Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1032/2023-T
Data da decisão: 2024-08-30  IRC  
Valor do pedido: € 20.703,30
Tema: IRC | Derrama | Derrama estadual | Derrama regional | Região Autónoma dos Açores | Região Autónoma da Madeira.
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DECISÃO ARBITRAL

 

A árbitra, Alexandra Gonçalves Marques, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar Tribunal Arbitral, em formação singular, constituído em 1 de Março de 2024, decide o seguinte:

I – Relatório

  1. A... Unipessoal, Lda., NIPC..., com sede na ..., n.os ... e ..., na Amadora, apresentou, em 21 de Dezembro de 2023, pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, nºs 1 e 2, ambos do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), com pedido a pronúncia arbitral (PPA), nos termos que constam da petição inicial (PI) apresentada, em que é demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), na qual pede a anulação parcial do acto tributário de liquidação de IRC, referente ao exercício de 2020, na parte que respeita à derrama estadual, com um valor que calcula em € 20.703,35 (vinte mil, setecentos e três euros e trinta e cinco cêntimos) e, bem assim, da decisão final de indeferimento expresso da reclamação graciosa, daquele acto, a que foi atribuído o n.º ...2023... .
  2. A requerente peticiona, ainda, na medida da procedência do pedido, a condenação da Requerida na restituição à Requerente do imposto (indevidamente) pago, acrescido de juros indemnizatórios, contados desde 13/08/2021.
  3. A Requerida é a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
  4. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro.
  5. Nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitra singular a ora signatária, que aceitou o encargo no prazo legalmente estipulado e de cuja designação, as partes não apresentaram recusa.
  6. O tribunal arbitral singular ficou constituído em 1 de Março de 2024, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, nos termos do artigo 11.º, n.º 1 alínea c) e n.º 8 do RJAT.
  7. A Requerida apresentou a sua resposta no dia 16 de Abril de 2024, na qual pugna pela improcedência do pedido.
  8. Não tendo havido oposição das partes, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º, n.º 1 do RJAT.
  9. A Requerente apresentou alegações em 18 de Junho de 2024 e a Requerida apresentou alegações em 8 de Julho de 2024.
  10. Nos termos do artigo 18.º, n.º 2 do RJAT, foi indicada como data para a prolação da decisão final o termo do prazo previsto no artigo 21.º, n.º 1 do mesmo diploma.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

II – Matéria de facto

Factos provados

 

  1. Com relevância para a decisão da causa, julgam-se provados os seguintes factos:
  1. A Requerente é uma sociedade comercial com sede na ... n.º ... e ..., na Amadora.
  2. No exercício de 2020, a Requerente desenvolveu a sua actividade quer no território continental, quer na Região Autónoma da Madeira (RAM), quer na Região Autónoma dos Açores (RAA), onde mantém instalações através das quais exerce actividade económica.
  3. Em 15 de Julho de 2021, a Requerente entregou a sua declaração de IRC, Modelo 22, referente ao exercício de 2020 e, mais tarde, em 07 de Setembro de 2021, declaração de substituição – cf. Documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o PPA.
  4. No exercício de 2020, a Requerente apurou os seguintes montantes relativos ao volume de negócios e colecta de IRC imputável à RAA e RAM, conforme detalhado na seguinte tabela:

 

2020 (€)

Volume de negócios

241.146.455,39

Volume de negócios imputável à RAM

4.902.995,80

Volume de negócios imputável à RAA

5.325.769,00

Rácio RAM

0,020

Rácio RAA

0,022

Rácio Continente

0,958

Coleta imputável ao território continental

1.983.380,66

Coleta imputável à RAM

39.434,95

Coleta imputável à RAA

36.437,89

Derrama Estadual

297.936,84

 

cf. Documentos n.ºs 1 e 2 junto com o PPA.

  1. No exercício de 2020, o lucro tributável da Requerente foi apurado em função da proporção do volume de negócios gerado em cada região, conforme detalhado na seguinte tabela:

 

2020 (€)

Lucro tributável total

9.858.736,76

Lucro tributável imputável ao território continental (1)

9.444.669,82

Lucro tributável imputável à RAA (1)

216.892,21

Lucro tributável imputável à RAM (1)

197.174,74

 

cf. Documentos n.ºs 1 e 2 junto com o PPA.

