termos e efeitos do disposto nos artigos 35.º a 41º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, conforme Parecer infra.
“11. Tendo em atenção que a requerente vem sindicar as autoliquidações do IRC de 2018 e 2019 e que estas datam de 12/06/2019 e 24/06/2020, respetivamente, contados os 4 anos a partir de cada uma destas datas, concluímos que, aquando da apresentação do presente pedido de revisão, o prazo ainda não tinha caducado.
…
concluindo:
que a derrama municipal incide sobre lodos os rendimentos obtidos pelo contribuinte, incluindo os obtidos no estrangeiro, mantendo-se, assim, a posição até aqui seguida pela AT.
20. Quanto à recente posição do STA nesta matéria, que decidiu em sentido contrário, no Acórdão n.º 03652/15.3BESNT 0924/17, de 13 de Janeiro de 2021, assumindo a desconsideração dos rendimentos provenientes de fonte estrangeira na base de incidência para cálculo da derrama municipal devida por sociedades residentes, acresce dizer que a decisão do STA produz efeitos apenas no caso ali apreciado e decidido, razão pela qual se mantém o entendimento da AT nesta matéria (art.º 68-A, n.º 4 da LGT)".
15.(sic) Com base na fundamentação acima transcrita, a qual merece a nossa adesão, passando, por isso, a fazer parte integrante desta nossa informação, não se acolhem as alegações suscitadas pela requerente, no sentido de defender que na base de cálculo da derrama municipal são considerados apenas os rendimentos obtidos em território nacional.
16. O mesmo é dizer que não se conclui pela existência de erro nas autoliquidações controvertidas, pelo que improcede a revisão a que alude a parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT e, consequentemente, o pedido formulado.
17. De clarificar que, ainda que tivesse provimento a revisão, os juros peticionados não poderiam ser atribuídos, na medida em que não existe suporte legal para o seu reconhecimento em sede de revisão, salvo se esta se efetuasse mais de um ano após o pedido (cf. artigo 43.º n.º 3 alínea c) da LGT).
18. Concluindo-se pela conformidade do apuramento da derrama municipal, não se afigura, por outro lado, de ponderar a promoção das demais modalidades de revisão previstas no artigo 78.º da LGT, concretamente nos n.s 4 (revisão da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória) e 6 (revisão com fundamento em duplicação de coleta).
§ V. DA CONCLUSÃO
Face ao exposto, afigura-se de:
i) converter o projeto de rejeição liminar anteriormente notificado em decisão final, com o consequente arquivamento do pedido formulado nos autos, em conformidade com o teor do “quadro-síntese” inserido na parte inicial da presente Informação, com todas as consequências legais;
ii) promover a notificação da requerente, através de ofício, nos termos do previsto nos artigos 35.º a 41.º, todos do CPPT, com todas as consequências legais.
É tudo quanto cumpre por ora informar.
A V. Superior Consideração.”
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Caso não fossem incluídos na base tributável os rendimentos obtidos no estrangeiro atrás referidos, a derrama municipal correspondente aos exercícios fiscais de 2018 e 2019, seria a seguinte:
– conforme artigo 68º do PPA e Documentos 10 e 11 juntos com o PPA;
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O montante de 107.211,79€ referente ao ano de 2018, foi pago por acerto de liquidação em 2/8/2019, face aos valores de retenção na fonte, pagamentos por conta e especiais por conta serem superiores à colecta a pagar e o montante de 116.730,56€ referente ao ano de 2019, foi pago por acerto de liquidação em 20/8/2020, face aos valores de retenção na fonte, pagamentos por conta e especiais por conta serem superiores à colecta a pagar, conforme evidenciado nos Documentos n.º 2 e 5, juntos pela Requerente.
A convicção do tribunal fundou-se na análise dos documentos juntos aos autos, sendo que estes factos não suscitaram divergência substancial entre as partes
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- Factos não provados
Não existem factos dados como “não provados” relevantes para a decisão da causa.
Analisemos as questões que se devem conhecer previamente.
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Incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer da revisão oficiosa
A Requerida invoca que o Tribunal Arbitral não possui competência para apreciar a presente causa, porquanto da simples leitura do Art.º 2º alínea a), da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março, infere-se a obrigatoriedade expressa da prévia apresentação de Reclamação Graciosa como forma de abrir a via arbitral para apreciação do presente litígio e que a não inclusão da revisão oficiosa teve como objectivo excluí-la do círculo de competências do Tribunal Arbitral.
Adiante-se desde já, salvo o devido respeito, que não lhe assiste razão.
A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).
Há restrições à competência dos tribunais arbitrais, derivadas das excepções que constam da vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira, operada pelo artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, mas não têm aplicação no caso em apreço, em que está em causa a apreciação da legalidade de actos de autoliquidação que foram objecto de pedido de revisão oficiosa.
Dispõe o artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, na parte relevante, que:
Artigo 2.º
Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável
1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
Por aqui verificamos que a natureza de actos de autoliquidação são da competência dos tribunais arbitrais.
Para além da apreciação directa dessa legalidade de actos deste tipo, o facto de a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, em que se indicam os vários tipos de actos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, inclusivamente a reclamação graciosa e o recurso hierárquico, deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, todos os tipos de actos passíveis de serem impugnados através do processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2, desde que tenham por objecto um acto de um dos tipos indicados naquele artigo 2.º do RJAT.
Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a referida autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se revela a intenção de que o processo arbitral tributário constitua «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (n.º 2).
A necessidade que existiu de não se abrangerem acções para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo ou de acção administrativa, nasce da própria redacção do artigo 2.º do RJAT que a arbitragem tributária não foi implementada quanto a essas matérias.[1]
De qualquer forma, extrai-se também da referida autorização legislativa, designadamente da alínea a) do n.º 4 do referido artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, ao fazer referência aos «actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação», que não se pretendeu estender o âmbito da arbitragem tributária à apreciação de actos que, nos termos do CPPT, não podem ser objecto de impugnação judicial, mas para que é adequada a acção administrativa.
Aquela expressão tem ínsita a exclusão dos «actos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação» e das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de actos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou da acção administrativa (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do artigo 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação.[2]
É este o único critério de distinção dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa, não havendo suporte legal para sustentar que, relativamente à impugnação de actos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, se possa utilizar a acção administrativa, designadamente para apreciar questões relativas à verificação dos pressupostos de pedido de revisão oficiosa.
Da nossa jurisprudência, sem querermos ser fastidiosos, retira-se que além dos Tribunais Tributários serem os competentes para apreciar reclamações e revisões em que se discutem questões tributárias, ainda “Na impugnação judicial subsequente a decisão da AT que recaia sobre reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa do acto tributário, podem, e devem, os órgãos jurisdicionais conhecer de todas as ilegalidades de substância que afectem o acto tributário em crise, quer essas ilegalidades tenham ou não sido suscitadas na fase graciosa do litígio, impondo-se-lhes um dever acrescido quando se tratem de questões de conhecimento oficioso.”, tendo pois os órgãos jurisdicionais um dever acrescido.[3]
Nos casos de indeferimento tácito, não há, obviamente, apreciação expressa da legalidade de acto de liquidação (neste caso, através de autoliquidação), mas, tratando-se de uma ficção de acto destinada a assegurar a impugnação contenciosa em meio processual que tem por objecto um acto de liquidação, o meio de impugnação adequado depende do conteúdo ficcionado.
