REQUERENTE: A
REQUERIDA: Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão Arbitral[1]
I RELATÓRIO
A) As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral
1.A SA, pessoa colectiva nº ..., com sede no …, em ..., doravante designado por “Requerente”, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral singular, ao abrigo do disposto nos artigos 95º da Lei Geral Tributária, 99º, al. a) do Código de Procedimento e Processo Tributário, artigo 10º e na alínea a), do nº 1, do artigo 2º, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado por “RJAT” e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112 – A/2011, de 22 de Março, para apreciar a demanda que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “Requerida” ou “AT”, tendo em vista a declaração de ilegalidade e inconstitucionalidade, com a consequente anulação, de 154 actos de liquidação de imposto de selo, verba 28 da Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), no valor global de €55.126,17, referentes ao ano de 2013 e aos prédios urbanos devidamente identificados nos documentos nºs 1 a 154 juntos aos autos em anexo ao pedido arbitral, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, apresentado em 2 de Julho de 2014, foi aceite pelo Exmo. Sr. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no nº 1, do artigo 6º do RJAT, foi designada, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, a ora signatária como árbitro do Tribunal Arbitral singular. A nomeação foi aceite e as partes, notificadas da aceitação, em 20 de Agosto de 2014, não recusaram a designação, nos termos previstos nas alíneas a) e b), do nº1, do artigo 11º, do RJAT, conjugado com o disposto nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º, do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228º, da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 4 de Setembro de 2014. Na mesma data foi a Requerida “AT” notificada para apresentar resposta no prazo legal, nos termos do disposto nos nºs 1 e 2, artigo 17º, do RJAT. A 29 de Setembro a AT apresentou a a sua Resposta e, simultaneamente, requerimento solicitando a dispensa de marcação da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, dado não haver excepções nem produção de prova a realizar nos autos, estando em causa apenas matéria de direito, podendo assim avançar para a decisão final.
No dia 2 de Outubro de 2014 foi proferido despacho arbitral admitindo a junção aos autos do requerimento a ordenando a notificação do Sujeito Passivo para se pronunciar. No prazo determinado veio a Requerente pronunciar-se favoravelmente à proposta de dispensa de reunião, pelo que foi proferido, em 17 de Outubro de 2014, despacho arbitral dispensando a realização da reunião do artigo 18º do RJAT e fixando data para proferir decisão final até 30 de Novembro de 2014.
B) Dos Pressupostos Processuais
3. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do artigo 2º, nº1, alínea a) do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (Cfr. Artigos 4º e 10º, nº 2, do DL nº 10/2011 e artigo 1º, da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março).
Quanto à cumulação de pedidos, pretendendo-se a apreciação conjunta da ilegalidade das 154 liquidações de IS, relativas ao ano de 2013, apesar de constituírem actos autónomos, verificando-se os pressupostos exigidos pelo disposto no nº 1, do artigo 3º, do RJAT e artigo 104º do CPPT, é de admitir a cumulação. Assim, aceita-se no mesmo pedido arbitral a cumulação de pedidos de declaração de ilegalidade de todos os actos tributários de liquidação de imposto de selo dada a identidade do imposto, apesar de versarem sobre prédios distintos, porquanto a entidade Requerente é a mesma e a apreciação dos actos tributários em causa depende da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da aplicação das mesmas regras de direito.
O processo não enferma de nulidades que o invalidem e não foram suscitadas excepções que obstem ao julgamento do mérito da causa, pelo que o Tribunal está em condições de proferir a decisão arbitral.
C) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE
4. A Requerente formula o presente pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade e inconstitucionalidade dos actos de liquidação de imposto de selo impugnados e sua consequente anulação, referentes ao ano de 2013, no montante global de €55.126,17, com referência aos prédios urbanos, descritos na matriz predial urbana do Serviço de Finanças de ..., … Bairro (...), Freguesia de ..., sob o art. ..., do Serviço de Finanças de ..., … Bairro (...) Freguesia das ..., sob o artigo ..., do Serviço de Finanças de ..., ... Bairro (...), Freguesia das ..., sob o Artigo ..., do Serviço de Finanças de ..., … Bairro (...) Freguesia das ..., sob o artigo …, do Serviço de Finanças de ..., … Bairro (...), Freguesia das ..., sob o artigo …, do Serviço de Finanças de ..., … Bairro (...) Freguesia de …, sob o artigo …, do Serviço de Finanças de ..., … Bairro (...) Freguesia de …, sob o artigo ..., do Serviço de Finanças de ..., … Bairro (...) Freguesia da …, sob o artigo ..., do Serviço de Finanças de ..., … Bairro, (...) Freguesia da ..., sob o artigo ..., do Serviço de Finanças de ... … (...), União das freguesias de ... e ..., sob o artigo ..., como resulta das cadernetas prediais juntas pela Requerente como documentos nºs 155 a 164 em anexo ao pedido arbitral, que se dão por integralmente reproduzidas.
