SUMÁRIO:
Os serviços de cedência de pessoal são subsumíveis na norma do n.º 1 do art.º 4 do Código do IVA, sempre que exista um nexo direto entre os serviços prestados e o contravalor recebido pelo prestador, sendo irrelevante, para o efeito, determinar se o montante da contrapartida estabelecido entre as partes corresponde, ou não, ao custo suportado pelo sujeito passivo prestador para a realização desses serviços.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro, Dr. António Cipriano da Silva e Dra. Raquel Montes Fernandes, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:
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RELATÓRIO
A..., UNIPESSOAL LDA., doravante designada por “Requerente”, com o número de identificação fiscal..., e sede na ..., n.º ..., ...-... Lisboa, veio, nos termos legais, requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no art.º 2, n.º 1, alínea e) e art.º 10, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, conjugado com o art.º 99, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante designada por “AT” ou “Requerida”).
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O pedido
A Requerente pede a anulação do ato de liquidação de IVA n.º 2023..., referente ao período de 2023/04, que apurou um valor a reembolsar de € 1.400.223,45, o qual reflete correções efetuadas pela AT, que subtraíram o montante de € 432.777,59 ao valor do crédito de imposto solicitado pela Requerente.
B) Tramitação
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo foi aceite em 10.01.2024. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que o Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, que aceitaram. As partes não se opuseram a tais designações.
O Tribunal encontra-se, desde 18.03.2024, regularmente constituído. A Requerida, apresentou a sua resposta, e respetivo processo administrativo, em 29.04.2024.
Por despacho de 02.05.2024, a Requerente foi notificada para, no prazo de 5 dias, de pronunciar sobre a produção de prova testemunhal, indicando os factos que pretendia submeter a tal prova, por referência aos artigos do pedido de pronúncia arbitral. Tal veio a suceder em 08.05.2024 e, na mesma data, a Requerida apresentou requerimento no sentido da desnecessidade da produção da prova testemunhal pretendida, dada a matéria de direito em causa e o facto de a situação factual não ser controvertida entre as partes.
Em 18.07.2024 foi emitido despacho a prescindir da realização da reunião a que se refere o art.º 18 do RJAT, bem como da produção da prova testemunhal requerida (que este Tribunal entendeu constituir um ato inútil) e, ainda, da produção de alegações. Nenhuma das partes se opôs.
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O LITÍGIO
A Requerente faz parte de um grupo de comunicação internacional (C...) e utiliza a central de compras desse mesmo grupo – a B..., Unipessoal, Lda., entidade com o n.º de identificação fiscal ... (doravante designada por “B...”).
Os custos incorridos pela B... relacionados com pessoal alocado a clientes da Requerente foram faturados a esta pela fatura n.º NDL 2200459, de 30.11.2022, no valor de € 1.694.491, ao qual acresceu IVA à taxa de 23%, e pela fatura n.º NDL 2200501, de 31.12.2022, no valor de € 187.150,69, à qual também acresceu IVA à taxa de 23% (conforme documento n.º 4 do pedido de pronúncia arbitral). A Requerente deduziu o IVA relativo a estes serviços, tendo solicitado um reembolso de imposto, na declaração periódica de 2023/04, no montante de € 1.500.000 (conforme documento n.º 5 do pedido de pronúncia arbitral).
Na sequência de um procedimento inspetivo, a Requerida procedeu a correções ao IVA deduzido pela Requerente, no montante de € 432.777,59, tendo, consequentemente, emitido a liquidação oficiosa de IVA objeto destes autos pelo valor de reembolso corrigido. De acordo com a AT, a Requerente deduziu indevidamente o IVA suportado nos serviços faturados pela B..., dado estarem em causa operações de cedência de pessoal excluídas da incidência do IVA.
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SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado a partir dos factos previstos no artigo 102.º n.º 1, alínea b) do CPPT.