  1. No exercício de 2020, a derrama estadual foi calculada pela Requerente com base no seu lucro tributável total, ou seja, desconsiderando para tal efeito o lucro tributável imputável ao território de Portugal continental, à RAM e à RAA - cf. Documentos n.ºs 1 e 2 junto com o PPA.
  2. A declaração Modelo 22 de IRC, no exercício de 2020, não continha campos para apuramento das derramas regionais, equivalente aos campos 350 (“Imposto Imputável à Região Autónoma dos Açores) e 370 (“Imposto Imputável à Região Autónoma da Madeira”) existentes no que se refere à restante parte do IRC.
  3. O valor global da derrama estadual, no exercício de 2020, perfaz o montante de € 297.963,84

- cf. Documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o PPA

  1. A Requerente efectou o pagamento do imposto resultante da autoliquidação de IRC, referente ao exercício de 2020 – cf. Documento n.º 6 junto com o PPA.
  2. A Requerente apresentou reclamação graciosa contra a autoliquidação de IRC, referente ao exercício de 2020, a qual foi autuada com o n.º ...2023... e correu termos junto da Unidade dos Grandes Contribuintes – cf. Documento n.º 3 com o PPA.
  3. Por despacho, com data de 25 de Setembro de 2023, a Requerida indeferiu o pedido formulado na reclamação graciosa – cf. Documento n.º 3 com o PPA.
  4. Em 11 de Outubro de 2023, a Requerente foi notificada do indeferimento do pedido de reclamação graciosa com o n.º ...2023... - cf. Documento n.º 3 junto com o PPA.
  5. Em 21 de Dezembro de 2023, a Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral que deu origem aos presentes autos.

 

Factos não provados

 

  1. Não existem factos não provados relevantes para a decisão.

 

Fundamentação da decisão quanto à matéria de facto

 

  1. Os factos pertinentes para a decisão da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em fase das várias soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

Os factos provados resultam da convicção formada pela análise da documentação junta aos autos com os articulados, do processo administrativo junto pela AT, e da posição assumida pelas partes.

 

Não existe controvérsia quanto à matéria de facto.

 

Posição das partes

 

  1. A Requerente alega, em síntese, que:
  1. O lucro tributável apurado no exercício de 2020, na parte que é imputável à RAM e à RAA não dever ser tido em conta no apuramento da derrama estadual.
  2. Com efeito, o lucro tributável da Requerente, na parte em que o mesmo é imputáveis aos estabelecimentos (instalações fixas) que a Requerente mantém na RAA e na RAM não está sujeito a derrama estadual, devendo o mesmo estar sujeito às correspondentes derramas regionais, na proporção do volume de negócios apurado por referência à actividade efectivamente desenvolvida em cada uma daquelas regiões.
  3. A Requerente afirma que, por referência ao exercício de 2020, pagou, derrama estadual, em excesso, no montante de € 20.703,35.
  4. Em abono da sua tese, invoca as decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.ºs 437/2022-T e 792/2022-T.

 

  1. Por seu turno, a Requerida entende:
  1. A Requerente, por ter a sua sede em Portugal continental, encontra-se sujeita a derrama estadual por aplicação do disposto no artigo 87.º-A do Código do IRC.
  2. Em abono da sua tese invoca a decisão proferida no âmbito do processo n.º 38/2023-T, que correu termos junto do CAAD.
  3. Conclui que não existe qualquer erro imputável aos serviços e, consequentemente, fica prejudicado o alegado pela Requerida quanto ao pagamento de juros.

 

III – Do Direito

 

  1. A questão a dirimir nos presentes autos consiste em determinar se as taxas de derrama estadual previstas no artigo 87.º-A do Código de IRC devem ser aplicadas aos rendimentos da Requerente obtidos em estabelecimentos estáveis situados tanto na Região Autónoma da Madeira, como na Região Autónoma dos Açores.

