Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1020/2023-T
Data da decisão: 2024-08-26  IMI Outros 
Valor do pedido: € 53.308,17
Tema: IMI e AIMI – VPT dos terrenos para construção. Impugnabilidade de atos de liquidação ao abrigo do artigo 78.º da Lei Geral Tributária.
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SUMÁRIO:

 

I. O acto que fixa o valor patrimonial tributário encerra um procedimento autónomo de avaliação que servirá de base a uma pluralidade de actos de liquidação que venham a ser praticados enquanto o valor dela resultante se mantiver.

 

II. Os actos de fixação do VPT são actos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e directamente sindicáveis que põem fim ao procedimento de avaliação.

 

III.  Precludindo a possibilidade de se sindicar o VPT nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do CIMI, não se pode, por princípio, arguir a ilegalidade da liquidação de IMI e de AIMI com fundamento na ilegalidade do cálculo do VPT que lhes serviu de base.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

  1. Relatório

 

 

A - Geral

 

 

  1. A... LDA., titular do número de identificação de pessoa coletiva ... e matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o mesmo número, com sede social na ..., n.º..., ...-..., ... (de ora em diante designado “Requerente”), apresentou no dia 21.12.2023 um pedido de constituição de tribunal arbitral singular em matéria tributária, que foi aceite, visando, por um lado, em termos mediatos, a anulação parcial dos actos tributários de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (de ora em diante “IMI”) de 2019 e 2020, n.º 2019... e n.º 2020..., respetivamente, e de Adicional ao IMI (de ora em diante “AIMI”) de 2020 e 2021, n.º 2020... e n.º 2021..., respectivamente, na parte referente ao valor de imposto pago em excesso, que estimou ser no montante total de € 53.308,17 (cinquenta e três mil, trezentos e oito euros e dezassete cêntimos), como adiante melhor se verá.

 

  1. Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (de ora em diante, “RJAT”), o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro o signatário, não tendo as partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.

 

  1. Por despacho de 12.01.2024, a Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida” ou “AT”) procedeu à designação das Senhoras Dra. B... e Dra. C... para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído a 01.03.2024.

 

  1. No dia 04.03.2024 foi notificado o dirigente máximo dos serviços da Requerida para remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo que pudesse existir e, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.

 

 

B – Posição da Requerente

 

 

  1. A Requerente é uma sociedade por quotas, constituída segundo o direito português, cujo objecto social compreende a indústria da construção civil, urbanização, obras públicas e empreitadas gerais, a compra e venda de propriedades rústicas e urbanas bem como a sua exploração e administração.

 

  1. A 31.12.2019 e 01.01.2020, o activo da Requerente era constituído, entre outros, por 65 terrenos para construção, listados na tabela constante do documento n.º 22 junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral, a saber:

 

 

 

 

  1. A 31.12.2020 e 01.01.2021, o activo da Requerente era constituído, entre outros, por 71 terrenos para construção, listados na tabela constante do documento n.º 23 junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral, a saber:

 

 

 

  1. A Requerente procedeu, nos prazos previstos para o efeito, ao pagamento do IMI incidente sobre a totalidade do seu património existente:

 

  1. Com referência à data de 31.12.2019, num total de € 57.466,81 (cinquenta e sete mil quatrocentos e sessenta e seis euros e oitenta e um cêntimos), que inclui o IMI de 2019 imputável aos referidos 65 terrenos para construção, no valor de € 33.839,51 (trinta e três mil oitocentos e trinta e nove euros e cinquenta e um cêntimos), em três prestações distintas com vencimento no final dos meses de maio, agosto e novembro de 2019;

 

  1. Com referência à data de 31.12.2020, num total de € 38.671,86 (trinta e oito mil seiscentos e setenta e um euros e oitenta e seis cêntimos), que inclui o IMI de 2020 imputável aos mencionado 71 terrenos para construção, no valor de € 18.940,38 (dezoito mil novecentos e quarenta euros e trinta e oito cêntimos), em três prestações distintas com vencimento no final dos meses de maio, agosto e novembro de 2020.