No caso de impugnação administrativa directa de um acto de liquidação (através de reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa), com fundamento na sua ilegalidade, o conteúdo ficcionado é de indeferimento do pedido que foi formulado, de anulação do acto de liquidação. Isto é, ficciona-se que o pedido foi indeferido por ter sido dada resposta negativa a todas as questões de legalidade colocadas pelo Sujeito Passivo. Por isso, presume-se o indeferimento tácito do meio de impugnação administrativa utilizado (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa) que tem por objecto directo um acto de liquidação, baseando-se em razões substantivas e não em razões formais.[4]
Por maioria de razão o que vem sendo dito será aplicável a actos expressos de indeferimento proferidos em sede de revisão oficiosa.
De harmonia com o exposto, no caso em apreço, estando-se perante indeferimento expresso de um pedido de revisão oficiosa, que tem por objecto directo actos de autoliquidação e os aprecia, pronunciando-se sobre a sua legalidade, é de considerar que o acto conhece expressamente da legalidade desses actos e, por isso, o meio processual adequado para a sua impugnação contenciosa, nos tribunais estaduais, é o processo de impugnação judicial, nos termos das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, de que é meio alternativo a açcão arbitral.
Neste sentido, tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos:
– de 6-10-2005, processo n.º 01166/04: «o indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação, baseado na sua ilegalidade, deve considerar-se, para efeito das alíneas d) e p) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT, como um acto que comporta a apreciação da legalidade de acto de liquidação»;
– de 02-02-2005, processo n.º 01171/04, de 08-07-2009, processo n.º 0306/09, de 23-09-2009, processo n.º 0420/09, de 12-11-2009, processo n.º 0681/09: «o meio processual adequado para reagir contenciosamente contra o acto silente atribuído a director-geral que não decidiu o pedido de revisão oficiosa de um acto de liquidação de um tributo é a impugnação judicial».- quanto ao indeferimento tácito.
- Decisão Arbitral da CAAD, Processo n.º: 167/2022-T, Rui Duarte Morais, “I - Tendo um pedido de revisão oficiosa sido, liminarmente, indeferido com base na falta de pressupostos legais, nomeadamente por não se verificar erro imputável aos serviços, tal ato comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação que deu origem a tal pedido, sendo, por isso, o meio idóneo de reação o processo de impugnação judicial, para o qual os tribunais arbitrais são competentes em razão da matéria.”[5]
- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo 087/22.5BEAVR, de 09-11-2022, José Gomes Correia, “IV - O indeferimento, expresso ou tácito, do pedido de revisão, mesmo nos casos em que não é formulado dentro do prazo da reclamação administrativa mas dentro dos limites temporais em que a Administração tributária pode rever o acto com fundamento em erro imputável aos serviços, pode ser impugnado contenciosamente pelo contribuinte [art. 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da L.G.T.]. VI - O meio procedimental de revisão do acto tributário não pode ser considerado como um meio excepcional para reagir contra as consequências de um acto de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do acto de liquidação).”
É assim competente o Tribunal arbitral para apreciar actos de revisão oficiosa sobre liquidações, quer sejam tácitos, quer sejam expressos.
Mas prevenindo uma eventual omissão de pronúncia, se bem interpretamos, pelo facto da Requerida conexionar no desenrolar da sua fundamentação uma implícita excepção quanto à exclusão da competência material dos tribunais arbitrais para apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de liquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos Art.ºs 131.º a 133.º do CPPT, discorramos mais um pouco sobre essa arguição.
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(In)competência do Tribunal Arbitral para apreciar pedidos de legalidade de autoliquidação quando não foi cumprido o “ónus” da reclamação necessária;
Dispõe o art.º 131.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT):
Artigo 131.º
Impugnação em caso de autoliquidação
1 - Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração.
2 - (Revogado pelo artigo 8.º da Lei n.º 82-E/2014, de 31/12))
“3 - Quando estiver exclusivamente em causa matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, não há lugar à reclamação necessária prevista no n.º 1 (Redação da Lei n.º 82-E/2014, de 31/12).”
Salvo o devido respeito, cremos que a Requerida confunde duas realidades distintas. A primeira é a obrigatoriedade de deduzir reclamação graciosa “necessária” no prazo de 2 anos, para poder exercer o direito à impugnação. Mas outra diferente, é interpor-se um pedido de revisão oficiosa, cujo regime prevê fundamentos muito específicos e prazo também especiais para a sua dedução e com base na decisão que aí for proferida se impugnar a “liquidação” realizada por autoliquidação.[6]
É exactamente este entendimento que se extrai do sumário supra exposto no Acórdão do Colendo Supremo Tribunal Administrativo, Processo 087/22.5BEAVR, de 09-11-2022
E ainda deste:
Sumário: I - Para além do pedido de revisão a deduzir no prazo da reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, nos termos do artº.78, nº.1, da L.G.T., o contribuinte tem ainda a faculdade de pedir a denominada revisão oficiosa do acto, dentro dos prazos em que a Administração Tributária a pode efectuar, previstos no artº.78, da L.G.T.
II - Recorde-se que nos casos previstos na norma de iniciativa oficiosa de revisão, podem os contribuintes provocar a revisão (cfr.nº.7 da norma) a levar a efeito pela A. Fiscal, visto se entender a mesma revisão como um poder-dever (natureza vinculada), pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a Fazenda Pública tem de observar na globalidade da sua actividade (artº.266, nº.2, da C.R.P., artº.55, da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei.
III - A doutrina e a jurisprudência referem-se à autoliquidação para aludir ao acto cuja iniciativa pertence ao contribuinte, por disposição legal, consubstanciando-se na apresentação de uma declaração, o que pressupõe as necessárias operações de qualificação (identificação do "an debeatur") e quantificação (aferição do "quantum debeatur") necessárias para avaliar o montante de imposto a pagar ou a restituir, normalmente acompanhada do respectivo meio de pagamento (cfr.artº.82, al.a), do C.I.R.C., então em vigor; artºs.27 e 41, do C.I.V.A.).