 

  1. Enquadramento legal

 

  1. Para a presente questão deve atender-se ao seguinte quadro legal.

 

  1. O artigo 227.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), alíneas i) e j) dispõe que:

“Artigo 227.º

Poderes das regiões autónomas

1. As regiões autónomas são pessoas coletivas territoriais e têm os seguintes poderes, a definir nos respetivos estatutos: (…)

i) Exercer poder tributário próprio, nos termos da lei, bem como adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei-quadro da Assembleia da República;

j) Dispor, nos termos dos estatutos e da lei de finanças das regiões autónomas, das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efetiva solidariedade nacional, e de outras receitas que lhes sejam atribuídas e afetá-las às suas despesas; (…)”    

 

  1. O artigo 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, aprovada pela Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro, dispõe que:

“Artigo 26.º

Imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas

1. Constitui receita de cada região autónoma o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC): 

a) Devido por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável numa única região; 

b) Devido por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede ou direção efetiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição, nos termos referidos no número seguinte; 

c) Retido, a título definitivo, pelos rendimentos gerados em cada circunscrição, relativamente às pessoas coletivas ou equiparadas que não tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional. 

2. Relativamente ao imposto referido na alínea b) do número anterior, as receitas de cada circunscrição são determinadas pela proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada região autónoma e o volume anual total de negócios do exercício.

3. Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por volume anual de negócios o valor das transmissões de bens e prestações de serviços, com exclusão do imposto sobre o valor acrescentado (IVA).”

 

  1. O artigo 87.º-A do Código do IRC, na redação vigente à data dos factos, estabelece que:

“Artigo 87.º-A

Derrama estadual

1. Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português, incidem as taxas adicionais constantes da tabela seguinte:  (...)

2. O quantitativo da parte do lucro tributável que exceda (euro) 1 500 000: 

a) Quando superior a (euro) 7 500 000 e até (euro) 35 000 000, é dividido em duas partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 3 %; outra, igual ao lucro tributável que exceda (euro) 7 500 000, à qual se aplica a taxa de 5%; 

b) Quando superior a € 35 000 000, é dividido em três partes: uma, igual a € 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 3 %; outra, igual a € 27 500 000, à qual se aplica a taxa de 5 %, e outra igual ao lucro tributável que exceda € 35 000 000, à qual se aplica a taxa de 9 %. 

3. Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o n.º 1 incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.

4. Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama adicional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º”

 

  1. No que diz respeito à Região Autónoma dos Açores, o Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro, prevê:

“Artigo 1.º

Derrama Regional

É criada a derrama regional a vigorar na Região Autónoma dos Açores e é aprovado o respetivo regime jurídico.

Artigo 2.º

Incidência

1. Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000,00 (um milhão e quinhentos mil euros) sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas, apurado por sujeitos passivos residentes na Região Autónoma dos Açores, bem como por sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável na Região Autónoma dos Açores, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, incide derrama regional às taxas constantes da tabela seguinte: (...)

2. O quantitativo da parte do lucro tributável que exceda (euro) 1 500 000,00 (um milhão e quinhentos mil euros):

a) Quando superior a (euro) 7.500.000,00 (sete milhões e quinhentos mil euros) e até (euro) 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de euros) é dividido em duas partes: uma, igual a (euro) 6.000.000,00 (seis milhões de euros) à qual se aplica a taxa de 2,4 %; outra, igual ao lucro tributável que exceda (euro) 7.500.000,00 (sete milhões e quinhentos mil euros) à qual se aplica a taxa de 4 %; 

b) Quando superior a (euro) 35 000 000,00 (trinta e cinco milhões de euros) é dividido em três partes: uma, igual a (euro) 6 000 000,00 (seis milhões de euros) à qual se aplica a taxa de 2,4 %; outra, igual a (euro) 27 500 000,00 (vinte e sete milhões e quinhentos mil euros) à qual se aplica a taxa de 4 %, e outra igual ao lucro tributável que exceda (euro) 35 000 000,00 (trinta e cinco milhões de euros) à qual se aplica a taxa de 7,2 %.

3. Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o n.º 1 incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica de rendimentos individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante, referida na alínea b), do n.º 6, do artigo 120.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC).

4. Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama regional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do CIRC. (…)

Artigo 5.º

Disposições finais

1. O presente diploma entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.

2. Não são aplicáveis aos sujeitos passivos, mencionados no artigo 2.º, os artigos 87.ºA, 104.º-A e 105.º-A do CIRC.”.

 

  1. No que respeita à Região Autónoma da Madeira, o artigo 3.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, criou, para vigorar na Região Autónoma da Madeira, a derrama regional, constando o respetivo regime jurídico dos subsequentes artigos 4.º a 6.º. Esse diploma legal foi alterado e republicado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de julho, daí resultando a seguinte redação do artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M que vigorou no ano de 2020:

“Artigo 4.º

Incidência

1. Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado por sujeitos passivos enquadrados no n.º 1 do artigo 26.º da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, incidem as taxas adicionais constantes da tabela seguinte:  (...)

2. O quantitativo da parte do lucro tributável que exceda (euro) 1 500 000:

a) Quando superior a (euro) 7 500 000 e até (euro) 35 000 000, é dividido em duas partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 3 %; outra, igual ao lucro tributável que exceda (euro) 7500 000, à qual se aplica a taxa de 5 %;

b) Quando superior a (euro) 35 000 000, é dividido em três partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 3 %; outra, igual a (euro) 27 500 000, à qual se aplica a taxa de 5 % e outra igual ao lucro tributável que exceda (euro) 35 000 000, à qual se aplica a taxa de 7 %.

3. Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o número anterior incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.

4. Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama adicional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do CIRC.”.

 

  1. Da legalidade do acto de autoliquidação de IRC, referente ao exercício de 2020, na parte respeitante à derrama estadual que incidiu sobre a componente do lucro tributável imputável à RAA e à RAM

 

  1. Tendo presente o quadro normativo exposto, e resultando da matéria de facto provada que, no exercício de 2020:
  1. A Requerente tinha a sua sede na Amadora;
  2. O volume de negócios da Requerente foi gerado em Portugal continental, na Região Autónoma dos Açores e na Região Autónoma da Madeira, através dos quais exerce uma actividade económica.
  3. A Requerente detém instalações nas regiões autónomas.

 

  1. Adianta-se, desde já que, efectivamente, há que acolher a posição da Requerente, a qual se louva no entendimento que vem sendo secundado, de forma prevalecente na jurisprudência (nesse sentido, decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.ºs 11/2024-T, 437/2022-T, 792/2022-T), que acompanhamos.

 

  1. Não é objecto de discussão entre as partes, que a Requerente, sendo sujeito passivo de IRC, residente em território português, que no ano de 2020, exerceu uma actividade de natureza comercial, estava sujeita ao pagamento de derrama estadual.

 

  1. A questão que é trazida aos presentes autos pela Requerente consiste em determinar se a derrama estadual que deve ser suportada pela Requerente, que exerce a sua actividade na RAA e na RAM, através de estabelecimentos estáveis que aí mantém para o efeito, deve ou não incluir a proporção do lucro tributável que é imputado a cada uma daquelas regiões autónomas.

 

  1. A questão que se colocada nos presentes autos é, em tudo, idêntica àquela que já se colocou em anteriores decisões arbitrais, designadamente, no Processo n.º 11/2024-T, no qual se decidiu que:

“ I. Um sujeito passivo de IRC, com sede no território continental português, que desenvolve uma parte da sua atividade comercial na Região Autónoma dos Açores e na Região Autónoma da Madeira, através de estabelecimentos estáveis que ali mantém para o efeito, está sujeito às derramas regionais previstas naquelas circunscrições pela parcela do lucro tributável imputável àqueles estabelecimentos. 

  1. O cálculo do montante devido a título de derrama estadual e a título de cada uma das derramas regionais deve ser aferido com base no critério de imputação previsto no artigo 26.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro (Lei das Finanças das Regiões Autónomas), que determina uma repartição do imposto a suportar pelo sujeito passivo em cada circunscrição com base na proporção do volume de negócios apurado por referência à atividade que nela foi efetivamente desenvolvida. “ 

 

  1. Secundamos o entendimento vertido nas já citadas decisões arbitrais precedentes que determinaram que as entidades com sede em Portugal continental, e estabelecimentos estáveis na RAA e na RAM, não estão sujeitas a derrama estadual, pelo lucro imputável àqueles estabelecimentos.

 

  1. Não se mostra controvertido nos presentes autos que a Requerente exercer a sua actividade económica em Portugal continental e nas Região Autónoma dos Açores, bem como na Região Autónoma da Madeira, através de estabelecimentos estáveis aí existentes.