 

  1. A Requerente procedeu ainda ao pagamento atempado do AIMI incidente sobre os terrenos para construção por si detidos:

 

  1. Com referência à data de 01.01.2020, num total de € 42.999,56 (quarenta e dois mil novecentos e noventa e nove euros e cinquenta e seis cêntimos), incluindo o AIMI referente aos 65 terrenos para construção acima referidos, no valor de € 36.968,30 (trinta e seis mil novecentos e sessenta e oito euros e trinta cêntimos, numa única prestação com vencimento no final do mês de setembro de 2020;

 

  1. Com referência à data de 01.01.2021, num total de € 25.381,51 (vinte e cinco mil trezentos e oitenta e um euros e cinquenta e um cêntimos), que inclui o AIMI de 2021 imputável aos mencionado 71 terrenos para construção, no valor de € 20.622,38 (vinte mil seiscentos e vinte e dois euros e trinta e oito cêntimos), numa única prestação com vencimento no final do mês de setembro de 2021.

 

  1. A Requerente constatou que os Valores Patrimoniais Tributários (“VPT”) considerados nas liquidações de IMI e AIMI acima referidas se encontram sobrevalorizados, tendo o seu apuramento resultado de uma violação das disposições legais aplicáveis, uma vez que a fórmula em que se funda esse apuramento utiliza, para alguns dos imóveis, coeficientes autónomos de VPT, como os de localização, de afetação e de qualidade e conforto, por natureza aplicáveis apenas a prédios edificados, fazendo igualmente uso da majoração de 25% prevista no n.º 1 do Código do IMI (“CIMI”) sobre o valor base dos prédios edificados.

 

  1. Assim, não pode a Requerente conformar-se com as liquidações de IMI de 2019 e 2020 e de AIMI de 2020 e 2021, nas partes referentes aos terrenos para construção já referidos, uma vez que as mesmas enfermam de vício de violação da lei, por erro sobre os pressupostos de direito, em particular, a aplicação das taxas de IMI e de AIMI legalmente previstas sobre uma base tributável (o VPT dos imóveis a 31.12.2019 e 01.01.2020, bem como, a 31.12.2020 e 01.01. 2021, respetivamente) apurada em violação das regras legais aplicáveis.

 

  1. Entende a Requerente que as liquidações de IMI e de AIMI postas em crise foram emitidas pela AT em violação da legislação em vigor à data dos factos, razão pela qual apresentou os respetivos pedidos de revisão oficiosa, à luz do artigo 115.º e do n.º 1 do artigo 129.º do CIMI e do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), que foram tacitamente indeferidos.

 

  1. A possibilidade de correção de ilegalidades no apuramento do VPT de imóveis não se esgota na faculdade de apresentação de reclamações contra as inscrições matriciais previstas no artigo 130.º do CIMI (i.e., não se esgota na possibilidade de evitar que tais lapsos afetem as liquidações de IMI e de AIMI de anos subsequentes), sob pena de serem perpetuadas no ordenamento jurídico-fiscal, liquidações de IMI e de AIMI de anos anteriores contendo vícios de lei (i.e. liquidações que resultaram de bases tributáveis – VPT - erradamente determinadas), o que violaria o princípio da legalidade, constitucionalmente protegido pelo n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).

 

  1. A alínea a) do artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) estabelece que “[c]constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade, designadamente (...) errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários”.

 

  1. O n.º 1 do artigo 129.º do CIMI refere expressamente que “Os sujeitos passivos do imposto, para além do disposto no tocante às avaliações, podem socorrer-se dos meios de garantia previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” (sublinhado da Requerente), o que significa que é o próprio CIMI a reconhecer que o procedimento de contestação das avaliações e de reclamação da matriz previsto no artigo 130.º do referido Código é uma garantia adicional de que pode dispor o contribuinte, não ficando ele impedindo de recorrer aos restantes meios de garantia disponíveis para contestação de actos de liquidação feridos de ilegalidade.

 

  1. O n.º 1 do artigo 78.º da LGT, a que o n.º 1 do artigo 115.º do CIMI faz apelo, determina que a "revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços."

 

  1. Por seu turno, o n.º 4 do dito artigo 78.º da LGT dispõe que “o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte” (sublinhado da Requerente), considerando-se notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade (n.º 5 do mesmo preceito).

