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SUMÁRIO
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A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, era um imposto, não se verificando, por isso, na sua apreciação, nem a incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, nem a falta de vinculação prévia da Autoridade Tributária à jurisdição arbitral.
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A CSR não prosseguia “motivos específicos”, na acepção do artigo 1º, 2, da Directiva 2008/118/CE, na medida em que as suas receitas tinham essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação directa entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que se encontravam consignados no respectivo quadro legal.
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A recusa do reembolso integral do imposto indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia, apenas é admissível se for feita a prova, tanto de que o imposto foi suportado, na íntegra, por uma pessoa diferente do sujeito passivo, e em nenhuma medida pelo sujeito passivo, como de que o imposto não causou perdas económicas ao sujeito passivo.
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Não houve nem há repercussão legal da CSR, não podendo presumir-se essa repercussão, nem dispensar-se a prova da repercussão efectiva.
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Na ausência de “repercussão formalizada”, não pode alcançar-se a anulação de liquidações através da mera impugnação de repercussões, ou sequer identificar-se os sujeitos passivos das liquidações, ou o nexo entre liquidações e repercussões.
DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
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A contribuinte A..., S.A., NIPC..., doravante “a Requerente”, apresentou, no dia 20 de Dezembro de 2023, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos dos artigos 2º, 1, a), e 10º, 1 e 2 do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações por último introduzidas pela Lei nº 7/2021, de 26 de Fevereiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), e dos arts. 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
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A Requerente pediu a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade do acto de indeferimento tácito do pedido revisão oficiosa apresentado em 22 de Maio de 2023, e, mediatamente, das liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) praticadas com base nas Declarações de Introdução no Consumo (“DIC”) submetidas por sociedades fornecedoras de combustíveis, e consequentes actos de repercussão da CSR, consignados nas facturas referentes ao gasóleo rodoviário e gasolina àquelas adquiridos pela Requerente, durante o período de Abril de 2019 a Dezembro de 2022, de que resultou o suporte, pela Requerente, na qualidade de consumidora final, de CSR no montante total de € 248.603,26; peticionando o reembolso desse montante, acrescido de juros indemnizatórios.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
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O Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação.
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As partes não se opuseram, para efeitos dos termos conjugados dos arts. 11º, 1, b) e c), e 8º do RJAT, e arts. 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD.
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Em 10 de Janeiro de 2024 a AT endereçou ao Presidente do CAAD um requerimento solicitando a identificação dos actos de liquidação, em cumprimento do disposto no art. 10º, 1, a) do RJAT e no art. 102º, 2 do CPPT, para efeitos de exercer, ou não, a faculdade prevista no art. 13º do RJAT.
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Por Despacho de 10 de Janeiro de 2024, o Presidente do CAAD remeteu a decisão para o Tribunal a constituir.
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O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 1 de Março de 2024; foi-o regularmente, e é materialmente competente.
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Por Despacho de 4 de Março de 2024, foi a Requerente notificada para se pronunciar sobre as questões suscitadas pela Requerida no seu Requerimento de 10 de Janeiro de 2024 – ressalvando-se que a constituição do Tribunal precludia o exercício da faculdade prevista no art. 13º do RJAT, mas não impediria, já na pendência do processo, a revogação, ratificação, reforma ou conversão do acto tributário pela AT.
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A Requerente reagiu, por Requerimento de 16 de Março de 2024, aos pontos suscitados pela Requerida no seu Requerimento de 10 de Janeiro de 2024, limitando-se a juntar alguns documentos.
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Por Despacho de 19 de Março de 2024, foi a AT notificada para, nos termos do art. 17º do RJAT, apresentar resposta – ressalvando-se, de novo, que a constituição do Tribunal precludia o exercício da faculdade prevista no art. 13º do RJAT.
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A AT apresentou a sua Resposta em 26 de Abril de 2024, juntamente com o Processo Administrativo.
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Por Despacho de 6 de Maio de 2024, concedeu-se à Requerente o exercício do contraditório sobre a matéria de excepção suscitada na Resposta da AT.
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Por Requerimento de 20 de Maio de 2024, a Requerente respondeu a essa matéria de excepção.
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Por Despacho de 27 de Maio de 2024, dispensou-se a realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT, sendo as partes notificadas para apresentarem alegações escritas.
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A Requerente não apresentou alegações.
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A Requerida apresentou sumaríssimas alegações em 20 de Junho de 2024, nas quais se limitou a remeter para a sua própria resposta.
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As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e têm legitimidade.
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A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.
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O processo não enferma de nulidades.
II – Matéria de Facto
II. A. Factos provados
Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente é sociedade de direito português, com sede e direcção efectiva em Portugal, que desenvolve uma actividade no âmbito da construção civil e de obras públicas (CAE Principal 42990), incluindo empreitadas, exploração de granitos, produção de misturas betuminosas, e ainda viticultura e produção de vinhos comuns, licorosos e espumantes.
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A Requerente não é operador económico detentor do estatuto IEC de destinatário registado, concedido ao abrigo e nos termos do regime previsto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (“CIEC”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho.
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Durante o período de Abril de 2019 a Dezembro de 2022, a Requerente adquiriu 2.239.699 litros de gasóleo rodoviário a sujeitos passivos de ISP e de CSR.
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Alegando ter sido integralmente repercutido sobre ela a CSR, o que estaria comprovado através das facturas emitidas pelas fornecedoras de combustíveis, a Requerente deduziu, em 22 de Maio de 2023, a 13 de Dezembro de 2022, um pedido de revisão oficiosa com vista à anulação das referidas liquidações de CSR, e dos consequentes actos de repercussão.
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A esse pedido revisão oficiosa foi atribuído o nº de Proc.º ...2023...; e considera-se tacitamente indeferido em 23 de Setembro de 2023.
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Em 20 de Dezembro de 2023, a Requerente apresentou no CAAD o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem ao presente processo.
II. B. Matéria de facto não-provada
Com relevância para a questão a decidir, ficou por provar (dado o standard de prova estabelecido pelo TJUE no seu despacho de 7 de Fevereiro de 2022 [Proc. nº C-460/21], nomeadamente vedando presunções):
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Quais os valores de CSR liquidados à fornecedora de combustíveis, com base nas DIC por ela apresentadas, e os valores de CSR por ela pagos ao Estado: nomeadamente, uma relação dos valores totais de CSR liquidado, através de um quadro-síntese que especifique, para cada mês de 2020, o registo de liquidação de ISP e a data desse registo de liquidação, o NIF do operador (detentor do estatuto IEC de destinatário registado) e os valores discriminados de ISP e de CSR liquidados em cada mês desse ano.
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Que a CSR tenha sido repercutida integralmente pelas fornecedoras de combustíveis sobre a cadeia de transmissões onerosas a jusante delas, e especificamente sobre a Requerente.
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Qual o grau de repercussão da CSR, caso não tenha havido repercussão integral.
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Quais os efeitos económicos da repercussão da CSR, seja sobre as próprias fornecedoras de combustíveis, seja sobre a cadeia de transmissões onerosas a jusante delas – nomeadamente, a inexistência de prejuízos associados à diminuição do volume das vendas das fornecedoras de combustíveis, fosse qual fosse o grau da repercussão da CSR a jusante delas, e a inexistência de repercussão, em qualquer grau, a jusante da Requerente, na medida em que, sendo um elo apenas na cadeia produtiva, ela própria, como sociedade comercial com fins lucrativos, não é, manifestamente, consumidor final.
II. C. Fundamentação da matéria de facto
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Os factos elencados supra foram dados como provados, ou não-provados, com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, e nos documentos juntos ao PPA, ao processo administrativo e a requerimentos oportunamente deferidos.
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Cabe ao Tribunal Arbitral seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123º, 2, do CPPT e arts. 596º, 1 e 607º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99º da LGT, 90º do CPTA e arts. 5º, 2 e 411.º do CPC).
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Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16º, e) do RJAT, e art. 607º, 4, do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
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Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607º, 5 do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
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Além disso, não se deram como provadas, nem não provadas, alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
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O Tribunal considera que a facturação apresentada documenta as transacções das fornecedoras de combustíveis com a Requerente, mas não faz, nem pode fazer, prova de repercussão económica da CSR, seja porque os montantes da CSR não eram discriminados, nem podiam sê-lo, nessa facturação (apenas se discriminando os valores de IVA), seja porque está vedada – dada a posição expressa do TJUE – a presunção de que tenha havido repercussão integral da CSR em toda e qualquer das transacções documentadas.
III. Sobre a Matéria de Excepção
III. A. Posição da Requerida no Requerimento de 10 de Janeiro de 2024
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Em Requerimento de 10 de Janeiro de 2024, na fase procedimental, a Requerida sugeriu, sem afirmá-lo, que se estaria perante uma ineptidão do pedido de pronúncia, dada a insuficiência na identificação dos actos tributários impugnados, que, mais do que violar o art. 10º, 2, b) do RJAT, impediria o exercício da faculdade prevista no art. 13º do RJAT.
III. B. Posição da Requerida na Resposta, em 26 de Abril de 2024
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A Requerida, na sua Resposta, formula um conjunto de questões suscitadas pela alegada legitimidade da Requerente para peticionar o reembolso da CSR, enquanto entidade que, embora não revestindo a posição de sujeito passivo relativamente às liquidações em causa, declara ter suportado a CSR por via da repercussão, ocupando uma posição de “repercutido”.
III. B. 1. Excepção da Incompetência do Tribunal em Razão da Matéria
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A Requerida sustenta que, sendo a CSR uma contribuição financeira e não um imposto (a CSR seria uma contraprestação/contrapartida pela utilização dos serviços prestados pela IP aos utentes/utilizadores das vias rodoviárias, em nome do Estado), o Tribunal não teria competência para apreciar o litígio, seja por força do disposto nos arts. 2º e 4º do RJAT, seja pelo disposto na “portaria de vinculação” (Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março).
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Invocando diversa jurisprudência arbitral em suporte desse entendimento, aduz ainda um argumento relativo à falta do acordo necessário para a constituição de tribunal arbitral, a que se reporta o art. 18º da Lei de Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro), aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no art. 29º, 1, c), do RJAT e art. 181º do CPTA – acordo esse que, relativamente à arbitragem tributária, é genericamente exigido e definido no que concerne à AT através da vinculação prevista no art. 4º do RJAT.
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Assim, a CSR estaria excluída da arbitragem tributária. No fundo, seria decisiva a não-vinculação do Estado a decisões respeitantes a tributos sem o nome legal de “impostos”, algo similar à incompetência relativa por falta do acordo necessário para a constituição de tribunal arbitral, a que se reporta o art. 18º da Lei de Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no art. 29º, 1, c) do RJAT e no art. 181º do CPTA), um acordo que, relativamente à arbitragem tributária, é genericamente exigido nos termos do art. 4º do RJAT, e resultou na “portaria de vinculação”.
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Por uma outra via, a Requerida retira um argumento para excepcionar em termos de incompetência do Tribunal em razão da matéria: é que, no seu entender, o que a Requerente vem questionar é, não um conjunto de liquidações (e repercussões), mas o próprio quadro legislativo em si mesmo, em abstracto, a conformidade jurídico-constitucional do regime jurídico da CSR, visando suspender a eficácia de actos legislativos. Ora, exclui-se do âmbito da jurisdição arbitral a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de actos praticados no exercício da função política e legislativa.
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Por ambas as vias, a incompetência material do tribunal arbitral consubstancia uma excepção dilatória, nos termos do art. 577º, a) do CPC, impeditiva do conhecimento do mérito da causa, implicando a absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos arts. 99º, 1, 576º, 2 e 577º, a) do CPC.
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A estes argumentos, a Requerida adita ainda o de que, estando em causa, directamente, alegados actos de repercussão, essa repercussão, porque não corresponde a uma repercussão legal, nem sequer é um acto tributário, pelo que não é possível ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre ela – esgotando-se a competência do tribunal na sindicância dos actos de liquidação que estão a montante de tais fenómenos de repercussão.
III. B. 2. Excepção da Ilegitimidade Processual e Substantiva da Requerente
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Sem prova de que a fornecedora de combustíveis tenha sido o sujeito passivo de ISP/CSR que suportou o imposto, e sem prova de que tenha havido repercussão, e com que extensão, a Requerida coloca em dúvida que a Requerente seja, sequer, o consumidor final dos combustíveis que foram objecto das transacções comprovadas por facturas, não podendo excluir-se que os tenha revendido, repercutindo a jusante a carga da CSR – criando-se assim um problema de legitimidade que verdadeiramente só não afecta os sujeitos passivos a quem o imposto foi liquidado e que efectuaram o correspondente pagamento – os mesmos que são identificados pelo art. 5º da Lei nº 55/2007, e a quem os arts. 15º e 16º do CIEC reconhecem o direito ao reembolso (não tendo aquela Lei qualquer referência à repercussão da CSR, nem sequer uma remissão para o art. 2º do CIEC no qual se se prevê a repercussão dos impostos especiais sobre o consumo).