Fundamenta o seu pedido na ilegalidade das liquidações de imposto, alegando em síntese o seguinte:
a) A Requerente tem a propriedade plena dos prédios supra descritos, situados respectivamente:
1. Rua … nº 31 a 31 C, ...;
2. Rua … (e na … nº 23 a 27), nºs 49 a 59 em ...;
3. Rua …, nº10 e 10 A, ...;
4. Rua …, nºs 4 e 4 A, ...;
5. Rua …, nºs 5 a 5D, ...;
6. Rua …, nºs 3 a 38 ...;
7. Rua … nºs 193 a 193 C, e …, nºs 123 a 123B, ...;
8. Rua …, nºs 106 a 106 B, ...;
9. Avenida …, tornejando para a … nºs 50 a 50 F, ...;
10. Avenida …, nºs 313 a 337, ....
b) Todos estes prédios são compostos por vários andares, com divisões ou fracções susceptíveis de utilização independente, mas não se encontram constituídos em regime de propriedade vertical. O valor patrimonial tributário (VPT) atribuído nos termos previstos no CIMI para cada uma das divisões independentes não ultrapassa o valor de €1.000.000,00. Porém segundo o critério utilizado pela AT, subjacente ás liquidações de IS impugnadas, o VPT de cada um dos prédios supra descritos é o correspondente ao somatório dos valores individuais atribuídos a cada uma das divisões independentes, o que tem como resultado a determinação de um VPT global a cada um dos prédios superiores a €1.000.000,00.
5. A fundamentação de direito do pedido de pronúncia arbitral assenta, sumariamente, no seguinte:
a) O VPT das divisões independentes que integram prédios em propriedade vertical devem ser determinadas nos termos previstos no artigo 7º, nº2, alínea b) do CIMI, ou seja, separadamente. Em relação a um prédio em propriedade total, cada andar ou divisão susceptível de utilização independente é considerado, nos termos do nº3, do artigo 12º do CIMI, separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo VPT, não existindo qualquer disposição legal que faça corresponder ao valor patrimonial tributário do prédio em propriedade total, com vários andares e divisões independentes, à soma das suas partes.
b) A Requerente entende que são ilegais e inconstitucionais os mencionados actos de liquidação de IS e a norma constante da verba 28 da TGIS com o sentido interpretativo que lhe atribui a AT, ou seja, aferindo a sua incidência pelo VPT global do prédio, somando os valores atribuídos às suas divisões independentes, é ilegal e inconstitucional por violação dos princípios da legalidade fiscal, da igualdade fiscal bem como da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico formal.
c) Invoca ainda a jurisprudência arbitral vertida nas decisões arbitrais nºs 50/2013-T; 132/2013-T; 181 e 183/2013-T
6. Termina peticionando a declaração de ilegalidade e consequente anulação, dos actos de liquidação impugnados, bem assim como o reembolso do montante de €55.126,17, respeitante ao imposto indevidamente pago pela Requerente e o pagamento de juros moratórios e indemnizatórios.
D) – A RESPOSTA DA REQUERIDA
7. A Requerida alega na sua resposta, em síntese, que não assiste razão à Requerente.
A AT entende que para efeitos de Imposto de Selo (IS) releva o prédio na sua totalidade, pois que as divisões susceptíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as fracções autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme nº 4 do art. 2º do CIMI.
A entrada em vigor do regime da propriedade horizontal (Código Civil de 1966), e a sua referência expressa na delimitação do conceito de “prédio” previsto no art. 2º, nº4 do CIMI determinam a relevância de tal figura, em matéria tributária. O que expressamente resulta da lei é que o legislador quis tributar com averba 28.1 em discussão os prédios enquanto uma única realidade jurídico-tributária. A constituição da propriedade horizontal determina a cisão/divisão da propriedade total e a independência ou autonomia de cada uma das fracções que a constituem, sendo que um prédio em propriedade total constitui, para todos os efeitos, uma única realidade jurídico-tributária.
Entende, em síntese, que não há violação do princípio da igualdade nem qualquer ilegalidade que fundamente o pedido arbitral, pelo que, devem os vícios de falta de incidência e inconstitucionalidade ser julgados improcedentes, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações impugnadas, por configurarem uma correcta aplicação da lei aos factos. Conclui ainda pela improcedência do pedido de juros indemnizatórios.