As Partes estão devidamente representadas, têm personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas.
O processo não enferma de nulidades ou irregularidades e não existem questões que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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MATÉRIA DE FACTO
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Factos dados como provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma sociedade comercial que pertence ao grupo de comunicação internacional C... e que se dedica à área da publicidade e meios de comunicação, planeando e comprando tempo e espaço publicitário, e gerindo as relações entre os meios de comunicação e os anunciantes (os clientes da Requerente solicitam os seus serviços para planear e otimizar o investimento publicitário a realizar nos diversos meios de comunicação).
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Para a aquisição dos seus serviços, a Requerente utiliza a central de compras do grupo C...– a B... .
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A quase totalidade do IVA deduzido pela Requerente corresponde a faturas emitidas pela B..., que posteriormente a Requerente fatura aos seus clientes.
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As faturas emitidas pela B... respeitam a (i) débito de horas que correspondem ao exato montante dos custos incorridos com o pessoal alocado a cada departamento/entidade (essencialmente, ordenados, subsídios e encargos com segurança social), ao qual acresceu IVA, a (ii) serviços de backoffice debitados pela B... e ao (iii) débito da renda da garagem do edifício (conforme Relatório de Inspeção junto aos autos).
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No que respeita ao débito dos custos incorridos com pessoal, as faturas emitidas pela B... à Requerente (documento n.º 4 junto pela Requerente) são as seguintes:
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A faturação da B... à Requerente referente aos custos de pessoal está documentalmente suportada por mapa que detalha os custos debitados (documento n.º 3 junto pela Requerente aos autos, no qual esta está representada pela sigla “MC”), tendo por base as horas realizadas pelos trabalhadores da B... alocados a clientes da Requerente (idêntico procedimento foi adotado para outras agências do grupo, conforme resulta do mesmo documento).
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Na declaração periódica de IVA de 2023/04, a Requerente solicitou um reembolso de imposto no valor de € 1.500.000, na sequência do qual foi desencadeado um procedimento inspetivo sob a Ordem de Serviço n.º... .
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O crédito objeto do pedido de reembolso teve início no período 2022/09, razão pela qual o procedimento inspetivo foi alargado a esse período.
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No âmbito do referido procedimento inspetivo, a AT entendeu que a (i) colocação de pessoal à disposição (cedência de pessoal) é uma operação excluída do âmbito do IVA e, como tal, o imposto incorretamente liquidado (porque não devido) pela B... à Requerente foi por esta indevidamente deduzido (no montante de € 432.777,59), tendo a AT procedido à respetiva correção deste montante no pedido de reembolso inspecionado, nos seguintes termos:
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As correções acima identificadas fundamentam a liquidação oficiosa de IVA contestada nestes autos.
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A B... prestou, para efeitos de IVA, serviços à Requerente, nos termos do n.º 1 do art.º 4 do Código do IVA, pelos quais foi remunerada pela Requerente.
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Não foram identificados quaisquer indícios de fraude ou evasão fiscal referentes aos serviços prestados pela B... à Requerente e cuja dedução do respetivo IVA foi objeto das correções da AT em discussão nestes autos.
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Factos dados como não provados
Não foram dados por não provados quaisquer factos relevantes para a decisão da causa.
C) Fundamentação da matéria de facto
O Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria de facto alegada, mas antes selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo autor, e decidir se a considera provada ou não provada, conforme artigos 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT.
Tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal deve basear a sua decisão em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência.
Assim, e tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes, como prevê o artigo 110.ºdo CPPT, relativa à prova documental produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.
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Matéria de Direito
É matéria decidenda deste litígio confirmar se à Requerente assiste o direito à dedução do IVA que lhe foi faturado em novembro e dezembro de 2022 pela B..., na qualidade de central de compras do grupo, por serviços relacionados com o débito de custos de pessoal incorridos para a realização de serviços de natureza publicitária, serviços esses que a Requerente, posteriormente, faturou aos seus clientes.