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Conclui a Requerida que carecem de legitimidade para solicitar a anulação das liquidações com fundamento em erro, e consequente reembolso do montante correspondente, os requerentes de reembolso que não correspondam à entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento da CSR. Sendo isso que resulta para os IEC nos termos dos arts. 15º e 16º do CIEC, é isso que é válido igualmente para a CSR (por força do art. 5º da Lei nº 55/2007).
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Trata-se aqui de impostos monofásicos, que incidem num único ponto do circuito económico, e, sem desconhecerem que uma multiplicidade de transacções e de sujeitos podem ocorrer a jusante ao momento da relação jurídica tributária originária, optam por não se envolverem nessa sequência, mantendo-a numa posição de irrelevância relativamente à liquidação dos tributos, do seu pagamento e do seu eventual reembolso (ao contrário do que sucede com o plurifásico IVA, que incide em todas as fases do circuito económico, através do crédito do imposto a jusante e do débito a montante).
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Entende a Requerida que esse é, de resto, o sentido do entendimento plasmado no Despacho proferido pelo TJUE em 7 de Fevereiro de 2022 no Proc. nº C-460/21, quando legitima o sujeito passivo como titular do direito ao reembolso, mesmo que os impostos tenham sido concebidos para serem repercutidos, na medida em que não se tenha provado a repercussão plena.
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Acrescenta a Requerida que, ainda que, no caso concreto, a CSR tivesse sido efectivamente repercutida, e a Requerente tivesse legitimidade processual para peticionar a anulação das liquidações com fundamento em erro, e o reembolso dos montantes correspondentes, e a repercussão resultasse provada, sempre seria de invocar a jurisprudência do TJUE, resultante do Acórdão proferido no Proc.º n.º C-94/10, de 20/10/2011, de acordo com a qual: “As normas do direito da União devem ser interpretadas no sentido de que: 1) Um Estado-Membro se pode opor a um pedido de reembolso de um imposto indevido, apresentado pelo comprador sobre quem esse imposto tenha sido repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma acção civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil; 2) Um Estado-Membro pode recusar um pedido de indemnização apresentado pelo comprador sobre quem o sujeito passivo tenha repercutido um imposto indevido, com base na falta de nexo directo de causalidade entre a cobrança desse imposto e o dano sofrido, desde que o comprador possa, com base no direito interno, dirigir esse pedido contra o sujeito passivo e que a reparação, por este, do dano sofrido pelo comprador não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil.”
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Assim, a Requerente, quando adquiriu produto às fornecedoras de combustíveis, estabeleceu com elas uma relação comercial de direito privado entre empresas, à qual a AT é estranha, para efeitos do que aqui releva, que é a liquidação do ISP/CSR e o reembolso da CSR alegadamente repercutida no custo de aquisição de combustível.
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Sendo que também só dessa maneira se evitará a duplicação, ou multiplicação, de reembolsos sobrepostos, a sujeitos passivos “repercutentes” e a terceiros “repercutidos”, com locupletamento indevido de alguns deles, sem qualquer controlo sobre a sequência de transacções, e de eventuais repercussões, posteriores ao facto gerador do imposto.
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Não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no art. 4.º do CIEC, não tem legitimidade, nem para apresentar pedido de revisão oficiosa, nem, consequentemente, o presente pedido arbitral.
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Não só os requerentes de reembolso que não correspondem à entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo, e pelo pagamento da CSR, carecem de legitimidade para solicitar a anulação das referidas liquidações e consequente reembolso do montante correspondente (art. 15º, 2 do CIEC); mas também a Requerente, na medida em que é mera “repercutida” numa situação de simples repercussão económica, não é sujeito passivo, pelo que não tem legitimidade, por efeito do art. 18º, 4, a) da LGT.
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Além disso, invoca a Requerida os arts. 9º, 1 e 4, do CPPT e 65º e 78º da LGT para sustentar a ilegitimidade processual da Requerente.
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A Requerente seria apenas cliente comercial de fornecedoras de combustíveis que plausivelmente terão sido sujeitos passivos que liquidaram e pagaram a CSR – e a sua posição não ficava desprovida de tutela jurisdicional efectiva, nessa dimensão, já que nada impede o ressarcimento, através de uma acção civil de repetição do indevido, instaurada contra as suas fornecedoras, se reunir os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de Outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (§§ 24 a 29).
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A Requerida enfatiza a circunstância de a Requerente não ser sujeito passivo de ISP/CSR, não tendo efectuado quaisquer introduções no consumo de produtos petrolíferos, não sendo parte da relação tributária subjacente às liquidações contestadas, não conseguindo definir, quantificar ou provar que efectuou quaisquer pagamentos a título de CSR – pelo que à ilegitimidade processual se somaria a ilegitimidade substantiva da Requerente, redundando qualquer reembolso a que se procedesse numa ilegítima, infundada e indevida restituição de elevadas quantias monetárias a diversas entidades com base nos mesmos alegados factos, sem qualquer possibilidade de controlo.
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A Requerida sustenta ainda que não há qualquer prova de que a Requerente tenha suportado integralmente a CSR, como alega – e que, portanto, o montante invocado seja aquele que ela invoca. Sendo que era ela que estava onerada com a respectiva prova, nos termos do art. 74º, 1 da LGT.
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Conclui a Requerida que, não tendo efectiva titularidade do direito, não sendo sujeito passivo nem repercutido legal, não se provando se pagou a CSR, e em que montante, ou se repercutiu, ou não, a jusante, o que tenha pago, falta à Requerente uma legitimidade que sustente a sua pretensão (faltando um interesse objectivo em agir, minimamente concretizado, que seja necessário tutelar), devendo o Tribunal arbitral abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver a AT da instância, em conformidade com os arts. 278º, 1, d), 576º, 1 e 3, 577º e 579º, todos do CPC.
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A Requerida regressa ao argumento de que a multiplicação de pedidos de reembolso de CSR, por parte tanto dos sujeitos passivos como dos alegadamente “repercutidos”, poderá levar a reembolsos sobrepostos e multiplicados, por toda a cadeia de comercialização dos combustíveis, se cada pedido for deferido – redundando num reembolso de valores muito superiores ao valor da liquidação inicial de CSR.
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No caso concreto, sublinha que, de todas as fornecedoras que constam da facturação apresentada pela Requerente, só a B..., S.A. é titular de estatuto fiscal no âmbito do ISP, podendo, enquanto tal, ter sido o efectivo sujeito passivo de ISP/CSR nas liquidações subjacentes às transacções em causa – mas sublinha que a mesma B..., S.A., está já, enquanto sujeito passivo de ISP/CSR, a apresentar pedidos de revisão oficiosa tendo por objecto o reembolso da CSR indevidamente pago, relativamente aos mesmos períodos do presente pedido.
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Conclui a Requerida que falta à Requerente legitimidade processual, o que consubstancia uma excepção dilatória nos termos dos artigos 576º, 1 e 2, 577º, e) e 578º do CPC, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, conduzindo à absolvição da instância. E conclui que também lhe falta legitimidade substantiva, o que consubstancia uma excepção peremptória nos termos do disposto nos artigos 576º, 1 e 3 e 579º do CPC, conduzindo à absolvição do pedido.
III. B. 3. Excepção de Ineptidão da Petição Inicial, por falta de objecto
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Na Resposta, a Requerida explicita o tema da ineptidão (já sugerido no seu requerimento de 10 de Janeiro de 2024), alegando a existência, no pedido de pronúncia arbitral, de deficiências que comprometem irremediavelmente a sua finalidade, mormente a violação do art. 10º, 2, b) do RJAT, que determina a nulidade de todo o processo e a absolvição da instância, conforme os arts. 186º, 1, 576º, 1 e 2, 577º, b) e 278º, 1, b) do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT.
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Especificamente, sustenta que a Requerente alude a actos tributários, mas se limita a apresentar facturas que não comprovam qualquer acto tributário – nem sequer identificando as liquidações de CSR a que teriam estado sujeitas as fornecedoras de combustíveis “repercutentes”; e que, por outro lado, nem a própria AT tem a possibilidade de suprir essa falta, recolhendo elementos de prova, dado não ser óbvia a correspondência entre as referidas liquidações e as facturas apresentadas.
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Não só a Requerente não é sujeito passivo de ISP e de CSR, mas não existe qualquer relação evidente entre as provas apresentadas e os factos alegados.
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Essa impossibilidade de estabelecimento de uma correspondência específica resulta em larga medida do modo de declaração e liquidação do ISP e da CSR: as companhias petrolíferas, que são os sujeitos passivos nesta relação tributária, declaram para introdução no consumo enormes quantidades de produtos petrolíferos e energéticos sujeitos a imposto, mediante o processamento diário, por via electrónica, de DIC, as quais são, por sua vez, globalizadas no mês seguinte pelas alfândegas competentes, para efeitos de liquidação.
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A alfândega competente para a liquidação nem sequer é necessariamente a da sede do sujeito passivo, dependendo do lugar onde são apresentadas as DIC – não podendo excluir-se que as fornecedoras de combustíveis tenham procedido a introduções no consumo em várias alfândegas: nem que uma mesma fornecedora de combustíveis tenha acordado a colocação dos produtos nos depósitos do entreposto fiscal de outros operadores económicos, para serem expedidos a partir daí, cabendo, neste caso, a estes operadores económicos submeter a DIC relativa às introduções no consumo e, assim, assumir perante a AT a posição de sujeito passivo do ISP – caso em que a fornecedora dos produtos não coincidiria com o sujeito passivo que introduziu os produtos no consumo (os produtos que vieram a ser adquiridos pela Requerente).
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Esclarece a Requerida que é frequente, no sector dos combustíveis, o circuito económico envolver uma multiplicidade de destinos e de clientes para os produtos após a introdução no consumo, sendo virtualmente impossível acompanhar todos os passos e transacções que vão da introdução no consumo até ao consumo final – sendo raro, e não podendo presumir-se, que uma única liquidação de ISP e CSR seja referente a uma única transacção, aquela que eventualmente teria tido lugar entre o sujeito passivo dos tributos e um seu único cliente.
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A normalidade é a situação oposta, da multiplicidade de transacções a jusante da introdução no consumo – sendo, portanto, que uma qualquer factura que documente uma qualquer dessas múltiplas transacções não terá necessária e inequivocamente uma relação com uma única DIC, correspondente à liquidação praticada por uma única alfândega, ou até com os produtos introduzidos no consumo por uma única fornecedora de combustíveis.
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Em suma, sendo as vendas dos produtos declarados para consumo destinadas a uma multiplicidade de destinos, e não sendo coincidentes no tempo, em relação ao facto gerador do imposto, torna-se impraticável estabelecer uma relação biunívoca entre DIC e transacções a jusante (a isso acrescem dificuldades de mensuração dos produtos, de que a Requerida dá conta).
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Sendo que nada disto altera o facto de apenas os sujeitos da liquidação, isto é, apenas os sujeitos passivos que declararam os produtos para consumo e efectuaram o pagamento das imposições correspondentes, poderem solicitar a revisão das liquidações e o reembolso da CSR junto da alfândega competente: única situação em que, de acordo com as regras aplicáveis, é possível identificar os actos de liquidação, bem como as correspondentes alfândegas de liquidação competentes.
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Não podendo presumir-se que as fornecedoras de combustíveis sejam precisamente os sujeitos passivos de ISP e CSR (e no caso algumas delas não o são – a C..., Lda. e a D..., Lda.), há que comprovar especificamente, documentalmente, as liquidações que tenham sido feitas, e a quem foram feitas.
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A Requerida assinala que, não fazendo as facturas apresentadas qualquer prova dos factos relevantes, ou seja, de quaisquer liquidações de CSR ou de qualquer mensuração da repercussão económica que possa ter ocorrido (dado não ser mencionado nelas qualquer valor de CSR, total ou parcelar), a identificação e invocação a que a Requerente procede no PPA não se encontram devidamente documentadas, conflituando com o estabelecido no art. 429º do CPC; e que, não obstante declarar o interesse de fazer uso de documentos em poder da parte contrária, a Requerente nem sequer especifica os factos que pretende provar com esses documentos (cfr. arts. 429º, 146º, 2 e 590º, 3 do CPC).
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Mais, sustenta a Requerida que, tomando por referência o período e as facturas apresentadas pela Requerente, não é possível fazer qualquer correspondência entre aquelas e as declarações de introdução no consumo apresentadas por qualquer sujeito passivo de ISP/CSR, nem com os registos de liquidação correspondentes.
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Lembra a Requerida que, em sede de Impostos Especiais de Consumo, não é possível a identificação dos actos de liquidação nos mesmos moldes em que é possível, por exemplo, em sede de IVA: tudo dependendo de uma Declaração de Introdução no Consumo (DIC), nos termos do art. 10º do CIEC.
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Não podendo excluir-se, como já referido, que as fornecedoras de combustíveis da Requerente tenham efectuado introduções no consumo em várias alfândegas, criando as impossibilidades de identificação dos valores de CSR envolvidos nas transacções das fornecedoras com os seus clientes – ou seja, nas suas transacções a jusante.