 

  1. O razão do dissenso entre as partes foca-se no conceito de “não residente com estabelecimento estável”.

 

  1. Com efeito, como tem vindo a ser secundado de modo uniforme pela jurisprudência, o conceito de estabelecimento estável tanto para efeitos de redução de taxa de IRC, como para efeitos de derrama regional, “abrange as instalações, onde seja exercida efectiva actividade económica, dos sujeitos passivos residentes ou não residentes no território nacional, sob pena de violação do artigo 13.º da CRP” (neste sentido, Ac. do STA, de 18/11/2020, Processo 0958).

 

  1. Ora, como tem vindo a ser reiteradamente afirmado, quando a legislação da RAA e da RAM, em matéria fiscal, se refere a estabelecimentos estáveis nas regiões autónomas, o contexto regional da legislação indica-nos um conceito de estabelecimento estável que seja detido por qualquer entidade não residente na região autónoma em causa, isto é, não se limita aos estabelecimentos estáveis de uma entidade não residente em território português (cf. nesse sentido, embora quanto à aplicação da taxa reduzida de IRC, vejam-se as decisões proferidas nos Acórdão do STA, de 18/11/2020, Processo 0958, Ac. TCAS, de 4/10/2023, Processo n.º 1468/09.5BELRS).

 

  1. Posto isto, e no que respeita à ilegalidade que a Requerente aponta à liquidação de IRC do ano de 2020, que incidiu sobre a componente do lucro tributável imputável à RAA e à RAM, temos por boa a fundamentação que consta do Processo n.º 792/2022-T, a qual sufragamos.

 

Salientamos os passos seguintes de tal decisão:

 

“45. Tendo em conta que não se afigura controvertido nos autos o facto de a Requerente exercer a sua actividade económica na RAA – bem como na RAM – através de estabelecimentos estáveis aí existentes, o que importa agora apurar é se o conceito de “não residente com estabelecimento estável” utilizado no n.º 2, do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro, se reporta apenas a entidades que não sejam de todo residentes em qualquer circunscrição do território português e que tenham na RAA estabelecimento estável ou, pelo contrário, se para além destes também inclui os sujeitos passivos que apesar de terem naquela região um estabelecimento estável são residentes no território continental português.

 

46. Desde já se adiante que o conceito “não residente com estabelecimento estável” a que alude a referida norma também abrange o último daqueles dois casos.

 

47. Considerando que o objectivo da derrama regional da RAA é adaptar o regime da derrama estadual às especificidades daquela região como forma de assegurar a “promoção da economia e reforço dos meios dos agentes económicos na concretização de investimento e criação de emprego, em benefício do desenvolvimento sustentável da Região Autónoma dos Açores”, uma interpretação consentânea com o elemento teleológico da interpretação apontará para o sentido de que aos residentes na RAA se contrapõem todos os demais sujeitos passivos que não tenham residência naquela região mas que ali auferem rendimentos que compõem o seu lucro tributável.

 

48. Este é também o resultado interpretativo que, sistematicamente, melhor se coaduna com o disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 26.º da Lei das Finanças Regionais acima transcrito, que refere que será receita das regiões autónomas o IRC devido por sujeitos passivos que apesar de não serem residentes nas mesmas, são residentes em território nacional e têm ali sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria às quais sejam imputáveis os rendimentos.

 

49. Entendimento diverso revelaria não só uma quebra da coerência do próprio regime da derrama regional da RAA, que exclui expressamente e sem distinção a aplicação do regime da derrama estadual previsto no artigo 87.º-A do CIRC, como também implicaria uma quebra da coerência do sistema como um todo, em prejuízo da autonomia financeira da RAA consagrada através do respectivo estatuto político-administrativo, porquanto ficaria de fora da alocação efectiva de receitas do IRC uma parcela do imposto imputável àquela circunscrição.

 

50. Portanto, ao contrário do sustentado pela Requerida, encontrava-se efectivamente preenchido pela Requerente o âmbito de incidência subjectiva à derrama regional da RAA, sendo que idêntica conclusão se impõe relativamente à derrama regional da RAM.

