Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 2/2024-T
Data da decisão: 2024-08-12   Outros 
Valor do pedido: € 306.824,07
Tema: Contribuição sobre o Serviço Rodoviário (CSR). Direito da União Europeia. Legitimidade dos repercutidos.
Versão em PDF

Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins, João Pedro Rodrigues e Catarina Belim, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

A..., Lda., titular do número único de pessoa coletiva..., com sede na..., n.º ..., ... ...‐... ..., (doravante, abreviadamente designada por «Requerente»), veio, na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito dos Pedidos de Revisão Oficiosa, apresentados a 30 de maio de 2023, junto da Alfândega do Jardim do Tabaco e da Alfândega de Aveiro, relativos às liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) com base nas Declarações de Introdução no Consumo (“DIC”) submetidas pela B..., S.A., pela C..., S.A., pela D..., S.A. e pela pela E..., S.A. (doravante designadas, em conjunto, por “fornecedoras de combustível”) e, bem assim, relativo aos consequentes atos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário àquelas adquiridos pela Requerente no período compreendido entre maio de 2019 e dezembro de 2022, apresentar, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.a‐A, n.º 2, e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112‐A/2011, de 22 de março, pedido de Pronúncia Arbitral sobre os referidos atos de liquidação de CSR e sobre os consequentes atos de repercussão.

É Requerida a AT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 3 de janeiro de 2024.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 21 de fevereiro de 2024, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O TAC encontra-se, desde 12 de março de 2024, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 23 de abril de 2024.

Por despacho de 14 de junho de 2024, o TAC proferiu o seguinte despacho:

“1. Notifique-se a Requerente para exercer, no prazo de 10 dias, o direito de resposta quanto à matéria da exceção invocada pela Requerida.

2. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito e a prova produzida é meramente documental.

3. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação da sentença. 

4. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, até à da data limite da prolação da decisão final.

5. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.

Notifique-se as partes do presente despacho.”

A Requerente respondeu às exceções.

 

  1. DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS

II.1      Posição da Requerente

 

A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:

  1. As acima identificadas fornecedoras de combustível entregaram ao Estado, enquanto sujeito passivo da respetiva relação jurídico‐tributária, os valores apurados nos atos de liquidação conjunta de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (“ISP”) e de CSR praticados pela AT com base nas DIC por aquela submetidas.
  2. Neste principal, as fornecedoras de combustível repercutiram nas respetivas faturas a CSR correspondente a cada um dos consumos realizados pela Requerente, tal como se demonstra através das declarações emitidas (cf. Documento 3).
  3. Assim, no período compreendido entre maio de 2019 e dezembro de 2022, a Requerente adquiriu 4.033.217,58 litros de gasóleo rodoviário, por força de tais aquisições, suportou, a título de CSR, a quantia global de € 447.687,15 (cfr. Documentos 4 e 5).
  4. Ademais, a Lei n.º 24/2016, de 22 de agosto veio instituir o Regime de Reembolso de Impostos sobre combustíveis para as empresas de transportes de mercadorias, doravante designado por “reembolso parcial”, alterando o Código dos Impostos Especiais de Consumo.
  5. Neste seguimento, a Portaria n.º 246‐A/2016, de 8 de setembro, ao estabelecer as condições e os procedimentos a ter em atenção aquando da aplicação do regime do reembolso parcial, determinou que «[a]o abrigo do presente regime, é reembolsada, ao adquirente, a diferença entre o nível mínimo de tributação previsto no artigo 7.º da diretiva 2003/96/CE, de 27 de outubro e o montante total dos impostos indiretos cobrados (excluindo o IVA), calculados direta ou indiretamente com base na quantidade de produtos petrolíferos, designadamente, o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos, o Adicionamento sobre as emissões de CO2 e a Contribuição de Serviço Rodoviário” (realce nosso).
  6. Neste principal, nos períodos em análise, por força deste mecanismo, as Requerente recuperaram, a título de gasóleo profissional, a quantia de € 140.863,08, correspondente a Contribuição de Serviço Rodoviário, valor este que deverá ser deduzido aos montantes inicialmente suportados e que lhe deverão ser ressarcidos (cfr. Documento 6).
  7. Em rigor, as Requerente peticionam a devolução dos montantes de Contribuição de Serviço Rodoviário suportados, no valor de € 306.824,07, com referência aos períodos em análise.
  8. No entanto, e nos termos melhor explanados infra, a CSR foi considerada ilegal por ser contrária ao Direito da União Europeia.
  9. Neste sentido, considerando que a Requerente suportou avultados montantes relativos à CSR, a Requerente apresentou, no passado dia 30 de maio de 2023, Pedidos de Revisão Oficiosa, onde suscitou a revisão dos atos tributários de CSR e, consequentemente, dos atos de repercussão daquele imposto na sua esfera, ao abrigo do artigo 78.º da LGT (cfr. Documentos 1 e 2).
  10. Os referidos Pedidos de Revisão Oficiosa vieram a presumir‐se tacitamente indeferidos, por inércia da AT em emitir uma decisão dentro do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT.
  11. Assim, e no âmbito daquela competência, por não se conformar com os indeferimentos tácitos dos Pedidos de Revisão Oficiosa por si interpostos, e, por conseguinte, com a legalidade dos atos de liquidação de CSR (e consequentes atos de repercussão) que lhe estão subjacentes, a ora Requerente vem suscitar a apreciação junto deste Tribunal da legalidade daquelas decisões de indeferimento, tacitamente presumidas, e dos próprios atos de liquidação.

 

II.2. Posição da Requerida

 

Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

 

I – Por Exceção

Da incompetência do Tribunal em razão da matéria

  1. A Autoridade Tributária está vinculada à jurisdição dos Tribunais arbitrais nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, sendo o objeto desta vinculação definido pelo artigo 2.º que dispõe que “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.”
  2. Daqui decorre que foi intenção do legislador restringir a vinculação dos serviços e organismos ao CAAD no âmbito de pretensões que dizem respeito, especificamente, a impostos, aqui não se incluindo tributos de outra natureza, tais como as contribuições.
  3. Sendo que, no caso em apreço está em causa a apreciação da legalidade da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e respetivas liquidações.
  4. Ora, tratando-se de uma contribuição e não um imposto, as matérias sobre a CSR encontram-se, assim, excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal.
  5. E a este propósito veja-se o artigo 4o da LGT onde o legislador não só definiu no no 1 quais os tributos que considera enquadrados na noção de “imposto”, como vem, ainda, atribuir essa qualidade a determinadas contribuições especiais, definindo no no 3 aquelas que devem também ser consideradas como um imposto.
  6. Daqui resulta que existem tributos aos quais, não obstante terem outra designação, o legislador veio atribuir a qualidade de imposto.
  7. Assim, se o legislador pretendesse atribuir, também, essa qualidade à CSR, tê-la-ia, expressamente, enquadrado naquela definição, o que não fez.
  8. Ou seja, independentemente do nomen iuris ou da natureza jurídica da CSR, a verdade é que não é, por definição, um imposto e, portanto, o CAAD não tem competência para decidir sobre esta matéria.

 