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Daí retira a Requerida a inferência de que apenas os sujeitos da liquidação, ou seja, os sujeitos passivos que declararam os produtos para consumo e efectuaram o pagamento das imposições correspondentes, podem solicitar a revisão das liquidações e o reembolso da CSR junto da alfândega competente; só os sujeitos passivos reúnem as condições para identificar os actos de liquidação – não estando ao alcance da própria Requerida identificar os actos de liquidação a serem sindicados, por ser impossível identificar as DICs e os respectivos actos de liquidação que estiveram subjacentes à introdução no consumo dos produtos que vieram alegadamente a ser adquiridos pela Requerente.
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A Requerida sustenta que as correspondências entre liquidações e transacções a jusante não são possíveis de estabelecer porque a repercussão da CSR era meramente económica (não uma repercussão legal), sendo, por isso, desprovida de um mecanismo de requisitos formais legalmente consagrados, como acontece, por exemplo, com o IVA, o que não permite rastrear a montante, a partir de facturas de venda dos combustíveis a clientes finais concretos, os actos de liquidação (globais) que estiveram subjacentes à introdução no consumo dos produtos que vieram a ser, depois, comercializados para uma multiplicidade de destinos e de clientes.
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A Requerida conclui que a Requerente se limita a afirmar que suportou integralmente a CSR, calculando o respectivo montante por aplicação, à quantidade de litros fornecidos e constantes das facturas dos seus fornecedores, da taxa de CSR que se encontrava em vigor às datas das mesmas, sem, todavia, apresentar qualquer prova de uma repercussão, total ou parcial: sem comprovativos de pagamento ao Estado da CSR, consubstanciados pela apresentação dos respectivos Documentos Únicos de Cobrança (DUC), e das Declarações Aduaneiras de Importação (DAI) com averbamento do número de movimento de caixa, que permitissem, ao menos, estabelecer uma “pista de auditoria” que permitisse rastrear as facturas até à sua origem nas liquidações de imposto.
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Isso, segundo a Requerida, tornaria impossível anular, ainda que parcialmente, actos de liquidação não-identificados, no que respeita às declarações para introdução no consumo dos produtos que vieram a ser adquiridos pela Requerente às fornecedoras de combustíveis, mediante as facturas apresentadas.
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Colidir-se-ia, em suma, com o princípio geral de que “a petição inicial de impugnação que não identifica o acto tributário impugnado, que não formula a pretensão concreta por referência àquele e que não indica os factos concretos que justificariam a adopção da providência judiciária requerida é inepta” (Acórdão do TCAS de 30-06-2022, Proc. nº 138/17.5BELRS).
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Suplementarmente, dessa falta de identificação dos actos de liquidação em causa resultaria a insusceptibilidade de se aferir a tempestividade do pedido de revisão oficiosa – e, reflexamente, a tempestividade do próprio pedido de pronúncia arbitral.
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Suscitando a Requerida a possibilidade de, à data de apresentação do pedido de revisão oficiosa, estar ultrapassado o prazo previsto na 1ª parte do art. 78º, 1 da LGT (entendendo ela ser inaplicável o prazo previsto na parte final do mesmo art. 78º, 1 da LGT).
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Além disso, lembra a Requerida que os pedidos de reembolso apresentados nas alfândegas devem ser apreciados à luz do disposto no CIEC, que é lei especial, mais especificamente no seu art. 15º, que estabelece as regras gerais em matéria de reembolso dos IEC, e no art. 16º, relativo ao reembolso por erro na liquidação – e que essas normas estabelecem um prazo de 3 anos, que estaria parcialmente vencido na altura da apresentação do pedido de revisão, a menos que a identificação rigorosa dos actos de liquidação permitisse concluir em sentido diferente.
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A isso acresce também que, não sendo sujeito passivo de ISP/CSR, nem tendo feito prova específica da repercussão económica que possa ter ocorrido, a Requerente não poderia ter pedido reembolsos nos termos dos arts. 15º a 20º do CIEC, nem ter beneficiado do correspondente prazo de 3 anos.
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Infere a Requerida que a não-identificação do acto, ou actos, tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral não permite sindicar a legalidade de actos não-identificados, e menos ainda conduzir a uma anulação total ou parcial desses actos não-identificados.
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Por essa razão, conclui a Requerida que a não-identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral compromete irremediavelmente a finalidade da petição inicial, verificando-se assim excepção de ineptidão da petição inicial, o que determina a nulidade de todo o processo, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, e dando lugar à absolvição da instância, conforme arts. 98º, 1, a) do CPPT, e 186º, 1, 576º, 1 e 2, 577º, b) e 278º, 1, b), do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, c) e e) do RJAT.
III. B. 4. Excepção de Ineptidão da Petição Inicial, por ininteligibilidade e contradição entre pedido e causa de pedir
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A Requerida sustenta que a presunção de que se estaria na presença de uma repercussão legal gera uma confusão entre liquidações e repercussões, para efeito de se determinar qual o objecto do pedido, criando problemas de inteligibilidade e de contradição entre o pedido (anulação de liquidações) e causa de pedir (repercussão de um tributo inválido).
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Essa não-identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral, comprometeria irremediavelmente, nos termos do art. 10º, 2, b) do RJAT, a finalidade da petição inicial, tal como o faria a contradição entre o pedido e a causa de pedir, levando à nulidade de todo o processo nos termos conjugados do art. 186º, 1 e do art. 577º, b), ambos do CPC.
III. B. 5. Excepção de Caducidade do Direito de Acção
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A Requerida assinala que as deficiências de identificação dos actos impugnados não permite aferir da tempestividade, seja do pedido de revisão oficiosa, seja do subsequente pedido de pronúncia arbitral.
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E aventa a possibilidade de existir intempestividade, dado que, se se pretende sindicar as aquisições efetuadas no período compreendido entre Abril de 2019 e Dezembro de 2022, dado o prazo para apresentação de reclamação graciosa, de 120 dias a partir do termo do prazo do pagamento do ISP/CSR, conforme a 1ª parte do artigo 78º, 1 da LGT, poderá depreender-se que, em 22 de Maio de 2023, dada da apresentação do pedido de revisão oficiosa, aquele prazo se encontrava largamente ultrapassado (rejeitando a Requerida o erro imputável aos serviços, de que a Requerente se socorre para lhe ver aplicado o prazo da 2ª parte do art. 78º, 1, da LGT).
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Ou, mais especificamente, que uma parte dos actos impugnados já teria ocorrido há mais de 3 anos, criando uma nova intempestividade, agora nos termos do art.15º, 3 do CIEC.
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Essa caducidade do (alegado) direito de acção por parte da Requerente consubstanciaria uma excepção peremptória, conducente à absolvição do pedido; ou, pelo menos uma excepção dilatória nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 89º 1, 2 e 4, k) do CPTA, conducentes à absolvição do pedido ou da instância
III. C. Posição da Requerente quanto à matéria de excepção suscitada pela Requerida
III. C. 1. Posição da Requerente no Requerimento de 20 de Maio de 2024
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Em Requerimento de 20 de Maio de 2024, a Requerente tomou posição quanto às excepções formuladas pela Requerida na sua resposta, apoiando-se sucintamente em jurisprudência arbitral.
III. C. 2. Excepção da Incompetência Relativa do Tribunal arbitral em virtude da violação da portaria de vinculação e incompetência absoluta em razão da matéria
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Quanto às excepções de incompetência absoluta e relativa do tribunal arbitral, a Requerente sustenta que a CSR era um imposto, e como tal sujeita ao regime do RJAT e da Portaria de Vinculação.
III. C. 3. Excepção da Ilegitimidade da Requerente no âmbito da presente acção arbitral.
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Sobre a excepção de ilegitimidade, a Requerente invoca em seu apoio os arts. 18º, 4, a) da LGT e 9º, 1 do CPPT.
III. C. 4. Excepção de ineptidão por ininteligibilidade e contradição entre pedido e causa de pedir
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A Requerente alega que a inteligibilidade fica demonstrada pela forma como a Requerida apresentou a sua resposta, deixando evidente que compreendera o que estava em causa, integrando a ressalva contida no art. 186º, 3 do CPC; e que qualquer ininteligibilidade deveria ter suscitado um outro tipo de reacção, no sentido da respectiva sanação e aperfeiçoamento, nos termos do art. 590º, 2, c) do CPC.
III. C. 5. Excepção de Caducidade do Direito de Acção.
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O Requerente faz assentar a tempestividade no seu entendimento de que o erro nas liquidações / repercussões é imputável aos serviços da AT, pelo que isso ilegitimaria, por si mesmo, a invocação da caducidade por parte da própria AT.
IV. Sobre o Mérito da Causa
IV.A. Posição da Requerente
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A Requerente começa por analisar o circunstancialismo que, levando da Junta Autónoma de Estradas ao Instituto de Estradas de Portugal e à Infraestruturas de Portugal e correspondentes necessidades de financiamento, conduziu à criação da CSR.
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E analisa também o desenvolvimento paralelo que determinou o regime da Directiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, a sua transposição pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho, e o estabelecimento de um regime geral dos impostos especiais de consumo – explicando porque é que acabou por se manter na esfera dos Estados-Membros um poder de tributação residual, reconhecendo-se-lhes a faculdade de sujeitar, sob determinadas condições, os produtos abrangidos pelo referido regime geral a outros impostos indirectos – procurando acautelar-se que daí nascessem entraves às trocas comerciais.
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Exigindo-se que esses outros impostos indirectos tivessem um motivo específico, e fossem harmonizados quanto à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto.
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Quanto ao motivo específico, será necessário que o produto do tributo seja obrigatoriamente utilizado nos fins específicos que tenham sido invocados, de tal forma que exista uma relação directa entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (cfr. Acórdão do TJUE de 27 de Fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, Proc. C-82/12, § 30), ou, em alternativa, se for concebido, no que respeita à sua estrutura, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita a realização do motivo específico invocado, por exemplo, tributando significativamente os produtos considerados para desencorajar o seu consumo (cfr. Acórdão do TJUE de 5 de Março de 2015, Statoil Fuel & Retail, Proc. C-553/13, § 42).
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No que especificamente respeita à CSR, a Requerente descreve a sua génese (a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto), a afectação das receitas à Estradas de Portugal, depois Infraestruturas de Portugal, por invocada contrapartida da utilização da rede rodoviária nacional, tal como ela é revelada pelo consumo de combustíveis rodoviários.
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Reconhecendo que a Lei n.º 55/2007 restringe a incidência subjectiva da CSR aos sujeitos passivos identificados no art. 4º do CIEC, a Requerente insiste que, por força daquilo que ela considera ser uma repercussão legal, é sobre o consumidor de combustíveis que recai, nos termos da lei, o encargo daquele tributo.
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Lembrando-se de referir que a CSR foi extinta através da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, com efeitos a partir do dia 1 de Janeiro de 2023.
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A Requerente analisa a violação do Direito da União Europeia que a CSR representou, e a consequente ilegalidade abstracta dos actos tributários que a consubstanciaram, remetendo para as ponderações do Despacho do TJUE de 7 de Fevereiro de 2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Proc. C-460-21, centradas na inexistência de um “motivo específico” da CSR, de uma relação directa e exclusiva entre utilização das suas receitas e a finalidade enunciada para o tributo, sem conexões a finalidades concorrentes ou a finalidades mais gerais ou mais difusamente enunciadas – como aquelas que o TJUE detectou na CSR –, e na inexistência de uma estruturação do tributo que o torne susceptível de motivar ou condicionar as condutas dos sujeitos passivos em direcção à finalidade enunciada para o tributo.
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Verificada a antinomia entre a CSR e o Direito da União, e dado o primado deste (art. 8º, 4 da CRP), que vincula todos os serviços do Estado, segue-se que a AT deveria desaplicar as normas de fonte interna que instituíram, aplicaram e regularam a CSR – sendo que, se não o fez, conclui a Requerente, isso representa um erro imputável aos serviços, designadamente para efeitos do disposto na segunda parte do art. 78º, 1 da LGT.
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Sustenta a Requerente que o princípio da legalidade, que, conformado pelo do primado do direito da União, vincula todos os serviços do Estado (incluindo, portanto, a AT), constituindo o primeiro parâmetro de aferição da legalidade dos actos administrativos, o que deve ser conjugado com o princípio da cooperação leal dos Estados-Membros com as instituições europeias, que por seu lado também impõe que todos os serviços do Estado se encontrem vinculados a desaplicar as normas de fonte interna com fundamento na sua desconformidade com as normas europeias, evitando assim a consequente ilegalidade abstracta dos putativos actos de aplicação.
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Ou seja, verificada uma antinomia entre as normas dispostas na Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, e a Directiva 2008/118/CE, a AT estaria vinculada a desaplicar as primeiras, com fundamento na sua desconformidade com a segunda; e não o ter feito corresponde a um erro imputável aos serviços, para todos os efeitos – mormente para permitirem o recurso à 2ª parte do art. 78º, 1 da LGT.
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Daí infere a Requerente que os actos tributários objecto do processo devem ser anulados e, em consequência, devolvidas as quantias por ela suportadas, por repercussão, a título de CSR.
