Sumário:
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A AT não coloca em causa nem a autenticidade nem a veracidade dos documentos apresentados pela Requerente relativamente ao montante de imposto pago, não duvidando, fundadamente, de que o mesmo não ocorreu.
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O artigo 72.º da LGT admite no procedimento tributário a utilização de «todos os meios de prova admitidos em direito», o que é confirmado no processo de impugnação judicial pelo artigo 115.º do CPPT. Sendo este o regime legal, previsto em diplomas de natureza legislativa (como são a LGT e o CPPT), ele não pode ser derrogado por diplomas de natureza regulamentar, com são as instruções administrativas.
DECISÃO ARBITRAL
A árbitra, Sónia Martins Reis, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 12 de Março de 2024, acorda no seguinte:
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Relatório
A..., com o número de identificação fiscal..., residente na Rua ..., nº ... –..., ...-... Porto, (doravante designada por Requerente), apresentou junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), (de ora em diante designada por Requerida).
No seu pedido de pronúncia arbitral (PPA) a Requerente peticiona a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, bem como a anulação da liquidação adicional de IRS nº 2021... em que se apurou imposto a pagar no montante de € 15 484,68, por erro nos pressupostos.
A Requerente fundamenta a sua pretensão, em síntese, no seguinte.
Que no ano de 2017 obteve rendimentos de capitais, de origem estrangeira (Alemanha), no montante de € 31 056,75 e que aquando da apresentação da declaração de rendimentos do ano de 2017, apenas declarou os rendimentos obtidos em Portugal.
Que a AT, através do mecanismo da troca automática de informações fiscais, teve conhecimento de que esta obteve, na Alemanha, rendimentos da Categoria E, no montante de € 31 056,75, tendo procedido à elaboração de um documento oficioso com o Anexo J, o qual deu origem à liquidação adicional de IRS nº 2021... em que se apurou imposto a pagar no montante de € 15 484,68.
Por não concordar com a mesma, pois, diz, a AT apenas levou em linha de conta os rendimentos obtidos no estrangeiro, desconsiderando as retenções na fonte a que os mesmos foram sujeitos na Alemanha, apresentou reclamação graciosa onde entregou documentos emitidos pelas entidades bancárias alemãs, onde constam as retenções na fonte efetuadas naquele país.
E que a AT os recusou por considerar que “… não tendo os documentos exibidos pela contribuinte sido emitidos pela autoridade fiscal competente, não são admissíveis como comprovativos dos rendimentos obtidos ou imposto pago no estrangeiro.”.
Alega que o facto de a AT sustentar a sua posição em ofícios-circulados não os converte em padrão de validade dos atos que suportam, uma vez que a aferição da legalidade dos atos da AT deve ser efetuada através do confronto direto com as normas legais que os suportam, e não com o regulamento interno, que se interpôs entre a norma e o ato.
Pelo que entende que os ofícios circulados invocados pela AT, com vista a fundamentar a sua decisão, não são aptos a criar quaisquer obrigações acessórias que condicionem a aplicação da lei.
E que a lei não nega que os documentos emitidos pelas autoridades bancárias constituam prova dos rendimentos obtidos e respetivo imposto pago naquele país.
Sustenta que a prova de acesso ao crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional não figura entre os pressupostos de aplicação das normas que decorrem das Convenções para Evitar a Dupla Tributação, não sendo legítimo que o Estado português invoque o incumprimento de uma obrigação apenas prevista no seu direito interno para afastar a aplicação de tais convenções, em violação do n.º 2 do artigo 8.º da CRP
Conclui, dizendo, que a prova apresentada deve ser tida como válida para efeitos de aplicação das normas que decorrem das Convenções para Evitar a Dupla Tributação.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
Vem defender-se por impugnação.
Começa por dizer que o dissídio em causa reconduz-se à prova do imposto suportado no estrangeiro, concretamente, na Alemanha.
E que no seguimento do pedido de esclarecimentos efetuado pela D.F. do Porto, a Direção de Serviços de Relações Internacionais (DSRI) informou que: «(…) os documentos comprovativos do montante dos rendimentos, da sua natureza e do pagamento do imposto, devem ser documentos originais emitidos pelas autoridades fiscais do Estado de onde são originários os rendimentos ou fotocópias autenticadas por essa autoridade fiscal, conforme esclarecem os ofícios-circulados nºs. 20030, de 18/12/2000 da Direção de Serviços de Benefícios Fiscais, e 20124, de 09/05/2007, da Direção de Serviços de Relações Internacionais, constando ainda esta informação das instruções de preenchimento do anexo J da declaração de rendimentos. Pelo que, não tendo os documentos exibidos pela contribuinte sido emitidos pela autoridade fiscal competente, não são admissíveis como comprovativos dos rendimentos obtidos ou imposto pago no estrangeiro.».