IV - Deve o aplicador do Direito relevar o elemento sistemático de interpretação, dado que o legislador fiscal, quanto a uma situação de autoliquidação e de cômputo do respectivo prazo, utilizou como termo inicial a data de entrega da declaração (cfr.artº.131, nº.1, do C.P.P.T.), não se vislumbrando qualquer obstáculo a que se utilize o mesmo critério na interpretação do artº.78, nº.1, da L.G.T., para situações de autoliquidação, nas quais o termo inicial do prazo
de quatro anos deve coincidir com a data de entrega da declaração que consubstancia a mesma autoliquidação, enquanto acto de "liquidação" que quantifica a obrigação tributária.[7] [8] [9]
Saliente-se ainda, que o requisito de prévio recurso à via administrativa exigido pelo artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112/-A/2011, de 22 de março, com remissão para o artigo 131.º do CPPT, deve considerar-se preenchido caso tenha sido concretizado o procedimento de revisão oficiosa, como sucede na situação vertente. Com efeito, o procedimento de revisão é, neste âmbito, equiparado à apresentação prévia de reclamação graciosa, prevista no artigo 131.º, n.º 1 do CPPT. Neste sentido, v. os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 29 de outubro de 2014, processo n.º 01540/13, e de 12 de setembro de 2012, processo n.º 476/2012, e, especificamente em relação à ação arbitral, os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 27 de abril de 2017, processo n.º 08599/15, de 25 de junho de 2019, processo n.º 44/18.6BCLSB, de 11 de julho de 2019, processo n.º 147/17.4BCLSB, de 13 de dezembro de 2019, processo n.º 111/18.6BCLSB, de 11 de março de 2021, processo n.º 7608/14.5BCLSB, de 26 de maio de 2022, processo n.º 97/16.6BCLS, e de 12 de maio de 2022, processo n.º 96/17.6BCLSB, bem como as decisões arbitrais de 6 de outubro de 2022, n.º 678/2021-T, e de 11 de julho de 2024, n.º 941/2023-T.
É verdade que o artigo 131.º do CPPT, para o qual a Portaria n.º 112-A/2011 remete, faz referência à reclamação graciosa, mas não à revisão oficiosa dos atos tributários. Não obstante, deve ser entendido como abrangendo, além da reclamação, a via da revisão dos atos tributários aberta pelo artigo 78.º da LGT, pois a finalidade visada pela norma é a de garantir que a autoliquidação seja objeto de uma pronúncia prévia por parte da AT, por forma a racionalizar o recurso à via judicial, que só se justifica se existir uma posição divergente, um verdadeiro “litígio”. Por isso, concede-se à AT a oportunidade (e o direito) de se pronunciar sobre o erro na autoliquidação do contribuinte e de fundamentar a sua decisão antes de ser confrontada com um processo contencioso.
O legislador tributário consagrou a via administrativa como condição necessária e prévia do recurso à via jurisdicional, porquanto os atos de autoliquidação (assim como os atos de retenção na fonte e de pagamento por conta) decorrem da iniciativa do contribuinte, sem que a administração tributária tenha tido qualquer intervenção, ou seja, são atos em relação aos quais a administração tributária ainda não tomou posição, razão pela qual se justifica a obrigatoriedade de recurso à via administrativa prévia, como se infere dos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de setembro de 2012, processo n.º 476/12, e de 12 de julho de 2006, processo n.º 402/06.
Não se alcança que deva ser outro o propósito da norma de remissão da Portaria de Vinculação que indica expressamente as pretensões “que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, ou seja, referindo-se com clareza a um procedimento administrativo prévio e não, em exclusivo, à reclamação graciosa. Por outro lado, seria incoerente e antissistemático que os artigos 131.º a 133.º do CPPT revestissem distintos significados consoante estivessem a ser aplicados nos Tribunais Administrativos e Fiscais e nos Tribunais Arbitrais.
Aliás, sob idêntica perspetiva se pode afirmar que a alegada falta de suporte literal também se verificaria quanto àqueles Tribunais (administrativos e fiscais), pois as normas interpretandas são as mesmas, o que poria em causa a jurisprudência consolidada do STA, solução a que não se adere, até porque é inequívoco que a revisão oficiosa consubstancia um procedimento de segundo grau que se insere na “via administrativa”, locução empregue pelo artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 122-A/2011, que, em rigor, não menciona a “reclamação graciosa” – v. neste sentido a decisão proferida no processo arbitral n.º 245/2013-T, de 28 de março de 2014.
De igual modo, o Tribunal Central Administrativo Sul pronuncia-se sobre a questão no sentido da admissibilidade do recurso à arbitragem tributária quando se reaja a indeferimento de pedido de revisão oficiosa contra ato de liquidação – v., a título ilustrativo, os acórdãos de 27 de abril de 2017, processo n.º 08599/15, e de 25 de junho de 2019, processo n.º 44/18.6BCLSB.
Uma última nota para o que a Requerida escreve no art.º 42.º da sua douta Resposta:
(a) há, com efeito em erro de concordância ao utilizar o particípio passado “precedidos” no plural masculino quando deveria ser no plural feminino, a concordar com “pretensões”. Tal lapso gramatical, porém, não prejudica nem afeta o entendimento da parte seguinte do texto que aqui está verdadeiramente em causa;
…
(d) pretender o intérprete acrescentar ainda a este membro da frase “… e do art.º 78º da Lei Geral Tributária”, que manifestamente ali não está, constitui uma violação dos princípios fundamentais da hermenêutica jurídica aplicáveis quer às normas jurídicas quer aos atos jurídicos.»
Salvo o devido respeito, o termo “precedidos”, refere-se aos actos e não às pretensões. E só se poderia referir, porquanto, a premissa maior é a constante do art.º 2.º do Decreto Lei que instituiu o RJAT - declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta. Pela Portaria de Adesão, excepcionam-se, a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, logo neste conspecto todos os outros não são excepcionados. Por essa razão se o intérprete quisesse acrescentar na norma a revisão oficiosa, aí sim, seria excepcionado.
Assim, a alínea d) transcrita não tem qualquer lógica, pois seria exactamente o contrário.
Tanto basta para considerar improcedente a mencionada incompetência.
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(auto) inconstitucionalidade
Mas há outra questão que novamente, se bem se entende, constitui uma invocação de uma inconstitucionalidade. Na verdade, escreve a Requerida nos artigos 43.º e segs, o seguinte:
Arrimando-se nos princípios constitucionais do Estado de Direito e da Separação dos Poderes, bem como da Legalidade, como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários que vinculam o legislador e toda a actividade da Requerida, defende esta, que o intérprete não pode amplificar o objecto fixado pelo legislador no que concerne à sua vinculação àquela jurisdição.
Ao ultrapassar esses princípios, o intérprete incorre em violação constitucional, por interpretação, ainda que extensiva, que amplie a vinculação da Requerida à tutela arbitral fixada legalmente, por tal pressupor, necessariamente, a consequente dilatação das situações em que esta obrigatoriamente se submete a tal regime, renunciando nessa mesma medida ao recurso jurisdicional pleno [cfr. Art.º 124.º n.º 4 alínea h) da Lei 3-B/2010 e Art.ºs 25.º e 27.º do RJAT, que impõem uma restrição dos recursos da decisão arbitral].
Salvo o devido respeito, impera uma “confusão” na forma como a questão é colocada.
Uma questão, é a interpretação da lei que é o processo pelo qual a lei é interpretada e aplicada a casos concretos. Outra, a apreciação da “legalidade” de um acto normativo.
O Poder judiciário interpreta como a legislação deve ser aplicada em casos concretos, pois nenhuma lei está livre de ambiguidade em todos os casos.[10] A legislação pode conter incertezas por uma série de razões:
As palavras são símbolos imperfeitos para comunicar a "intencionalidade legislativa".[11] Elas podem conter ambiguidades e variações de significado no decorrer do tempo.
Situações imprevistas são inevitáveis e novidades tecnológicas ou mudanças culturais tornam difícil a aplicação da legislação vigente.
Incertezas podem ser incorporadas ao texto legal durante o processo legislativo, como necessidades de compromisso ou atendimento a interesses de certos grupos.