Da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente

  1. Nos presentes autos, vem a Requerente pedir que sejam anuladas as liquidações de CSR referentes ao gasóleo rodoviário por aquela adquiridos às suas fornecedoras no período compreendido entre maio de 2019 a dezembro de 2022, determinando-se, o reembolso de todas as quantias alegadamente suportadas pela Requerente a esse título, acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios.
  2. Alegando ter sido a Requerente a pagar o respetivo valor da CSR.
  3. Ora, desde logo é importante salientar que, apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago.
  4. E, no âmbito dos impostos especiais de consumo, são sujeitos passivos, grosso modo, as entidades responsáveis pela introdução dos combustíveis no consumo.
  5. Pelo que é a estas que são emitidas as respetivas liquidações de imposto e apenas estas podem identificar tais atos de liquidação e solicitar, em caso de erro, a sua revisão, com vista ao reembolso dos montantes cobrados (artigos 15.º e 16.º do CIEC).
  6. Estas disposições legais fundamentam-se no regime próprio dos impostos especiais de consumo, designadamente, por se tratarem de impostos monofásicos, que incidem apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez.
  7. Diferentes são os impostos plurifásicos, como é o caso do IVA, que incidem em todas as fases do circuito económico, através do crédito do imposto a jusante e do débito a montante.
  8. À opção do legislador não terá, certamente, sido alheio o facto de a liquidação do ISP, que tem por base as declarações de introdução no consumo, abranger vendas efetuadas a um vasto conjunto de entidades que são totalmente alheias à relação jurídica tributária.
  9. Assim, no âmbito dos impostos especiais sobre o consumo, encontra-se previsto no CIEC um regime específico, e, conforme referem Sérgio Vasques e Tânia Carvalhais Pereira: “O reembolso por erro corresponde, materialmente, à revisão do ato tributário, com fundamento em erro dos serviços, previsto no artigo 78o da LGT, aqui com um prazo mais curto de 3 anos” (in “Os Impostos Especiais de Consumo”, Editora Almedina, 2016, a págs. 364).
  10. Inexistindo, assim, qualquer dúvida, que, no que concerne aos impostos especiais sobre o consumo, o regime previsto no CIEC (artigos 15.º a 20.º) é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação.
  11. O que decorre, expressamente, do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que criou a CSR, ao estabelecer que, quanto às matérias de “liquidação, cobrança e pagamento” da CSR, se aplica o CIEC, disciplina regulada no Capítulo II, da Parte Geral, relativo, precisamente, à liquidação, cobrança e pagamento, no qual se inserem as disposições relativas ao reembolso.
  12. Sendo que, tal como ocorre no âmbito dos IEC, e em outros tipos de impostos, as disposições especiais previstas nos respetivos códigos prevalecem sobre as normas gerais previstas na LGT e no CPPT.
  13. E, nos termos do artigo 15.º do Código do Impostos Especiais sobre o Consumo, apenas podem solicitar o reembolso do imposto pago os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.
  14. Dispondo, também o n.º 1, do artigo 78.º, da LGT, que a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária.
  15. O que corrobora o estabelecido no CIEC quanto ao titular do direito de revisão do ato tributário, já que, como decorre do n.º 2 do artigo 15.º, conjugado com o artigo 16.º, daquele código, só podem solicitar a revisão oficiosa os sujeitos passivos e a administração tributária.
  16. Como tal, no âmbito dos IEC, de acordo com o estatuído nos artigos 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto.
  17. Estando tal possibilidade restringida, independentemente do tipo de erro ou da situação que motive o reembolso, ao sujeito passivo (aquele que declara para consumo e paga o imposto que deve em nome e por conta próprios) e que poderá, ou não, no momento da venda, ter transferido parte ou a totalidade desse encargo para outros intervenientes na cadeia de comercialização de combustíveis (distribuidores, grossistas, retalhistas, consumidores finais).
  18. Ora, no caso concreto, não se encontram reunidos os pressupostos para a revisão dos atos tributários, porquanto tal direito não se encontra incluído na esfera jurídica dos repercutidos económicos ou de facto, não podendo as entidades, em que alegadamente teria sido repercutido o imposto, apresentar pedidos de revisão ou de reembolso por erro.
  19. Ou seja, não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do CIEC, não têm legitimidade nos termos supra nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral.
  20. Dito de outra forma, porque a Requerente de reembolso não corresponde à entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento do ISP, e da CSR, carece de legitimidade para solicitar a anulação das referidas liquidações e consequente reembolso do montante correspondente – vide artigo 15.º, n.º 2, do CIEC.
  21. Refira-se que esta situação contém duas relações jurídicas distintas: a relação jurídica tributária de direito público, pela qual o Estado é credor de uma certa quantia de um sujeito passivo, e a relação jurídica de direito privado, pela qual os adquirentes do combustível, na medida em que entendem ser repercutidos, podem vir a ter o direito de exigir uma certa quantia do sujeito passivo.
  22. O que não pode é vir a Requerente pedir à AT o reembolso de um tributo que nunca entregou ao Estado.
  23. Ainda que assim não se entenda, o que não se concede e equaciona por mero dever de cautela, carece igualmente para o efeito a Requerente de legitimidade atendendo igualmente ao disposto no artigo 18.º, n.º 4, alínea a), do Decreto-Lei n.º 398/98 de 17 de dezembro (Lei Geral Tributária – LGT), pois não é sujeito passivo quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal.
  24. Sendo certo que, no caso concreto não está em causa uma alegada situação de repercussão legal, porquanto a repercussão da CSR tem uma natureza meramente económica ou de facto.

 

Da ineptidão do pedido arbitral – da falta de objeto

  1. A ineptidão da petição inicial ocorre quando esta contém deficiências que comprometem irremediavelmente a sua finalidade, determinando a nulidade de todo o processo e a absolvição da instância, conforme artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º alínea b) e 278.º, n.º 1, alínea b), do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT.
  2. O presente pedido arbitral não respeita os pressupostos legais de aceitação do requerimento/petição inicial, por violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, requisito essencial à aceitação do pedido.
  3. Conforme dispõe expressamente o n.º 2 do artigo 10.º do RJAT:

“O pedido de constituição de tribunal arbitral é feito mediante requerimento enviado por via eletrónica ao presidente do Centro de Arbitragem Administrativa do qual deve constar:

a) A identificação do sujeito passivo, incluindo o número de identificação fiscal, e do serviço periférico local do domicílio ou sede do sujeito identificado em primeiro lugar no pedido;

b) A identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral;

(...)”.

  1. A identificação do(s) ato(s) tributário(s) objeto do pedido é condição essencial para a aceitação do pedido de constituição do tribunal arbitral.
  2. Uma vez que, sendo aceite o pedido sem a identificação dos atos tributários cuja ilegalidade a Requerente pretende ver sindicada, não pode a Requerida exercer em toda a plenitude o contraditório nem pode o douto tribunal apreciar o pedido.
  3. Ora, no caso sub judice, analisado, quer o pedido arbitral, quer a documentação a ele anexa, em lado algum se encontra identificado qualquer ato tributário.
  4. Sem, no entanto, em qualquer dos casos, identificarem quaisquer atos de liquidação de ISP/CSR praticados pela administração tributária e aduaneira, nem as Declarações de Introdução no Consumo (DIC) submetidas pelos alegados sujeitos passivos de imposto.
  5. E sem, de quaisquer documentos juntos aos autos pela Requerente, constarem quaisquer elementos dos alegados “atos de repercussão da CSR”.
  6. Pelo exposto, salvo douto e melhor entendimento, o pedido arbitral não preenche nem satisfaz os pressupostos legais de aceitação, uma vez que viola o artigo 10.º, no 2, al. b) do RJAT, devendo, consequentemente, ser declarado inepto.

 

Da caducidade do direito de ação

  1. A falta de identificação dos atos de liquidação em discussão impede a aferição da tempestividade dos pedidos de revisão oficiosa das liquidações formulados pela Requerente.
  2. É que a contagem do prazo para a apresentação dos referidos pedidos, inicia-se a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do ato de liquidação (global).
  3. Ora, constata-se que a Requerente apresenta impugnação no tribunal arbitral em 29/12/2023, do indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados em 30/05/23 junto da Autoridade Tributária e Aduaneira.
  4. E para a apreciação da tempestividade da apresentação do pedido arbitral não pode deixar de ser previamente apreciada a questão da tempestividade do pedido de revisão, o que, como supra se demonstrou (face à não identificação dos atos tributários em litígio) é impossível.
  5. No entanto, caso assim não se entenda, o que apenas por mero dever e cautela depatrocíniose concebe, tudo leva a crer que, o pedido de revisão oficiosa e, consequentemente, o pedido arbitral, são intempestivos.
  6. Porquanto, tomando por referência o alegado pela Requerente, aquisições no período compreendido entre maio de 2019 a dezembro de 2022, em 30.05.23, há muito que se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa de 120 (cento e vinte) dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR, previsto no artigo 78.º, n.º 1, primeira parte da LGT.
  7. Razão pela qual a Requerente fundamenta o pedido de revisão oficiosa em erro imputável ao serviço, de modo a fazer valer-se do prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º no 1, segunda parte da LGT.
  8. No entanto, estando a Requerida vinculada ao princípio da legalidade e tendo efetuado as liquidações em estrita observância dos normativos legais em vigor à data dos factos, não existe qualquer erro imputável aos serviços.
  9. Ademais, e sem conceder, no âmbito dos IEC, os pedidos de reembolso apresentados nas alfândegas devem ser apreciados à luz do disposto nos artigos 15.º a 20.º do CIEC, sendo pacífico que o regime específico aí previsto é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação.
  10. Pelo que, a acrescer ao facto de a Requerente não ser sujeitos passivos de ISP/CSR e ao facto de não lograr provar o pagamento dos respetivos valores, a 30/05/2023 já teria terminado o prazo de 3 (três) anos previsto no no 3 do artigo 15.º do CIEC para requerer o reembolso, ainda que parcial, do alegado valor pago por alegada repercussão económica de CSR.
  11. Face ao exposto, verifica-se que o vício do pedido arbitral decorrente da falta de identificação do(s) ato(s) tributário(s) em crise tem, entre outros, como efeito a impossibilidade de se aferir em pleno da tempestividade dos pedidos de revisão oficiosa e de reembolso por alegado pagamento de valores a título de alegada repercussão económica da CSR, e, consequentemente, da tempestividade do pedido arbitral.

 