 

  1. A relação entre o artigo 78.º da LGT e o artigo 115.º do CIMI é uma relação de especialidade, i.e., o artigo 78.º da LGT será inteiramente aplicável aos actos tributários de IMI e de AIMI (designadamente por remissão do n.º 1 do artigo 129.º do Código do IMI) a não ser que o artigo 115.º do Código do IMI disponha em sentido contrário ou regule a situação em causa de forma especial. Assim, não cabendo o caso dos autos na disciplina especial constante do artigo 115.º do CIMI, aplica-se a regra geral do artigo 78.º da LGT.

 

  1. O vício imputável às liquidações de IMI e AIMI que aqui se contestam consubstancia uma situação patente de “injustiça grave ou notória” nos termos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, não sendo o erro em questão imputável a qualquer comportamento negligente da Requerente, sendo certo que este meio procedimental se dirige ao acto de liquidação em sentido próprio.

 

  1. O facto de a Requerente não ter lançado mão do meio de reacção que, numa primeira linha, lhe teria permitido contestar actos de fixação dos VPT dos imóveis aqui em discussão (i.e., o procedimento segunda avaliação previsto no artigo 76.º do CIMI), não constitui impedimento a que viesse, através dos pedidos de revisão oficiosa por si apresentados, contestar os actos de liquidação subsequentes, que se basearam em tais VPT, manifestamente ilegais.

 

  1. Tendo sido os VPT aqui em discussão ilegalmente determinados, tal implica necessariamente a ilegalidade das liquidações de imposto que sobre os mesmos venham a incidir, as quais não poderão permanecer na ordem jurídica.

 

  1. Está em causa a interpretação do princípio da impugnação unitária estabelecido no artigo 54.º do CPPT e das exceções ao mesmo, nomeadamente perceber se, nos casos em que a Lei estabelece a possibilidade de reação directa contra actos interlocutórios do procedimento de liquidação (como é o caso da possibilidade de solicitar segundas avaliações, no sentido de contestar os actos de fixação de VPT), tal implica que (i) os vícios desse acto interlocutório têm obrigatoriamente de ser arguidos no âmbito desse meio de reação intermédio, sob pena de tal acto se “solidificar” definitivamente na ordem jurídica ou, inversamente, se (ii) independente de o sujeito passivo ter ou não lançado mão desse meio de reação intermédio, tais vícios podem sempre ser arguidos no âmbito da contestação final dirigida aos actos de liquidação que tiverem sido emitidos no final do procedimento, entendimento que a Requerente sufraga e que mereceu acolhimento no acórdão prolatado pelo Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão n.º 2765/12.8BELRS, de 31 de outubro de 2019 e, por exemplo, na Decisão Arbitral n.º 33/2022-T, que correu termos no CAAD.

 

  1. Ainda que se entendesse que, ao abrigo do princípio da impugnação unitária, a Requerente estaria impossibilitada de endereçar os pedidos de revisão oficiosa aqui em apreço contra os actos de liquidação de IMI e de AIMI em discussão, sempre estaria habilitada, até por estar dentro do prazo de 3 anos contados desde o final do ano em que foram praticados esses actos de liquidação, a endereçar o pedido contra o acto de fixação da matéria tributável subjacente, ao abrigo do n.º 4 e n.º 5 do artigo 78.º da LGT, obtendo, assim, os mesmos efeitos práticos.

 

  1. Para além do reembolso do imposto indevidamente liquidado, a Requerente requer ainda que, sendo julgado procedente o presente pedido de pronúncia arbitral, lhe sejam pagos, nos termos dos artigos 43.º e 100.º, ambos da LGT, os respetivos juros indemnizatórios por pagamento indevido de prestação tributária.

 

 

C – Posição da Requerida

 

 

  1. A Requerente pretende a anulação parcial dos actos impugnados com fundamento em vícios, não dos actos de liquidação propriamente ditos, mas sim dos actos que fixaram o respectivo VPT.

 

  1. Acontece que os vícios dos actos que fixaram o VPT dos imóveis em causa não são susceptíveis de ser impugnados nos actos de liquidação que sejam praticados com base neles.