É um tipo de interpretação jurídica.
Mas essa interpretação das normas jurídicas, pode utilizar princípios científicos, a designada hermenêutica jurídica.
A hermenêutica jurídica deriva do termo grego “hermeneuein”, e não é mais do que interpretar” algo, seja para o Direito ou para outra área, como a literatura. A origem do termo remonta ao Deus Hermes, visto como o emissário que intermediava a relação entre os deuses e os mortais e traduzia a mensagem, que não poderia ser compreendida pelos seres humanos.
Essa arte de interpretar deu origem à hermenêutica jurídica
Utilizando então várias técnicas de análise das normas, o intérprete tenta chegar o mais aproximadamente junto do legislador, para tentar compreender o sentido, alcance e conteúdo da norma jurídica.[12]
As regras para o uso da hermenêutica podem ser divididas em três: a lei, a jurisprudência e a ciência jurídica, que nada mais é que a expressão doutrinária das normas.
A jurisprudência, que é o conjunto de decisões judiciais com um determinado sentido, aplica diversas formas de hermenêutica, seja por meio de uma aplicação sociológica da lei ou teleológica, mas também pode ser sistemática, literal ou até mesmo lógica. Isto é, o que o julgador poderá se ocupar é o objetivo da norma, o seu texto, a finalidade do legislador ou o anseio social por trás da discussão.
Em síntese, “hermenêutica jurídica” nada mais é que “interpretar as leis”. Por outro lado, o instituto da hermenêutica jurídica não pode[13] ser resumido simplesmente como o ato de interpretar as normas literalmente, mas sim a expressão que o texto traduz para a realidade.
Estamos então perante a “arte” de interpretar normas jurídicas.
Mas existe outra realidade, que podemos designar seguindo a nomenclatura da Requerida como legalidade.
Não iremos, como se parece afigurar evidente, analisar aqui o acto administrativo e a legalidade da prática do acto administrativo. Mas fazendo apelo ao longínquo Acordão do Tribunal Constitucional, processo 87-0343, de 1/6/1988, Vital Moreira, consta do respectivo sumário o seguinte:
VI - A Constituição qualifica o desrespeito das normas constitucionais de hierarquia ou preferência normativa como ilegalidade, embora nos casos de violação do estatuto de Região Autónoma ou das leis gerais da República pelos decretos legislativos regionais e de violação do estatuto de uma Região por diploma emanado dos órgãos de soberania, atribua ao Tribunal Constitucional, por razões de natureza especial, competência para o respectivo controlo.
VII - Da distinção entre as figuras da inconstitucionalidade e da legalidade, estabelecida pela Constituição nos artigos 280 e 281, resulta que só existe inconstitucionalidade quando, num conflito de normas de hierarquia diferente, uma das normas em confronto directo seja uma norma constitucional. O conflito de duas normas infra-constitucionais não configura numa inconstitucionalidade, mas antes uma ilegalidade.
A CRP delimita com clareza no seu art.º 281.º, os casos de ilegalidade dos de inconstitucionalidade.[14]
Assim, quando a Requerida fala de interpretação e ilegalidade, não cabe ao Tribunal Constitucional e por inerência ao presente Tribunal Arbitral, enquadrar a mesma questão sob o prisma da inconstitucionalidade.
Parece notório que a Requerida, salvo o devido respeito, não enquadrou devidamente a questão.
Do que parece tratar-se é de um conflito entre a Portaria de extensão e o Decreto-Lei que criou o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.[15]
Improcede assim mais esta excepção.
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Inidoneidade do meio processual – Erro na forma de Processo
Invoca também a Requerida, que a Requerente foi notificada da decisão de arquivamento por rejeição do pedido de revisão oficiosa, com fundamento em inexistir erro imputável aos serviços.
Continua a Requerida que “Ora, escorando-se a decisão de arquivamento na rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa, por não se encontrarem reunidos os pressupostos, mormente por inexistir erro imputável aos serviços, a sindicância de tal decisão passaria pela interposição de acção administrativa, ao invés de pedido de pronuncia arbitral.”
Acrescenta, que foi por essa razão que notificou a Requerente, pois o “…meio processual para sindicar a legalidade daquela decisão, era a acção administrativa - Art.º 50.º e a alínea b) do n.º 1 do Art.º 58.º ambos do CPTA - e não a impugnação judicial - pedido de pronúncia arbitral.”
Diga-se, desde já com o devido respeito, que não se concorda com esta interpretação.
Na verdade, como pugna a Requerida, “No âmbito da informação prestada no pedido de revisão oficiosa, o mesmo pugnou pelo arquivamento por rejeição liminar do Pedido de Revisão Oficiosa n.º ...2023..., com fundamento em que, sendo as liquidações de 12.06.2019 e 24.06.2020, não caducou o prazo consignado no disposto no Art.º 78.º da LGT, e relativamente a existir erro imputável aos serviços entendeu-se que em face da Informação n.º 853/2022 da DSIRC, inexiste erro imputável aos serviços.”
Julgamos que não faz qualquer sentido, que se considere previamente a tempestividade da revisão oficiosa, posteriormente se aprecie de mérito, concluindo-se que não existiu erro imputável aos serviços, para se concluir que a revisão foi intempestiva e se indefira liminarmente por essa razão.
Não estamos na presença de uma regra matemática, como aquela em que a ordem dos factores é arbitrária numa adição. Não se pode apreciar numa linha de apreciação sequencial que algo é tempestivo, mas depois aprecia-se e vem-se a concluir que afinal é intempestivo, voltando-se ao princípio e decidindo pela rejeição liminar, como se nada tivesse sido tempestivo.
Podemos extrair as mesmas ideias sob outro manto semântico.
“Neste âmbito, a Requerida invoca duas razões para suscitar a incompetência deste Tribunal.
A primeira prende-se com o facto de o pedido de revisão oficiosa ter sido rejeitado liminarmente por intempestividade, o que, a seu ver, implica que a decisão que recaiu sobre o mesmo não tenha apreciado a legalidade dos atos de liquidação, e, em consequência, que tais atos não sejam sindicáveis por via de impugnação judicial e, portanto, também pela sucedânea ação arbitral.[16]
Contudo, como bem assinala a Requerente, a Requerida, na apreciação do pedido de revisão oficiosa, não endereçou apenas a questão da tempestividade, tendo-se pronunciado também sobre o mérito, embora acabe por concluir pela rejeição liminar com base naquele fundamento. Acresce que, para concluir pela extemporaneidade do pedido, teve de aferir a existência do pressuposto de “erro imputável aos serviços” o que, em rigor, encerra a análise de argumentos pertinentes ao fundo da causa e, desta forma, à ilegalidade dos atos.
Porém, mesmo que assim não se entendesse, a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Administrativo pronuncia-se no sentido, que se acompanha, de que, sendo o pedido do contribuinte dirigido à anulação por ilegalidade do ato tributário, está em causa a apreciação dessa mesma ilegalidade, qualquer que seja a razão ou o vício que conduziram à rejeição ou indeferimento dessa pretensão, como se retira do seguinte excerto do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de janeiro de 2021, no processo n.º 0129/18.9BEAVR:
“A impugnação judicial é o meio processual adequado para discutir a legalidade do ato de liquidação – artigo 99.º do CPPT - independentemente de ter sido ou não precedida de meio gracioso e, no caso de assim ter acontecido, independentemente do teor da decisão que sobre ele recaiu, ou seja, de ser uma decisão formal ou de mérito – acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18/11/2020, proferido no processo 0608/13.4BEALM 0245/18. E visa a anulação total ou parcial do ato tributário (a liquidação).