II. QUESTÕES A DECIDIR
8. Atendendo às posições das Partes assumidas nos argumentos apresentados ao Tribunal, a questão essencial a decidir é a de saber, com referência a prédios em propriedade total ou vertical (não constituídos em regime de propriedade horizontal) integrados por diversos andares e divisões com utilização independente, com afetação habitacional, como se determina o VPT relevante para definição de incidência do IS, nos termos previstos na verba 28. A questão prática que se coloca é, pois, a de saber se o VPT relevante como critério de incidência do imposto é o correspondente ao somatório do valor patrimonial tributário atribuído às diferentes partes ou andares (VPT global) ou, antes, o VPT atribuído a cada uma das partes ou andares habitacionais.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A) Factos Provados
9.Como matéria de facto relevante para a decisão a proferir, o Tribunal dá por assente os seguintes factos:
9.1. A Requerente A é proprietária dos prédios urbanos, descritos conforme certidões juntas aos autos como documentos nºs 154 e 164, que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
9.2. Trata-se de prédios urbanos, em propriedade vertical, compostos por diversos andares e com divisões independentes, com afectação habitacional.
9.3. Os prédios urbanos em causa nos autos têm a localização, descrição e composição seguinte:
a) Prédio sito na Rua …, nº 31 a 31C, com o artigo matricial nº U-..., do Serviço de Finanças de ... (… Bairro), composto por cave, sub-cave, rés-do-chão e cinco pisos, afectos a habitação, sendo o 1º andar constituído por divisões com utilização independente designadas com as letras B a E e os restantes com as letras A a E por cada andar; cada uma das divisões independentes, afectas a habitação tem um VPT atribuído, determinado nos termos do CIMI, compreendido entre €63.590,00 (valor mais reduzido) e €99.590,00;
b) Prédio sito na Rua … (Rua …, nº23 a 27), nºs 49 a 59, com o artigo matricial nº U-...º, do Serviço de Finanças de ... (… Bairro), composto por cave, rés-do-chão, lojas e seis pisos, afectos a habitação, constituído por divisões com utilização independente, por andar, com a indicação de “direito” e “esquerdo”; cada uma das divisões independentes, afectas a habitação tem um VPT atribuído, determinado nos termos do CIMI, compreendido entre €23.160,00 (valor mais reduzido) e €149.560,00;
c) Prédio sito na Rua …, nºs 10 e 10A, com o artigo matricial nº U-...º, do Serviço de Finanças de ... (… Bairro), composto por rés-do-chão e cinco pisos, afectos a habitação, constituído por divisões com utilização independente, por andar, com a indicação de “direito” e “esquerdo”; cada uma das divisões independentes, afectas a habitação tem um VPT atribuído, determinado nos termos do CIMI, compreendido entre €77.880,00 (valor mais reduzido) e €85.390,00;
d) Prédio sito na Rua …, nºs 4 e 4A, com o artigo matricial nº U-…º, do Serviço de Finanças de ... (… Bairro), composto por rés-do-chão e quatro pisos, afectos a habitação, constituído por divisões com utilização independente, por andar, com a indicação de “direito” e “esquerdo”; cada uma das divisões independentes, afectas a habitação tem um VPT atribuído, determinado nos termos do CIMI, compreendido entre €111.440,00 (valor mais reduzido) e €114.510,00;
e) Prédio sito na Rua …, 5ª 5D, com o artigo matricial nº U-…º, do Serviço de Finanças de ... (… Bairro), composto por sub-cave, cave, rés-do-chão e sete pisos, afectos a habitação (1º a 8º andar), constituído por divisões com utilização independente, por andar, com a indicação de “direito” e “esquerdo”; cada uma das divisões independentes, afectas a habitação tem um VPT atribuído, determinado nos termos do CIMI, compreendido entre €97.830,00 (valor mais reduzido) e €173.960,00;
f) Prédio sito na Rua …, com o artigo matricial nº U-…º, do Serviço de Finanças de ... (… Bairro), composto por cave, rés-do-chão e seis pisos, afectos a habitação, constituído por divisões com utilização independente, por andar, com a indicação das letras “A” a “D”; cada uma das divisões independentes, afectas a habitação tem um VPT atribuído, determinado nos termos do CIMI, de €65.660,00;
g) Prédio sito na Rua …, com o artigo matricial nº U-...º, do Serviço de Finanças de ... (… Bairro), composto por nove pisos, afectos a habitação, constituído por divisões com utilização independente, separados em “Direito”, “Frente” e “Esquerdo”; cada uma das divisões independentes, afectas a habitação tem um VPT atribuído, determinado nos termos do CIMI, compreendido entre €65.010,00 e €173.960,00;
h) Prédio sito na Rua …., com o artigo matricial nº U-...º, do Serviço de Finanças de ... (… Bairro), composto por cinco pisos, afectos a habitação, constituído por divisões com utilização independente, designadas por esquerdo e direito; cada uma das divisões independentes, afectas a habitação tem um VPT atribuído, determinado nos termos do CIMI, compreendido entre €91.370,00 e €171.720,00;
i) Prédio sito na Avenida … (…), com o artigo matricial nº U-...º, do Serviço de Finanças de ... (… Bairro), composto por sete pisos, constituído por divisões com utilização independente, designadas por esquerdo e direito; cada uma das divisões independentes, afectas a habitação tem um VPT atribuído, determinado nos termos do CIMI, compreendido entre €147.050,00 e €293.450,00;
j) Prédio sito na Avenida …, nº …, ..., com o artigo matricial nº U-...º, do Serviço de Finanças de ... …, composto por catorze pisos, constituído por divisões com utilização independente, designadas por esquerdo e direito; cada uma das divisões independentes, afectas a habitação tem um VPT atribuído, determinado nos termos do CIMI, compreendido entre €47.410,00 e €81.950,00;
9.4. O prédio descrito em a), em propriedade vertical, compreende um total de oito pisos com divisões de utilização independente, o seu VPT total perfaz um valor de €2.403.530,00, mas nenhuma das suas partes ou andares tem um valor superior a €1.000.000,00; sobre o VPT total deste prédio foram emitidas as liquidações de IS constantes dos autos como documentos nºs 1 a 24 em anexo à PI, num valor total de €6.130,80. - Cfr. Doc. 155, junto aos autos pela Requerente e que se dá por reproduzido.