II – Por Impugnação

  1. Alega a Requerente ter adquirido às fornecedoras supra indicadas (constantes doc.3 anexo ao pedido de Revisão Oficiosa, cfr. PA), 4.033.217,58 litros de gasóleo rodoviário, que aquela fornecedora de combustíveis repercutiu nas respetivas faturas a CSR correspondente a cada um dos consumos, tendo a Requerente, por conseguinte, suportado integralmente a CSR com a aquisição do referido combustível, no montante total de 306.824,07 €.
  2. Sucede que, não logra a Requerente fazer prova do que alega, designadamente que a Requerente pagou e suportou integralmente o encargo do pagamento da CSR por repercussão.
  3. Não se podendo dar como provada a alegada repercussão da CSR, devendo funcionar plenamente as regras do ónus da prova, não se dando como provados os alegados factos invocados no pedido arbitral, sendo que, nos termos do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova de factos constitutivos de direito recai sobre quem os invoque.
  4. Devendo funcionar plenamente as regras do ónus da prova, não se dando como provados os alegados factos invocados no pedido arbitral.
  5. Sendo relevante frisar que não é admissível, a posteriori, que se confundam as regras do ónus da prova e respetivas consequências legais no que concerne aos factos a dar (ou não) como provados com quaisquer construções de raciocínio que eventualmente equacionem e se baseiem em “presunções” sem qualquer sustento fáctico ou legal, sob pena de subversão inconstitucional do sistema do ónus da prova e de princípios que merecem tutela constitucional, designadamente segurança jurídica.
  6. Nem é admissível que, atenta a regra geral prevista no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, se diga que incumbe à AT fazer a prova da não repercussão, entendendo a jurisprudência que, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, a maior complexidade da prova de factos negativos necessitará de ter como resultado uma menor exigência probatória por parte do magistrado, mas não uma inversão do ónus da prova (cf. acórdão do STA de 17-12-2008, proferido no Processo n.º 0327/08).
  7. Sendo que, de acordo com o artigo 344.º do Código Civil (Inversão do ónus da prova), as regras do ónus da prova (previstas nos artigos 342.º e 343.º) só se invertem quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei o determine ou quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, situações que não se verificam no caso em concreto.
  8. Pelo que, exigir que seja a Requerida a fazer prova de que não houve repercussão, isto é, fazer prova de facto negativo, configura uma exigência de prova diabólica, a qual é inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade, da tutela jurisdicional efetiva e do processo equitativo, preceituados nos artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, e do direito ao contraditório e à ampla defesa.
  9. Não se podendo, igualmente, presumir a existência de repercussão quando, como acima se explanou, estamos perante uma repercussão que não é legal, mas meramente económica ou de facto.
  10. Como se dizia, sucede que não logra a Requerente fazer prova do que alega, designadamente sobre o alegado facto de ter adquirido e pago combustível e, consequentemente, ter suportado integralmente o encargo do pagamento da CSR, que as fornecedoras de combustível alegadamente repercutiram nas respetivas faturas.
  11. Pelo que não se aceita e se impugna, nessa medida, o vertido nos artigos do pedido arbitral relativos ao pagamento da CSR, colocando-se em causa e não se podendo dar como provado que a Requerente tenha pago na íntegra ou parcialmente a CSR alegadamente repercutida na aquisição das quantidades de combustível em apreço e a correspondência dos documentos juntos com o pedido arbitral, com a realidade dos factos.
  12. Impugnam-se igualmente o teor dos Docs. 3 e 4 junto ao pedido arbitral porquanto dos mesmos não se retiram os factos que a Requerente pretende dar como provados, não servindo como prova dos factos alegados pela Requerente.
  13. O Doc.4 corresponde às faturas de aquisição em causa e que, por si só, não fazem prova do alegado pagamento de CSR.
  14. Sendo ainda forçoso notar que das faturas apenas constam valores referentes ao IVA, não contendo aquelas qualquer referência a montantes pagos a título de ISP ou CSR, sendo absolutamente omissas nesse aspeto, o que se comprova com o sistema e-fatura, e sistema SAFT- T, que apenas indicam o IVA associado a cada venda de combustível efetuado, não existindo qualquer tipo de informação relevante para a identificação das DIC e respetivas liquidações de ISP/CSR a montante.
  15. Não tendo sido, também, apresentados, além disso, quaisquer comprovativos de pagamento ao Estado do ISP/CSR, consubstanciados pela apresentação dos respetivos Documentos Únicos de Cobrança (DUC) e das Declarações Aduaneiras de Importação/Documentos Administrativos Únicos (DAI/DAU) com averbamento do número de movimento de caixa.
  16. Acresce que as faturas apresentadas pela Requerente contêm uma parcela com a designação "desc." (desconto), sem descritivo da respetiva natureza e conteúdo, o que contribui para a falta de rigor e, por si só, suscita dúvidas quanto a própria presunção da repercussão da CSR.
  17. Refira-se, a propósito, que a Requerente alude a contratos de fornecimento de combustíveis celebrado com a fornecedora sem, todavia, esclarecer os termos da aludida relação contratual e o tratamento comercial e fiscal da CSR, ou seja, sobre a efetiva repercussão fiscal no âmbito dessas operações comerciais, relativas ao fornecimento de combustíveis pelo sujeito passivo à Requerente.
  18. Por outro lado, a declaração genérica apresentada pela Requerente, Doc. 3 constante do PA, na qual a sua fornecedora declara que repercutiu na Requerente a CSR, não contêm os elementos concretos indispensáveis à comprovação de que tal sucedeu efetivamente.
  19. Assim, em conformidade com o demonstrado, considera-se que nenhum dos elementos de prova apresentados, sustentam qualquer alegado facto invocado no pedido arbitral, nomeadamente que o valor pago pelo combustível que adquiriu às suas fornecedoras, tem incluída a totalidade (ou sequer, parte) da CSR paga pelo sujeito passivo de ISP/CSR, nem constitui prova bastante quanto aos valores alegadamente suportados a título de CSR, o que deve ser devidamente valorado em termos de prova, sendo certo que impendia sobre a Requerente o ónus de tal prova.
  20. Sendo ainda forçoso notar que das faturas apresentadas apenas constam valores referentes ao IVA, não contendo aquelas qualquer referência a montantes pagos a título de ISP ou CSR, sendo absolutamente omissas nesse aspeto.
  21. Tal como impendia sobre a Requerente o ónus de provar que o preço dos serviços prestados aos seus clientes, não comportou, a jusante, a repercussão da CSR, por forma a poder sustentar que suportou de forma efetiva o encargo daquele tributo.
  22. Consequentemente, é forçoso concluir que não logra a Requerente fazer prova de que efetivamente ocorreu repercussão, parcial ou total, da CSR na aquisição dos combustíveis à sua fornecedora e que, nessa sequência, efetuou o pagamento e suportou, a final, o encargo da CSR (sem o ter repassado, a jusante, no preço dos serviços prestados pela Requerente aos seus clientes ou consumidores finais).
  23. Sendo que a prova de pagamento da CSR é um facto positivo e não é prova suficiente justificar a ocorrência de uma efetiva repercussão desse tributo, assente em meros juízos presuntivos, sem efetuar a demonstração objetiva da realidade dos factos através de elementos de prova que se relacionem com os fatores inerentes às transações comerciais que foram realizadas.

 

  1. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, bem como se admite a cumulação de pedidos.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

O processo não enferma de nulidades.

 

  1. Fundamentação

IV.1.    Matéria de facto

 

Factos dados como provados

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

  1. As acima identificadas como fornecedoras de combustível entregaram ao Estado, enquanto sujeito passivo da respetiva relação jurídico‐tributária, os valores apurados nos atos de liquidação conjunta de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (“ISP”) e de CSR praticados pela AT com base nas DIC por aquela submetidas.
  2. Assim, no período compreendido entre maio de 2019 e dezembro de 2022, a Requerente adquiriu 4.033.217,58 litros de gasóleo rodoviário, por força de tais aquisições, e suportou, a título de CSR que lhe foi repercutido pelas fornecedoras de combustível, a quantia global de € 447.687,15 (cfr. Documentos 3, 4 e 5).
  3. Ademais, a Lei n.º 24/2016, de 22 de agosto veio instituir o Regime de Reembolso de Impostos sobre combustíveis para as empresas de transportes de mercadorias, doravante designado por “reembolso parcial”, alterando o Código dos Impostos Especiais de Consumo.
  4. Neste seguimento, a Portaria n.º 246‐A/2016, de 8 de setembro, ao estabelecer as condições e os procedimentos a ter em atenção aquando da aplicação do regime do reembolso parcial, determinou que «[a]o abrigo do presente regime, é reembolsada, ao adquirente, a diferença entre o nível mínimo de tributação previsto no artigo 7.º da diretiva 2003/96/CE, de 27 de outubro e o montante total dos impostos indiretos cobrados (excluindo o IVA), calculados direta ou indiretamente com base na quantidade de produtos petrolíferos, designadamente, o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos, o Adicionamento sobre as emissões de CO2 e a Contribuição de Serviço Rodoviário” (realce nosso).
  5. Neste principal, nos períodos em análise, por força deste mecanismo, a Requerente recuperou, a título de gasóleo profissional, a quantia de € 140.863,08, correspondente a Contribuição de Serviço Rodoviário, valor este que deverá ser deduzido aos montantes inicialmente suportados e que lhe deverão ser ressarcidos (cfr. Documento 6).
  6. Em rigor, as Requerente peticionam a devolução dos montantes de Contribuição de Serviço Rodoviário suportados, no valor de € 306.824,07, com referência aos períodos em análise.

 

Factos dados como não provados

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa, sendo que a componente da prova da repercussão será analisada e ponderada infra na decisão de mérito, uma vez que a mesma não faz parte dos factos provados.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição, a prova testemunhal produzida na audiência e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária, e em factos não questionados pelas partes.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

Assim, não obstante a Requerida ter impugnado os Documentos 3 e 4, por alegadamente deles não resultarem os factos que se pretendem dar como provados, a verdade é que, no seu conjunto, o acervo documental existente nos autos, valorado de acordo com as regras de experiência comum, correspondentes ao il quod plerumque accidit, permitem concluir que a Requerente suportou efetivamente os valores de CSR constantes do ponto b).

Em particular, as declarações dos sujeitos passivos do imposto de que repercutiram na Requerente a totalidade dos valores que entregaram ao Estado a título de CSR, conjugadas com os documentos que suportam a aquisição dos combustíveis, cumprem a função de possibilitar a determinação do valor da CSR, na ausência da sua menção expressa em cada um dos documentos de aquisição. Aliás, note-se que o facto de as faturas individualmente consideradas não se referirem ao valor da CSR repercutida não se traduz em qualquer “formalidade ad substantiam” da repercussão, mas apenas exige um esforço ad probationem suplementar que é satisfeito pelas mencionadas declarações.