Ao invés, a ação administrativa, meio contencioso comum à jurisdição administrativa e tributária, será o meio processual a usar quando a pretensão do interessado não implique a apreciação da legalidade do ato de liquidação.
Assim, se na sequência do indeferimento do meio gracioso, o interessado pedir ao tribunal que aprecie a legalidade da liquidação e que, em consequência, a anule (total ou parcialmente), o meio processual adequado é a impugnação judicial, ainda que esse conhecimento tenha de ser precedido da apreciação dos vícios imputados àquela decisão administrativa.
Daí que se tenha vindo a afirmar que nestas situações, em que o meio gracioso precede o contencioso, a impugnação judicial tem um objeto imediato (a decisão administrativa) e um mediato (a legalidade da liquidação).[17]
Em síntese, não é indispensável que a decisão do procedimento de revisão comporte a apreciação da legalidade dos atos de autoliquidação, desde que o pedido do contribuinte vise a anulação, por ilegalidade, do(s) ato(s) tributário(s) (como sucede in casu).
De acordo com o entendimento preconizado, tendo a Requerente erigido em pedido principal a declaração de ilegalidade e anulação dos atos de (auto)liquidação de IRC, na parte referente à derrama municipal, é indiferente o teor – formal ou material – da decisão. Desde que seja pedida a anulação dos atos tributários com fundamento em ilegalidade, como a Requerente expressamente peticiona no seu pedido de revisão oficiosa[18], estamos no domínio do meio processual da impugnação judicial, e, portanto, por identidade de razões, da ação arbitral, cujo objeto também é a apreciação da legalidade do ato tributário.
De onde se conclui que a pretensão deduzida tem cabimento na ação arbitral, ainda que, como declarado pelo Supremo Tribunal Administrativo, o seu conhecimento possa ter de ser precedido da apreciação dos vícios imputados à decisão administrativa (vícios que não respeitam ao ato de liquidação propriamente dito).
Sobre a alegada inexistência do pressuposto de erro imputável aos serviços mencionado no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, interessa notar que o mesmo concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte mas à Administração, e compreende “não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro” (v. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 8 de março de 2017, processo n.º 01019/14 e Acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 7 de maio de 2020, processo n.º 19/10.3BELRS).
Recentemente, e de forma cristalina, o Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 9 de novembro de 2022, proferido no processo n.º 087/22.5BEAVR, pronunciou-se favoravelmente à qualificação de “erro imputável aos serviços” em relação a uma questão respeitante a atos de retenção de imposto do selo, com inegável paralelismo, porquanto respeita a atos não praticados diretamente pela própria AT, mas pelos operadores económicos, de que se transcreve o seguinte excerto ilustrativo:
“[…] colhem de pleno os argumentos da recorrente no sentido de que, tendo sido o IS liquidado e cobrado pelas instituições financeiras, em substituição da AT tal como lhe é perpetrado pela lei (artigo 2.º do Código do IS), o erro de direito tem de ser imputado precisamente “aos serviços” como antedito, pelo que os PROAT [pedidos de revisão oficiosa dos atos tributários] apresentados no prazo de quatro anos, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, devem ter-se como apresentados tempestivamente e está a AT obrigada a tomar conhecimento do mérito dos pedidos feitos na revisão oficiosa, com os efeitos próprios desta, limitados à cessação dos efeitos do acto.”.
Não sendo a ilegalidade alegada imputável ao sujeito passivo, nem tendo o mesmo contribuído para a mesma, não pode deixar de ser atribuída à Administração, como já declarado em acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13 de março de 2002, no processo n.º 026765:
“A obediência que a Administração deve à lei (vejam-se os artigos 266.º n.º 1 da Constituição e 55.º da LGT) abrange a de todos os graus hierárquicos, e a de todas as origens, não excluindo, nem a lei constitucional, nem a comunitária, não podendo considerar-se legal o acto que aplica lei ordinária que afronte princípios constitucionais ou normas de direito comunitário cuja observância se imponha ao Estado Português.
Como assim, o facto de a liquidação ter obedecido às disposições legais […] não exclui a existência de erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado na aplicação de lei que não podia ser empregue, por contrária a normas de direito comunitário que vinculam o Estado Português.
Daí que os serviços da Administração tenham incorrido em erro, que apenas a eles é imputável, pois não se mostra ter sido o contribuinte a dar-lhe azo, propiciando informação que haja induzido o erro, o qual foi reconhecido pela sentença recorrida, por isso que anulou a liquidação por ele viciada.
Esta falta, demonstrada que fica com a procedência da impugnação, não deixa de ser imputável aos serviços pela eventual falta de culpa de qualquer dos seus agentes.”
Acresce referir que, conforme fixado na alínea i) do probatório, existem orientações genéricas da AT publicitadas no sentido da incidência da derrama considerando todos rendimentos, incluindo os obtidos no estrangeiro, pois o modelo oficial da Declaração Modelo 22, constante do site da AT, para efeitos de apuramento da derrama municipal, no Anexo A, no campo 01 do Quadro 03, impõe a consideração do lucro tributável total apresentado no campo 302 do quadro 09, não podendo ser imputado à Requerente um comportamento negligente.
Em síntese, sendo alegado no pedido de revisão oficiosa o erro (com fundamento em ilegalidade) na autoliquidação o que interessa saber é apenas se a Requerente contribuiu para esse erro. O que não se verificou. Deste modo, reitera-se que aquele não pode deixar de ser imputável aos serviços da AT, pelo que a situação da Requerente é enquadrável no artigo 78.º da LGT.
Improcede assim mais esta excepção.
A questão de fundo a dirimir no presente processo, consiste em apurar se os rendimentos de fonte estrangeira auferidos pela Requerente devem ser excluídos no cálculo da Derrama Municipal, enquanto sociedade residente em território nacional, concretamente nos exercícios de 2018 e 2019.
A Requerente sustenta que não há base legal que justifique a incidência da Derrama Municipal sobre tal rendimento.
Por seu turno, defende a AT que o regime da Derrama, plasmado no Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais, lhe confere a qualificação de imposto autónomo em relação ao IRC, com natureza de adicionamento, embora partilhando de uma base de incidência comum, o que implicaria a liquidação da Derrama Municipal sobre a totalidade do lucro tributável da Requerente.