E que não obstante a Requerente encontrar-se ciente de que a prova do alegado imposto pago na Alemanha deve feita mediante documento proveniente da respetiva autoridade fiscal, não juntou tal(ais) documento(s), mas apenas documentos emitidos pela instituição bancária pagadora dos rendimentos aqui em causa (‘B... AG’, cfr. doc. nº. 3, junto com o PPA.
E que a Requerente olvida que a AT encontra-se vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, conforme determina o nº. 1, do artigo 68º-A da LGT
Sendo que da informação transmitida pela administração tributária alemã relativa à contribuinte, ora Requerente, nada consta quanto a eventual imposto que tenha sido suportado sobre aqueles rendimentos.
Pelo que não tendo sido apresentada prova originária, nos termos estabelecidos nos ofícios-circulados nºs. 20030, de 18/12/2000 e 20124, de 09/05/2007, bem como nas instruções de preenchimento do anexo J, não poderá considerar-se que os documentos apresentados constituam ‘prova em contrário’, para efeitos de infirmar a informação transmitida pela Administração fiscal alemã que não aludiu a qualquer imposto.
Conclui, dizendo que não tendo a Requerente apresentado prova cabal do imposto suportado na Alemanha, relativo aos rendimentos de capitais auferidos nesse Estado, na totalidade de € 31.056,75, conclui-se que a liquidação controvertida não padece de qualquer ilegalidade, designadamente, de erro nos pressupostos de facto e de direito.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 3 de Janeiro de 2024, tendo sido constituído em 12 de Março de 2024 e seguido a sua normal tramitação.
Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a árbitra do Tribunal Arbitral Singular que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As Partes, notificadas dessa designação, em 21 de Fevereiro de 2024, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
Entendeu o Tribunal dispensar a realização da primeira reunião do Tribunal Arbitral conforme despacho arbitral notificado às partes de acordo com o disposto no artigo 18.º do RJAT.
Ambas as partes foram igualmente notificadas para apresentar Alegações, querendo, tendo a Requerida optado por fazê-lo reforçando a sua argumentação.
Foi fixado prazo para o efeito de prolação da decisão arbitral até ao termo do prazo legal.
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Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.
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Fundamentação
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Dos Factos
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se consideram provados:
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A Requerente aquando da apresentação da sua declaração de rendimentos do ano de 2017 apenas declarou os rendimentos obtidos em Portugal – cf. facto reconhecido por ambas as Partes.
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Através do mecanismo da troca automática de informações fiscais, a AT teve conhecimento de que a Requerente obteve, na Alemanha, rendimentos da categoria E, no montante de € 31 056,75, sendo que não foram comunicados quaisquer valores respeitantes a imposto suportado na Alemanha. – cf. Facto reconhecido por ambas as Partes.
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A Requerente foi notificada, através do Ofício 2021..., de 2021/10/06, para “(…) no prazo de 15 dia, exercer por escrito o direito de audição prévia à efetivação de liquidação adicional de IRS que inclua os rendimentos antes mencionados” - cf. Facto reconhecido por ambas as Partes.
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A Requerente não exerceu o direito de audição e também não procedeu à entrega da declaração substituição Modelo 3 do ano de 2017 - cf. Facto reconhecido por ambas as Partes.
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A AT procedeu, oficiosamente, à alteração dos rendimentos declarados, o que deu origem à liquidação adicional de IRS nº 2021..., na qual se apurou imposto a pagar no montante de € 15 484,68 – cf. Documento junto pela Requerente com o seu PPA.
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A Requerente apresentou Reclamação Graciosa, à qual foi atribuído o n.º ...2022..., contra a supra referida liquidação, onde invocou que a AT apenas teve em linha de conta os rendimentos obtidos no estrangeiro, desconsiderando as retenções na fonte a que os mesmos foram sujeitos na Alemanha - cf. Documento n.º 2 junto pela Requerente com o seu PPA.
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Juntamente com aquela reclamação, a Requerente entregou documentos emitidos pela entidade bancária alemã pagadora dos rendimentos, onde constam as retenções na fonte efetuadas naquele país. cf. Documento n.º 3 junto pela Requerente com o seu PPA.