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A Requerente sustenta a legitimidade do meio processual, socorrendo-se do conceito de “erro imputável aos serviços” para invocar o prazo de 4 anos do art. 78º, 1 da LGT.
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Esse erro resultaria de um dever de recusa de aplicação de normas nacionais contrárias ao Direito da União, que recairia sobre a própria AT, dado o Primado do Direito Europeu e o próprio Princípio da Legalidade. Assim, essa recusa deveria ser assegurada pela AT, por sua própria iniciativa sendo o caso, desaplicando qualquer disposição nacional contrária ao Direito da União, sem pedir nem aguardar pela sua eliminação prévia por via legislativa, ou por qualquer outro procedimento constitucional, assim restaurando e efectivando a ordem jurídica tributária violada, nos termos do art. 100º da LGT.
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E sustenta a sua legitimidade invocando o seu interesse legalmente protegido, para efeitos dos arts. 9º, 1 do CPPT e 30º do CPC – que faz derivar da sua convicção de que “a CSR, enquanto IEC, consubstancia um caso de repercussão legal, na medida em que tem sido pacífico na doutrina e na jurisprudência que os IEC pressupõem a sua repercussão legal”, e da concepção de que é, ela própria, como adquirente de combustíveis, ipso facto um “consumidor final”.
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A Requerente termina peticionando, para lá do reembolso do imposto, o pagamento de juros indemnizatórios –contados depois de decorrido um ano da apresentação do pedido de revisão oficiosa, por aplicação do art. 43º, 3, c) da LGT.
IV.B. Posição da Requerida
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Na sua Resposta, passada uma série de excepções, a Requerida começa a sua impugnação por insistir nas questões de prova, nas regras do ónus da prova e nas consequências da ausência de prova do que é alegado – sustentando que não é possível construir alegações sobre presunções que nenhuma norma, no caso, legitima; sob pena de poder proceder-se, em substância, a uma inversão do ónus da prova, ou estabelecer-se um standard de prova diabólica que forçaria a própria Requerida a fazer prova daquilo que a Requerente se limita a alegar.
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Retirando dessas circunstâncias a ilação de que a AT não tem de reembolsar um tributo a quem não o pagou (nem, logicamente, de efectuar o pagamento de juros indemnizatórios).
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Referindo-se ao despacho do TJUE de 7 de Fevereiro de 2022, no processo n.º C-460/21, a Requerida sustenta que se procedeu aí a uma análise superficial do tributo, e em momento algum o TJUE retirou a conclusão de que a CSR é ilegal – não havendo qualquer decisão judicial nacional transitada em julgado que declare a CSR ilegal.
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Pelo que, no seu entender, não há uma antinomia entre a CSR e o Direito da União Europeia.
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Pelo contrário, sustenta a Requerida que, à data dos factos, existia efectivamente um vínculo intrínseco entre o destino da CSR e o motivo específico que levou à sua criação, em termos de visíveis e relevantes objectivos não-orçamentais.
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Por outro lado, lembra que a repercussão económica é um fenómeno que assenta essencialmente numa relação de direito privado – remetendo para o Acórdão do TJUE de 20 de Outubro de 2011 (Proc. C-94/10), atinente à matéria de reembolso e repercussão no âmbito dos impostos especiais sobre o consumo, no qual se estabeleceu que um Estado-Membro pode opor-se a um pedido de reembolso, apresentado por um “repercutido”, com o fundamento de não ter sido este quem pagou o tributo – desde que, nos termos do direito interno, esse “repercutido” possa exercer uma acção civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo “repercutente”, tal como ocorre no direito português.
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Refere ainda a Requerida que a documentação junta ao PPA é inconclusiva, já porque é totalmente omissa quanto a montantes de ISP e CSR efectivamente liquidados, já porque a documentação aparece descontextualizada, não permitindo aferir objectivamente o seu rigor.
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Não podendo presumir-se a repercussão total da CSR na Requerente, caberia a esta a demonstração, de forma inequívoca, dos montantes efectivamente suportados a título de repercussão em cada uma das transacções comerciais (aquisições de produtos sujeitos a CSR, ao respectivo sujeito passivo/fornecedor), e nem sequer isso resulta da facturação apresentada, na qual os valores de CSR não aparecem discriminados.
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Além disso, a Requerida assinala que, das fornecedoras de combustíveis à Requerente, duas delas nem sequer foram sujeitos passivos de ISP e CSR, antes actuaram como meras intermediárias na cadeia de comercialização dos combustíveis transaccionados, o que por si só, no entender da Requerida, impediria qualquer juízo quanto à repercussão da CSR na Requerente.
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A Requerida insiste que não há documentação nenhuma que permita fixar valores concretos de repercussão económica em qualquer das transacções, a montante ou a jusante da Requerente – impugnando especificamente os documentos juntos ao pedido de pronúncia, já que nenhum deles refere a CSR ou permite calcular se houve repercussão, e qual o montante que foi, ou não, repercutido, e omitem se a Requerente, sociedade com fins lucrativos, logrou, ou não, e em que montante, repassar aos seus clientes e fornecedores uma parte, ou o todo, das repercussões que tenham ocorrido nas suas transacções de aquisição de combustível.
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Especificamente, a AT entende que não foram apresentados quaisquer comprovativos de pagamento ao Estado do ISP/CSR, consubstanciados pela apresentação dos correspondentes Documentos Únicos de Cobrança (DUC) e Declarações Aduaneiras de Importação/Documentos Administrativos Únicos (DAI /DAU), com averbamento do número de movimento de caixa; e que também não estão documentadas as concretas transacções realizadas entre a fornecedora de combustíveis e a Requerente, das quais conste a correspondência entre as operações praticadas e as declarações de introdução no consumo dos combustíveis transaccionados, que estabeleçam a relação entre as transacções e as DIC com as correspondentes liquidações emitidas pela AT, e, finalmente, que demonstrem a incorporação do encargo da CSR nas facturas de venda de gasóleo rodoviário à Requerente, ou em que grau ou medida tal incorporação se processou.
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Logo, a Requerente não é sujeito passivo, nem de ISP, nem de CSR; não efectuou, consequentemente, qualquer introdução no consumo de produtos petrolíferos; não é parte da relação tributária subjacente às liquidações contestadas, juntando documentos cuja veracidade é contestável, e dos quais não é possível inferir, com um mínimo de rigor, um valor discriminado de CSR, o qual também não consta, nem tinha de constar, das facturas que documentam as transacções com a fornecedora de combustíveis.
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A Requerida termina peticionando a extinção da instância arbitral e a absolvição da Requerida, seja da instância, seja do pedido, por procedência das diversas excepções apresentadas; ou, no mérito, peticionando que seja considerado improcedente o pedido de pronúncia arbitral.
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Quanto aos juros indemnizatórios, a Requerida sustenta que não há lugar a eles; advertindo, contudo que, se houver decisão favorável ao seu pagamento, eles serão devidos apenas um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, nos termos do art. 43º, 3, c) da LGT, e como ficou estabelecido pelo STA no Acórdão de 20 de Maio de 2020 (Processo 0630/18.4BALSB).
V. Fundamentação da decisão
V.A.1- Considerações prévias: um problema no pedido.
A Requerente peticiona “A anulação dos atos tributários de liquidação da CSR em apreço”. E sustenta que “suportou um encargo, no montante de € 248.603,26 (duzentos e quarenta e oito mil, seiscentos e três euros e vinte e seis cêntimos), a título de CSR, correspondente ao valor da referida contribuição liquidado por um sujeito passivo terceiro e que lhe foi repercutida, enquanto consumidora final, no período compreendido entre abril de 2019 e dezembro de 2022”.
O que deixa subentendido que o objecto imediato do pedido são os actos de repercussão (tidos por manifestações de um regime de “repercussão legal”); e que são mediatamente impugnadas as liquidações de CSR apenas porque são elas que estão subjacentes às repercussões, precedendo-as lógica e temporalmente.
Esclareçamos, desde logo, que, quanto aos actos de repercussão, eles só seriam actos tributários, susceptíveis de apreciação jurisdicional por parte deste tribunal, se estivesse em causa uma situação de repercussão legal – que, veremos de seguida, não está.
Por outro lado, quanto aos actos de liquidação de CSR, na verdade a Requerente não chega a identificar correctamente essas liquidações – sendo que ela poderia ter tentado obter, ao menos da fornecedora de combustíveis que foi sujeito passivo de ISP / CSR, a documentação comprovativa de tais liquidações.
Com efeito, os documentos anexos ao pedido de pronúncia consistem em listagens de pagamentos que se limitam a presumir que houve repercussão completa de CSR em cada uma das transacções de combustíveis, a um valor fixo de CSR por litro – sendo, portanto, simples exercícios de conjectura, num contexto no qual, ao contrário do que a Requerente presume, nem sequer existia repercussão legal.
E as facturas compiladas também nesses documentos apenas discriminam o valor-base e o valor de IVA, sendo apropriadamente omissas quanto a montantes de ISP e de CSR repercutidos, ou não-repercutidos – visto que, quanto a estes tributos, jamais existiu um sistema de “repercussão formalizada”.
Manifesta-se, aqui, seja uma margem de ininteligibilidade na indicação do pedido, seja uma contradição entre o pedido e a causa de pedir.
Quanto à margem de ininteligibilidade em função do objecto – afinal, o objecto do pedido são as liquidações, ou são as repercussões? – ela poderia ser eventualmente sanada nos termos do art. 186º, 3 do CPC (aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
Mais difícil será sanar outro tipo de ininteligibilidades: seja a que resulta da inexistência de comprovação dos actos impugnados, seja a que emerge da contradição entre o pedido (a anulação das liquidações e do indeferimento tácito da revisão dessas liquidações) e a causa de pedir (a ilegalidade de um tributo, por desconformidade desse tributo com o direito da União, para efeitos de reembolso do que foi alegadamente repercutido – isto, não obstante não se ter provado a respectiva liquidação, por se assentar na ideia errada de que vigorava para esse tributo um regime de repercussão legal, e de se ter presumido a repercussão, seja no seu quid, seja no seu quantum, para se inferir, da ilegalidade das liquidações, a invalidade das repercussões, fosse qual fosse o nexo entre liquidações e repercussões).
Dificuldade, desde logo porque, insista-se, este tribunal pode pronunciar-se sobre a legalidade de liquidações, que são actos tributários, mas não sobre a legalidade de fenómenos de repercussão económica, que não são actos tributários: pelo que o pedido poderia ser apreciado por este tribunal, mas não com uma tal causa de pedir.
Tentando remover aquilo que designámos por “margem” de ininteligibilidade, poderíamos presumir que a Requerente só pretende impugnar os actos de repercussão que ela considera serem inerentes à transmissão onerosa de combustíveis – na medida em que só quanto a esses actos de repercussão a Requerente julgou ter feito prova, através da documentação junta ao pedido de pronúncia, e posteriormente.
Só que esse passo para fora da “margem” de ininteligibilidade confronta-nos directamente com a natureza do fenómeno de repercussão que pode associar-se à CSR.
V.B.2- Problemas de legitimidade.
Demonstraremos que não está em causa – não o estava, nem o pode estar retroactivamente – um regime de repercussão legal; mas não sem, antes, esclarecermos alguns pontos relativos a legitimidade.
A questão nasce dos efeitos da consideração da hipótese de repercussão plena do imposto – o que faria com que, não obstante o sujeito passivo de CSR ser aquele que se encontra definido para efeitos de ISP, o encargo desta contribuição seria economicamente suportado pelo consumidor do combustível, ou por alguém a jusante do sujeito passivo no circuito económico da distribuição de combustíveis, o que poderia sugerir a adopção de uma solução de substituição tributária – em termos de o contribuinte de facto da CSR passar a ser a única parte legítima para peticionar a declaração de ilegalidade dos respectivos actos de liquidação, retirando aos “repercutentes” o seu interesse em agir.
É o art. 9.º, 1 e 4 do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, 1 do RJAT, a norma que define a legitimidade activa no processo arbitral tributário, e lá não se prevê que essa legitimidade se possa perder por efeito de uma repercussão que propiciasse a identificação de um interesse, concorrente ou exclusivo, na esfera de um “repercutido” que não seja o sujeito passivo.
E essa conclusão não se modifica com a alteração da redacção do art. 2.º do CIEC pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, a converter a “repercussão económica” em “repercussão legal”, mesmo que essa alteração tenha alcance interpretativo / retroactivo (ou seja, mesmo que não fosse inconstitucional): porque também aí não ocorre, nem passa a ocorrer, substituição tributária, visto que não só não é o consumidor final quem responde pela prestação tributária, como também é a própria lei que exclui do conceito de sujeito passivo quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”.
Por outras palavras, não ocorre nesta situação uma deslocação da obrigação tributária, do contribuinte directo para um terceiro, o contribuinte “de facto” – aquele que, por repercussão, suporta o peso do imposto. E, sem essa deslocação da obrigação, sem essa vinculação jurídica do contribuinte “de facto”, não pode ocorrer uma verdadeira substituição tributária, nos termos dos arts. 20º e 28º da LGT.
