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SUMÁRIO
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Os tribunais arbitrais em matéria tributária não têm competência para o reconhecimento de direitos ou interesses legítimos em matéria tributária que não decorram da apreciação da legalidade de algum dos atos a que se refere o artigo 2.º, n.º 1, do RJAT.
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Os tribunais arbitrais em matéria tributária não têm competência para determinar a “reversão” de atos de indeferimento de reclamações graciosas nas quais não tenha sido peticionada a anulação, com fundamento em ilegalidade, de algum dos atos em matéria tributária abrangidos pelo âmbito do artigo 2.º, n.º 1, do RJAT.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Rita Correia da Cunha (Presidente), Jorge Bacelar Gouveia e André Festas da Silva (relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:
I. RELATÓRIO
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A..., S.A., contribuinte fiscal n.º..., com sede na ..., ..., ...-... Lisboa (doravante “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º, e na alínea a), do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”).
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A Requerente peticiona a reversão da decisão de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas contra as Demonstrações de Liquidação de IRC n.º 2022 ... e n.º 2023 ..., e a correção dos valores a deduzir pela Requerente, por referência aos períodos de tributação de 2018 e 2019, a título de crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, com as demais consequências legais, nomeadamente o reembolso das importâncias já liquidadas, tanto a título de imposto, como de juros compensatórios.
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É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante designada somente por “Requerida” ou “AT”).
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O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 22-12-2023.
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A Requerida foi notificada da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral em 28-12-2023.
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Os árbitros foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, nos termos dos n.ºs 2, alínea a), e 3 do artigo 6.º do RJAT, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e nos termos legalmente previstos.
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Em 12-02-2024 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 01-03-2024.
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Em 04-03-2024 foi a Requerida notificada para apresentar Resposta.
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A Requerida juntou o processo administrativo e apresentou Resposta em 15-04-2024, na qual se defende por exceção e por impugnação.
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Na defesa por exceção, a Requerida invoca a incompetência, em razão da matéria, do tribunal arbitral, por entender que o pedido formulado pela Requerente, de reversão das correções promovidas pelos SIT por referência aos períodos de tributação de 2018 e 2019, não se insere no âmbito das competências reconhecidas aos tribunais arbitrais em matéria tributária, nos termos do RJAT e da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março.
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Em 02-06-2024, o tribunal arbitral proferiu despacho no qual dispensou a realização da reunião a que refere o artigo 18.º do RJAT e determinou que o processo prosseguisse com a apresentação pelas Partes de alegações finais escritas, no âmbito das quais a Requerente teve oportunidade de se pronunciar sobre a exceção suscitada pela Requerida em sede de Resposta.
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A Requerente apresentou alegações em 14-06-2024, no âmbito das quais refere, designadamente o seguinte:
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A Requerente peticiona, não só “a reversão da decisão de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas, com a correção dos valores a deduzir a título de crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, por referência a ambos os períodos de tributação”, mas também “a reposição da situação tributária verificada anteriormente às liquidações adicionais sofridas, com o reembolso das quantias liquidadas na sua sequência”, bem como “a reparação dos danos causados por uma errónea aplicação de direito por parte dos serviços da AT, com o decretamento do pagamento de juros indemnizatórios”;
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Entende a Requerente que só com a procedência destes dois últimos pedidos “se pode lograr obter justiça, sob pena da Requerente ser onerada com as consequências económicas que decorrem de uma ação dos serviços da AT encetada à revelia da lei e, algumas vezes, do bom-senso”;
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E invoca várias decisões arbitrais, publicadas no primeiro semestre de 2024, “que decretam precisamente o que agora a Requerente vem peticionar”;
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A Requerente sustenta, assim, a improcedência da “exceção suscitada de incompetência do Tribunal Arbitral para decretar o reembolso do montante de imposto indevidamente liquidado”;
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A Requerente reitera, ainda, os argumentos contidos no PPA, e contesta os argumentos contidos na Resposta apresentada pela Requerida;
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E reitera o pedido formulado no PPA:
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“designadamente a reversão das correções promovidas pelos SIT por referência aos períodos de tributação de 2018 e 2019, considerando que os valores a deduzir, a título de crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, devem ser aqueles que resultam da consideração, para o cálculo da fração de imposto, dos rendimentos brutos obtidos com origem na Colômbia, Moçambique, Paquistão e Marrocos”;
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“[p]elo que, por referência a 2018, é de reconhecer o mérito de uma dedução, no campo 353 da Modelo 22, no valor de €903.955,23 e não no valor de €807.998,69, resultante do apuramento levado a cabo pelos SIT e pela AT”;
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“[e], por referência a 2019, de uma dedução, no campo 353 da Modelo 22, no valor de €632.813,88, ao invés do valor de €435.947,78, resultante do método de apuramento sufragado pelos SIT e pela AT”.