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A Reclamação Graciosa foi indeferida por despacho da Srª. Chefe da Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa (DJAC) da DF do Porto, de 2023/09/25, porquanto não foi apresentada prova do imposto alegadamente suportado na Alemanha. Cf. Documento n.º 1 junto pela Requerente com o seu PPA.
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No seguimento do pedido de esclarecimentos efetuado pela DF do Porto, a Direção de Serviços de Relações Internacionais (DSRI) informou que: «(…) os documentos comprovativos do montante dos rendimentos, da sua natureza e do pagamento do imposto, devem ser documentos originais emitidos pelas autoridades fiscais do Estado de onde são originários os rendimentos ou fotocópias autenticadas por essa autoridade fiscal, conforme esclarecem os ofícios-circulados nºs. 20030, de 18/12/2000 da Direção de Serviços de Benefícios Fiscais, e 20124, de 09/05/2007, da Direção de Serviços de Relações Internacionais, constando ainda esta informação das instruções de preenchimento do anexo J da declaração de rendimentos. Pelo que, não tendo os documentos exibidos pela contribuinte sido emitidos pela autoridade fiscal competente, não são admissíveis como comprovativos dos rendimentos obtidos ou imposto pago no estrangeiro.» cf. Artigo 33.º da Resposta da Requerida.
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Na sua Resposta a Requerida invoca como motivo para indeferir a pretensão da ora Requerente que não tendo sido apresentada prova originária da Administração Fiscal Alemã, nos termos estabelecidos nos ofícios-circulados nºs. 20030, de 18/12/2000 e 20124, de 09/05/2007, bem como nas instruções de preenchimento do anexo J, não poderá considerar-se que os documentos apresentados pela Requerente – cf. Documento nº. 3, constituam ‘prova em contrário’, para efeitos de infirmar a informação transmitida pelas autoridades alemãs, que não aludiu a qualquer imposto suportado.
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No dia 3 de Janeiro de 2024 deu entrada no CAAD PPA apresentado pela Requerente - cf. registo de entrada no SGP do CAAD.
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No dia 9 de Janeiro de 2024, a Requerida foi notificada da apresentação do pedido de pronúncia arbitral – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.
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Factos Não Provados
Não existem outros factos com relevo para a decisão da causa que não se tenham provado.
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Motivação da Decisão da Matéria de Facto
Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.
IX. De Direito
O dissídio em causa nos autos prende-se unicamente com a questão da determinação da prova do imposto suportado no estrangeiro, concretamente, na Alemanha.
Para a Requerente essa prova pode ser feita recurso a meios probatórios específicos, designadamente, a apresentação de documentos emitidos por instituições financeiras que comprovem o pagamento do imposto.
Ou seja, no seu entender, o recurso a meios probatórios não se encontra confinado à apresentação de declarações emitidas pelas autoridades fiscais dos Estados da fonte dos rendimentos, nem à prova de acesso ao crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional que não figura entre os pressupostos de aplicação das normas que decorrem das Convenções para Evitar a Dupla Tributação.
Para a Requerida, pelo contrário, essa prova deve confinar-se e subordinar-se aos termos estabelecidos nos ofícios-circulados nºs. 20030, de 18/12/2000 da Direção de Serviços de Benefícios Fiscais, e 20124, de 09/05/2007, da Direção de Serviços de Relações Internacionais, ou seja, de que apenas são válidos documentos originais emitidos pelas autoridades fiscais do Estado de onde são originários os rendimentos ou fotocópias autenticadas por essa autoridade fiscal.
A Requerida não coloca em causa a veracidade ou o conteúdo do Documento n.º 3 junto pela Requerente, apenas diz que aquele não é o documento idóneo para fazer a prova do facto que esta invoca.
Ora, desde já se diga que a Requerida não tem razão.
Como esclarece CASALTA NABAIS in (Direito Fiscal, 7.ª ed., Almedina, pág. 197): “as chamadas orientações administrativas, tradicionalmente apresentadas nas mais diversas formas como instruções, circulares, ofícios-circulares, ofícios-circulados, despachos normativos, regulamentos, pareceres, etc.”, que são muito frequentes no direito fiscal constituem “regulamentos internos que, por terem como destinatário apenas a administração tributária, só esta lhes deve obediência, sendo, pois, obrigatórios apenas para os órgãos situados hierarquicamente abaixo do órgão autor dos mesmos. Por isso não são vinculativos nem para os particulares nem para os tribunais. E isto quer sejam regulamentos organizatórios, que definem regras aplicáveis ao funcionamento interno da administração tributária, criando métodos de trabalho ou modos de atuação, quer sejam regulamentos interpretativos, que procedem à interpretação de preceitos legais (ou regulamentares). É certo que tais regulamentos (…) densificam, explicitam ou desenvolvem os preceitos legais, definindo previamente o conteúdo dos atos a praticar pela administração tributária aquando da sua aplicação. Mas isso não os converte em padrão de validade dos atos que suportam. Na verdade, a aferição da legalidade dos atos da administração tributária deve ser efetuada através do confronto direto com a correspondente norma legal e não com o regulamento interno, que se interpôs entre a norma e o acto.”.