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Do conceito de prestação de serviços para efeitos de IVA
Como é sabido, o IVA é um imposto de matriz europeia, que tem a sua base na Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28.11.2006 (“Diretiva IVA”), e que visa a tributação do consumo de bens e serviços. No que respeita aos serviços, a Diretiva IVA adotou um conceito residual e, portanto, lato de prestação de serviços, considerando como tal “qualquer operação que não constitua uma entrega de bens” (n.º 1 do art.º 24 deste diploma). Esta definição foi transposta para o n.º 1 do art.º 4 do Código do IVA português que, em termos similares, considera como prestações de serviços todas as operações efetuadas a título oneroso que não configuram transações com bens (transmissões locais de bens, aquisições intracomunitárias ou importações)[1].
Considera-se, em geral, que um serviço é realizado a título oneroso, para efeitos de IVA, “se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são transacionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efetivo do serviço fornecido ao beneficiário”[2].
No caso em apreço, é facto não controvertido que existiu uma prestação, não relacionada com bens, que foi realizada pela B... à Requerente, e objeto de faturação em novembro e dezembro de 2022. É igualmente facto não controvertido que a realização dessa prestação deu origem a pagamentos retributivos por parte da Requerente à B... . Ou seja, estamos perante uma relação jurídica no âmbito da qual são realizadas prestações recíprocas.
Atendendo ao conceito lato de prestação de serviços acima referido, entende este Tribunal, face ao acima exposto, estarem plenamente cumpridos os requisitos do n.º 1 do art.º 4 do Código do IVA para qualificar tal operação (da B... à Requerente) como uma prestação de serviços para efeitos de IVA.
Alega, no entanto, a Requerida que, tratando-se de uma prestação de serviços que assume a natureza de colocação de pessoal à disposição / cedência de pessoal, como é o caso, deve (ainda) atender-se ao disposto no Ofício-Circulado n.º 30019, de 04.05.2000, da Direção de Serviços de IVA. Esta instrução administrativa, não obstante entender subsumível à norma do n.º 1 do art.º 4 do Código do IVA “todas as situações em que materialmente existe uma colocação de pessoal à disposição, independentemente de tais operações se qualificarem, ou não, em termos jurídicos, como sendo de cedência de pessoal e apesar de os respectivos trabalhadores manterem os seus vínculos laborais originários com as correspondentes entidades patronais”, conclui pela “inexistência de prestação de serviços e, consequentemente, a não sujeição a imposto (…) em todas as situações em que o montante debitado comprovadamente corresponda ao reembolso exacto de despesas com ordenados ou vencimentos, quotizações para a segurança social e quaisquer outras importâncias obrigatoriamente suportadas pela empresa a que pertence o trabalhador, por força de contrato de trabalho ou previstas na legislação aplicável (v.g. prémios de seguros de vida, complementos de pensões, contribuições para fundos de pensões, etc.)”. Para o efeito, remete para a doutrina veiculada no Ofício-Circulado n.º 32 344, de 14.10.1986, que tem por objeto o débito de despesas laborais ao Estado, outras entidades públicas ou organismos sem fins lucrativos, e que aplica o mesmo princípio.
Resulta, assim, do supra exposto que, segundo o entendimento da AT, a faturação de serviços que assumam a natureza de colocação de pessoal à disposição / cedência de pessoal deve ser sujeita a diferentes enquadramentos tributários em sede de IVA, consoante esteja em causa um serviço remunerado pelo (exato) montante dos custos incorridos (caso em que a AT considera inexistir uma prestação de serviços para efeitos de IVA) ou um serviço cuja remuneração exceda esses custos de origem (caso em que se trataria de uma verdadeira prestação de serviços subsumível à norma do n.º 1 do art.º 4 do Código do IVA).