9.5. O prédio descrito em b), em propriedade vertical, compreende um total de seis pisos com divisões de utilização independente, o seu VPT total perfaz um valor de €1.960.080,00, mas nenhuma das suas partes ou andares tem um valor superior a €1.000.000,00; sobre o VPT total deste prédio foram emitidas as liquidações de IS constantes dos autos como documentos nºs 25 a 39 em anexo à PI, num valor total de €6.133,42. - Cfr. Doc. 156, junto aos autos pela Requerente e que se dá por reproduzido.
9.6. O prédio descrito em c), em propriedade vertical, compreende um total de cinco pisos com divisões de utilização independente, o seu VPT total perfaz um valor de €1.018.170,00, mas nenhuma das suas partes ou andares tem um valor superior a €1.000.000,00; sobre o VPT total deste prédio foram emitidas as liquidações de IS constantes dos autos como documentos nºs 40 a 51 em anexo à PI, num valor total de €3.393,98. – Cfr. Doc. 157, junto aos autos pela Requerente e que se dá por reproduzido.
9.7. O prédio descrito em d), em propriedade vertical, compreende um total de seis pisos com divisões de utilização independente, sendo o R/C e os pisos 1º a 4º, distribuídos em “Direito” e “Esquerdo”, estão afectos a habitação; o seu VPT total perfaz um valor de €1.212.410,00, mas nenhuma das suas partes ou andares tem um valor superior a €1.000.000,00; sobre o VPT total deste prédio foram emitidas as liquidações de IS constantes dos autos como documentos nºs 52 a 61 em anexo à PI, num valor total de €3.393,98. – Cfr. Doc. 158, junto aos autos pela Requerente e que se dá por reproduzido.
9.8. O prédio descrito em e), em propriedade vertical, compreende um total de onze pisos com divisões de utilização independente, o seu VPT total perfaz um valor de €3.454.270,00, mas nenhuma das suas partes ou andares tem um valor superior a €1.000.000,00; sobre o VPT total deste prédio foram emitidas as liquidações de IS constantes dos autos como documentos nºs 62 a 77 em anexo à PI, num valor total de €8.461,78. – Cfr. Doc. 159, junto aos autos pela Requerente e que se dá por reproduzido.
9.9. O prédio descrito em f), em propriedade vertical, compreende um total de oito pisos com divisões de utilização independente, o seu VPT total perfaz um valor de €1.640.230,00, mas nenhuma das suas partes ou andares tem um valor superior a €1.000.000,00; sobre o VPT total deste prédio foram emitidas as liquidações de IS constantes dos autos como documentos nºs 78 a 94 em anexo à PI, num valor total de €3.720,96 – Cfr. Doc. 160, junto aos autos pela Requerente e que se dá por reproduzido.
9.10. O prédio descrito em g), em propriedade vertical, compreende um total de nove pisos com divisões de utilização independente, o seu VPT total perfaz um valor de €2.279.440,00, mas nenhuma das suas partes ou andares tem um valor superior a €1.000.000,00; sobre o VPT total deste prédio foram emitidas as liquidações de IS constantes dos autos como documentos nºs 95 a 113 em anexo à PI, num valor total de €6.571,04 – Cfr. Doc. 161, junto aos autos pela Requerente e que se dá por reproduzido.