Com efeito, para que exista a substituição tributária a que se refere o art. 20º da LGT, é preciso que ocorra a deslocação da obrigação tributária, do contribuinte directo (isto é, de quem se encontra abrangido pelas normas de incidência do imposto) para um terceiro: sendo que a responsabilidade do substituto tributário, nos termos do art. 28.º da LGT, se traduz na obrigação de dedução das importâncias que estiverem sujeitas a retenção, e da respectiva entrega nos cofres do Estado, em termos que exoneram o substituído da entrega dessas mesmas importâncias.
A conjugação do art. 9º, 1 e 4 do CPPT com o art. 18º, 3 da LGT dissipa quaisquer dúvidas sobre a ilegitimidade processual da ora Requerente: têm essa legitimidade os contribuintes, e contribuinte é o “sujeito passivo” na relação tributária, a pessoa singular ou colectiva, património ou organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.
Não sendo a Requerente sujeito passivo do ISP, de acordo com a norma de incidência subjectiva constante do art. 4.º, 1, a), do CIEC, ela não é responsável pelo pagamento da CSR, por força do disposto nos arts. 4.º, 1, e 5.º, 1, da Lei n.º 55/2007 – não sendo consequentemente, na qualidade de contribuinte directo, titular da relação jurídica tributária, e parte legítima no processo (art. 9º, 1 do CPTA).
Por outro lado, uma vez que a competência dos Tribunais arbitrais se circunscreve, no que é aqui relevante, à avaliação de actos de liquidação, os actos de repercussão são, qua tale, inarbitráveis – restando, como únicos factos relevantes para apurar a legitimidade da Requerente para impugnar os actos de liquidação da CSR, os referentes às relações estabelecidas com o verdadeiro sujeito passivo que interveio nesses actos.
Além disso, havendo um regime especial de revisão no CIEC, para o qual remetia o art. 5º, 1 da Lei n.º 55/2007, que criou a CSR, o círculo dos potenciais impugnantes dos actos de liquidação da CSR tenderá a convergir com o círculo dos potenciais credores do reembolso delimitado no art. 15º, 2 do CIEC: “Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respectivo imposto”; ou seja: “o depositário autorizado, o destinatário registado e o destinatário certificado”, ou ainda “a pessoa que declare os produtos ou por conta da qual estes sejam declarados, no momento e em caso de importação”. Esses círculos de legitimidade tenderão a convergir, mas não necessariamente a coincidir, visto que, como é óbvio, um pedido de revisão não se confunde com um pedido de reembolso – até porque ambos podem cumular-se.
Em todo o caso, impressiona a circunstância de o art. 15º, 2 do CIEC se ter mantido inalterado ao longo da história desse Código, e de os arts. 15º, 2 e 4º, 1 e 2, a) só terem sofrido, também eles, uma única alteração substancial, o aditamento (pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de Dezembro) do “destinatário certificado” entre os sujeitos passivos identificados à cabeça da norma sobre “Incidência subjectiva” – o que só pode significar que nenhum legislador – nem mesmo o que entendeu atribuir natureza interpretativa à alusão à tipicidade da repercussão dos impostos especiais de consumo – considerou necessário, para o que ora importa, alargar o círculo dos “sujeitos passivos” para lá do “destinatário certificado”.
Querendo isto dizer, muito pragmaticamente, que só os sujeitos passivos aí identificados, e só quando preencham requisitos adicionais, podem suscitar questões sobre erros na liquidação.
O entendimento subscrito quanto à ausência, no caso, de substituição tributária prejudica amplamente a atribuição de relevância à repercussão económica deste tributo (e a questão da retroactividade “interpretativa”, dada a inconstitucionalidade, prejudica o alcance da respectiva requalificação como “repercussão legal”).
Se assim não fosse, poderíamos admitir que, tendo havido repercussão plena, e provando-se essa repercussão plena (ou não se ilidindo uma eventual presunção de repercussão plena), fossem os repercutidos a ter legitimidade para impugnar os actos que concretizassem a repercussão, ou os actos que a antecedessem (através dos arts. 18º, 4, a), 54º, 2, 65º e 95º, 1 da LGT, e 9º, 1 e 4 do CPPT): pois, num caso desses, apenas os repercutidos seriam afectados nas suas esferas jurídicas pelo acto lesivo, e o substituto só teria legitimidade na medida em que não tivesse repercutido integralmente o tributo que suportou nessa qualidade (por analogia com o estabelecido no art. 132º do CPPT) – podendo haver concorrência de legitimidades, a reclamar a solução do litisconsórcio necessário; ou a exclusão de uma legitimidade pela outra, sua concorrente.
Sem esquecermos, de novo, que o CPPT contém uma norma específica sobre a legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (art. 9º, 1 e 4 do CPPT).
No mesmo sentido, ainda que se refira somente à legitimidade no procedimento, a LGT determina no seu artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.” E o art. 78.º da LGT assegura a mesma posição de legitimidade ou ilegitimidade conferida pelas regras gerais sobre o tema.
Não se tratando, no caso presente, de sujeito passivo originário, mas de mero “repercutido económico”, coloca-se, em relação à Requerente, a questão de saber se se constituiu uma relação jurídico-tributária com o credor tributário Estado; podendo, quando muito, fazer-se apelo à noção de “interesse legalmente protegido” para conferir à Requerente uma legitimidade, via arts. 9º, 1 e 4 do CPPT e 18º, 3 da LGT.
V.B.3- A inexistência de repercussão legal.
No entanto, afigura-se claro que a CSR não implicava, à data dos factos, qualquer repercussão legal.
A Lei n.º 55/2007, que instituiu a CSR, não contemplava qualquer mecanismo de repercussão legal, e nem sequer de repercussão meramente económica – ainda que se saiba que, dado o seu escopo lucrativo, as empresas vendedoras tendem a repassar para os adquirentes, através dos preços, uma parte dos gastos em que incorrem, incluindo entre eles, mas não exclusivamente, os gastos tributários.
É verdade que, como repetidamente temos referido, entretanto a repercussão legal veio a ser associada ao ISP e à CSR, por força da nova redacção do CIEC introduzida pela Lei n.º 24-E/2022, com uma pretensão de retroactividade, acrescentada pelo facto de se atribuir natureza interpretativa a essa nova redacção do art. 2º do CIEC (art. 6º da Lei nº 24-E/2022).
Só que, por um lado, essa solução é problemática, não apenas porque não parece que seja possível ou juridicamente admissível uma retroactividade desse género, e através desse artifício (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, de 25 de Janeiro de 2021, Proc. nº 843/19), mas também porque uma tal solução lança a AT para os domínios de uma contradição flagrante na abordagem processual deste tema – como se verá adiante.
Por outro lado, essa nova “repercussão legal”, se fosse válida, surgiria desacompanhada de meios de controlo e prova que permitissem a sua gestão e a dissuasão de abusos, como por exemplo ocorre com a repercussão legal prevista no art. 37º do CIVA, que, essa sim, surge acompanhada de mecanismos adequados para esses efeitos (começando pela obrigatória discriminação do IVA na facturação) – aquilo que designámos já por “repercussão formalizada”.
Seja como for, insistamos: mesmo que tivesse ocorrido repercussão plena da CSR, mesmo que se tivesse provado essa repercussão plena, mesmo que se excluíssem efeitos da CSR sobre o volume de vendas da Requerente independentemente da repercussão, a ponto de ficar estabelecido que o encargo do tributo foi completa e rigorosamente transferido para a Requerente pelas suas contrapartes, ainda assim a legitimidade procedimental e processual da Requerente dependeria, em primeiro lugar, da demonstração de um interesse legalmente protegido, nos termos e para os efeitos do art. 9º do CPPT; e dependeria ainda, consequentemente, da demonstração de que ela teria sido o consumidor final de combustíveis sobre o qual recai, ou deve recair, o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos Impostos Especiais de Consumo – ou seja, da demonstração de que a própria Requerente, por sua vez, não constituiu um simples elo intermédio do circuito económico, ou seja, não repercutiu economicamente a jusante, ela mesma, a CSR “embutida” no preço, repassando o encargo económico do tributo para a sua própria clientela – como é altamente plausível que tenha sucedido, na medida em que ela própria é uma sociedade com escopo lucrativo.
Ou seja, mesmo a ter havido repercussão, devidamente comprovada, isto não retiraria aos sujeitos passivos “repercutentes” legitimidade processual, ao menos parcial, nem a atribuiria aos “repercutidos”, a menos que estes demonstrassem, para adquirirem legitimidade concorrente e residual:
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a existência de um interesse directo e legalmente protegido na sua esfera – não bastando a invocação e comprovação, pelos repercutidos, da existência de uma repercussão, fosse ela legal, fosse ela meramente económica;
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a ausência de repercussão a jusante no circuito económico, pelos próprios repercutidos, através do preço de bens e serviços entregues ou prestados à sua própria clientela.
Mas nunca retiraria completamente aos sujeitos passivos a sua legitimidade processual, visto que – insista-se – não ocorria na CSR, à data dos factos, repercussão legal[1].
A complicar este raciocínio está o facto de a Lei n.º 55/2007 não fazer qualquer referência a quem deve suportar, do ponto de vista económico, o encargo da CSR, mas apenas estabelecer, no seu art. 5º, 1, que
“A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações”.
Ou seja, como assinalado antes, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma, não remetendo, o referido art. 5º, 1, para o art. 2º do CIEC, no qual se prevê a repercussão legal nos IEC, mas somente para as normas do CIEC que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo.
Mas compreende-se que o legislador tenha optado por não estabelecer um conceito irrestrito de legitimidade activa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura dessa legitimidade suscitaria:
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quer na ligação entre o acto de liquidação do imposto, a determinação da sua efectiva repercussão económica e a determinação do seu quantum;
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quer no potencial de multiplicação de devoluções de imposto indevido – simultaneamente ao sujeito passivo e aos múltiplos repercutidos económicos dentro da cadeia de valor – de forma dificilmente controlável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.
Sobre esta segunda consequência, não podemos deixar de referir advertências formuladas recentemente:
“o parque automóvel português é composto por 6,5 milhões de veículos ligeiros, a que acrescem 500 mil veículos pesados, num total de cerca de 7 milhões de veículos em circulação. [§] Se, por hipótese, admitirmos que cada automobilista fará, relativamente à CSR, um “pedido de revisão do ato de liquidação” e considerando que podem ser revistos os atos de liquidação relativos aos últimos quatro anos, temos que este contencioso poderá somar 28 milhões de processos!”[2]
A ter havido um qualquer grau de repercussão económica, nada impede os repercutidos, não obstante a sua ilegitimidade activa no presente Processo, de buscarem o ressarcimento, através de uma acção civil de repetição do indevido instaurada contra as “repercutentes”, seja nos termos gerais do Direito nacional, seja, a nível europeu, nos termos declarados pelo TJUE em Acórdão de 20 de Outubro de 2011 (Proc. C-94/10, Danfoss A/S (§§ 24 a 29) – preservando-se, por qualquer das vias, o princípio fundamental da tutela jurisdicional efectiva (art. 20º da CRP).
Não esqueçamos que, a ter havido verdadeira repercussão, mesmo repercussão plena, entre o terceiro repercutido e o Estado credor (o sujeito activo), não existe, nem se forma, vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do imposto, não nascendo a sua obrigação da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga a faculdade de repercutir, que cabe ao sujeito passivo, e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo, quando este exerça aquela faculdade.
Daqui decorre que as relações entre o sujeito passivo e qualquer repercutido se regem pelo Direito Privado – uma razão suplementar, para lá do que consta dos arts. 2º a 4º do RJAT, para se sustentar a incompetência do Tribunal arbitral relativamente à ponderação dessas relações “repercutente - repercutido”, e respectivas implicações – isto, não obstante dever enfatizar-se que a circunstância de o repercutido estar à margem da relação jurídica tributária não significa que ele esteja à margem do Direito, e não lhe assista alguma protecção, ainda que num plano subalterno face à tutela reservada aos sujeitos passivos (como resulta do disposto na LGT – por exemplo, do art. 18º, 4, a), em casos de repercussão legal – ou do art. 9º, 1 do CPPT, mediante prova de “interesse legalmente protegido”).
Esse entendimento foi expressamente acolhido na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, quando eles concluem que, na ausência de repercussão legal:
“o repercutido não tem qualquer direito que possa exercer, diretamente, contra o sujeito ativo da relação jurídica tributária, sendo que os meios de que dispõe, designadamente, para solicitar o reembolso de quantias indevidamente pagas, devem ser exercidos contra o sujeito passivo da concreta relação jurídico-tributária” (Acórdão do STA de 28/10/2020, Proc.º 0581/17.0BEALM)
Por outro lado, não consta do RJAT a regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso, cuja conformação jurídica tem, assim, de proceder do direito subsidiariamente aplicável, como previsto no art. 29º, 1, do RJAT, em concreto, e de acordo com a natureza dos casos omissos, das normas de natureza processual do CPPT, do CPTA e do CPC.