Relativamente à questão de fundo aqui a dirimir, já se pronunciou o STA, num caso idêntico ao que se discute nos autos. Referimo-nos ao acórdão do STA de 2021-01-13, proferido no Proc. n.º 3652/15.3BESNT, que refere, nomeadamente, o seguinte:[19]
“... o legislador, parece-nos, não ter querido ser inconsequente, anódino, na previsão, desde sempre, imutável, de que o percentual da derrama municipal incida sobre o lucro tributável correspondente à proporção do rendimento gerado na área geográfica do município coletor. E, na mesma linha, está a preocupação, constante, de, nos casos de necessidade de repartição de derrama entre vários municípios, ser obrigatório tributar "o lucro tributável imputável à circunscrição de cada município" envolvido e/ou, ainda, quando não haja diversos estabelecimentos estáveis ou representações locais, ter de considerar-se "o rendimento (que) é gerado no município", em que se situa a sede ...[20]
Numa outra formulação, em função destes concretos e objetivos ditames legais, no pressuposto, ainda, de que o legislador não desconhecia a realidade de que muitos dos sujeitos passivos de IRC exercem atividades comerciais ou industriais em diversos pontos do País e do globo, o reporte e ligação da incidência, específica, da derrama municipal, à "proporção", à parte de um total, do rendimento gerado num determinado município, só pode significar isso mesmo; o cálculo, o apuramento da derrama, quando ocorrer e na medida do possível (permitida pela contabilidade), tem de implicar as operações aritméticas necessárias ao isolamento, relativamente a outros auferidos, do rendimento gerado no município beneficiário e, posterior, aplicação da percentagem (até ao máximo de 1,5%) pelos seus órgãos deliberada.
É verdade que numa análise pelo elemento literal do bloco normativo, a Lei do Financiamento das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais,[21] essencialmente no seu art.º 18.º que disciplina a criação da Derrama, utiliza os vocábulos “lucro tributável”, “rendimento” e “volume de negócios”, sendo conceitos diferentes em termos contabilísticos e em termos fiscais, como aliás se verifica nos factos dados como provados nas alíneas c) e f). No entanto, essa dissonância não oblitera o princípio essencial que preside à criação da derrama. Desde logo o art.º 3.º, na sua alínea j), define como princípio fundamental, o da justa repartição dos recursos públicos entre o Estado e as autarquias locais, que o art.º 10.º desenvolve, no respeito pelo princípio da estabilidade das relações financeiras entre o Estado e as autarquias locais, devendo ser garantidos os meios adequados e necessários à prossecução do quadro de atribuições e competências que lhes é cometido nos termos da lei. Por sua vez a participação de cada autarquia local nos recursos públicos é determinada nos termos e de acordo com os critérios previstos na presente lei, visando o equilíbrio financeiro vertical e horizontal.[22]
Por tudo isto, dispõe o n.º 1 do art.º 18.º que os municípios podem deliberar lançar uma derrama, sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território.
É assim inequívoco que existe uma dependência sistémica entre a área geográfica onde são gerados os rendimentos e os volumes de negócios/rendimentos e o montante da derrama que pode ser cobrada para prosseguir o designado equilíbrio financeiro vertical e horizontal.
Julgamos ser esta a interpretação que melhor respeita a letra da lei, respeitando os mais lógicos objetivos pretendidos alcançar com a imposição de derramas municipais. Na verdade, embora o legislador não o haja assumido explicitamente ... certos de que os tributos e em especial os impostos, visam, desde logo, "a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas" e devem respeitar "os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material" (Artigo 5º da Lei Geral Tributária (LGT), presente, ainda, a condição de impostos autónomos (do IRC), só podemos assumir que as derramas municipais se têm, para legitimação, de ligar à atividade que o sujeito passivo desenvolve na área geográfica/território do município recetor, objetivando a respetiva autoliquidação, em primeira linha, contribuir para colmatar as necessidades financeiras deste, na medida, proporcional, da pegada deixada, por aquele, nas suas infraestruturas, serviços, imobilizado corpóreo...
A aplicação de um critério justo e equitativo de natureza material também só fica completo, se quanto às parcelas de rendimentos auferidos no estrangeiro, excluindo-se da base de incidência da derrama, se assegura os desígnios tributários do município da sede do sujeito passivo, com a incidência sobre a parcela de lucro tributável gerado no seu território e por outro, liberta o obrigado tributário de pagar sobre rendimentos que, objetiva e comprovadamente, não foram auferidos pelo exercício de qualquer atividade (produtiva) dentro dos limites territoriais do concelho, onde se encontra sediado, com a inerente não utilização das respetivas infraestruturas... Igualmente, só desta forma se consegue algum tratamento igualitário entre as situações de tributação de rendimentos auferidos na área de mais do que um município nacional, através de estabelecimentos estáveis ou representações locais, em que a coleta não pertence, apenas, àquele em que se situa a sede (ou direção efetiva) e os casos de atividades exercidas, simultaneamente, em Portugal e no estrangeiro (Nas primeiras, tenha-se em conta que, no estabelecimento da proporção que determina o lucro tributável a imputar à circunscrição de cada município, se opera com a "massa salarial", ou seja, com um fator ligado à relação de trabalho, estabelecida entre o sujeito passivo e as pessoas que exercem a sua atividade sob as suas ordens e direção, o que constitui mais um indício da vontade do legislador de ligar e condicionar o pagamento de derrama municipal à atuação concreta, efetiva, com utilização da força de trabalho, geradora de rendimentos, no território municipal respetivo.).
É verdade que a Requerente traz à colação o facto de na Lei nada se referir à exclusão de tributação relativamente ao lucro tributável obtido fora do território nacional, como também é verdade que o Código de IRC ao estabelecer, relativamente a tais pessoas colectivas ..., a regra de extensão da incidência da obrigação do imposto a tais rendimentos, nos termos do nº 1, do artº 4º, do CIRC”, professa a tributação universal dos rendimentos para os residentes.
Porém, retirar, daí, a conclusão de que, em todas as situações, sem exceção, o lucro tributável, (com inclusão dos rendimentos obtidos fora do território português) é integralmente sujeito a derrama, afigura-se-nos exagerado e entender de forma cega, quanto às especificidades desta, concreta, figura tributária. Na verdade, consideramos evidente (em sintonia com a doutrina) que a disciplina legal da derrama municipal nasceu e permanece, há mais de 30 anos, pouco incisiva e desenvolvida, "relativamente ligeira"”.
«A derrama assume-se atualmente como um imposto municipal, expressão, portanto, da autonomia financeira de que gozam as autarquias locais e concretamente os municípios, nos termos dos artigos 238.º, n.º 4, e 254.º da CRP. [23]
Retomando o que refere o acórdão do STA de 2021-01-13: “Ora, neste cenário, compete ao juiz aplicar, sempre, a lei de forma geral e abstrata, mas sem deixar de atentar, casuisticamente, em particularidades justificativas de, pela via jurisprudencial, se ir completando o puzzle, assumidamente, incompleto, da tributação, dos sujeitos passivos de IRC, em derramas municipais. Deste modo, assumimos que o lançamento de derrama devendo, por regra, imperativa, incidir sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, tem de, quando possível a destrinça, comprovada, por não se tratarem de rendimentos gerados na área geográfica do município lançador, retirar, da competente base de incidência, aqueles que, num determinado exercício, forem obtidos fora do nosso território (e, consequentemente, dos municípios portugueses, os beneficiários, exclusivos, daquela)”.[24]
Conforme resulta da matéria de facto dada como provada (nomeadamente do cotejo das alíneas d), g) e l), retirando a parte do volume de negócios/rendimentos de fonte estrangeira, teríamos um resultado negativo, quer em 2018, com prejuízo fiscal no montante de (2.380.623,67€), quer em 2019, com prejuízo fiscal no montante de (3.647,751,64€), de onde resulta que, no que se refere ao período de tributação de 2018, foi apurado e liquidado um montante de derrama municipal em excesso de € 107.211,79, tendo a parcela em excesso referente ao período de tributação de 2019 ascendido a € 116.730,56.