9.11. O prédio descrito em h), em propriedade vertical, compreende um total de cinco pisos com divisões de utilização independente, o seu VPT total perfaz um valor de €1.262.380,00, mas nenhuma das suas partes ou andares tem um valor superior a €1.000.000,00; sobre o VPT total deste prédio foram emitidas as liquidações de IS constantes dos autos como documentos nºs 114 a 123 em anexo à PI, num valor total de €4.009,10 – Cfr. Doc. 162, junto aos autos pela Requerente e que se dá por reproduzido.
9.12. O prédio descrito em i), em propriedade vertical, compreende um total de cinco pisos com divisões de utilização independente, o seu VPT total perfaz um valor de €3.055.280,00, mas nenhuma das suas partes ou andares tem um valor superior a €1.000.000,00; sobre o VPT total deste prédio foram emitidas as liquidações de IS constantes dos autos como documentos nºs 124 a 133 em anexo à PI, num valor total de €7.973,98 – Cfr. Doc. 163, junto aos autos pela Requerente e que se dá por reproduzido.
9.13. O prédio descrito em j), em propriedade vertical, compreende um total de catorze pisos com divisões de utilização independente, o seu VPT total perfaz um valor de €5.056.190,00, mas nenhuma das suas partes ou andares tem um valor superior a €1.000.000,00; sobre o VPT total deste prédio foram emitidas as liquidações de IS constantes dos autos como documentos nºs 134 a 154 em anexo à PI, num valor total de €4.934,55 – Cfr. Doc. 164, junto aos autos pela Requerente e que se dá por reproduzido.
9.14 Os prédios supra descritos, apesar de constituídos por diversos pisos e divisões com utilização independente, não se encontram constituídos em regime de propriedade horizontal.
9.15 A Requerente procedeu ao pagamento de todos os valores de Imposto de Selo constante das liquidações impugnadas, conforme consta dos documentos comprovativos juntos aos autos com os nºs165 a 322.
B) FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
10. A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se na prova documental junta aos autos pela Requerente (docs. nºs 1 a 322 juntos ao pedido arbitral), ao que acresce a aceitação mútua das partes sobre os mesmos.
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão arbitral.
IV – FUDAMENTAÇÃO DE DIREITO
11. Fixada a matéria de facto, importa conhecer da questão de direito supra indicada, correspondendo, em síntese, às questões de ilegalidade e inconstitucionalidade suscitadas pela Requerente no presente pedido arbitral.
Do quadro alegatório exposto pelas partes processuais conclui-se que para a AT, o critério de determinação da incidência do IS, previsto na verba 28.1 da TGIS, dos prédios em propriedade vertical com andares e divisões com utilização independente com afectação habitacional, corresponde ao somatório dos respectivos VPT atribuídos às partes ou divisões, nos termos previstos no CIMI. Foi este entendimento que conduziu às liquidações de imposto aqui impugnadas.
Para a Requerente, tal entendimento é ilegal, já que, a sujeição ao imposto do selo contido na verba nº 28 da TGIS, é determinado pela conjugação de dois pressupostos de facto: a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a €1.000.000,00. Tratando-se de um prédio em propriedade vertical, com as características dos descritos nos presentes autos a sujeição a imposto do selo é determinada, não pelo VPT total do prédio, mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões.
Cumpre decidir.
12. A questão essencial a decidir é a de saber, com referência a prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal, integrados por diversos andares e divisões com utilização independente, com afectação habitacional, qual o VPT relevante para efeitos de incidência de IS.
A resposta a esta questão impõe a análise do quadro jurídico aplicável e dos princípios de referência de modo a determinar qual a interpretação conforme à Lei e à Constituição, com a cautela que impõe aferir de um pressuposto de incidência de imposto, por força do princípio da legalidade fiscal resultante do disposto no artigo 103º, nº2 da CRP.
13. Sobre esta matéria, em concreto, já se pronunciou o CAAD em diversas decisões em que a questão de fundo é a mesma, versando sobre a amplitude da previsão da norma de incidência das verbas 28 e 28-1 da TGIS. Algumas das decisões arbitrais já proferidas na matéria vêm invocadas pela Requerida no seu pedido arbitral.