Vejamos então, o que nos diz a jurisprudência dos nossos Tribunais sob a exigência (formulada pela AT) de se juntar os documentos originais ou as fotocópias autenticadas da aludida retenção na fonte para permitir o reconhecimento do direito ao crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional.
No acórdão proferido pelo colendo STA no processo 1254/04, de 20-04-2005, em que foi relator o Senhor Conselheiro Lúcio Barbosa, num caso em que estava em causa imposto por rendimentos de trabalho pagos na Alemanha, por residente em Portugal, considerou o douto STA que o mesmo imposto pode ser deduzido no IRS, face ao disposto no art. 24º, 1 da “Convenção entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha para evitar a dupla tributação em matéria de Impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital”, julgando que se o sujeito passivo do imposto estiver impossibilitado de apresentar documento, emitido pela AT alemã, comprovativo desse pagamento, é bastante para a dedução a apresentação de declaração da entidade patronal, onde constam as retenções efectuadas, bem como das guias de pagamento.
No processo n.º 01079/06.7BEVIS, datado de 25/05/20184, em que foi relatora a Senhora Desembargadora Ana Patrocínio, entendeu o TCA Norte, num dissídio de dupla tributação jurídica internacional que envolvia Portugal e Itália analisar, uma vez mais, as exigências de prova formuladas pela AT.
Ora também aqui, como no aresto anterior, não só a formalidade exigida pela AT para reconhecer o crédito por dupla tributação jurídica internacional não tem qualquer sustentação legal, como o Tribunal vai mais longe e reconhece que em caso de dúvida deve a AT recorrer ao mecanismo de troca de informações prevista na Convenção entre Portugal e a Itália para confirmar se o imposto tinha ou não sido pago no outro país, in casu, Itália.
Também este Centro de Arbitragem Tributária (“CAAD”) se pronunciou sobre esta exigência administrativa da AT para poder reconhecer o crédito por dupla tributação jurídica internacional.
Veja-se o decidido na decisão arbitral proferida no processo 623/2019-T, de 24/02/2020, em que foi relator o Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, num dissídio referente a IRS; dedução à colecta e dupla tributação jurídica internacional, em que estava em causa similar exigência por parte da AT. Nessa decisão considerou o Tribunal Arbitral e transcrevendo-se infra os pontos mais relevantes:
“Quanto ao documento n.º 2 junto pelos Requerentes, a Autoridade Tributária e Aduaneira não suscita a questão da sua falsidade, nem qualquer dúvida sobre a correspondência do seu conteúdo à realidade, apenas não o questionando por não ter sido emitido ou autenticado por autoridades fiscais francesas, o que não se considera razão para não dar como provado o seu conteúdo, pelo que adiante se diz no ponto 4.1 deste acórdão. (….) Ora, esta exigência não tem qualquer suporte legal. Na verdade, o artigo 72.º da LGT admite no procedimento tributário a utilização de «todos os meios de prova admitidos em direito», o que é confirmado no processo de impugnação judicial pelo artigo 115.º do CPPT. Sendo este o regime legal, previsto em diplomas de natureza legislativa (como são a LGT e o CPPT), ele não pode ser derrogado por diplomas de natureza regulamentar, com são as instruções administrativas, por força do já citado princípio da hierarquia das normas, enunciado no artigo 112.º, n.º 5 da CRP, que estabelece que «nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos». Assim, tem de se concluir que não tem fundamento legal a exigência de documento emitidos (ou autenticados) pela autoridade fiscal francesa.
(…)
Pelo exposto, a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei, quanto à não consideração do montante que no anexo J da declaração modelo 22 é indicado como «Imposto pago no estrangeiro» referente aos «rendimentos de outras aplicações de capitais» aí declarados e considerados para efeito da determinação da matéria tributável. Este vício justifica a anulação da liquidação na parte respectiva, nos termos do artigo 134.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo de 1991 (vigente ao tempo dos factos) subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.”.
Nesta decisão o Tribunal Arbitral considerou que tais exigências administrativas por parte da AT não têm qualquer base legal.