Assim, por não se tratar de rendimentos gerados na área geográfica do município lançador, devem ser retirados da base de incidência, acolhendo este Tribunal a fundamentação da decisão do STA acima mencionada, que também foi acolhida em diversas decisões dos Tribunais formados no CAAD[25], uma vez que não se vislumbram razões, de facto e de direito, para se afastar do entendimento jurisprudencial consolidado na nossa ordem jurídica, procedendo na totalidade o pedido de anulação parcial dos atos de autoliquidação de IRC, no segmento referente à Derrama Municipal, deduzido pela Requerente.
IV- REEMBOLSO DO IMPOSTO E JUROS INDEMNIZATÓRIOS
A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso dos montantes que tenham sido pagos, acrescidos de juros indemnizatórios.
Reembolso de valores pagos
Provou-se na alínea H) dos factos assentes que a Requerente autoliquidou e pagou derrama municipal no montante de € 107.211,79 referente ao ano de 2018 e autoliquidou e pagou € 116.730,56, referente a 2019, incluindo na base tributável os rendimentos obtidos no estrangeiro.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação dos atos tributários, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago, ou seja, dos valores pagos em excesso de € 223.942,35.
Juros indemnizatórios
No nº 5 do artigo 24.º do RJAT refere-se que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
No entanto, em relação à revisão oficiosa dos actos tributários, o citado artigo 43.º da LGT contém uma disciplina especial, prevendo a alínea c) do seu n.º 3 que os juros indemnizatórios sejam devidos “Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.
Na situação vertente, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado pela Requerente em 12 de junho de 2023 e decidido três meses depois, em 12 de setembro de 2023, pelo que não decorreu o sobredito prazo de um ano, constitutivo do direito a juros indemnizatórios.
Emana da jurisprudência uniformizadora do Supremo Tribunal Administrativo que não há lugar a juros indemnizatórios nas situações em que o pedido de revisão do ato tributário foi decidido em período inferior a um ano, por força do disposto no citado artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT – v. acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 26 de maio de 2022, processo n.º 0159/21.3BALSB, e de 27 de fevereiro de 2019, processo n.º 022/18.5BALSB, e argumentação aí expendida.
Assim, sem prejuízo da procedência da ação arbitral relativamente ao pedido principal, improcede o pedido dependente de juros indemnizatórios.
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os árbitros em:
-
Anular as autoliquidações de IRC, na parte referente à derrama municipal, no montante total de € 223.942,35 (o qual é composto pelos montantes de € 107.211,79 e € 116.730,56 referentes ao período de tributação de 2018 e 2019, respetivamente) e, consequentemente, anular a decisão que versou sobre o pedido de revisão oficiosa.
-
Absolver a Requerida do pedido de juros indemnizatórios.
Valor do processo – Fixa-se em 223.942,35 euros, correspondente ao montante das autoliquidações na parte impugnada.
Custas, no montante de € 4.284,00, a cargo da Requerida, atento o decaimento.
2 de Setembro de 2024
Alexandra Coelho Martins
António Pragal Colaço (Relator)
Maria Antónia Torres
[1] Não deixa de ser curioso o seguinte: O RJAT foi criado através de um Decreto-Lei baseado na autorização legislativa concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril. A Portaria de Vinculação da ATA, fundamentou-se ao abrigo do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que reza - 1 - A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos. Ora, como se sabe a Portaria é de grau inferior a um Decreto Lei e por outro lado, a regulamentação é sobre o tipo e o valor e ler-se que a Portaria restringia o que o Decreto Lei que lhe é superior dispunha, teríamos então arbitragem tributária sem objecto!
[2] Ampliando mesmo o conceito de liquidação a “questão fiscal”, alargando o âmbito da competência dos Tribunais Tributários, cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Processo 00319/22.0BEAVR, de 07-12-2022, Antero Pires Salvador,
Sumário:Estando em causa uma questão fiscal, entendida esta como abrangendo “ … todas as questões cuja resolução exige a interpretação e a aplicação de "questão fiscal" a que exija a interpretação e aplicação de quaisquer normas de direito fiscal, substantivo ou adjectivo, para resolução de questões sobre matérias respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública” (Cfr. Acórdão do Plenário do STA, datado de 21/3/2012, in Proc. 0189/11), é competente o tribunal tributário, independentemente de estar em causa um acto administrativo e a apreciação das respectivas invalidades – ou seja, no caso, uma relação jurídica tributária que tem como objeto as contribuições para a segurança social em regularização no âmbito do pedido de adesão do Dec. Lei n.º 124/96, de 10/8 - Plano Mateus. Na mesma linha o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo exarado no Processo 0366/09, de 12-11-2009, JORGE DE SOUSA
Sumário: I – A competência para o conhecimento da globalidade das acções de impugnação de actos administrativos respeitantes a questões fiscais é atribuída aos tribunais tributários e às Secções do contencioso tributário do Supremo Tribunal Administrativo e dos tribunais centrais administrativos.
II – São questões fiscais as que exijam a interpretação e aplicação de quaisquer normas de direito fiscal substantivo ou adjectivo, para resolução de questões sobre matérias respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública.
III – A actividade tributária é uma parcela da actividade financeira global, que tem por fim a aquisição de meios financeiros por entidades públicas, e tem em vista a definição dos direitos e deveres dos cidadãos e da Administração no âmbito da actividade destinada à obtenção daquelas prestações patrimoniais.
IV – Está-se perante um acto administrativo em matéria fiscal quando a Administração visar com ele regular uma relação jurídica gerada no exercício da sua actividade de aquisição de meios financeiros.
V – Assim, cabe aos tribunais tributários conhecer de uma acção administrativa especial em que é impugnado um acto administrativo que repartiu entre vários interessados quotas de biodiesel isentas de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP)., todos consultáveis in.www.dgsi.pt;
[3] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo 0793/14, de 03-06-2015, Aragão Seia, in.www.dgsi.pt;
[4] O facto de nos actos administrativos não tributários, o indeferimento tácito poder abrir a via de uma acção para a prática do acto de decidir, não é aplicável ao “mundo” tributário-processual, por opção do próprio legislador;
[6] Em sede ampla administrativa, perdurou imenso “tempo” em termos meramente normativos-semânticos, a aplicação do princípio da lesividade dos actos administrativos como permitindo a sua imediata impugnação administrativa, em virtude da alteração introduzida pela Lei Constitucional nº 1/89 na redacção do art. 268º da CRP, onde o legislador constitucional consagrou a lesividade como critério de selecção dos actos contenciosamente recorríveis, deixando a recorribilidade de ser determinada por um critério formal radicado na posição procedimental do acto (definitivo e executório). Passou a estar centrada na idoneidade para lesar direitos e interesses legalmente protegidos, cfr. entre muitos o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo 046262, de 03-05-2007, PLENO DA SECÇÃO DO CA, Políbio Henriques. No entanto, na área tributária, ainda “vivem” imensos fenómenos de reclamações necessárias que acabam por limitar o acesso contencioso imediato – num género de conservação da definitividade e executoriedade da jurisdição administrativa-tributária;
[7] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo 02683/14.5BELRS 0181/18, de 03-02-2021, Joaquim Condesso, in.www.caad.org.pt e Decisão Arbitral da CAAD, Processo nº 229/2018-T, de 2020-02-28 sobre IRC, em cumprimento do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) proferido em 13-12-2019 que declarou a nulidade do acórdão arbitral de 16 de Outubro de 2018, se exarou Reforma da decisão arbitral, in.www.caad.org.pt;
*Substitui a decisão arbitral de 16 de outubro de 2018.