 

  1. A Requerente não apresentou a reclamação/pedido de 2.ª avaliação prevista no artigo 76.º do CIMI para reagir contra a fixação daqueles VPT, pelo que, encontrando-se estes juridicamente consolidados, válidos e vigentes, serviram de base às liquidações em causa.

 

  1. Revertendo a análise para a validade das liquidações do IMI dos anos de 2019 e 2020 e AIMI dos anos de 2020 e 2021 referentes aos prédios a que vimos fazendo referência, as mesmas foram apuradas tendo em conta os VPT reportados a 31 dezembro do ano a que respeita o IMI, nos termos dos artigos 8.º e 113.º do CIMI, e a 1 de janeiro do ano a que respeita o AIMI, nos termos dos artigos 135.º-A e 135.º G do mesmo código.

 

  1. Formou-se caso decidido relativamente ao resultado dessas avaliações, não podendo eventuais erros na determinação desses VPT ser discutidos na apreciação da validade dos actos de liquidação de imposto que os utilizaram como referência de matéria tributável.

 

  1. Nos termos da mais recente jurisprudência consolidada através do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 23.02.2023 proferido no processo n.º 102/22.2BALSB eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são insusceptíveis de ser impugnados no acto de liquidação que seja praticado com base no mesmo.

 

  1. Os actos de fixação do VPT não são actos de liquidação; são actos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e directamente sindicáveis que põem fim ao procedimento de avaliação.

 

  1. Uma vez que os vícios da fixação do VPT não são sindicáveis na análise da legalidade do acto de liquidação, porquanto os mesmos já se consolidaram na ordem jurídica não é, nem legal, nem admissível, a apreciação da correcção do VPT em sede de impugnação do acto de liquidação.

 

  1. Não se verifica qualquer violação da garantia da tutela jurisdicional efetiva pois a lei prevê vários e diferenciados meios para a impugnação dos VPT.

 

 

D – Conclusão do Relatório e Saneamento

 

 

  1. Por despacho de 21.08.2024, o tribunal entendeu dispensar a reunião a que se refere o art.º 18.º do RJAT e, nos termos da alínea c) do art.º 16.º e do n.º 1 do art.º 19.º, ambos do RJAT, não se afigurar processualmente útil a audição da testemunha indicada pela Requerente nem a apresentação de alegações.

 

  1. O tribunal arbitral é materialmente competente e foi regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

  1. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, estão regularmente representadas, não padecendo o processo de qualquer nulidade.

 

  1. A cumulação de pedidos efectuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em homenagem ao princípio da economia processual, justifica-se uma vez que o art.º 3.º do RJAT, ao admitir expressamente a possibilidade de “cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos”, acomoda, sem abuso hermenêutico, a apreciação de um pedido que, em termos necessários, depende, por identidade de razões, do juízo que o tribunal arbitral sufrague quanto à procedência, ou não, de outro pedido submetido à sua apreciação. Assim, o juízo que se formule quanto à validade de um dos actos de liquidação ora postos em crise, igualmente se aplicará, pelas mesmas razões, aos demais actos contestados. E, no que se refere pedido de juros indemnizatórios, sempre se dirá que a sua apreciação decorre, igualmente em termos necessários, da solução que o tribunal arbitral sufrague quanto à validade das liquidações contestadas.

 

 

  1. Matéria de facto

 

2.1.    Factos provados

 

Com interesse para a prolação da presente decisão arbitral, mostram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A 31.12.2019 e 01.01.2020, o activo da Requerente era constituído, entre outros, por 65 terrenos para construção, listados na tabela constante do documento n.º 22 junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. A 31.12.2020 e 01.01.2021, o activo da Requerente era constituído, entre outros, por 71 terrenos para construção, listados na tabela constante do documento n.º 23 junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Os prédios referidos em 2.1.1. e 2.1.2. encontravam-se qualificados como “Terreno para Construção” (consenso das Partes - art.º 11.º da Resposta).