Neste quadro e perante tais declarações, a existência de repercussão do tributo no consumidor final numa situação em que a lei pretende que ela exista, como sucede com a CSR, sempre poderia ser deduzida das regras da experiência que os árbitros devem aplicar na fixação da matéria de facto, nos termos da alínea c) do artigo 16.º do RJAT, pois trata-se de uma situação normal, que corresponde ao andamento natural das coisas, o il quod plerumque accidit.

Neste contexto, deve dizer-se que uma tal fixação de ocorrência da repercussão quando ela está prevista na lei e não há qualquer facto que permita duvidar da sua correspondência à realidade, não é incompatível com o Direito da União, designadamente à face do Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no processo C-460/21, porquanto o que aí se refere, relativamente a prova de uma situação de enriquecimento sem causa – que constitui excepção ao direito ao reembolso de quantias cobradas em violação do Direito da União –,  é que «o direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C-441/98 e C-442/98, EU:C:2000:479, n.º 42)». Isto é, o que o TJUE considera incompatível com o Direito da União é a utilização exclusiva de uma presunção de repercussão para prova de uma situação excepcional de enriquecimento sem causa, derivada de omissão de repercussão, impedindo ao operador que devia fazer a repercussão a apresentação de elementos de prova destinados a demonstrar que não ocorreu.

Mas, no caso em apreço, o que esta em causa não é a prova de uma situação de exceção, mas sim a prova da situação normal e não há obstáculos a que seja apresentada prova de que a repercussão não ocorreu. O que sucede, é que nenhuma prova foi apresentada que permita entrever que a repercussão não tenha ocorrido e nos valores indicados pela Requerente.

 

 

IV. 2. Matéria de Direito

 

A Requerente manifestou a sua discordância com os atos tributários inerentes à liquidação de CSR, inicialmente perante a Requerida e, face ao indeferimento tácito, apresentou pedido de pronúncia arbitral perante a CAAD, como exposto supra.

A Requerida na resposta veio alegar as diversas exceções supracitadas, as quais serão apreciadas no ponto seguinte.

 

IV.2.A. EXCEÇÕES

 

  1. Da incompetência do Tribunal em razão da matéria

O TJUE no despacho proferido no processo C‑460/21, a 7 de fevereiro de 2022, afirma-se que a CSR foi criada com uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita (imposto), não lhe estando subjacente qualquer “motivo específico” de política ambiental, energética ou social, dando-se por reproduzidos os demais argumentos.

As taxas da CSR possuem valor fixo, estabelecido na própria Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, incidindo sobre os litros do produto transacionado/introduzido no consumo e não sobre o valor da transação, reforçando a sua natureza de imposto específico, uma vez que possui um valor fixo, independente do nível de preço.

Quando ao demais afirmado pela Requerida sobre a incompetência do Tribunal, observa-se que na interpretação das peças processuais devem observar-se o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, pelo que o Tribunal deve extrair da redação dada ao pedido na petição inicial o sentido mais favorável aos interesses do peticionante.

Observa anterior decisão e respetiva fundamentação, concluindo, em síntese, que “não procede a alegada exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral em virtude da natureza do tributo, uma vez que a competência dos tribunais arbitrais abrange a apreciação das pretensões dos sujeitos passivos referentes a qualquer espécie de tributo, nos termos do art.º 2.º do RJAT; e também não se verifica a falta de vinculação prévia da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais no presente processo, por força do art.º 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que limita essa vinculação prévia às “pretensões relativas a impostos” (…) Nos termos do corpo do art.º 99.º do CPPT, “constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade”, entendendo-se que aqui se inclui a ilegalidade abstrata da liquidação (CAAD, decisão arbitral de 31.01.2018, proc. nº 104/2017-T).” – Cf. Proc. 304/2022T.

Acresce, estarmos perante uma questão jurídica que integra a competência do Tribunal arbitral, relacionada com a apreciação de atos tributários e respetiva legalidade da liquidação da CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, por ser um tributo desconforme ao Direito da União Europeia, nomeadamente, ao n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16/12/2008, tendo por base o entendimento sufragado pelo despacho proferido pelo TJUE em 07/02/2022, no Proc. C-460/21.

Termos em que se conclui pela regular constituição e competência material do Tribunal arbitral – Cf. al. a) n.º 1, art.º 2.º e art.º 4.º, ambos do RJAT.

 

  1. Da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente

Quando é cobrado imposto em violação do direito da União Europeia, tem sido entendido que subiste a obrigação de restituí-lo ao sujeito passivo (SP), nos termos da lei e da jurisprudência da EU e nacional, salvaguardadas situações de enriquecimento sem causa.

O pedido em apreciação consiste em saber se nos termos desses ordenamentos jurídicos, os restantes intervenientes nas operações comerciais e, em regra, os contribuintes consumidores finais a quem o imposto possa ter sido repercutido e que o possam ter suportado economicamente têm o direito de exigir diretamente da Requerida/Estado a apreciação das respetivas liquidações e o reembolso do imposto indevidamente pago, caso seja provado ter sido acrescido ao preço de compra do bem/produto por eles adquirido.

As empresas petrolíferas, em regra, repercutem o ISP e, no caso a CSR, nos operadores a jusante. Enquanto impostos aplicados ao consumo, estes caracterizam-se pelo facto de o seu encargo financeiro poder ser repercutido -repercussão fiscal - nos intervenientes na atividade comercial, maxime, no consumidor final.

A legitimidade deve ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a administração tributária e as pessoas singulares ou coletivas e entidades equiparadas - têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem um interesse legalmente protegido. - Cf. n.º 2 do art. 1.º e art.º 65.º da LGT.

Nos termos da alínea a) do n.º 4 do art.º 18.º da LGT assiste o “direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias” a quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”.

Nesse sentido, o CPPT contém uma norma específica sobre a legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” – Cf. art. 9.º do CPPT.

No caso da CSR paga pela Requerente, enquanto consumidor final, existe a demonstração de um interesse legalmente protegido e que merece a tutela do direito, porquanto é no contribuinte consumidor final que, em regra, recai o pagamento dos tributos indiretos.

Por fim, atenta a jurisprudência da UE, o “Tribunal de Justiça referiu expressamente a possibilidade de o comprador final poder exigir, diretamente às autoridades nacionais, a restituição do montante do imposto indevido cujo encargo suportou” – Cf. Acórdão Comateb e O (-192/95 a C-218/95, Colect., p. I-165, n.º 20) de 14 de Janeiro de 1997.”

A plena eficácia do direito de reparação e a proteção efetiva dos contribuintes poderia ficar manifestamente prejudicada perante uma interpretação restrita no sentido de apenas os SP (no caso de CSR) gozarem do direto de ação e de pedirem o reembolso ao Estado – artigos 4.º a 12.º e 15.º a 20.º do CIEC, limitando-se formalmente a outros sujeitos da relação tributária a efetiva reparação dos prejuízos incorridos - os contribuintes que possam ter suportado efetivamente o imposto e ser objetivamente lesados pelos respetivos atos de liquidação.

Nesse sentido, afirma-se: “Por conseguinte, no caso em que um Estado-Membro tenha cobrado um imposto especial sobre o consumo em violação do direito da União e o sujeito passivo tiver repercutido este sobre o seu cliente, um direito a indemnização deste cliente contra o Estado não pode ser recusado com o fundamento de que é de excluir de antemão um nexo de causalidade direto entre a cobrança do imposto e o dano do cliente.” – Cf. Proc. C-94/10, conclusões referidas.

Termos em que a Requerente, na qualidade de consumidor final dos produtos sujeitos a ISP e, subsequentemente a CSR, a quem este imposto  foi repercutido, é titular de um interesse legalmente protegido e, ipso facto, de legitimidade processual, enquanto forma de acesso à justiça e de proteção dos direitos e reparação dos prejuízos que suportou com o pagamento da CSR considerada em desconformidade com o direito da União.

Por sua vez, o invocado pela Requerida direito de acesso à justiça, em matéria tributária, através da jurisdição civil contra o SP, o qual se limitou a cumprir a lei vigente e que, em princípio, não obteve qualquer ganho, mas antes um prejuízo, afigura-se que tal possibilidade seria muito difícil ou inexistente, na medida em que não ocorre nenhuma das situações previstas no artigo 476º do Código Civil. Observa-se que a repetição do indevido dependeria, ainda, do enriquecimento sem causa do SP, o qual, em regra, não ocorreu por ter entregado ao Estado um imposto que repercutiu no consumidor final.

Por fim, atento o princípio da efetividade deve ser reconhecido ao consumidor final, em regra, o repercutido de impostos indiretos, o direito de reclamar diretamente junto da administração tributária os montantes de imposto indevidamente liquidados e pagos - (Cf. Acórdão do TJUE de 20 de outubro de 2011, Proc. C-94/10).

 

  1. Da ineptidão do pedido arbitral – da falta de objeto

A Requerida defende a que o pedido de pronúncia arbitral é inepto por a Requerente não identificar os atos que são objeto do pedido arbitral, como exige a alínea b) o n.º 2 do artigo 10.º do RJAT.

Diz, em suma, que:

  • Ora, no caso sub judice, analisado, quer o pedido arbitral, quer a documentação a ele anexa, em lado algum se encontra identificado qualquer ato tributário.
  • Sem, no entanto, em qualquer dos casos, identificarem quaisquer atos de liquidação de ISP/CSR praticados pela administração tributária e aduaneira, nem as Declarações de Introdução no Consumo (DIC) submetidas pelos alegados sujeitos passivos de imposto.
  • E sem, de quaisquer documentos juntos aos autos pela Requerente, constarem quaisquer elementos dos alegados “atos de repercussão da CSR”.