Sucede, porém, que nem a Diretiva IVA, nem o Código do IVA suportam este entendimento, porquanto inexiste nestes diplomas uma norma de exclusão de incidência objetiva das prestações de serviços que, configurando-se como operações de cedência de pessoal, se devam considerar excluídas do âmbito de aplicação do imposto, se e quando – e apenas nestes casos – o montante debitado comprovadamente corresponda ao reembolso exato das “despesas com ordenados ou vencimentos, quotizações para a segurança social e quaisquer outras importâncias obrigatoriamente suportadas pela empresa a que pertence o trabalhador, por força de contrato de trabalho ou previstas na legislação aplicável (v.g. prémios de seguros de vida, complementos de pensões, contribuições para fundos de pensões, etc.)”, conforme se refere no mencionado Ofício-Circulado n.º 30019.
De facto, estando em causa uma verdadeira prestação de serviços realizada pela B... à Requerente – e não um mero reembolso de despesas acessórias que aquela incorreu em nome próprio mas por conta desta –, que constitui a atividade económica da B... (assumir o papel de central de compras para o grupo, otimizando os serviços publicitários e de comunicação que o grupo presta através das suas várias agências), e inexistindo uma regra de exclusão de tributação em sede de IVA para tais operações, não assiste razão à Requerida na sua argumentação.
Seguindo o entendimento adotado no processo arbitral n.º 353/2020-T, cuja análise versou, igualmente, sobre o direito à dedução de IVA deste tipo de serviços, “afigura-se que a orientação deste Ofício-circulado viola o princípio da legalidade e da reserva de lei em matéria de incidência tributária, pois cria uma exclusão de tributação sem que exista norma legal que a preveja (cf. artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP))”. E como igualmente aí se refere, “(e)m sentido similar, de que as operações de cedência de pessoal são prestações de serviços e como tal sujeitas a IVA, já se tinha pronunciado o Tribunal Arbitral constituído no processo n.º 142/2012-T”.
Acresce que a solução versada no Ofício-Circulado n.º 30019 se afigura incompatível com o direito europeu, quer no que respeita à Diretiva IVA (já aflorado acima), quer quanto à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”).
De facto, quanto a esta matéria, o TJUE já se pronunciou no processo n.º C-94/19, San Domenico Vetraria SpA, de 11 de março de 2020, no sentido de considerar que o art.º 2.º n.º 1 da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977 [correspondente ao art.º 2.º, n.º 1, alíneas a) e c) da Diretiva IVA] se opõe a que uma legislação nacional considere irrelevantes, para efeitos de IVA, os empréstimos ou destacamentos de pessoal, que sejam realizados exclusivamente mediante o reembolso dos custos respetivos.
Na análise efetuada, o TJUE começou por confirmar a existência de uma prestação de serviços entre as partes do processo em causa, a qual se afigurava realizada a título oneroso, uma vez que entre o prestador do serviço e o seu beneficiário existia uma relação jurídica no âmbito da qual foram realizadas prestações recíprocas, dada a existência de um nexo direto entre o serviço prestado e a retribuição recebida pelo prestador. A Comissão contestou, todavia, a existência de um nexo direto entre essas duas prestações, alegando que, na falta de estipulação de uma remuneração superior aos encargos suportados pela Avir, o destacamento em causa no processo principal não teve por objetivo receber uma contrapartida.
Quanto a essa argumentação, a resposta do TJUE foi, no entanto, taxativa, ao afirmar que a mesma não poderia ser acolhida. Conforme esclareceu o TJUE, “se se demonstrar — o que cabe ao tribunal de reenvio verificar — que o pagamento, feito pela San Domenico Vetraria, dos montantes que lhe foram faturados pela sua sociedade‑mãe era condição para que esta última destacasse o dirigente e que a filial só pagou esses montantes como contrapartida do destacamento, deverá concluir‑se pela existência de um nexo direto entre as duas prestações. Por conseguinte, a operação deve ser considerada realizada a título oneroso e é sujeita a IVA, se os demais requisitos do artigo 2.o, ponto 1, da Sexta Diretiva estiverem cumpridos” (pontos 27 e 28).