 

  1. Os actos tributários de liquidação de IM de 2019 e 2020, n.º 2019... e n.º 2020..., respetivamente, e de AIMI de 2020 e 2021, n.º 2020... e n.º 2021... assentam nos VPT inscritos nas mencionadas cadenetas prediais reportados, no caso do IMI, a 31 de dezembro e, no caso do AIMI, a 1 de janeiro do ano a que respeitam os impostos (consenso das Partes – artigos 64.º e 66.º do pedido de pronúncia arbitral e art.º 12.º da Resposta)

 

  1. A Requerente não apresentou a reclamação/pedido de 2.ª avaliação prevista no artigo 76.º do CIMI para reagir contra a fixação daqueles valores patrimoniais tributários (consenso das Partes – art.º 101.º do pedido de pronúncia arbitral e art.º 13.º da Resposta).

 

  1. A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações contestadas (documentos n.ºs 3 a 19 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. A 29.05.2023, a Requerente apresentou dois pedidos de revisão oficiosa, instauradas no Serviço de Finanças de Almada 2, e que têm como objecto as liquidações ora contestadas (documentos n.ºs 20 e 21 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Os pedidos de revisão oficiosa mencionados em 2.1.7. foram indeferidos (consenso das Partes – art.º 5.º do pedido de pronúncia arbitral e art.º 16.º da Resposta), tacitamente, a 29.09.2023.  

 

  1. A Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral no dia 21.12.2023.

 

2.2.    Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a prolação da decisão que tenham sido dados como não provados.

 

2.3.    Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de pronunciar-se sobre tudo quanto é alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de seleccionar os factos que se mostrem relevantes para a prolação da decisão, identificando os factos que se consideram provados e os que, por seu turno, não se acham demonstrados (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 e n.º 4, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).  

 

Assim, os factos que importam para a decisão são apurados em função do objecto do litígio (artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos aos autos pelas Partes e nas posições que assumiram nos articulados por si apresentados.

 

 

  1. Matéria de direito

 

3.1.    Da inimpugnabilidade dos actos de liquidação de IMI e de AIMI com fundamento em vícios próprios dos actos de fixação do Valor Patrimonial Tributário

 

Como resulta claro das posições assumidas pelas Partes nos articulados por si apresentados, o objecto do presente litígio consiste em saber se são, ou não, sindicáveis, por via do pedido de revisão oficiosa previsto no artigo 78.º da LGT, os actos de liquidação subsequentes, que se basearam em VP fixados em manifesta violação da lei.

 

Entende a Requerente que a possibilidade de correção de ilegalidades no apuramento do VPT de imóveis não se esgota na faculdade de apresentação de reclamações contra as inscrições matriciais previstas no artigo 130.º do CIMI (i.e., não se esgota na possibilidade de evitar que tais lapsos afetem as liquidações de IMI e de AIMI de anos subsequentes), sob pena de serem perpetuadas no ordenamento jurídico-fiscal, liquidações de IMI e de AIMI de anos anteriores contendo vícios de lei (i.e. liquidações que resultaram de bases tributáveis – VPT - erradamente determinadas), o que violaria o princípio da legalidade, constitucionalmente protegido pelo n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa.

 

Já a Requerida sustenta o entendimento de que os vícios dos actos que fixaram o VPT dos imóveis em causa não são susceptíveis de ser impugnados nos actos de liquidação que sejam praticados com base neles. Portanto, não tendo a Requerente apresentado reclamação/pedido de 2.ª avaliação prevista no artigo 76.º do CIMI para reagir contra a fixação dos VPT que considera ilegais, estes consolidama-se na ordem jurídica, devendo servir de base às liquidações de IMI e de AIMI.

 

Esta questão já foi objecto de aprofundada análise em várias decisões arbitrais, louvando-se o presente tribunal no entendimento sufragado na Decisão arbitral prolatada no âmbito do Processo n.º 566/2023, cujo coletivo o signatário integrou.

 

Nessa decisão, lê-se:

 

Dos Acórdãos de uniformização de jurisprudência proferidos no âmbito dos processos n.ºs 102/22.2BALSB, em 23-02-2023, e 115/23.7BALSB, em 22-11-2023, resulta claro e evidente que o Douto Supremo Tribunal Administrativo pretendeu afastar a possibilidade de os sujeitos passivos contestarem a legalidade de liquidações de IMI e AIMI, seja com fundamento em ilegalidade na fixação do VPT a elas subjacente, através de pedido de revisão oficiosa apresentado ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, seja com fundamento em injustiça grave e notória, nos termos do artigo 78.º, n.ºs 3 e 4, da LGT.