O artigo 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, indica como uma das nulidades insanáveis em processo judicial tributário, a ineptidão da petição inicial.

Não indicando o CPPT as situações em que se deve entender que ocorre ineptidão da petição inicial, há que fazer apelo ao CPC, que é de aplicação subsidiária, nos termos do artigo 2.º, alínea e), daquele Código, e também o é no âmbito do processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

No artigo 186.º, n.º 1, do CPC, indicam-se as seguintes situações de ineptidão da petição inicial:

a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;

b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;

c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

O n.º 3 do mesmo artigo estabelece que «se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial».

No caso em apreço é manifesto que a ineptidão arguida pela AT não se enquadra nas referidas alíneas b) e c), pelo que só se pode aventar o seu enquadramento na alínea a).

No que concerne à alínea a), não se estando perante uma situação de falta do pedido ou de causa de pedir, apenas se poderá enquadrar a arguição no conceito de inteligibilidade.

No entanto, percebe-se o que pretende a Requerente com os pedidos que formula: “a apreciação da legalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente a 28 de junho de 2023 e, por via disso, dos atos de liquidação de Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) referentes ao período de 2019 a 2022, com o valor global de € 74.209,61 (setenta e quatro mil duzentos e nove euros e sessenta e um cêntimos), sendo entendimento da Requerente que se verifica erro de direito imputável aos serviços na aplicação ao procedimento de liquidação de CSR de normas nacionais inquinadas de ilegalidade por vício de violação de lei, em concreto, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008 (“Diretiva 2008/118/CE”), impondo-se, consequentemente, o reembolso do montante indevidamente pago a título de CSR e, bem assim o pagamento de juros indemnizatórios por erro imputável aos serviços da Administração Tributária”.

A eventual dificuldade que a AT possa ter para identificar as liquidações que ela própria emitiu aos fornecedores de combustíveis relacionadas com as faturas em causa, é um problema de organização dos seus serviços, pelo que é ela própria quem deve suportar os seus hipotéticos inconvenientes

Como se referiu na fundamentação da decisão da matéria de facto, a liquidação da CSR era efetuada com base nas DIC, que deviam ser processadas até ao final do dia útil seguinte àquele em que ocorra a introdução no consumo (artigo 10.º, n.ºs 1 e 3, do CIEC), pelo que se afigura que era possível à AT apurar qual a DIC relacionada com cada fatura e a respetiva liquidação que emitiu.

Neste contexto, não era exigível à Requerente que identificasse as liquidações que a AT emitiu com base nas vendas de combustíveis em causa, nem essa identificação é necessária para apurar a legalidade da cobrança de CSR ínsita nas faturas em causa.

A exigência de identificação das liquidações, numa situação deste tipo, em que o repercutido não tem possibilidade de as identificar e a identificação não é imprescindível para apurar a legalidade da cobrança de CSR ínsita nas faturas, seria incompaginável com o princípio constitucional da proporcionalidade e o direito à tutela judicial efetiva garantido pelos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, pois inviabilizaria a possibilidade prática de a Requerente impugnar contenciosamente atos que lhe aplicam tributação e lesam a sua esfera jurídica.

Pelo exposto, improcede a exceção da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Da caducidade do direito de ação

Por último, invoca a Requerida a exceção de caducidade do direito de ação, para tanto sustentando que o pedido de revisão oficiosa apresentado e cuja declaração de ilegalidade da decisão foi peticionada é intempestivo.

Isto porque, segundo defende, o pedido de revisão oficiosa por iniciativa do sujeito passivo apenas pode ser apresentado dentro do prazo de 120 dias contado do termo do prazo do pagamento voluntário do tributo.

Refere, assim, que “constata-se que a Requerente apresenta impugnação no tribunal arbitral em 29/12/2023, do indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados em 30/05/23 junto da Autoridade Tributária e Aduaneira”.

Concluindo que “tomando por referência o alegado pela Requerente, aquisições no período compreendido entre maio de 2019 a dezembro de 2022, em 30.05.23, há muito que se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa de 120 (cento e vinte) dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR, previsto no artigo 78.º, n.º 1, primeira parte da LGT”.

O prazo de 4 anos previsto no artigo 78º nº 1 2ª parte da LGT, prossegue a Requerida, só é aplicável se o fundamento da revisão consistir em erro e esse erro for imputável aos serviços. 

Erro esse que in casu não se verifica já que, de acordo com a Requerida, os atos de liquidação impugnados foram praticados ao abrigo dos artigos 4º e 5º da Lei 55/2007, não podendo a Requerida, que se encontra sujeita ao princípio da legalidade, deixar de aplicar quaisquer normas com base num julgamento de não conformidade com o direito comunitário.

Respondendo a esta exceção, defende a Requerente que o erro imputável aos serviços, ao abrigo do qual o artigo 78º da LGT permite a apresentação de pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 anos, comporta não apenas o erro de facto como também o erro de direito, quer este resulte da má interpretação das normas legais em vigor ou da aplicação de normas desconformes com o bloco de legalidade que lhes serve de parâmetro, designadamente o Direito Europeu.

Em causa nos autos está a interpretação da norma contida no número 1 do artigo 78º da LGT, que dispõe o seguinte:

“A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.

O dissenso entre a Requerente e a Requerida reside na interpretação da 2ª parte deste preceito, concretamente, em saber se a revisão oficiosa do ato pode ter lugar a pedido do sujeito passivo, ultrapassado o prazo da reclamação administrativa, por um lado, e, por outro lado, na interpretação da locução “erro imputável aos serviços”.

Vamos por partes.

No que diz respeito à possibilidade de, ultrapassado o prazo da reclamação administrativa, o sujeito passivo pedir a revisão oficiosa do ato tributário, parece-nos que tal questão se encontra há muito ultrapassada, já que, tendo a AT o dever legal de decidir os pedidos que lhe sejam formulados pelos interessados, não pode escusar-se a tomar a iniciativa de revisão oficiosa do ato tributário quando tal lhe seja pedido pelos interessados - neste sentido vejam-se, entre outros, acórdãos do STA de 04MAIO2016, processo nº 0407/15 e de 29MAIO2013, processo nº 0140/13, ambos in www.dgsi.pt.

O mesmo se diga em relação à definição de “erro imputável aos serviços”, a qual, como defende a Requerida, se encontra há mais de 20 anos estabelecida na jurisprudência, no sentido de que tal erro comporta quer o erro de facto, quer o erro de direito.

Como bem se sumaria no recente acórdão do TCA Sul de 05NOV2020, disponível in www.dgsi.pt, “I. Existindo uma obrigação genérica de a Administração Tributária atuar em plena conformidade com a lei, legalmente preceituada, desde logo, no artigo 266.°, nº2, da CRP e bem assim no artigo 55.° da LGT, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração. II- Para a questão se subsumir no “erro imputável aos serviços”, constante no artigo 78.º, nº 1, da LGT importa, desde logo, que o contribuinte não tenha contribuído, por qualquer forma, para a emissão do ato de liquidação, ou seja, não pode existir uma conduta, seja ela ativa ou omissiva, que tenha determinado a emissão do ato de liquidação, nos moldes em que o foi.” (realce nosso).

Sendo certo que tal ilegalidade poderá reconduzir-se à ilegalidade da liquidação (ilegalidade em concreto) ou à ilegalidade do tributo, isto é, à ilegalidade absoluta da liquidação (ilegalidade abstrata), comportando esta última a ilegalidade de normas nacionais violadoras do direito comunitário.

No caso dos autos, o fundamento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente e do subsequente pedido de pronúncia arbitral é a ilegalidade abstrata da CSR e não propriamente das liquidações efetuadas, as quais, como bem defende a Requerida, o foram em cumprimento do princípio da legalidade.

Em defesa da sua tese, defende ainda a Requerida que o erro imputável aos serviços, para efeito do disposto no artigo 78º nº 1 da LGT, no que à alegada violação do direito comunitário respeita, abrange apenas o erro na aplicação do direito comunitário que vincula diretamente todos os poderes públicos e os particulares, sem necessidade de qualquer lei nacional que o determine.

Entendemos ser esta questão perfeitamente inócua para o litígio em causa, já que, como é sabido, às diretivas comunitárias é reconhecido o efeito direto vertical, podendo, em consequência, as respetivas normas ser invocadas diretamente pelos particulares junto dos tribunais, independentemente da sua aplicação direta, isto é, independentemente de esta vincular diretamente todos os poderes públicos e os particulares, sem necessidade de qualquer lei nacional que o determine.

Em suma, temos, assim, por assente, que (i) o pedido de revisão oficiosa pode ter lugar por iniciativa do sujeito passivo, quer dentro do prazo de reclamação administrativa, com base em qualquer fundamento, quer dentro do prazo de 4 anos, com fundamento em erro imputável aos serviços; (ii) o erro imputável aos serviços comporta quer o erro de facto, quer o erro de direito; e (iii) o erro de direito engloba o erro derivado da violação de qualquer norma de direito comunitário, independentemente de este vincular ou não diretamente os poderes públicos e os particulares.

Improcede, pois, a exceção de caducidade do direito de ação invocada pela Requerida.

 

 

IV.2.B. Sobre o mérito da causa – sobre a ilegalidade das liquidações da CSR e o imposto suportado pelo contribuinte consumidor final por repercussão fiscal

 

 

A questão jurídica sub judice relaciona-se com a ilegalidade da liquidação da CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, por ser um tributo desconforme com o direito da União Europeia, nomeadamente, ao n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16/12/2008.