 

51. No âmbito do poder tributário próprio que lhe assiste, a RAM aprovou o Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto, através do qual estabeleceu a derrama a vigorar naquela região, ao que aqui importa, nos seguintes termos vigentes à data dos factos:

“Artigo 4.º

Incidência

1 – Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas apurado pelos sujeitos passivos enquadrados no n.º 1 do artigo 26.º da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, incidem as taxas adicionais constantes da tabela seguinte:

(...).

 

52. Ao remeter o n.º 1, do artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto para o n.º 1 do artigo 26.º da Lei das Finanças Regionais, que na sua alínea b) inclui expressamente os sujeitos passivos residentes no território continental português, mas com estabelecimento estável nas regiões autónomas, resulta sem margem de dúvidas o preenchimento pela Requerente da incidência subjectiva prevista na derrama regional da RAM.

 

53. Aqui chegados, sublinha-se que a jurisprudência que já se pronunciou sobre casos em que se colocaram questões de sentido semelhante ao dos presentes autos também concluíram que as derramas regionais são aplicáveis aos sujeitos passivos residentes em Portugal e que exercem actividade na RAA ou na RAM através de estabelecimentos estáveis aí situados.

 

54. Neste preciso sentido veja-se o seguinte entendimento sufragado pelo Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 6 de Março de 2023, no processo n.º 437/2022-T:

“Trata-se, assim, com a Derrama Regional dos Açores de promover a economia de uma região periférica, independentemente da circunscrição a que pertençam os operadores económicos que desenvolvam uma atividade económica nessa Região Autónoma e não da consagração de um benefício estatutário exclusivamente reservado aos residentes com sede na região autónoma e aos estabelecimentos estáveis de não residentes, excluindo os demais residentes em território nacional com estabelecimento estável nessa mesma região autónoma, que, apesar da porventura escassa dimensão, não poderia deixar de ser considerado discriminatório perante o direito comunitário da concorrência aplicável.”.

 

55. Este também é o entendimento passível de ser extraído da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), que apesar de versar sobre temas distintos é passível de ser transposta para o presente processo.

 

56. Veja-se para o efeito o sumário do acórdão proferido pelo STA em 7 de Janeiro de 2009, no processo n.º 0669/08, onde se referiu o seguinte:

“III - O conceito de «estabelecimento estável» que emana do art. 5.º do CIRC, embora neste Código só tenha utilidade relativamente a entidades não residentes (isto é, sem sede ou direcção efectiva) em território português, é potencialmente aplicável, para efeitos de regimes de tributação especiais das Regiões Autónomas, como reportando-se a entidades que sejam residentes em Portugal, mas não tenham sede ou direcção efectiva em determinada Região Autónoma.

IV - Por força do princípio da igualdade, enunciado no art. 13.º da CRP, que proíbe distinções desprovidas de justificação objectiva e racional, deve interpretar-se em conformidade com a Constituição o art. 2.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001/M, de 20 de Fevereiro, com o sentido de beneficiarem da taxa reduzida de IRC todas os sujeitos passivos deste imposto sem sede nem direcção efectiva na Região Autónoma da Madeira que na área desta Região possuam instalações qualificáveis como «estabelecimento estável», independentemente de a sua sede ou direcção efectiva ser no estrangeiro ou em área do território nacional exterior aquela Região Autónoma.

 

V - Na verdade, para além da identidade material da situação real, a nível da Região Autónoma da Madeira, de empresas nacionais e estrangeiras nela não residentes, a razão que justificou a criação de taxas reduzidas de IRC para entidades não residentes na Região Autónoma da Madeira, que é «fomentar o investimento produtivo na Região Autónoma da Madeira» (Preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001), vale igualmente para o investimento por empresas estrangeiras e por empresas nacionais.”.

 

58. Tendo-se já concluído pela aplicação das derramas regionais da RAA e da RAM à Requerente, cumpre por fim aferir qual o modo de compatibilização destas com a derrama estadual, sendo certo que é nesta fase claro que qualquer uma das derramas incide sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual da Requerente, conforme resulta da aplicação conjugada do artigo 87.º-A, n.º 3 do CIRC, do artigo 2.º, n.º 3 do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro e do artigo 4.º, n.º 2 do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto.