Sobre a questão fundamental em apreço dir-se-á que o primeiro limite da interpretação é a letra da lei, mas não o único. A tarefa interpretativa exige algo mais, ou seja, a partir do texto da norma impõe-se a descoberta da ratio legis subjacente, “tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal”. – (Neste sentido vd. Decisão arbitral nº 30/2014-T, de 20/06/2014 e Decisão Arbitral nº 50/2013-T de 29/10/2013; ainda no mesmo sentido, vd. Decisões Arbitrais proferidas nos processos nºs 132/2013, 181/2013 e 183/2013, entre outras)
Nesta conformidade, a questão é a de saber se a norma de incidência, tal como se encontra expressa na previsão legal das verbas 28 e 28.1 da TGIS, referindo-se à “propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos, com afectação habitacional (28.1) cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI seja igual ou superior a 1 000 000,00 euros – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”, comporta ou não o entendimento de que quanto aos prédios “com afectação habitacional” em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, detidos por uma entidade, o VPT sobre o qual deve incidir a taxa de imposto de selo, deve ser o VPT individual de cada andar ou divisão susceptível de utilização independente (à semelhança do que acontece com os prédios em regime de propriedade horizontal) ou, diversamente, se deve considerar-se como tal a soma de toso os VPT de todas as suas partes.
Dito de outro modo, tal como foi já considerado nas decisões arbitrais supra referidas (DA nº 50/2013-T e 30/2014-T), o que está em causa é a adopção de uma leitura adequada da amplitude da previsão da norma de incidência das verbas 28 e 28.1 da TGIS, face ao que o nº 7 do artigo 23º do CIS refere quanto à determinação da matéria colectável e sequente operação de liquidação do imposto: “Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.”
14. Dispõe o nº 3 do artigo 11º da LGT: “persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários”.
No caso em apreço, deve atender-se à “substância económica dos factos tributários” para se concretizarem adequadamente as “necessárias adaptações das regras contidas no CIMI”, para a adequada apreciação da matéria de direito em discussão.
Posto isto, a delimitação do alcance da norma de incidência deste novo tributo deve seguir a orientação da letra e do espirito da lei. Num primeiro plano, deve atender-se, pois, ao disposto expressamente nas verbas 28 e 28-1 da TGIS, com as “necessárias adaptações das regras contidas no CIMI”, como resulta do disposto no nº 7, do artigo 23º, do CIS.
15. Importa, assim, ter em conta que a sujeição a imposto do selo dos prédios com afectação habitacional resultou do aditamento da verba 28 da TGIS, efectuada pelo artigo 4º da Lei 55-A/2012, de 29/10, que tipificou os seguintes factos tributários:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI:
28-1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares e sejam residentes em país, território ou região, sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”
Esta lei entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, em 30 de Outubro de 2012. Das normas transitórias constantes do seu artigo 6º resulta que o facto tributário se considera verificado a 31 de Outubro de 2012 e que o valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011.
A Lei 55-A/2012 nada diz quanto à qualificação dos conceitos em presença, nomeadamente, quanto ao conceito de “prédio com afectação habitacional.”
Dispõe o artigo 67º, nº 2 do Código do Imposto do Selo, aditado pela referida Lei, dispõe que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”
16. A norma de incidência refere-se, pois, a prédios urbanos, cujo conceito é o que resulta do disposto no artigo 2º do CIMI, obedecendo a determinação do VPT aos termos do disposto no artigo 38º e seguintes do mesmo código. Consultado o CIMI verifica-se que o seu artigo 6º, apenas indica as diferentes espécies de prédios urbanos, entre os quais menciona os habitacionais (vd. alínea a) do nº 1), esclarecendo no nº 2 do mesmo artigo que “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.”
Dos normativos referidos podemos concluir que, na óptica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio mas sim a sua utilização normal, o fim a que efectivamente se destina o prédio. Concluímos ainda que para o legislador a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efectuada entre uns e outros. Idêntica conclusão se extrai da remissão que o legislador introduziu em matéria de IS para o CIMI. Ora, este imposto estabelece como critério para os prédios em propriedade vertical a atribuição de um VPT a cada uma das partes ou divisões independentes. O que releva é, pois, a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização, ou seja, “com afectação habitacional”..
17. Por resolver continua a questão que tem a ver com a determinação do valor relevante para a incidência do IS sobre os prédios em propriedade vertical, como sucede nos presentes autos, que a AT considera pelo valor do somatórios dos VPT de todas as partes ou divisões e, desta forma, facilmente ultrapassam o valor de referência, ou seja um milhão de euros.
Pois bem, este critério de oportunidade adoptado pela AT não se afigura aceitável, nem conforme ao princípio da legalidade fiscal.
Utilizando o critério que a própria lei introduziu no artigo 67º, nº 2 do Código do Imposto do Selo, “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”
E, considerando o disposto no nº 4 do artigo 2º do CIMI, resulta que: “Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”
Acrescentando ainda o nº 3 do artigo 12º do CIMI que: “Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual determina também o respectivo valor patrimonial tributário”.
Assim, considerando que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, nos termos do CIMI, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respectivo IMI, bem como o novo IS, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não oferece qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto deve ser o mesmo.
Pelo que, se o critério legal em sede de IMI impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto de selo contido na verba 28 da TGIS.