Por força do princípio do primado e da colaboração leal estabelecido no artigo 4º do TUE, as decisões do TJUE devem ser adequadamente observadas, sendo a decisão sobre a CSR amplamente seguida em decisões sobre a ilegalidade das respetivas liquidações - Proc. C-460/21, do TJUE.

De acordo com o referido entendimento do TJUE, diversos sujeitos passivos de ISP/CSR e outros interessados, têm vindo a suscitar junto do CAAD a ilegalidade dos atos tributários e subsequente o direito de reembolso do imposto indevidamente liquidado.

Na sequência do referido Proc. C-460/21, do TJUE, a Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro veio alterar significativamente a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, consignando parcialmente a receita do ISP ao serviço rodoviário, antes financiado pela CSR, agora eliminada.

Em face da declaração de ilegalidade da CSR pelo TJUE e os subsequentes pedidos de revisão dos atos de liquidação e pedido de reembolso, a Requerida não emitiu orientações para o reembolso da CSR, contrariamente à prática em outros EM na sequência da declaração de ilegalidade de tributos.

O pedido em apreciação consiste, desde logo, em saber se nos termos desses ordenamentos jurídicos, para além dos SP, o contribuinte consumidor final a quem o imposto foi repercutido e suportado economicamente tem o direito de exigir diretamente da Requerida a revisão dos atos de liquidação e o reembolso de imposto indevidamente pago, no caso, da CSR repercutida no preço dos combustíveis adquiridos.

Nos presentes autos está em causa a legalidade das liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) com base nas Declarações de Introdução no Consumo (“DIC”) submetidas pela B..., S.A., pela C..., S.A., pela D..., S.A. e pela pela E..., S.A. (doravante designadas, em conjunto, por “fornecedoras de combustível”) e, bem assim, relativo aos consequentes atos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário àquelas adquiridos pela Requerente no período compreendido entre maio de 2019 e dezembro de 2022.

Na sequência da apreciação das exceções invocadas pela Requerida e do reconhecimento da legitimidade da Requerente, consumidor final, esta tem um interesse legalmente protegido e o direito de ação e de interpelar diretamente a Requerida, por forma à revisão dos respetivos atos de liquidação de CSR e ser ressarcida dos prejuízos decorrentes do pagamento indevido do imposto, tendo já sido assente a sua repercussão no preço dos produtos adquiridos.

Na sequência da liquidação de imposto em violação do direito da União Europeia, o TJUE tem entendido que subiste a obrigação de restituí-lo ao sujeito passivo (SP), nos termos da lei e da jurisprudência da EU e nacional, salvaguardando situações de enriquecimento sem causa – Cf. Proc. C 94/10, conclusões de 24 março de 2011.

A jurisprudência da UE afirma que compete aos órgãos jurisdicionais nacionais «apreciar, à luz das circunstâncias de cada caso concreto, se o encargo do imposto foi transferido no todo ou em parte pelo operador para outras pessoas e, se for esse o caso, se o reembolso ao operador constitui enriquecimento sem causa» - cf. Acórdão Comateb e Acórdão C-566/07, Stadeco e cfr. Proc. 02185/17.8BEPRT - TCAN

Atenta a jurisprudência, o “Tribunal de Justiça referiu expressamente a possibilidade de o comprador final poder exigir, diretamente às autoridades nacionais, a restituição do montante do imposto indevido cujo encargo suportou” – Cf. Acórdão Comateb e O (-192/95 a C-218/95, Colect., p. I-165, n.º 20) de 14 de Janeiro de 1997.”

Sublinha-se que “No mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça referiu, contudo, que a restituição ao sujeito passivo do montante do imposto, apesar de este o ter repercutido sobre o comprador, equivaleria para aquele a um pagamento em dobro suscetível de ser qualificado como enriquecimento sem causa, sem que, porém, sejam remediadas as consequências da ilegalidade do imposto para o comprador. O Tribunal de Justiça reconheceu, assim, que o imposto contrário ao direito da União pode atingir economicamente outra pessoa para além do sujeito passivo e que existe uma necessidade de devolver o montante do imposto ao património desta pessoa.” Cf. Proc. C-94/10, conclusões, de 24 de março de 2011.

Nesse sentido, atentas as especificidades e casuísmo das respetivas operações comerciais, os elementos de prova são essenciais, inclusive para determinar quem efetivamente suportou imposto, o quantum efetivamente pago, pelo que nas referidas conclusões afirma-se ainda: “A jurisprudência do Tribunal de Justiça, de acordo com a qual a questão da repercussão ou não de um imposto indireto constitui uma questão de facto em cada caso concreto, na medida em que repercussão efetiva, total ou parcial, depende de vários fatores próprios a cada transação comercial” – Cf. Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard (331/85, 376/85 e 378/85, Comateb e o. (já referidos) e Weber’s Wine World e o. (C-147/01).

Assim, “a reparação dos prejuízos através do direito ao reembolso tem também, por fim, efeitos sobre a questão de saber como poderão ser eliminadas as consequências económicas para o comprador final do imposto cobrado em violação do direito da União.” – Cf. conclusões citadas.

Termos em que o direito de reembolso do consumidor final da CSR face ao Estado pode ser reconhecido por motivos de equivalência e efetividade – Cf. Acórdãos de 6 de outubro de 2005, MyTravel (C-291/03) e de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken (C-35/05).

Acresce que o reembolso e reparação do dano seria manifestamente mais difícil caso apenas se admitisse a possibilidade de o consumidor final pedir indemnização ao sujeito passivo, como referido, pelo que o princípio da efetividade visa assegurar que o consumidor final se possa dirigir diretamente ao Estado para realizar os seus direitos e reparar os danos sofridos por pagamento de impostos ilegais.

Na falta de regulamentação, na EU e interna, de natureza processual ou substantiva, para o reembolso de impostos cobrados em violação do direito da União Europeia, cabe aos Tribunais a decisão de cada caso sub judice.

Termos em que o princípio da efetividade se apresenta especialmente relevante no sentido de tornar efetiva a aplicação das normas jurídicas, bem como assegurar que os direitos, garantias e deveres estabelecidos pela legislação sejam realmente aplicados e produzam os resultados pretendidos – no caso a proteção de direitos e a reparação dos prejuízos sofridos pelos contribuintes lesados.

A plena eficácia do direito de reparação e a proteção efetiva dos contribuintes poderia ficar manifestamente prejudicada perante uma interpretação restrita no sentido de apenas os SP (no caso de CSR) gozarem do direto de pedirem o reembolso ao Estado– artigos 4.º a 12.º e 15.º a 20.º do CIEC, limitando-se formalmente os titulares desse direito e impedindo-se a efetiva reparação dos prejuízos incorridos pelos contribuintes objetiva e efetivamente lesados, como referido.

Nesse sentido, afirma-se: “Por conseguinte, no caso em que um Estado-Membro tenha cobrado um imposto especial sobre o consumo em violação do direito da União e o sujeito passivo tiver repercutido este sobre o seu cliente, um direito a indemnização deste cliente contra o Estado não pode ser recusado com o fundamento de que é de excluir de antemão um nexo de causalidade direto entre a cobrança do imposto e o dano do cliente.” – Cf. Proc. C-94/10, conclusões referidas.

No âmbito do reconhecimento do direito ao reembolso da CSR e de entre as diferentes interpretações possíveis dos regimes legais, deve privilegiar-se aquela que melhor concretize os direitos e garantias dos interessados, essencial, ainda, para adequada realização do princípio do acesso à justiça, porquanto para os direitos serem efetivos torna-se essencial que se reconheça aos cidadãos contribuintes a legitimidade para reivindicá-los perante os Tribunais, em especial, perante atos ilegais de liquidação de impostos.

Assim, e no caso sub judice, defende a Requerente serem as liquidações ilegais por violarem o que determina a Directiva 2008/118 do Conselho, de 16 de Dezembro.

Com efeito, sustenta que a CSR constitui, à luz da Directiva 2008/118/CE, um imposto não harmonizado incidente sobre produtos sujeitos aos IEC harmonizados.

Ora, tal Diretiva, que estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem direta ou indiretamente sobre o consumo, entre outros, dos produtos energéticos, dispõe, no n.º 2 do artigo 1º:

- “Os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções”.

A propósito de um reenvio prejudicial requerido no âmbito do processo arbitral n.º 564/2020-T, foi proferido pelo TJUE, no Proc. C-460/21, em 07-02-2002, despacho que considerou que:

- “Para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção da referida disposição, um imposto deve visar, por si só, assegurar a finalidade específica invocada, de tal forma que exista uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa”.

- Só se pode considerar que um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo quando prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1º, n.º 2 da Diretiva 2008/118, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria coletável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes nem sentido que permita realizar o motivo específico invocado, por exemplo, através da tributação significativa dos produtos considerados para desencorajar o respetivo consumo.

- No caso em apreço, importa salientar, em primeiro lugar, como resulta da jurisprudência referida no n.° 26 do presente despacho, que, embora a afetação predeterminada do produto da CSR ao financiamento, pela concessionária da rede rodoviária nacional, das competências gerais que lhe são atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, na aceção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, essa afetação não pode, enquanto tal, constituir um requisito suficiente.

- Em segundo lugar, para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção desta disposição, a CSR deveria destinar‑se, por si só, a assegurar os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional. Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C‑82/12, EU:C:2014:108, n.º 30, e de 25 de julho de 2018, Messer France, C‑103/17, EU:C:2018:587, n.° 38).