E, precisando ainda em maior detalhe a sua linha de argumentação, concluiu o TJUE ser “irrelevante, para este efeito, o montante da contrapartida, designadamente o facto de ser igual, superior ou inferior aos custos que o sujeito passivo suportou no âmbito da realização da sua prestação (v., neste sentido, Acórdãos de 20 de janeiro de 2005, Hotel Scandic Gåsabäck, C‑412/03, EU:C:2005:47, n.o 22, e de 2 de junho de 2016, Lajvér, C‑263/15, EU:C:2016:392, n.o 45 e jurisprudência referida). Com efeito, essa circunstância não é suscetível de afetar o nexo direto entre a prestação de serviços efetuada e a contrapartida recebida (Acórdão de 2 de junho de 2016, Lajvér, C‑263/15, EU:C:2016:392, n.o 46 e jurisprudência referida)” (ponto 29).
É, portanto, de concluir que o conceito de prestação de serviços a título oneroso, para efeitos de IVA, constante do n.º 1 do art.º 4 do Código do IVA, depende da existência de um nexo direto entre a prestação de serviços efetuada e a contrapartida recebida pelo prestador do serviço, não sendo relevante, para efeitos da qualificação de tal operação ao abrigo da supra mencionada norma, determinar se o montante da contrapartida estabelecido entre as partes corresponde, ou não, ao custo suportado pelo sujeito passivo para a realização desses serviços.
E, como tal, a doutrina versada no Ofício-Circulado n.º 30019, de 04.05.2000, da Direção de Serviços de IVA, que afasta da subsunção à norma do n.º 1 do art.º 4 do Código do IVA “todas as situações em que materialmente existe uma colocação de pessoal à disposição, independentemente de tais operações se qualificarem, ou não, em termos jurídicos, como sendo de cedência de pessoal e apesar de os respectivos trabalhadores manterem os seus vínculos laborais originários com as correspondentes entidades patronais”, concluindo pela “inexistência de prestação de serviços e, consequentemente, a não sujeição a imposto (…) em todas as situações em que o montante debitado comprovadamente corresponda ao reembolso exacto de despesas com ordenados ou vencimentos, quotizações para a segurança social e quaisquer outras importâncias obrigatoriamente suportadas pela empresa a que pertence o trabalhador, por força de contrato de trabalho ou previstas na legislação aplicável (v.g. prémios de seguros de vida, complementos de pensões, contribuições para fundos de pensões, etc.)”, não pode ser acolhida por este Tribunal, que considera devido o IVA liquidado pela B... à Requerente pelos serviços ora em discussão.
Uma última nota para recordar que o direito circulatório não é fonte de direito para os contribuintes, e que estes não se encontram vinculados a seguir as orientações administrativas constantes de circulares ou de ofícios-circulares. De igual modo, tais instruções e orientações não são vinculativas para os Tribunais. A título de exemplo, veja-se o disposto no acórdão n.º 42/2014, de 09.01.2014, do Tribunal Constitucional, que refere que o “problema foi já colocado e apreciado neste Tribunal, decidindo-se no Acórdão n.º 583/2009 que as prescrições contidas nas Circulares da Administração Tributária, independentemente da sua irradiação persuasiva na prática dos contribuintes, não constituem normas para efeitos do sistema de controlo de constitucionalidade cometido ao Tribunal Constitucional”.
De igual modo, o Supremo Tribunal Administrativo, no seu acórdão de 16.09.2020, proferido no processo n.º 01988/07.6BEPRT, assinala que “Tanto na doutrina fiscalista, como na jurisprudência, a conclusão mais sufragada e difundida, aponta no sentido de que a interpretação da lei, realizada pela administração tributária e aduaneira (AT), através de circulares…, não tem força de lei, nem possui o caráter de vinculação próprio das normas legais, bem como, não constitui interpretação autêntica e, por isso, a sua legalidade pode ser, sempre, questionada, destacadamente, pela via contenciosa”.