[8] Quanto à matéria de retenção na fonte, o mesmo se retira da Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo 830/2023-T (Carla Castelo Trindade), onde se exarou que, “I. A circunstância de ter decorrido o prazo de reclamação graciosa quanto a actos de retenção na fonte previsto no artigo 132.º do CPPT não impede o sujeito passivo de apresentar pedido de revisão dos mesmos com fundamento em erro imputável aos serviços nos termos do artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte da LGT e de impugnar contenciosamente o eventual acto de indeferimento.” E do seguinte Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, acórdão proferido em 12 de Abril de 2023, no processo n.º 01257/17.3BELRS, “não relevar o decurso do prazo de reclamação graciosa de dois anos previsto no artº.132, nºs.3 e 4, do C.P.P.T., quanto ao substituído e em caso de retenção na fonte a título definitivo. Por outras palavras, a circunstância de ter decorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação do acto de retenção na fonte, não impede o sujeito passivo de pedir a respectiva revisão oficiosa e impugnar, contenciosamente, o eventual acto de indeferimento desta (cfr.v.g.), ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/07/2006, rec.402/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/05/2014, rec.1458/13; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/02/2017, rec.678/16; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, II volume, págs.422).”, in.www.dgsi.pt.
[9] Em termos doutrinais consultar, Revisão do acto tributário, uma tutela viável para os casos de autoliquidação? Barreiros, João Pedro Martins;
[10] Independentemente de se defenderem, ou não, teses de realismo jurídico como o norte-americano.
[11] Cfr. Acórdão nº 05B2354 de Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Dezembro de 2005, in.www.dgsi.pt;
[12] Em bom rigor será sempre uma “tentativa”, mas têm a obrigação de interpretar;
[13] Não é o lugar adequado para discutir se os princípios da hermenêutica jurídica são os adequados ou se a lógica é ilógica, ou se a interpretação extensiva é inimiga do “argumento a contrario”;
[14] Artigo 281.º - (Fiscalização abstracta da constitucionalidade e da legalidade)
1. O Tribunal Constitucional aprecia e declara, com força obrigatória geral:
a) A inconstitucionalidade de quaisquer normas;
b) A ilegalidade de quaisquer normas constantes de acto legislativo com fundamento em violação de lei com valor reforçado;
c) A ilegalidade de quaisquer normas constantes de diploma regional, com fundamento em violação do estatuto da região autónoma;
d) A ilegalidade de quaisquer normas constantes de diploma emanado dos órgãos de soberania com fundamento em violação dos direitos de uma região consagrados no seu estatuto.
2. Podem requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, com força obrigatória geral:
a) O Presidente da República;
b) O Presidente da Assembleia da República;
c) O Primeiro-Ministro;
d) O Provedor de Justiça;
e) O Procurador-Geral da República;
f) Um décimo dos Deputados à Assembleia da República;
g) Os Representantes da República, as Assembleias Legislativas das regiões autónomas, os presidentes das Assembleias Legislativas das regiões autónomas, os presidentes dos Governos Regionais ou um décimo dos deputados à respectiva Assembleia Legislativa, quando o pedido de declaração de inconstitucionalidade se fundar em violação dos direitos das regiões autónomas ou o pedido de declaração de ilegalidade se fundar em violação do respectivo estatuto.
[15] A própria Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março, menciona mesmo “Manda o Governo, pelo Ministros de Estado e das Finanças e da Justiça, ao abrigo do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, o seguinte:”
[16] Cfr. Acórdão Arbitral da CAAD, processo n.º 678/2021-T, de 6/10/2022, in.www.caad.org.pt;
[17] In.Ibidem. Consultar ainda o Acórdão Arbitral da CAAD exarado no processo n.º 832/2022-T, de 15 de setembro de 2022, in.www.caad.org.pt;
[18] E também nesta ação arbitral.
[19] Defende a Requerida que, ao analisar a fundamentação deste Acórdão o mesmo só se aplica ao processo em que foi vertido. É verdade. Mas tal asserção não impede este Tribunal de concordar com ela!
[20] Seguimos muito de perto o vertido no Acórdão Arbitral proferido no âmbito do Processo nº 211/2023-T, para o qual também remetemos, disponível em www.caad.org.pt;
[21] Criada pela Lei n.º 73/2013, de 03 de Setembro, alterada pela Dec. Retificação n.º 46-B/2013, de 01, Lei n.º 82-D/2014, de 31/12, Lei n.º 69/2015, de 16/07, Lei n.º 132/2015, de 04/09, Lei n.º 7-A/2016, de 30/03, Dec. Retificação n.º 10/2016, de 25/05, Lei n.º 42/2016, de 28/12, Lei n.º 114/2017, de 29/12, Lei n.º 51/2018, de 16/08, Dec. Retificação n.º 35-A/2018, de 12/10, Lei n.º 71/2018, de 31/12, Lei n.º 2/2020, de 31/03, Lei n.º 66/2020, de 04/11, Lei n.º 29/2023, de 04/07, Lei n.º 82/2023, de 29/12;
[22] As Autarquias gozam de um amplo quadro de autonomia local (art.º 238.º CRP), estabelecendo-se que, “(…) As autarquias locais têm património e finanças próprios”, sendo que “(…) As receitas próprias das autarquias locais incluem obrigatoriamente as provenientes da gestão do seu património e as cobradas pela utilização dos seus serviços», podendo «(…) dispor de poderes tributários, nos casos e nos termos previstos na lei.»
Desta forma, “o que legitima a atribuição de poderes tributários às autarquias locais é, fundamentalmente, o seu nível de estruturação política e administrativa, pois, tal como sucede com as regiões autónomas, elas têm como base uma representação directa dos cidadãos eleitores. Pelo que, “Só assim se pode entender que a Lei das Finanças Locais possa atribuir às Assembleias Municipais algum espaço de decisão, alguma autonomia no sentido próprio de auto-governo, em matéria tributária quanto à criação de taxas e no lançamento de derramas.” - Saldanha Sanches, J.L., Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 2002, p. 40.
[23] Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 197/2013, Processo n.º 602/12, de 9 e abril de 2013, disponível em: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130197.html
[24] Cfr. ainda as decisões arbitrais exaradas nos processos, 554/2021-T, 720/2021-T e 234/2022-T tendo seguido a jurisprudência fixada pelo acórdão do STA que atrás se reproduziu parcialmente, in.www.caad.org.pt;