- Em terceiro lugar, como resulta do n.° 14 do presente despacho, é certo que a Autoridade Tributária sustenta que existe uma relação entre a afetação das receitas geradas pela CSR e o motivo específico que levou à instituição deste imposto, uma vez que o decreto‑lei que atribuiu a concessão da rede rodoviária nacional à IP impõe a esta última que trabalhe em prol, por um lado, da redução da sinistralidade nessa rede e, por outro, da sustentabilidade ambiental.

- Em quarto lugar, os dois objetivos atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional portuguesa estão enunciados em termos muito gerais e não deixam transparecer, à primeira vista, uma real vontade de desencorajar a utilização quer dessa rede quer dos principais combustíveis rodoviários, como a gasolina, o gasóleo rodoviário ou o gás de petróleo liquefeito (GPL) automóvel. A este respeito, é significativo que o órgão jurisdicional de reenvio destaque, na redação da sua primeira questão prejudicial, que as receitas geradas pelo imposto são genericamente afetadas à concessionária da rede rodoviária nacional e que a estrutura deste imposto não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo desses combustíveis.

- Em quinto lugar, o pedido de decisão prejudicial não contém nenhum elemento que permita considerar que a CSR, na medida em que incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, foi concebida, no que respeita à sua estrutura, de tal modo que dissuade os sujeitos passivos de utilizarem essa rede ou que os incentiva a adotar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria suscetível de reduzir os acidentes.

- Por conseguinte, sem prejuízo das verificações que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar atendendo às indicações que figuram nos n.º 29 a 34 do presente despacho, as duas finalidades específicas invocadas pela Autoridade Tributária para demonstrar que a CSR prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1°, n.º 2, da Diretiva 2008/118, não se distinguem de uma finalidade puramente orçamental (v., por analogia, Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C‑82/12, EU:C:2014:108, n.º 31 a 35)”.

Para concluir que:

- “O artigo 1°, nº 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE, deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários”.

Aderindo a tal entendimento, do mesmo modo que o decidido no processo arbitral 304/2022-T, concluímos que “a CSR não tem um «motivo específico», antes se destina ao financiamento de despesas de carácter geral que incumbem obrigatoriamente ao Estado e são suscetíveis de ser financiadas por quaisquer receitas fiscais, violando a lei que cria o tributo, com essa ausência de «motivo específico» o artigo 1°, n.° 2, da Diretiva 2008/118. Ao ser a lei que cria o tributo ilegal por violar a Diretiva 2008/118, as liquidações impugnadas padecem do vício de ilegalidade abstrata”.

Consequentemente as liquidações de CSR., que estão subjacentes à cobrança da mesma à Requerente, enfermam de vício de violação de lei, decorrente da ilegalidade, por incompatibilidade das normas dos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º da Lei n. 55/2007, de 31 de Agosto, nas redações vigentes em 2018/2019, com o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008.

 

IV.2.C. JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

Além da restituição das quantias indevidamente pagas, pretende a Requerente que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

Opõe-se a Requerida a tal pedido, invocando que “as atribuições dos tribunais arbitrais tributários não incluem competências no âmbito da execução de sentenças/decisões, não lhes competindo, por conseguinte, pronunciar-se sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação, o que só pode ser determinado em sede de execução da decisão, em conformidade, aliás, com o já decidido pela instância arbitral nesse sentido”.

O que não se compreende.

Se é verdade que a competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária apenas compreende as pretensões que envolvam a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de fixação da matéria coletável e de fixação de valores patrimoniais (alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2º do RJAT), o certo é que constitui um efeito da decisão arbitral de procedência que a AT deva praticar o ato tributário legalmente devido em substituição do ato impugnado e restabelecer a situação que existiria se esse ato não tivesse sido praticado (artigo 24.º, n.º 1, do RJAT).

O que decorre também do artigo 100º, n.º 1 da LGT quando estabelece que “a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

Tal direito vem consagrado no art. 43º da LGT o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.

O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, resulta do disposto no artigo 24º, n.º 5 do RJAT, quando estipula que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

Mas, para que a AT possa ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios, necessário é que, como se referiu, o mesmo resulte de erro imputável aos serviços.

In cazu, a AT não fez mais do que atuar segundo a determinação legal.

Tal não obsta a que se entenda ter ocorrido erro imputável aos serviços, na esteira do que decidiu o STA, ao estabelecer no acórdão proferido em 19-11-2014, no processo 0886/14 que “.. tem desde há muito entendido este Supremo Tribunal de forma pacífica que «existindo um erro de direito numa liquidação efetuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do artigo 266° da Constituição como o artigo 55° da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração, sendo que esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer um dos funcionários envolvidos na emissão do ato afetado pelo erro, conforme se deixou explicado, entre outros, no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 12.12.2001, no recurso n.º 026233, pois “havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efetuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro” já que “a administração tributária está genericamente obrigada a atuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços”. - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 14 de Março de 2012, rec. n.º 1007/11, e numerosa jurisprudência aí citada”.

Quer dizer que tendo ocorrido, in casu, erro de direito na liquidação em causa, assiste à Requerente o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios relativamente ao imposto pago.

Todavia, como estabelece o Acórdão do Pleno do STA de 11-12-2019- Proc. n.º 51/19.1BALSB, pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (cf. artigo 78º, n.º 1, da LGT) e vindo a ser anulado, mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido e não desde a data do pagamento da quantia liquidada, nos termos do disposto no artigo 43º, n.º 1 e 3, c) da LGT.

 

  1. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar totalmente improcedentes às exceções invocadas pela Requerida;
  2. Julgar totalmente procedente o presente pedido arbitral, com as legais consequências quanto ao reembolso dos montantes pagos e o pagamento dos juros indemnizatórios;
  3. Condenar a Requerida ao pagamento das custas.

 

  1. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 306.824,07, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

  1. Custas

 

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 5.508,00, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

 

Notifique-se.

           

Lisboa, 12 de agosto de 2024

 

 

Os Árbitros,

 

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins – com voto de vencido anexo)

 

 

(João Pedro Rodrigues)

 

 

(Catarina Belim)

 

 

 

 

Voto de vencido do Árbitro

Guilherme W. d’Oliveira Martins

 

 

É meu entendimento que a decisão deveria ser diversa, porque a mesma dependeria da prova da repercussão dos atos, pelos argumentos infra apresentados.

O contribuinte consumidor final tem de demonstrar que a CRS foi repercutida no preço dos produtos que adquiriu tem o direito de obter o reembolso da CSR indevidamente suportada, mediante o recurso aos meios de reação previstos na legislação tributária e, junto da AT, contestar diretamente os respetivos atos tributários – Vd nesse sentido o acórdão do TJUE de 14 de janeiro de 1997, Société Comateb, Procs. apensos C-192/95 a C-218/95, ponto 24.

A apreciação das liquidações de CSR, enquanto imposto indireto, implica conhecer todos os factos tributários que deram origem à receita desse imposto. A CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos a ISP, materializando-se nos atos de comercialização e o consumo desses produtos, sendo esses factos/acontecimentos que, de acordo com a lei, geram a obrigação tributária.

A liquidação de um tributo envolve diversos elementos fundamentais para sua correta execução, de entre os principais elementos da liquidação, tudo se inicia com o facto gerador, enquanto acontecimento da vida real previsto na lei que dá origem à obrigação tributária principal, ou seja, a obrigação de pagar o imposto. O conhecimento do fato gerador é o primeiro passo para a liquidação do imposto, pois define todos os elementos da respetiva relação jurídico-tributária.

O conhecimento preciso desse facto tributário, através dos respetivos elementos de suporte e de registo, revela-se essencial para verificar os direitos e as obrigações geradas, os intervenientes na relação tributária e a conformação dos respetivos direitos e deveres.

Assim, no caso sub judice, de ilegalidade das liquidações de CRS, por forma à respetiva apreciação, reposição da legalidade e subsequente ressarcimento dos contribuintes lesados é crucial conhecer quem efetivamente pagou o imposto em cada um dos diferentes atos comerciais ocorridos.

O SP que entregou ao Estado o imposto indevidamente liquidado, em regra, é o titular do direito ao reembolso, caso não obtenha um benefício indevido pelo pagamento efetivo desse imposto pelo consumidor final – enriquecimento sem causa como referido.

Para esse efeito e no caso da CSR, a prova documental e objetiva do efetivo pagamento pelo contribuinte consumidor final é essencial para comprovar por quem o imposto, total ou parcialmente, foi suportado e pago.

Na apreciação das liquidações indevidas de CSR e o subsequente direito ao reembolso, reveste especial relevo o conhecimento preciso dos elementos, objetivos e subjetivos, que integraram os acontecimentos/factos tributários que estiveram na origem dessas liquidações. O rigoroso conhecimento desses elementos é essencial face à natureza do imposto indireto como a CSR, domínio em é essencial conhecer quem pagou efetivamente o imposto, a quem e quem efetuou a sua entrega ao Estado, por forma à adequada compreensão e apreciação das respetivas relações jurídico-tributárias e, subsequentes direitos e deveres.

Observa-se que a anulação «de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado…” (…) e, no plano tributário, “em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”, - Cf. n.º 1 do artigo 172.º do CPA, n.º 1 do artigo 173.º do CPTA e artigo 100.º da LGT.