Independentemente da posição dos ora signatários em Decisões Arbitrais anteriores, os mesmos aceitam o carácter orientador e persuasivo dos Acórdãos de uniformização de jurisprudência referidos supra. Nos termos do artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.”

Tanto quanto é do conhecimento dos ora signatários, o Tribunal Constitucional ainda não se pronunciou sobre as questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Requerente. A este propósito, a maioria do Coletivo segue de perto o decidido na Decisão Arbitral de 04-03-2024, processo n.º 694/2023-T, entendendo igualmente não estar ferido de inconstitucionalidade material o artigo 78.º, n.º 4, da LGT, interpretado, como fez o Supremo Tribunal Administrativo na uniformização de jurisprudência a que nos vimos referindo, com o alcance de não viabilizar a revisão oficiosa quando a causa da injustiça é um ato de fixação de valor patrimonial tributário, em si mesmo impugnável:

“Na verdade, o que está em causa não é propriamente uma restrição ao direito de impugnação contenciosa dos actos de liquidação, mas sim a caducidade do direito de impugnar os actos de fixação de valores patrimoniais, por falta de impugnação tempestiva pelos meios próprios previstos na lei.

Como efeito, os actos de fixação de valores patrimoniais podem ser impugnados contenciosamente, com fundamento em qualquer ilegalidade, e a condição do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão, que consta do n.º 2 do artigo 86.º da LGT e do n.º 7 do artigo 134.º, do CPPT, é justificada, pois tem em vista atenuar a margem de subjectividade inerente aos conceitos indeterminados que influenciam a avaliação de imóveis (como, por exemplo, a «qualidade construtiva» ou a «localização excepcional». E, decerto, como dizem as Requerentes, a 2.ª avaliação nem será necessária quando estiver em causa a impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais com fundamento em vícios que não tenham a ver com a avaliação, como é o caso dos vícios de falta de fundamentação e de forma. 

De qualquer modo, à face da referida jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, não é por as Requerentes não terem requerido 2.ª avaliação que é de rejeitar a possibilidade de revisão oficiosa, mas sim por não terem impugnado tempestivamente, por qualquer forma, os actos de fixação de valores patrimoniais.  

Como já se referiu, o regime de impugnação autónoma de actos de avaliação justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada acto de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de actos de liquidação de impostos e ser relevante para vários outros efeitos.

Por outro lado, como também já se referiu, a caducidade do direito de acção decorrente da inércia do lesado por actos administrativos, é justificada por razões de segurança jurídica, que é um valor constitucional, ínsito no princípio do Estado de Direito.

Para além disso, como também já se disse, o prazo de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais, previsto no n.º 1 do artigo 134.º do CPPT, afigura-se ser razoável para assegurar adequadamente os direitos de impugnação contenciosa.

Neste contexto, tendo em mente o princípio da segurança jurídica, afigura-se que é materialmente constitucional o artigo 78.º, n.º 4, da LGT, interpretado, como fez o Supremo Tribunal Administrativo, com o alcance de não viabilizar a revisão oficiosa quando a causa da injustiça é um acto de fixação de valor patrimonial tributário”.

 

Assim, pelas razões acabadas de transcrever, entende o tribunal arbitral ser de acompanhar a jurisprudência acabada de citar, tendo até em conta o fim de se obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, como o impõe o artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil, razão por que não pode deixar de julgar-se totalmente improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

 

  1. Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

 

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral;

 

  1. Condenar a Requerente nas custas.

 

 

  1. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no n.º 4 do art.º 299.º e no n.º 2 do art.º 306.º, ambos do CPC, no art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 53.308,17 (cinquenta e três mil, trezentos e oito euros e dezassete cêntimos).

 

 

  1. Custas

 

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 5 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar, como se disse, integralmente pela Requerente.

 

 

Lisboa, 26 de Agosto de 2024

 

 

 

O Árbitro

 

 

 

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(Nuno Pombo)

 

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e com a grafia anterior ao dito Acordo Ortográfico de 1990.