É o próprio legislador que na letra da lei nos diz ser este o critério quando faz uma remissão inequívoca para o CIMI para efeitos de aplicação da já referida verba 28 do IS.
Não pode, assim, a AT considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total do prédio (VPT total), quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de CIMI, e este é o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à verba 28 da TGIS.
Dito isto, afigura-se claro que só haveria lugar a incidência do novo imposto de selo se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00, o que não sucede nos presentes autos em relação a nenhuma das partes ou divisões independentes de nenhum dos prédios indicados no presente pedido arbitral. Isso mesmo, ficou inequivocamente provado pela prova documental produzida nos autos, sintetizada no ponto III, item 9 – factos provados – da presente decisão arbitral.
18. O critério utilizado pela AT, ao considerar o valor do somatório dos VPT atribuídos às partes, andares ou divisões com utilização independente, com o argumento do prédio não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra sustentação legal e é contrário ao critério que resulta aplicável em sede de CIMI e, por remissão, em sede de IS, pelo que se afigura ilegal.
Ao já exposto acresce o argumento extraído da própria lei estabelecer expressamente, na parte final da verba 28 da TGIS, que o IS a incidir sobre os prédios urbanos de valor igual ou superior a €1.000.000,00 – “sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI.” (sublinhado nosso)
Assim, a interpretação defendida pela AT viola o princípio da legalidade e a interpretação subjacente contraria os princípios da igualdade fiscal, bem assim como, o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal.
A questão da conformidade da previsão da norma de incidência, face ao texto constitucional, porém, só se colocaria se o intérprete chegasse à conclusão que determinada e inequívoca leitura da lei, aplicada a um caso concreto, feria um ou vários princípios constitucionais. Porém, no caso em apreço do que se trata é de uma interpretação da AT que a conduziu a uma aplicação da lei sem enquadramento nos preceitos legais e constitucionais em vigor, padecendo de erro sobre os pressupostos de direito subjacentes à sua correcta aplicação. Dito de outro modo, as normas em causa não conduzem à solução que a AT professa para a sua aplicação. Se aceitássemos como correcta tal posição, então sim, teríamos uma aplicação da lei que claramente feria os princípios constitucionais invocados pela Requerente.
19. Em síntese, O critério uniforme, único compatível com a letra da lei e com a ratio legis subjacente á introdução da tributação das “habitações de luxo” definidas como sendo aquelas cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00, no caso dos prédios em propriedade vertical com fracções ou divisões independentes, que se atenda ao valor de cada uma das fracções ou divisões, tal como sucede para efeitos de IMI. No caso de alguma dessas partes apresentar um VPT superior a €1.000.000,00 está preenchido o pressuposto legal de incidência, caso o valor seja inferior não pode haver incidência do imposto.
Pretender, como faz a AT, usar como critério de referência, especificamente para o efeito de aplicação da verba 28 da TGIS, o VPT global, correspondente ao somatório de todos os VPT das diversas partes ou divisões independentes, é ilegal, porquanto não tem qualquer suporte nos normativos legais aplicáveis nem na ratio legis que conduziu o legislador à introdução no novo imposto. Aliás, o entendimento preconizado pela AT contraria a indicação expressamente introduzida pelo legislador nesta matéria, ao remeter para o artigo 67º, nº do CIMI. O que consubstancia violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito de aplicação da norma.
20. No caso dos presentes autos todos os prédios em causa se encontram em propriedade vertical e contém andares e divisões com utilização independente dos quais, uma grande parte se destina a habitação, como ficou provado supra. Dado que nenhum dos andares destinados a habitação tem valor patrimonial igual ou superior a €1.000.000,00, como resulta dos documentos juntos aos autos, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência do IS previsto na Verba 28 da TGIS.
Por último, importa indagar qual a ratio legis subjacente à regra da verba 28 da TGIS, introduzida pela Lei nº 55-A/22012 de 29 de Outubro, e em obediência ao disposto no artigo 9º do Código Civil, segundo o qual a interpretação da norma jurídica não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos e dos restantes elementos de interpretação o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
O legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afectação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afectação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afectação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00.
Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012.
A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”
Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fracção autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.
21. Também seguindo estes considerandos inspiradores da inovação legislativa em apreciação, há que concluir que a existência de um prédio em propriedade vertical ou horizontal não pode ser, por si só, indicador de capacidade contributiva. Pelo contrário, da lei decorre que uns e outros devem receber o mesmo tratamento fiscal em obediência aos princípios da justiça, da igualdade fiscal e da verdade material. Já a existência em cada prédio de habitações independentes, em regime de propriedade horizontal ou vertical, pode ser susceptível de desencadear a incidência do novo imposto se o VPT de cada uma das partes ou fracção for igual ou superior ao limite definido pela lei: € 1.000.000,00.