Consequentemente, no pedido de reembolso pelo SP este deve demonstrar a repercussão do CSR e a AT apreciar os inerentes atos tributários e as operações materiais - factos tributários - que suportam e fundamentam os atos de liquidação e pagamento do imposto. A apreciação das liquidações e o reconhecimento do reembolso de CSR ao SP, implica, igualmente, conhecer se o SP economicamente suportou o imposto, tido por indevido, face à natureza e à prática da repercussão fiscal inerente a esse imposto.

“A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro, alheio à relação jurídica tributária, com quem aquele tem relações económicas. Nas palavras de alguns autores, o repercutido será um mero "contribuinte de facto" (titular da capacidade contributiva), por contraposição ao "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento do tributo. De acordo com a doutrina pode fazer-se a distinção entre a repercussão obrigatória ou legal, a qual encontra consagração, por exemplo, em sede de I.V.A., por contraposição à repercussão voluntária (…)” – Proc. 0581/17.0BEALM, acórdão STA de 28-10-2020.

Termos em que o reconhecimento da legitimidade de ação do contribuinte consumidor final no imposto indireto – CSR - e o equilíbrio entre o direito material e direito processual, exige a clara e rigorosa demonstração dos elementos essenciais para decisão, em especial, meios de prova detalhados que permitam apurar inequivocamente quem efetivamente suportou o imposto, ou seja, a presença de elementos completos sobre o facto tributário subjacente às liquidações do imposto.

Através da presente impugnação, a Requerente ter adquirido às fornecedoras supra indicadas (constantes doc.3 anexo ao pedido de Revisão Oficiosa, cfr. PA), 4.033.217,58 litros de gasóleo rodoviário, que aquela fornecedora de combustíveis repercutiu nas respetivas faturas a CSR correspondente a cada um dos consumos, tendo a Requerente, por conseguinte, suportado integralmente a CSR com a aquisição do referido combustível, no montante total de 306.824,07 €.

Pelo referido, indica a Requerente pretender a apreciação da legalidade das liquidações respeitantes à CSR, as quais teriam incidido sobre os “sujeitos passivos” acima referidos e relativo aos consequentes atos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário àquelas adquiridos pela Requerente no período compreendido entre maio de 2019 e dezembro de 2022.

Ora, confrontando o alegado pela Requerente com os documentos cuja junção aos autos logrou pedir, facilmente se conclui que estes, em momento algum, sustentam as suas afirmações, designadamente que esta tenha pago e suportado integralmente o encargo do pagamento da CSR por repercussão, por várias razões aliás invocadas pela Requerida:

  • Não logra a Requerente fazer prova do que alega, designadamente que a Requerente pagou e suportou integralmente o encargo do pagamento da CSR por repercussão.
  • O Doc.4 corresponde às faturas de aquisição em causa e que, por si só, não fazem prova do alegado pagamento de CSR.
  • Apenas constam valores referentes ao IVA, não contendo aquelas qualquer referência a montantes pagos a título de ISP ou CSR, sendo absolutamente omissas nesse aspeto, o que se comprova com o sistema e-fatura, e sistema SAFT- T, que apenas indicam o IVA associado a cada venda de combustível efetuado, não existindo qualquer tipo de informação relevante para a identificação das DIC e respetivas liquidações de ISP/CSR a montante.
  • Não foram apresentados, quaisquer comprovativos de pagamento ao Estado do ISP/CSR, consubstanciados pela apresentação dos respetivos Documentos Únicos de Cobrança (DUC) e das Declarações Aduaneiras de Importação/Documentos Administrativos Únicos (DAI/DAU) com averbamento do número de movimento de caixa.
  • As faturas apresentadas pela Requerente contêm uma parcela com a designação "desc." (desconto), sem descritivo da respetiva natureza e conteúdo, o que contribui para a falta de rigor e, por si só, suscita dúvidas quanto a própria presunção da repercussão da CSR.
  • Refira-se, a propósito, que a Requerente alude a contratos de fornecimento de combustíveis celebrado com a fornecedora sem, todavia, esclarecer os termos da aludida relação contratual e o tratamento comercial e fiscal da CSR, ou seja, sobre a efetiva repercussão fiscal no âmbito dessas operações comerciais, relativas ao fornecimento de combustíveis pelo sujeito passivo à Requerente.
  • Por outro lado, a declaração genérica apresentada pela Requerente, Doc. 3 constante do PA, na qual a sua fornecedora declara que repercutiu na Requerente a CSR, não contêm os elementos concretos indispensáveis à comprovação de que tal sucedeu efetivamente.

Não existe, portanto, nenhum elemento de prova que sustente qualquer alegado facto invocado no pedido arbitral, nomeadamente se o valor pago pelos combustíveis adquiridos pela Requerente tem incluída a totalidade (ou sequer, parte) da CSR paga pelo sujeito passivo de ISP/CSR.

Ora, a CSR é devida ao Estado pelo SP, sendo desconhecidos os termos do contrato de fornecimento de combustível celebrado ou da relação comercial entre a Requerente e o SP, designadamente a repercussão ou não da CSR e a sua incorporação no preço do combustível adquirido.

Face à sua natureza de imposto objeto de repercussão legal pelo SP, o IVA encontra-se objetiva e claramente discriminado nas faturas. Atento o regime da CSR e a possibilidade ou não de ser repercutida, a mesma não se apresenta discriminada nas faturas emitidas pelo SP, tal como está perfeitamente demonstrado nos documentos  n.ºs 4 e 5.

Acresce que as faturas anexas ao pedido arbitral acarretam ainda outro problema, dado que estas apresentam parcelas sob a denominação descontos e que carecem, em absoluto, de descritivo, ficando por esclarecer qual a sua natureza e respetivo conteúdo. Esta circunstância revela uma enorme falta de rigor, o que, por si só, assume o condão de gerar dúvidas quanto à sua própria presunção da repercussão da CSR, e, nomeadamente, no que se refere ao seu quantum.

Assim, em conformidade com o demonstrado, considera-se que nenhum dos elementos de prova apresentados, sustentam qualquer alegado facto invocado no pedido arbitral,  nomeadamente que o valor pago pelo combustível que adquiriu à sua fornecedora, tem incluída a totalidade (ou sequer, parte) da CSR paga pelo sujeito passivo de ISP/CSR, nem constitui prova bastante quanto aos valores alegadamente suportados a título de CSR, o que deve ser devidamente valorado em termos de prova, sendo certo que impendia sobre a Requerente o ónus de tal prova.

Tal como impendia sobre as Requerentes o ónus de provar que o preço dos serviços que presta e dos bens que vende aos seus clientes, não comporta, a jusante, a repercussão da CSR, por forma a poder sustentar que suportou de forma efetiva o encargo daquele tributo.

Assim, não se apresenta possível confirmar a factualidade invocada pela Requerente sobre o pagamento indevido da CSR. Os documentos apresentados, quer na forma, quer no conteúdo, não se apresentam suficientes e adequados para comprovar o pagamento efetivo do imposto pela Requerente.

Em anteriores decisões arbitrais, tem-se entendido que “A prova da repercussão no consumidor final de impostos indiretos suportados pelo operador económico e do enriquecimento sem causa do mesmo em virtude da sua restituição não pode ser efetuada através de meras presunções.” – Cf. Processo n.º: 304/2022-T – CAAD.

No sentido dessa posição, entende-se que a prova da repercussão do imposto (CSR) invocada pelo consumidor final (Requerente) deve ser objetiva e inequivocamente demonstrada por documentos que identifiquem claramente o efetivo pagamento do imposto, não podendo ser presumida, nem aceite, ainda, mediante mera “declaração” genérica (como aquela que é apresentada sob o documento n.º 5) e sem os requisitos declarativos, maxime, quando as partes conhecem o conteúdos das suas relações comerciais e o SP se encontra legalmente obrigado a registar as respetivas operações/transações, quer para efeitos contabilísticos, quer para efeitos tributários.

E essa obrigação de informação existe e poderia ser fornecida pela Requerente no âmbito da sua relação contratual com o SP, o qual reúne, ainda, as condições de prestar as informações necessárias, completas e rigorosas ao contribuinte final/Requerente, a qual tem um interesse jurídico atendível nessas informações e registos detalhados e integrais, os quais igualmente suportaram a CSR cobrada e a entregue ao Estado pelo SP, enquanto elementos essências para apreciar as liquidações de CSR controvertidas.

A prova de um facto positivo – repercussão fiscal da CSR - impende sobre quem a invoca – a Requerente -, por forma a comprovar a qualidade de entidade repercutida e lesada no âmbito da relação jurídico-tributária da CSR.

Acrescente-se até que, no extremo, caberia à Requerente exigir e obter junto da fornecedora a correção das faturas, não sendo suficiente a declaração da Requerente de que suportou o imposto, nem o reconhecimento contabilístico das operações, que é totalmente imputável à Requerente, motivo pelo qual os factos alegados carecem de prova legal. 

Por fim, recorda-se a jurisprudência do TJUE e o teor do Acórdão de 7 de fevereiro de 2022, Proc. C-460/21, ponto 44: "Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos – Vd, neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C‑147/01, EU:C:2003:533, n.º 96.

A Requerente vem pretender justificar a ocorrência de uma efetiva repercussão do imposto assenta em meros juízos presuntivos, com cálculo e junção de faturas sem informações completas e de declarações genéricas (Doc. N.º 3), sem efetuar a demonstração objetiva da realidade dos factos através de elementos de prova que se relacionem com os fatores inerentes às transações comerciais que foram realizadas, pelo que o presente pedido arbitral deveria ter sido julgado improcedente.

O Árbitro vencido,

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.