A regra geral do direito processual, que consta do art. 30º do CPC, é a de que é parte legítima quem tem “interesse directo” em demandar, sendo considerados titulares do interesse relevante, para este efeito, na falta de indicação da lei em contrário, “os sujeitos da relação controvertida” – sendo a mesma regra reproduzida no processo administrativo, conferindo-se legitimidade activa a quem “alegue ser parte na relação material controvertida” (art. 9º, 1 do CPTA).
A legitimidade no processo decorre do conceito central de “relação material”, que, no âmbito fiscal, há-de ser uma relação regida pelo direito tributário, à qual subjaz um acto tributário, cujo sujeito passivo é delimitado nos termos do art. 18º, 3 da LGT.
Deste preceito resulta que a figura do “repercutido” não se enquadra na categoria de sujeito passivo, pelo que, não sendo parte em contratos fiscais, a legitimidade do repercutido só pode advir da comprovação de que é titular de um interesse legalmente protegido.
No art. 5º, 1 da Lei n.º 55/2007, como referimos já, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma, nem sequer no art. 3º, 1, quando estabeleceu que a CSR “constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis” – sendo ainda que, como referimos também, a remissão para o CIEC, na Lei n.º 55/2007, é expressamente circunscrita aos procedimentos de “liquidação, cobrança e pagamento”.
De tudo isto decorre que compete à AT demonstrar, nos procedimentos administrativos ou nas acções instauradas pelos sujeitos passivos da CSR, que se verificou a repercussão efectiva e completa do imposto sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional para, desse modo, evitar um reembolso do imposto indevidamente liquidado que redundasse em enriquecimento sem causa de sujeitos passivos “repercutentes”, e na possibilidade de um duplo reembolso do imposto – que ocorreria se, na ausência de litisconsórcio, os repercutidos lograssem demandar com sucesso a AT para tutela do “interesse legalmente protegido” de não serem o suporte fáctico do encargo económico de um tributo indevido, porque ilegal.
É pelo facto de os sujeitos passivos da CSR serem partes inequivocamente legítimas que, nos casos em que os requerentes não têm essa qualidade de sujeitos passivos, invocando a de “repercutidos”, a AT tem reagido com a invocação do litisconsórcio necessário, suscitando o incidente de intervenção provocada, mas deixando claro que, no entender da AT, sem a intervenção dos sujeitos passivos, dada a própria natureza da relação jurídica, a decisão a proferir não produzirá o seu efeito útil normal, deixando de ser possível a composição definitiva dos interesses em causa (art. 33º, 2 do CPC).
Isto, sem embargo de poder discordar-se da pertinência da invocação de litisconsórcio necessário, impondo-se a constatação de que as entidades repercutentes e repercutidas têm diferentes interesses em demandar, e quanto a elas não se verifica qualquer dos critérios legais que justificam o litisconsórcio necessário.
Há mais uma diferença entre sujeitos passivos e terceiros “repercutidos” que não podemos deixar de mencionar, em apoio da ilegitimidade processual dos repercutidos, como a ora Requerente: tem sido comum que a AT invoque, nos processos referentes à CSR, a ineptidão do pedido de pronúncia arbitral.
A AT tem tido esta reacção habitualmente, e teve-a no presente processo, depois de notificada e antes da constituição do tribunal arbitral, tendo o CAAD, invariavelmente, remetido a ponderação de um tal incidente à competência do próprio tribunal arbitral a constituir, o qual deve apreciá-la como questão prévia, prejudicial da pronúncia sobre o mérito.
A razão para a AT suscitar essa questão está claramente ligada ao problema que mencionámos: pode ser impraticável fazer prova de quais são os actos de liquidação específicos dos quais derivam, a jusante, cada uma das transacções que, após a introdução no consumo, acarretam a repercussão económica por meio da incorporação do tributo nos preços – sendo portanto razoável admitir-se que, por um conjunto de circunstâncias – aquilo que designámos como ausência de “repercussão formalizada” –, os repercutidos não reúnam condições para identificar os actos de liquidação, de modo a poderem solicitar a respectiva revisão.
Daí que, no presente processo, a AT tenha seguido por esse caminho: não sendo a Requerente o próprio sujeito passivo da relação tributária, quem declarou os produtos para consumo, a quem foi liquidado o imposto, e quem efectuou o correspondente pagamento, ela não está em condições de proceder a uma identificação completa, e documentada, dos actos de liquidação específicos que ela pretende impugnar – por exemplo, relacionando os DIC com as facturas das vendas de combustível, e com as liquidações que sobre eles recaíram.
V.B.4- A lei interpretativa e a vedação da retroactividade.
Já assinalámos a entrada em vigor da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro (Altera o Código dos Impostos Especiais de Consumo, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, e o Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de maio, transpondo as Diretivas (UE) 2019/2235, 2020/1151 e 2020/262).
O art. 3º dessa Lei dá nova redacção ao art. 2º do Código dos IEC:
“(…) Os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.”
E o art. 6º dessa Lei nº 24-E/2022 estabelece o seguinte:
“A redação conferida pela presente lei ao artigo 2.º do Código dos IEC tem natureza interpretativa.”
O tema, há muito controvertido, das leis interpretativas na lei fiscal permite dois caminhos para uma tal lei:
-
o de tornar certo direito que era incerto, aclarando ou declarando direito preexistente, preenchendo alguma lacuna, caso em que temos uma retroactividade puramente formal;
-
o de modificar direito preexistente e certo, intervindo em disputas doutrinárias ou jurisprudenciais, violando expectativas quanto à continuidade desse direito preexistente, colidindo com prerrogativas jurisdicionais, caso em que temos retroactividade material.
Deste modo, leis e normas autodeclaradas como interpretativas, mas que sejam inovadoras, são materialmente retroactivas.
Ora, como lapidarmente se estabelece no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, de 25 de Janeiro de 2021, Proc. nº 843/19,
“a retroatividade inerente às leis interpretativas é necessariamente material e, caso esteja em causa a interpretação legal de normas fiscais, não pode deixar de estar abrangida pela proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição”.
Fica juridicamente vedada a inferência de que, sendo esta uma norma de aplicação retroactiva, o ISP, e com a ele a CSR, é, e foi, sempre repercutido nos consumidores.
Pode encarar-se a Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, somente como um reconhecimento da invalidação da CSR pelo TJUE, e a consequente ilegalidade da CSR – e daí a abolição da CSR através da sua “reincorporação” no ISP, consumada naquele diploma.
Uma leitura possível do art. 6º da Lei nº 24-E/2022 é a de que a repercussão dos IEC nos consumidores é um efeito legal, ou seja, passa a presumir-se “iuris et de iure” que a repercussão é inerente à tributação especial do consumo – dada a retroacção propiciada por essa norma interpretativa: só que essa leitura do art. 6º da Lei nº 24-E/2022, insiste-se, é inconstitucional, como resulta claramente do supracitado Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, de 25 de Janeiro de 2021.
Além disso, mesmo que essa leitura não fosse inconstitucional, ainda assim ficariam por satisfazer alguns dos critérios estabelecidos no despacho de 7 de Fevereiro de 2022 do TJUE: nomeadamente, ficaria por realizar-se a comprovação da repercussão efectiva da CSR nos consumidores através da subida de preços; e, por implicação, a comprovação da medida efectiva do enriquecimento sem causa, se este existisse e pudesse ser provado.
Adicionalmente, e em observância da jurisprudência do TJUE (Acórdão Weber’s Wine World, Proc. nº C-147/01, Ponto nº 95), faltaria ainda uma norma interna que permitisse à Requerida fazer uso da excepção do enriquecimento sem causa para afastar o direito ao reembolso de um imposto cobrado em violação do Direito Europeu, norma essa que encontramos no Código do IVA, mas que não se encontra no CIEC – uma razão adicional para não se poder excepcionar ao reembolso, aos sujeitos passivos, da CSR indevida, porque uma tal atitude de “excepção sem lei” constituiria violação do princípio da legalidade tributária consagrado no art. 103.º da CRP.
Esta a questão jurídica em torno do tema da retroactividade, cuja solução destrói os propósitos do expediente de recurso a normas “interpretativas” para resolver um problema jurídico, e interferir na adjudicação judicial e arbitral de interesses em processos já em curso.
V.B.5- A incongruência da Autoridade Tributária.
Só que aqui se revela, adicionalmente, uma incongruência, que convirá referir, por imperativo de justiça.
Lembremos o esforço de prevenção da duplicação de reembolsos, seja fazendo convergir o direito ao reembolso com o direito à revisão, seja lançando-se mão da figura do litisconsórcio necessário, sempre que se trate de pedidos de pronúncia apresentados por operadores económicos que não sejam os sujeitos passivos da relação tributária, invocando somente a condição de “repercutidos”; seja invocando-se que as legitimidades activas são concorrentes e mutuamente exclusivas, determinando que o reconhecimento de legitimidade a “repercutentes” a retira ipso facto a “repercutidos”, e vice-versa.
Se não fosse essa prevenção, se se admitisse que a invocação de ilegalidade de liquidações de CSR, assentes nas DIC apresentadas pelas fornecedoras de combustíveis, pudesse alastrar irrestritamente àqueles que invocassem a repercussão dessas liquidações, então seria difícil evitar a duplicação, ou multiplicação, de reembolsos, e um eventual locupletamento repartido entre repercutentes e repercutidos, passando a fazer todo o sentido as advertências antes transcritas.
Outra forma de reagir é a que acabámos de classificar como inconstitucional – a introdução retroactiva de uma “repercussão legal” como forma de travar indiscriminadamente os reembolsos aos sujeitos passivos – com o efeito colateral de alimentar, ou incrementar, as pretensões dos “repercutidos”.
E há ainda a forma incongruente de reagir a esse perigo, e que consiste em, ao mesmo tempo:
-
invocar a repercussão contra os próprios sujeitos passivos da CSR, alegando que, tendo ocorrido essa repercussão, esses sujeitos enriqueceriam sem causa se lhes fosse reembolsado o tributo;
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não reconhecer legitimidade activa aos repercutidos, mesmo na hipótese de comprovação de uma repercussão económica integral, invocando o litisconsórcio necessário com os repercutentes, insistindo no chamamento à demanda destes sujeitos passivos.
Desta combinação de reacções – insistir na repercussão e depois negar-lhe efeitos – pode resultar um obstáculo importante à possibilidade de duplicação de reembolsos, mas resulta também uma atitude incongruente, claramente incongruente, da Requerida, a AT.
Pode, com efeito, admitir-se que a AT insista em demarcar um círculo estrito de legitimidade activa – nomeadamente assumindo que apenas os sujeitos passivos que declararam a introdução dos produtos para consumo, e efectuaram o pagamento do imposto, podem solicitar a anulação das liquidações e o reembolso por erro na liquidação.
Mas não pode admitir-se que a AT, esgrimindo o argumento da repercussão – o mesmo argumento que recusa aos repercutidos – procure furtar-se a reembolsar o imposto, seja aos sujeitos passivos que pagaram o imposto, seja aos repercutidos sobre os quais tenha comprovadamente recaído, seja parte, seja a totalidade, do suporte económico daquele pagamento.
Negando-se injustificadamente a reembolsar um imposto ilegal, será o Estado a locupletar-se, sem causa, com receitas tributárias indevidas.
Impõe-se reconhecer que, não obstante o apoio de princípio que é concedido por lei à posição dos repercutidos, posto que residual, o simples ónus probatório que sobre eles recai pode ser muito oneroso, a ponto de se revelar impraticável – bastando pensarmos que, na ausência de “repercussão formalizada”, as repercussões são eventuais efeitos de transacções que ocorrem após a introdução no consumo, a jusante dos sujeitos passivos na relação de imposto, independentemente do número de clientes ou de intervenientes na cadeia de abastecimento e comercialização, pelo que cada uma dessas transacções não tem que ter por base um acto de liquidação específico, o que pode inviabilizar, completa e definitivamente, a identificação, em concreto, do acto tributário que lhe está subjacente.
É razoável, assim, o argumento de que somente o sujeito passivo que declarou os produtos para consumo, a quem foi liquidado o imposto e que efectuou o correspondente pagamento, reúne condições para identificar, com segurança, os actos de liquidação, para solicitar a respectiva revisão com vista ao reembolso dos montantes cobrados – sendo que essa informação escapa, em princípio (salvo contraprova), aos repercutidos a jusante dessas entidades responsáveis pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento da CSR.
O que é reprovável, e causa perplexidade, é a dualidade de critérios, e a evidente incongruência da argumentação, que podemos formular ainda de outro modo:
-
Nos processos arbitrais em que sejam requerentes os sujeitos passivos, a AT defende a ilegitimidade processual deles, na medida em que, alega, o encargo da CSR é, na verdade, suportado pelo consumidor dos combustíveis;
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Nos processos arbitrais em que sejam requerentes os consumidores finais dos combustíveis, a AT sustenta que estes não têm legitimidade, por não serem os sujeitos passivos do tributo, reclamando-se a presença, no processo, desses sujeitos passivos “repercutentes”.