Regressando à jurisprudência arbitral, este centro de arbitragem administrativa no processo 532/2019-T, de 13/07/2020, veio decidir o seguinte, transcrevendo-se infra os excertos mais relevantes:
“Com efeito, a Requerente, no cumprimento do seu dever de colaboração (cujo incumprimento, de resto, poderia legitimar o afastamento da presunção acima referida, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 78.º da LGT), apresentou diversas declarações das entidades pagadoras dos rendimentos, confirmando a retenção dos valores declarados pela Requerente como crédito de imposto.
A AT não coloca em causa nem a autenticidade nem a veracidade daqueles documentos, aceitando-os, de resto, como bons no que concerne ao montante de rendimentos pagos à Requerente, e não duvidando, fundadamente, de que a retenção declarada haja sido, efectivamente, feita. Essencialmente, as correcções operadas pela AT radicam na doutrina veiculada pelo Ofício-Circulado n.º 20.022 de 19/05/2000, segundo o qual a efectivação do crédito de imposto por dupla tributação internacional deve ter como suporte "documento comprovativo do montante do rendimento, da sua natureza e do pagamento do imposto, o qual deverá ser emitido ou autenticado pelas Autoridades Fiscais do respectivo Estado de onde são originários os rendimentos". Relativamente ao referido entendimento, diga-se, desde logo, que a AT é livre de consagrar, de forma genérica, a aceitação de determinado tipo de documentação como idónea a demonstrar certos pressupostos de normas tributárias constitutivas de direitos dos contribuintes, devendo, até, mesmo proceder dessa forma, em homenagem aos princípios da certeza e segurança jurídica, da igualdade e da eficácia e simplicidade de procedimentos. Não haverá, assim, qualquer óbice de natureza legal – antes pelo contrário – a que a AT, como acontece no referido Ofício-Circulado, se auto-vincule a aceitar determinado tipo de documentação para determinados efeitos.
Pelo contrário, todavia, não se deverá aceitar que a AT, como acontece no caso, de forma genérica ou na aplicação de instruções internas da índole das referidas, vede aos contribuintes a utilização de meios de prova que a lei admite e não defere à AT a faculdade de restringir, com o argumento de haver formas "mais seguras", ou "inequívocas" de demonstrar os factos em crise.
Ou seja, e em suma, se à AT é lícito definir que determinados meios de prova serão, por si, considerados aptos à demonstração de determinados factos, assim transmitindo aos contribuintes a segurança de que, munidos do mesmos, a AT não levantará quaisquer objecções ao teor dos mesmos, já não será legítimo àquela Autoridade, de forma abstracta e a priori, crismar – directamente ou por exclusão – outros meios de prova como inidóneos, nos casos em que tal não resulte da lei, nem esta lhe confira a faculdade de o fazer.
Deste modo, confrontada, como acontece no caso, com documentação ou outros meios de prova, legalmente admissíveis mas que não correspondem ao que se encontra previamente por si definido como apto às finalidades de prova pretendidas, não poderá a AT demitir-se de analisar criticamente tal prova, e fundar devidamente as dúvidas que, em concreto, a mesma lhe suscita, e limitar-se, simplesmente, a recusá-la por não corresponder àquela que genericamente foi reputada como idónea para os fins em causa.”.
Toda a jurisprudência invocada revela de modo claro e inequívoco a ilegalidade de se exigir tal prova administrativa como a única via possível para os contribuintes reconhecerem o seu direito à eliminação da dupla tributação jurídica internacional, suportando-se para tal, e unicamente, num entendimento administrativo interno que só à AT vincula, inexistindo tal exigência, quer na Convenção para evitar a dupla tributação internacional entre Portugal e Alemanha, quer na própria legislação portuguesa.
Razão pela qual deve ser a liquidação de IRS em crise nos autos ser anulada conforme peticiona a Requerente por erro sobre os pressupostos de facto e de direito que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
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Decisão
De harmonia com o supra exposto, acorda este Tribunal Arbitral em:
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Julgar totalmente procedente o pedido de anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, bem como a anulação da liquidação adicional de IRS nº 2021... .
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Condenar a Requerida no pagamento das custas processuais.
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Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de €15 484,68, indicado pelo Requerente, respeitante ao montante da liquidação de IRS impugnada (valor da utilidade económica do pedido), e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
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Custas
Custas no montante de € 918,00, a suportar pela Requerida, por decaimento integral, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.
Notifique-se
Lisboa, 3 de Setembro de 2024
A árbitra,
Sónia Martins Reis