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Da dedução do IVA faturado pela B...
Dispõem o n.º 1 do art.º 19 e o n.º 1 do art.º 20 do Código do IVA que os sujeitos passivos têm direito à dedução do imposto incorrido com a aquisição de bens e serviços para a realização das suas atividades económicas sujeitas a IVA e não isentas, ou outras que, aí previstas e apesar de não darem lugar a liquidação de imposto em território nacional, confiram direito à dedução.
Conforme jurisprudência constante do TJUE, “há que recordar que o regime das deduções estabelecido na diretiva IVA visa liberar inteiramente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA tem assim por objetivo garantir a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, em princípio, elas próprias, sujeitas a IVA (acórdão de 12 de julho de 2012, EMS‑Bulgaria Transport, C‑284/11, EU:C:2012:458, n.° 43 e jurisprudência referida). Segundo jurisprudência constante, o direito a dedução previsto nos artigos 167.° e 168.° da diretiva IVA faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado (v., nomeadamente, acórdãos de 8 de maio de 2008, Ecotrade, C‑95/07 e C‑96/07, EU:C:2008:267, n.° 39 e jurisprudência referida, e de 12 de julho de 2012, EMS‑Bulgaria Transport, C‑284/11, EU:C:2012:458, n.° 44)”[3].
No caso em apreço, e conforme se concluiu supra, os serviços faturados pela B... à Requerente foram corretamente sujeitos a IVA, não se verificando uma liquidação indevida de imposto (ao contrário do alegado pela AT, fundamentando, desse modo, a recusa do direito à dedução deste imposto). Foi, igualmente, demonstrado que tais serviços foram incorridos pela Requerente no âmbito da sua atividade económica, i.e., para prestação de serviços aos seus clientes. Por sua vez, não foram suscitadas pela AT quaisquer suspeitas de uma eventual intenção fraudulenta entre as partes, estando apenas em causa a subsunção destas prestações de serviços ao n.º 1 do art.º 4 do Código do IVA e, consequentemente, à obrigação de liquidação de IVA sobre as mesmas.
Face ao exposto, não assiste razão à Requerida, devendo o ato de liquidação de IVA n.º 2023..., referente ao período de 2023/04, que apurou um valor a reembolsar de € 1.400.223,45, subtraindo o montante de € 432.777,59 ao valor do crédito de imposto solicitado pela Requerente, ser anulado, por erro nos pressupostos de direito, o que constitui vício de violação de lei.
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DECISÃO
Pelo exposto, procede, na totalidade, o pedido arbitral, com a consequente anulação do ato de liquidação de IVA n.º 2023..., referente ao período de 2023/04.
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Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 432.777,59, que corresponde ao valor das correções efetuadas (artigo 97.º-A do CPPT).
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Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 7.038, a serem suportadas pela AT por ter sido total o seu decaimento.
Notifique-se
Lisboa, 28 de agosto de 2024.
Os Árbitros,
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(Regina de Almeida Monteiro – Presidente)
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(António Cipriano da Silva – Adjunto)
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(Raquel Montes Fernandes -Adjunta e Relatora)
[1] Para além das prestações de serviços onerosas, existem algumas operações realizadas a título gratuito que, para efeitos de regras de tributação de IVA, são assimiladas a onerosas, e que constam do n.º 2 do art.º 4 do Código do IVA e do art.º 26 da Diretiva IVA, não sendo relevantes in casu.
[2] Ponto 14 do acórdão do TJUE de 03.03.1994, R. J. Tolsma, C-16/93, ECLI:EU:C:1994:80.
[3] Pontos 29 e 30 do processo C-332/15, Giuseppe Astone, de 28.07.2016.