V.B.6- A posição do TJUE quanto à necessidade de prova da repercussão
Quando, na verdade, e como ficou estabelecido no Despacho do TJUE proferido no Proc. nº C-460/21, o reembolso duplicado, ou multiplicado, é evitado pela prova, ou falta de prova, da repercussão: se não tiver havido repercussão ou ela não for provada, só o sujeito passivo tem direito ao reembolso; se tiver havido repercussão integral, e esta for provada, e não existirem efeitos comprovados ao nível de “volume de vendas”, só o repercutido terá direito ao reembolso; e o reembolso será parcial, e reverterá exclusivamente para o sujeito passivo, em caso de ter havido, e ser comprovada, uma repercussão parcial, e em caso de qualquer reembolso do repercutente originar enriquecimento sem causa:
“(…) um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido.” [§ 42]
Em suma, não havia – nem há, porque seria inconstitucional – uma repercussão legal de CSR.
Mas, mesmo que houvesse, ela não poderia sobrepor-se à exigência de comprovação da repercussão, estabelecida pelo TJUE no despacho proferido em 7 de Fevereiro de 2022, no Proc. C-460/21, tendo por objecto um pedido de decisão prejudicial apresentado no âmbito do processo n.º 564/2020-T:
“A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas” (§39) (sublinhado nosso)
Para o caso de subsistirem dúvidas quanto à existência de “repercussões legais” ou de “repercussões presumidas”, o mesmo despacho de 7 de Fevereiro de 2022 do TJUE conclui lapidarmente:
“O Direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros (…)”
Vale a pena transcrever alguma da fundamentação do despacho, que esclarece plenamente a irrelevância, para o direito da União, de “repercussões legais”, ou de “repercussões presumidas”, mesmo quando elas existam no direito interno dos Estados-membros:
“43. Constituindo esta exceção ao princípio do reembolso dos impostos incompatíveis com o direito da União uma restrição a um direito subjetivo resultante da ordem jurídica da União, há que interpretá‑la de forma restritiva, atendendo nomeadamente ao facto de que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo.
44. Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos.
45. Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção.
46. O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão.
47. Além disso, mesmo na hipótese de vir a ser provado que o imposto indevido foi repercutido sobre terceiros, o respetivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas.”
Daqui decorre, novamente em consonância com o decidido pelo TJUE, que o Estado não pode recusar a restituição do imposto com fundamento numa presunção de repercussão do mesmo, e consequente enriquecimento sem causa do sujeito passivo.
Não havendo prova concreta de efectiva repercussão, e de repercussão plena, do imposto, mas meros juízos presuntivos, e não havendo prova de que a repercussão que tenha existido não tenha redundado numa quebra de vendas e de receitas dos sujeitos passivos e demais “repercutentes” a montante da Requerente, e que portanto a restituição redunde necessariamente em enriquecimento sem causa dos sujeitos passivos, não existe fundamento para recusar aos sujeitos passivos o reembolso do imposto indevidamente pago, sendo essa a consequência natural da declaração de ilegalidade das liquidações.
Assim, independentemente de haver, ou não, “repercussão legal”, ou “repercussão presumida” na lei portuguesa – que já vimos não ter havido quanto à CSR, nem à data dos factos, nem posteriormente –, as pretensões da Requerente só valeriam, nos termos do direito da União, se tivesse sido feita prova de uma repercussão total e efectiva da CSR sobre terceiros, consumada a partir das primeiras transacções dos sujeitos passivos com a respectiva clientela a jusante, e adicionalmente a prova de que a Requerente é consumidor final (isto é, sem a possibilidade de também ela repercutir o tributo); e de que o reembolso da CSR paga não constituiria um efectivo enriquecimento sem causa dos “repercutentes”, ou mesmo dos “repercutidos”.
Resta acrescentar, secundando o TJUE, que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo, e, mesmo que viesse a provar-se que o imposto (indevidamente liquidado) foi repercutido sobre terceiros, e o grau em que o foi, o respectivo reembolso ao operador não implicaria necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas: pelo que sempre seria necessário demonstrar que, nas condições de mercado resultantes do agravamento da tributação, o contribuinte teria beneficiado, ao menos parcialmente, por efeito da repercussão do imposto.
No caso, está ausente qualquer prova de que as margens de lucro dos sujeitos passivos não se reduziram no período em análise, ou a prova de que o volume de vendas dos distintos produtos não sofreu uma redução no mesmo período – para se apurar se o requisito do enriquecimento sem causa, exigido pelo direito da União, se verifica, ou não – voltando a sublinhar-se que a repercussão do imposto, seja ela legal ou económica, não é, só por si, suficiente para alicerçar a excepção de enriquecimento sem causa.
V.C. A matéria de excepção.
Temos a encarar as seguintes questões suscitadas pela Requerida, na sua defesa por excepção:
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Excepção da Incompetência do Tribunal em Razão da Matéria
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Excepção da Ilegitimidade Processual e Substantiva da Requerente
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Excepção de Ineptidão da Petição Inicial, por falta de objecto
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Excepção de Ineptidão da Petição Inicial, por ininteligibilidade e contradição entre pedido e causa de pedir
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Excepção de Caducidade do Direito de Acção
A procedência de qualquer das excepções levará à extinção da instância, com absolvição da Requerida.
A procedência de qualquer das excepções (1 a 4) obstará à apreciação do mérito, ao juízo sobre procedência ou improcedência do pedido de pronúncia, à avaliação dos fundamentos e da prova do pedido.
Dado que são de verificação alternativa – ou seja, dado que a procedência de qualquer delas será suficiente para obstar à decisão de mérito, prejudicando o conhecimento das demais – não se impõe qualquer precedência lógica entre elas, e não estamos adstritos a considerar as excepções pela ordem pela qual foram apresentadas, ou pela qual foram contestadas, ressalvados os critérios do art. 124º do CPPT (ex vi art. 29º, 1, c) do RJAT).
Comecemos, assim, pela excepção da ineptidão da petição inicial, centrada no facto de o pedido de pronúncia arbitral ter como objecto actos de liquidação que não são sequer identificados, e a Requerente arguir, em vez disso, a invalidade da lei, através de actos de repercussão.
V.C.1. A excepção de ineptidão da petição inicial. O obstáculo da ausência de “repercussão formalizada”
Mesmo que a questão não tivesse sido suscitada, a ineptidão da petição inicial é de conhecimento oficioso, nos termos do art. 196º do CPC (aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
Mas o facto é que a Requerida invocou a excepção da ineptidão da petição inicial, por entender que a não-identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral compromete irremediavelmente a finalidade da petição inicial, dada a violação do art. 10º, 2, b) do RJAT:
“Artigo 10.º (Pedido de constituição de tribunal arbitral)
(…)
2 - O pedido de constituição de tribunal arbitral é feito mediante requerimento enviado por via electrónica ao presidente do Centro de Arbitragem Administrativa do qual deve constar:
(…)
b) A identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral;
(…)”
Podendo invocar-se igualmente o art. 78º do CPTA (aplicável ex vi art. 29º, 1, c) do RJAT):
“Artigo 78.º (Requisitos da petição inicial)
(…)
2 - Na petição inicial, deduzida por forma articulada, deve o autor:
(…)
e) Identificar o ato jurídico impugnado, quando seja o caso;
f) Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação;
(…)”
Ou ainda o art. 108º do CPPT:
“1 - A impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o ato impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido.”
Sendo que a Requerente não só não identifica esses actos, como não os comprova, apresentando facturas que a Requerente julga servirem como prova bastante de uma repercussão que ela própria entende, erradamente, ser uma repercussão legal, e, por isso, presumida.
E, no entanto, logo na comunicação enviada em 10 de Janeiro de 2024, antes mesmo da constituição do Tribunal, a AT advertia a Requerente de que “Conforme dispõe expressamente a alínea b), do nº 2, do artigo 10º do RJAT, do requerimento em que é formulado o pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral”, e por isso solicitava que “seja(m) identificado(s) o(s) ato(s) de liquidação cuja legalidade o requerente pretende ver sindicada”, solicitação à qual a Requerente mais tarde reagiu com a entrega da declaração de uma fornecedora de combustíveis.
Ficando, por isso, por estabelecer qualquer conexão entre aquilo que a Requerente alega e aquilo que documentou – uma omissão agravada pela circunstância de as repercussões não terem necessária conexão com uma única introdução no consumo, não podendo estabelecer-se, entre liquidações e repercussões de IEC, quaisquer relações biunívocas.
Vimos que a Requerente alegou que fez a identificação que lhe competia, sustentando, no pressuposto (errado) da existência de “repercussão legal”, e de uma relação “causal” entre liquidação e repercussão, que a mera entrega de facturas, a documentar as transacções, bastaria como prova da repercussão da CSR.
Na verdade, a identificação dos actos de liquidação carecia de ser feita pelos verdadeiros sujeitos passivos de CSR, que não são parte no processo, e sobre os quais este Tribunal não dispõe de poderes de autoridade, pelo que não seria possível, no caso, recorrer ao regime previsto no art. 429º do CPC.
Há que reconhecer que não estaria sequer ao alcance da própria AT identificar os actos de liquidação a serem sindicados, por, na ausência de “repercussão formalizada”, ser impossível identificar as DIC e os respectivos actos de liquidação que estiveram subjacentes à introdução no consumo dos produtos que vieram a ser adquiridos pela Requerente.
Aliás, a alfândega competente para a liquidação nem sequer é necessariamente a da sede do sujeito passivo, dependendo do lugar onde são apresentadas as DIC –não sendo de excluir que uma mesma fornecedora de combustíveis tenha acordado a colocação dos produtos nos depósitos do entreposto fiscal de outros operadores económicos, para serem expedidos a partir daí, cabendo, neste caso, a estes operadores económicos submeter a DIC relativa às introduções no consumo e, assim, assumir perante a AT a posição de sujeito passivo do ISP – caso em que os fornecedores dos produtos não coincidiriam sequer com o sujeito passivo que introduziu os produtos no consumo (os produtos que vieram a ser adquiridos pela Requerente).
Torna-se, assim, impraticável estabelecer uma relação biunívoca entre DIC e transacções a jusante: o circuito económico envolve uma multiplicidade de destinos e de clientes para os produtos após a introdução no consumo, sendo virtualmente impossível, sem uma “repercussão formalizada”, acompanhar todos os passos e transacções que vão da introdução no consumo até ao consumo final – sendo raro, e não podendo presumir-se, que uma única liquidação de ISP e CSR seja referente a uma única transacção, aquela que eventualmente teria tido lugar entre o sujeito passivo dos tributos e um seu único cliente. Sendo normal o oposto, ou seja, que haja uma multiplicidade de transacções a jusante da introdução no consumo – sendo, portanto, que uma factura que documente uma qualquer dessas múltiplas transacções não terá necessária e inequivocamente uma relação com uma única DIC, correspondente à liquidação praticada por uma única alfândega, ou até com os produtos introduzidos no consumo por uma única fornecedora de combustíveis.
Como concluímos no final das considerações prévias relativas à detecção de uma contradição no pedido, verifica-se, manifestamente, quer uma margem de ininteligibilidade na indicação do pedido, quer uma contradição entre o pedido e a causa de pedir.
Quanto à margem de ininteligibilidade “stricto sensu” sobre o objecto – que se reporta ao facto de ficarmos sem saber se o que se pretende é a anulação de liquidações, se a de repercussões – vimos que ela poderia ser eventualmente sanada nos termos do art. 186º, 3 do CPC (aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT), na medida em que a Requerida foi respondendo às questões suscitadas sem se deixar enredar nesse impasse relativo à definição do objecto imediato da acção, apenas realçando as insuficiências probatórias emergentes de tal indefinição de objecto.
Mesmo assim, não se negará o princípio de que:
“a petição inicial de impugnação que não identifica o acto tributário impugnado, que não formula a pretensão concreta por referência àquele e que não indica os factos concretos que justificariam a adopção da providência judiciária requerida é inepta” (Acórdão do TCAS de 30-06-2022, Proc. nº 138/17.5BELRS).
Mas também referimos que será mais difícil sanar a contradição entre o pedido e a causa de pedir:
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o pedido, formalmente, é a anulação das liquidações e do indeferimento tácito da revisão dessas liquidações – e é-o formalmente, porque é assim que está inicialmente formulado o pedido de pronúncia.
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a causa de pedir é a invalidade de um tributo ilegalmente liquidado, por desconformidade desse tributo com o Direito da União, presumindo-se a respectiva repercussão, para efeitos de reembolso do que foi repercutido – isto, relativamente a um tributo cuja liquidação não se provou, por se assentar na ideia errada de que vigorava para esse tributo um regime de repercussão legal, e de que, de um tal regime, decorria que a repercussão pudesse ser presumida, seja no seu quid, seja no seu quantum, permitindo inferir, da ilegalidade das liquidações, a ilegalidade das repercussões, fosse qual fosse o nexo entre liquidações e repercussões.