Deste modo é ilegal e inconstitucional considerar como valor de referência seja o correspondente ao somatório dos VPT atribuídos a cada parte ou divisão. Desde logo, porque essa seria uma nítida violação do princípio da igualdade e proporcionalidade em matéria fiscal. O legislador fiscal não pode tratar situações iguais de forma diferente. Ora, se os prédios se encontrassem em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas fracções habitacionais sofreria incidência do novo imposto. Basta pensar que, pelo critério da AT, muitos dos prédios urbanos existentes em propriedade vertical, apesar de mais antigos, facilmente podem alcançar o valor de referência para a incidência do IS. Por outro lado, prédios de construção recente e, por vezes, luxuosa, em regime de propriedade horizontal, mas desde que cada fracção não iguale ou ultrapasse o valor de €1.000.000,00 não fica sujeito ao novo imposto. Face ao disposto no artigo 104º, nº 3 da Constituição tal situação afigura-se, verdadeiramente, desproporcional e intolerável, por violação clara da igualdade e da equidade fiscal.
Assim, conclui-se que não pode a AT distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103º, nº2 da CRP, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal.
Por isso mesmo é que o artigo 12º, nº3, do CIMI diz que “cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual discrimina igualmente o respectivo valor patrimonial tributário.”
Do disposto neste normativo resulta (à semelhança do que era previsto no artigo 232º, regra 1ª, do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola) que releva para efeitos de inscrição na matriz predial a autonomia que, dentro do mesmo prédio, pode ser atribuída a cada uma das suas partes, económica e funcionalmente independentes. O que não se afigura coerente com a decisão da AT tributar as partes habitacionais de um prédio em propriedade vertical, em função do VPT global do prédio, introduzindo um critério totalmente contrário ao que resulta previsto na lei, ou seja, no CIS e no CIMI, por remissão expressa do legislador nesta matéria.
Acresce que, a constituição da propriedade horizontal implica uma mera alteração jurídica do prédio, a qual para efeitos tributários não impõe sequer uma nova avaliação do prédio. E, de resto, para efeitos tributários, a forma de constituição do prédio em regime de propriedade total ou horizontal não foi considerada na introdução do novo imposto, tal como não foi no próprio CIMI, certamente porque o legislador bem atendeu à injustiça que resultaria de tal discriminação. A verdade material resultando do valor imputado a cada uma das partes ou divisões independentes, expressa no VPT que á atribuída a cada uma delas para efeitos de IMI e a afectação efectiva do prédio a habitação, é a que se impõe como critério determinante da capacidade contributiva e não a mera realidade jurídico- formal do prédio.
V – Quanto ao pedido de juros indemnizatórios
22. Dispõe a alínea b), do nº 1, do art.º 24º, do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.
Tal dispositivo está em sintonia com o disposto no art.º 100º, da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a), do nº 1, do art.º 29º, do RJAT, no qual se estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”
23. Dispõe, por sua vez, o artigo 43º, nº1, da Lei Geral Tributária que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
Da análise dos elementos probatórios constantes dos presentes autos é possível inferir que a AT tinha total e cabal conhecimento dos elementos factuais relevantes para proceder à correcta liquidação do imposto.
Com a notificação do pedido arbitral apresentado e dos meios de prova juntos em anexo ao pedido a AT teve a possibilidade de revogar os actos travando os seus efeitos, o que não sucedeu. Não o tendo feito e mantendo as liquidações inquinadas de erro sobre os pressupostos, e por isso mesmo ilegais, está obrigada a indemnizar.
Assim sendo, atento o disposto no artigo 61º, do CPPT e considerando que se encontram preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1 do art.º 43º da LGT, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre a quantia de €55.126,17, a contar da data em que foi efectuado o pagamento até ao seu integral reembolso, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.
24. Não se afigura existirem outras questões relevantes suscitadas pelas partes.
VI - DECISÃO
Face ao exposto, este Tribunal Arbitral decide:
A) - Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade das liquidações de Imposto de Selo impugnadas nos presentes autos, por padecerem do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, anulando-se, consequentemente, os correspondentes actos tributários;
B)- Julgar procedente o pedido de condenação da Administração Tributária no reembolso da quantia indevidamente paga, no montante de €55.126,17, acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde o dia do pagamento efectuado até ao integral reembolso do mencionado montante, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar estes pagamentos.
Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nºs 1 e 2 do CPC, artigo 97º - A, nº 1, alínea a), do CPPT e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €55.126,17.
Custas: Nos termos do disposto no nº 4, do art.º 22º, do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em €2.142,00, a cargo da Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 28 de Novembro de 2014
O Árbitro singular,
(Maria do Rosário Anjos)
[1] A presente decisão é redigida de acordo com a ortografia antiga.