 

59. Quanto a este ponto, haverá que recorrer ao critério de imputação previsto no artigo 26.º, n.º 2, da Lei das Finanças Regionais, que fixa uma repartição do imposto a suportar pelo sujeito passivo em cada circunscrição com base na proporção do volume de negócios apurado por referência à actividade efectivamente desenvolvida em cada região.

 

60. Significa isto que no cálculo do quantum devido a título de derrama estadual pela Requerente não deverá ser tida em consideração a proporção do lucro tributável imputável aos estabelecimentos estáveis sitos na RAA e na RAM, que se encontra sujeito às derramas regionais especificamente previstas em cada uma daquelas circunscrições.”.

 

  1. Temos por boa esta fundamentação, a qual subscrevemos, não havendo no caso vertente razões para a reponderar.

 

  1. Ora, tendo presente a fundamentação veiculada na citada decisão, à qual aderimos, conclui-se que a Requerente, não obstante ter a sua sede na Amadora, possui instalações nos Açores e na Madeira, pelo que no cálculo do quantum devido a título de derrama estadual pela Requerente não deverá ser tida em consideração a proporção do lucro tributável imputável aos estabelecimentos estáveis sitos na RAA e na RAM.

 

  1. Em face do exposto, julga-se procedente a ilegalidade imputada pela Requerente ao acto de (auto)liquidação e indeferimento da reclamação graciosa objecto do presente processo de impugnação, impondo-se a sua anulação parcial.

 

Reembolso do imposto e juros indemnizatórios

 

  1. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente veio requerer a restituição do imposto indevidamente pago, bem como o pagamento de juros indemnizatórios calculados desde o pagamento até à emissão da respectiva nota de crédito.

 

  1. Quanto aos juros indemnizatórios, o artigo 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) dispõe que:

 

“São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

  1. No caso de tributos autoliquidados apenas se pode considerar que existiu erro imputável aos serviços se a AT, confrontada com a apreciação da legalidade dos actos, decidiu mantê-los na ordem jurídica, confirmando a sua validade, vindo os mesmos, posteriormente, vem a ser julgados desconformes à lei.

 

  1. Sobre esta matéria, o STA já se pronunciou no seguinte sentido que:

 

“Ainda que a liquidação tenha sido efectuada correctamente de acordo com os elementos de facto declarados pelo contribuinte, se este pediu a anulação da mesma mediante impugnação administrativa com fundamento em erro nos pressupostos de facto e a AT, indevidamente, lha recusa ou não cumpre os prazos de decisão, deve considerar-se que desde esse momento da decisão de indeferimento, efectiva ou presumida, a imputabilidade do erro se transferiu para a AT desde (passando a constituir um erro dos serviços), a determinar o pagamento por esta ao sujeito passivo de juros indemnizatórios sobre o montante pago [cfr. art. 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT].”

- cf. Ac. STA de 9 de Dezembro de 2021, proferido no Processo 01098/16.5BELRS.

 

  1. Face ao exposto, a Requerente tem direito ao pagamento de juros de mora indemnizatórios, calculados sobre o montante do imposto indevidamente pago, desde a data do indeferimento do pedido de reclamação graciosa, isto é, 25 de Setembro de 2023, até à data de emissão da respectiva nota de crédito.

 

Decisão

Temos em que se decide:

  1.  Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente, e consequentemente anular o acto de indeferimento da reclamação graciosa e a consequente anulação parcial, do acto de (auto)liquidação de IRC, referente ao exercício de 2020, respeitante à derrama estadual que incidiu sobre a componente do lucro tributável da Requerente imputável à Região Autónoma dos Açores e à Região Autónoma da Madeira.
  2. Condenar a Requerida a restituir à Requerente o montante de € 20.703,35 (vinte mil, setecentos e três euros e trinta cinco cêntimos), referente à derrama estadual suportada em excesso no exercício de 2020, acrescida de juros indemnizatórios, contados desde a data de indeferimento da reclamação graciosa até à data da emissão da respectiva nota de crédito.
  3. Condenar a AT no pagamento das custas processuais.

 

Valor do processo:

 

Nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do Código de Procedimento e Processo Tributário, conjugado com o artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 20.703,35.

 

Custas:

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, nos termos que resultam da aplicação da tabela I, ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique.

Lisboa, 30 de Agosto de 2024

A Árbitra,

 

Alexandra Gonçalves Marques

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.