Estando nós perante uma acção de anulação, a causa de pedir é “a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido” (art. 581º, 4 do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
Não tendo legitimidade para impugnar directamente a liquidação – porque, muito simplesmente, não foi parte nela, e nem sequer a consegue identificar – a Requerente tenta alcançar o efeito equivalente apoiando-se numa presunção de repercussão, para encontrar na repercussão o acto de que ela se julga parte legítima.
E fá-lo por implicitamente reconhecer que é impossível anular, ainda que parcialmente, actos de liquidação não-identificados – apegando-se, pois, à facturação, que, no seu entendimento quanto à natureza “legal” da repercussão, a Requerente julga ser suficiente para identificar este outro acto tributário inválido.
Na verdade, esta contradição é fatal para o prosseguimento da acção, comprometendo irremediavelmente a sua finalidade, porque este tribunal pode pronunciar-se sobre a legalidade de liquidações, que são actos tributários, mas não pode pronunciar-se sobre a invalidade que alegadamente inquinaria fenómenos de repercussão económica, que não são actos tributários: pelo que o pedido poderia ser apreciado por este tribunal, mas não com uma tal causa de pedir.
A causa de pedir, além de existir e dever ser inteligível, deve estar em conformidade com o pedido, formando, com a qualificação jurídica, as premissas que constituem o corolário da pretensão formulada[3].
A contradição entre pedido e causa de pedir bastaria para tornar procedente a excepção de ineptidão da petição inicial, nos termos do art. 186º, 2, b) do CPC (aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT):
“Artigo 186.º (Ineptidão da petição inicial)
1 - É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
2 - Diz-se inepta a petição:
(…)
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
(…)”
Mas há mais do que simples contradição entre pedido e causa de pedir: ocorre uma ininteligibilidade em sentido amplo.
Por causa do entendimento que erradamente perfilhou sobre a natureza da repercussão da CSR, a Requerente não trouxe para os autos a documentação que, ao menos, pudesse comprovar a liquidação conjunta de ISP e de CSR pelos verdadeiros sujeitos passivos, nomeadamente as Declarações de Introdução no Consumo (DIC, art. 10º do CIEC), ou o Documento Administrativo Único / Declaração Aduaneira de Importação (DAU / DAI), de forma a, subsequentemente, permitir imputar, a esses valores totais da introdução no consumo, a parte de combustível vendida a ela Requerente – antes mesmo de qualquer prova, igualmente necessária, relativa ao quid e ao quantum da repercussão económica.
Na ausência desses elementos mínimos, como fazer, sequer, a prova de liquidação à qual o próprio direito da União obriga, removendo presunções que pudessem prejudicar a legitimidade activa dos sujeitos passivos – em eventual benefício de uma legitimidade sucedânea de “repercutidos”?
Estamos, assim, perante um caso de ininteligibilidade “lato sensu” – uma insusceptibilidade de identificar, com o rigor mínimo atendível, o objecto do processo: o acto ou actos tributários objecto do pedido, o acto ou actos jurídicos impugnados.
Atendamos, especificamente, às implicações da ausência de “repercussão formalizada”, à qual já aludimos, lembrando que, quanto à identificação e comprovação dos actos de liquidação, na CSR não se passavam as coisas do mesmo modo que sucede no IVA.
No IVA, os actos de repercussão do imposto no preço cobrado ao adquirente ocorrem anteriormente à liquidação de IVA propriamente dita, determinando a quantificação e a determinação temporal precisas – criando uma correspondência exacta entre o acto de repercussão e a liquidação de IVA.
Mas, no caso da CSR, e não obstante poder admitir-se a existência de um montante não-quantificado de repercussão económica, os actos de repercussão não só não estavam formalmente ligados ao acto de liquidação, como nem sequer podiam está-lo, dada a própria mecânica do imposto.
Enquanto no IVA o imposto é devido quando ocorre uma venda ou prestação de serviços (sendo essa transacção que determina o nascimento da obrigação do próprio imposto), no caso da CSR era a introdução no consumo que fazia nascer a obrigação tributária (art.º 8.º do CIEC, aplicável à CSR por remissão do art.º 5.º da Lei que estabelece o regime daquele imposto) – pelo que o facto gerador da CSR ocorria sem qualquer conexão com a transacção em que essa mesma CSR pudesse vir a ser, ou não, total ou parcialmente, repercutida.
Na CSR, era possível a um sujeito passivo entregar uma declaração de introdução no consumo (DIC), dando origem a uma liquidação de CSR, e não vender qualquer combustível nesse mesmo período – tal como lhe era possível vender, num determinado período, combustível introduzido no consumo, e sujeito a ISP, CSR e outros, em períodos anteriores àquele em que vendia.
Mais amplamente, e ao contrário do que sucede com o Imposto de Selo ou com o IVA, em sede de IEC não é possível a identificação dos actos de liquidação, sendo que as quantidades de combustível vendidas não têm por base um acto de liquidação específico, não constando das facturas um valor discriminado do valor dos IEC. E por isso o imposto monofásico recai sobre os sujeitos passivos, e não impacta nas vendas subsequentes, que podem envolver uma extensa multiplicidade de intermediários e consumidores finais – e essa a razão pela qual todos esses participantes subsequentes no circuito de distribuição de combustíveis são excluídos da legitimidade para pedir reembolsos, nos termos dos arts. 15º e 16º do CIEC.
Ou seja, na ausência de uma “repercussão formalizada”, ao estilo do IVA, não seria, nem é, possível, nem à Requerente, nem ao Tribunal, nem à Autoridade Tributária, identificar as liquidações de CSR às quais corresponderiam – a existir repercussão – as facturas dadas como prova. Só as entidades fornecedoras, na melhor das hipóteses, poderiam efectuar uma tal correspondência entre as facturas emitidas e a CSR. Mas tal correspondência não foi realizada; e decerto não o foi com as listas e facturas entregues, as quais nem esboçam (nem podiam) uma tentativa de identificação das liquidações, e do nexo, em cada período ou em cada bloco de transacções, entre liquidações e repercussões.
Como, em suma, na ausência de identificação bastante dos únicos actos tributários relevantes – as liquidações originais das quais emerge tudo o resto, a própria condição dos “repercutentes”, e a posição dos “repercutidos” –, satisfazer o pedido a partir de uma causa de pedir (a invalidade de um tributo através de uma repercussão tida por “legal”) ostensivamente contraditória com ele, incompatível com ele, à luz do direito português e do direito europeu?
A deficiência na formulação da causa de pedir, e na sua articulação com o pedido, verifica-se quando falte totalmente a indicação dos factos que constituem o núcleo essencial dos factos integrantes da previsão das normas de direito substantivo concedentes do direito em causa (no caso, a invalidade da repercussão que a Requerente considera ter suportado).
E é isso que determina a nulidade do processo.
E não se diga que a Requerente fez referência às liquidações de CSR da melhor forma que podia: pelo contrário, desvalorizou-as, entendendo-as presumidas, e não carecidas de prova sua, por força de um regime legal que supôs ser o vigente (regime que, refira-se, também não dispensaria a prova mínima que aqui faltou – porque a presunção de que houve repercussão não pode abarcar, obviamente, a presunção de que houve liquidação, tendo de provar-se que houve liquidação, e qual foi a liquidação).
Não cabendo a este tribunal emitir juízos de equidade (art. 2º, 2 do RJAT), não terão aqui cabimento considerações sobre a desculpabilidade de um tal erro de direito, ou se um tal erro pode, ou não, aproveitar a quem o cometeu.
A procedência da excepção de ineptidão da petição inicial determina a nulidade de todo o processo (art. 186º, 1 do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
Trata-se de uma nulidade insanável (art. 98º, 1, a) do CPPT), e de uma excepção dilatória (art. 577º, b) do CPC), que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância – não obstando, portanto, a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto (arts. 278º, 1, b) e 2, 279º e 576º, 2 do CPC).
Mas obstando, de imediato, ao conhecimento das demais excepções, nada podendo inferir-se, da sua não-consideração por prejudicialidade, quanto à procedência ou improcedência de cada uma delas para efeitos de absolvição da instância ou do pedido.
V.D – Aplicação uniforme do Direito.
Na fundamentação da decisão, e em obediência ao princípio geral consagrado no art. 8º, 3 do Código Civil, seguimos de perto as decisões arbitrais proferidas nos Processos n.os 564/2020-T, 304/2022-T, 305/2022-T, 644/2022-T, 665/2022-T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T, 295/2023-T, 296/2023-T, 298/2023-T, 332/2023-T, 364/2023-T, 374/2023-T, 375/2023-T, 398/2023-T, 408/2023-T, 409/2023-T, 410/2023-T, 438/2023-T, 465/2023-T, 466/2023-T, 467/2023-T, 486/2023-T, 490/2023-T, 523/2023-T, 534/2023-T, 537/2023-T, 605/2023-T e 669/2023-T, todos do CAAD[4].
V.E – Questões prejudicadas.
Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, pela ordem disposta pelo art. 124º do CPPT, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – art. 608º do CPC, ex vi art. 29º, 1, c) e e) do RJAT.
VI. Decisão
Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
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Declarar nulo o processo, por ineptidão da petição inicial;
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Absolver da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira;
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Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
VII. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 248.603,26 (duzentos e quarenta e oito mil, seiscentos e três euros e vinte e seis cêntimos), nos termos do disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art.º 29.º, 1, a), do RJAT e art.º 3.º, 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VIII. Custas
Custas no montante de € 4.284,00 (quatro mil, duzentos e oitenta e quatro euros) a cargo da Requerente (cfr. Tabela I, do RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT).
Lisboa, 23 de Julho de 2024
Os Árbitros
Fernando Araújo
Luís Menezes Leitão
(Vencido, uma vez que conforme se decidiu no processo 7/2024-T, em que fui relator, entendo que não é inepta a petição, pelo que julgaria procedentes as excepções de incompetência do tribunal arbitral para apreciar actos de repercussão e de ilegitimidade da requerente para impugnar as liquidações da CSR).
Rui Fernandes Marrana
[1] A jurisprudência do STA já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel (correspondente ao actual Imposto sobre Veículos), que o adquirente não tinha legitimidade para impugnar a respectiva liquidação, precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal (cfr. Acórdão de 1 de Outubro de 2003, Proc. n.º 0956/03).
[3] António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta & Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I- Parte Geral e Ação Declarativa, 2ª ed., p. 232.
[4] Processos n.os 564/2020-T (Carlos Fernandes Cadilha, Elisabete Louro Martins, Arlindo José Francisco), 304/2022-T (Nuno Cunha Rodrigues, Nina Aguiar, António de Melo Gonçalves), 305/2022-T (Manuel Macaísta Malheiros, Luís Menezes Leitão, Jesuíno Alcântara Martins), 644/2022-T (Fernando Araújo, Nina Aguiar, Francisco Carvalho Furtado), 665/2022-T (Regina de Almeida Monteiro, Alberto Amorim Pereira, António Manuel Melo Gonçalves), 702/2022-T (Fernando Araújo, Catarina Belim, António A. Franco), 24/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, Raquel Franco, Nina Aguiar), 113/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, Sílvia Oliveira, Eva Dias Costa), 294/2023-T (Jorge Lopes de Sousa, Fernando Miranda Ferreira, Catarina Belim), 295/2023-T (Fernando Araújo, Pedro Miguel Bastos Rosado, Jesuíno Alcântara Martins), 296/2023-T (Victor Calvete, Luís Menezes Leitão, Marcolino Pisão Pedreiro), 298/2023-T (José Poças Falcão, Maria Alexandra Mesquita, António A. Franco), 332/2023-T (Victor Calvete, José Nunes Barata, João Menezes Leitão), 364/2023-T (Fernando Araújo, Jesuíno Alcântara Martins, Rui Miguel Sousa Simões Fernandes Marrana), 374/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, Magda Feliciano, Pedro Miguel Bastos Rosado), 375/2023-T (Alexandra Coelho Martins, Miguel Patrício, Maria do Rosário Anjos), 398/2023-T (Fernando Araújo, João Taborda da Gama, Miguel Patrício), 408/2023-T (Alexandra Coelho Martins, Tomás Cantista Tavares, Marcolino Pisão Pedreiro), 409/2023-T (Victor Calvete, Marisa Isabel Almeida Araújo, Ana Rita do Livramento Chacim), 410/2023-T (Jorge Lopes de Sousa, Sílvia Oliveira, Marta Vicente), 438/2023-T (Victor Calvete, António de Barros Lima Guerreiro, Catarina Belim), 465/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, Rui Marrana, António Franco), 466/2023-T (Victor Calvete, Magda Feliciano, Elisabete Flora Louro Martins Cardoso), 467/2023-T (Carla Castelo Trindade, Nina Aguiar, João Pedro Rodrigues), 486/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, Maria Alexandra Mesquita, António Franco), 490/2023-T (Victor Calvete, Hélder Faustino, Amândio Silva), 523/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, João Taborda da Gama, Miguel Patrício), 534/2023-T (Sílvia Oliveira), 537/2023-T (António de Barros Lima Guerreiro), 605/2023-T (Fernando Araújo, Marcolino Pisão Pedreiro, Amândio Silva), 669/2023-T (Fernando Araújo, Catarina Belim, David Nunes Fernandes).
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