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A Requerida não apresentou alegações.
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Por despacho de 11 de Julho de 2024 do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, face à renúncia às funções arbitrais do árbitro adjunto Prof. Doutor Paulo Nogueira Costa, foi determinada a sua substituição pelo Dr. André Festas da Silva, não tendo as partes suscitado qualquer objeção.
II. SANEAMENTO
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A apresentação do PPA foi tempestiva.
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As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas.
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O processo não enferma de nulidades.
III. FACTOS RELEVANTES
§1. Factos provados
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Consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma sociedade residente, para efeitos fiscais, em Portugal e responsável pela gestão e supervisão de um grupo de sociedades (“Grupo B...”), ao qual é aplicável o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), previsto nos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC, do qual é sociedade dominante;
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Nos períodos de tributação de 2018 e 2019, o Grupo B... era encabeçado pela Requerente e composto pelas seguintes sociedades:
a. C..., S.A. (“C...”);
b. D..., Lda. (“D...”);
c. E..., Lda. (“E...”); e
d. F..., Lda. (“F...”).
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Durante o período de tributação de 2022, os Serviços de Inspeção Tributária (“SIT”) da Direção de Finanças de Lisboa iniciaram dois procedimentos de inspeção em sede de IRC, externos e de âmbito parcial, que abrangeram a aplicação do RETGS e tiveram por referência os períodos de tributação de 2018 e 2019;
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A iniciativa dos SIT foi consequência de procedimentos inspetivos anteriormente realizados na esfera individual da C..., S.A. (“C...”), com reflexo na posição da Requerente, enquanto sociedade dominante no perímetro fiscal do Grupo B...;
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Relativamente ao período de tributação de 2018, os SIT promoveram correções ao lucro tributável individual declarado pela C..., no montante total de € 112.349,96, assim como ao montante de crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional deduzido na Declaração de Rendimentos Modelo 22 (“Modelo 22”) do mesmo período, no valor de € 702.721,77;
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Por referência ao período de tributação de 2019, os SIT promoveram uma correção ao montante de crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, deduzido na Modelo 22 referente ao mesmo período, no valor de € 452.203,01, assim como uma correção ao crédito de imposto relativo ao benefício fiscal obtido ao abrigo do Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (“SIFIDE”) no montante de € 332.518,89;
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Estas correções promovidas na esfera da C... tiveram reflexo na esfera do Grupo B..., do qual a Requerente é sociedade dominante;
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Por referência ao período de tributação de 2018, o procedimento inspetivo que incidiu sobre a Requerente foi posto em marcha ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2022..., de 9 de julho de 2022;
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Em seu resultado, foram primeiramente propostas correções pelos SIT, refletidas no Projeto de Relatório de que foi a Requerente notificada, aos valores por esta inscritos nos campos 353 e 379 do quadro 10 da Modelo 22, a título de crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, respetivamente nos montantes de € 763.365,90 e -€ 60.644,12, no valor líquido de € 702.721,77;
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No tocante ao período de tributação de 2019, foi iniciado um procedimento de inspeção credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2022..., de 22 de outubro de 2022;
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Em virtude do qual os SIT igualmente propuseram correções aos valores inscritos pela Requerente nos campos 353 e 379 do quadro 10 da Modelo 22, desta feita nos montantes de -€ 400.001,80 e -€ 56.646,83, respetivamente;
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Em ambos os casos, a Requerente exerceu o seu direito de Audição Prévia, ao abrigo do artigo 60.º da Lei Geral Tributária;
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As pretensões da Requerente não foram atendidas, pelo que as correções propostas assumiram natureza definitiva, conforme resulta das conclusões vertidas nos Relatórios Finais de Inspeção Tributária emitidos por referência a cada um dos procedimentos inspetivos, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
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Em consequência, a Requerente foi notificada das correspondentes demonstrações de liquidação de IRC, que materializaram tais correções:
- a demonstração de liquidação de IRC n.º 2022..., de que resultou uma liquidação adicional (reembolso) de IRC no valor de € 674.072,53, originada pelas correções promovidas pelos SIT por referência ao período de tributação de 2018;
- a demonstração de liquidação de IRC n.º 2023..., de que resultou uma liquidação adicional de IRC no valor de € 132.196,75, onde estão incluídos juros compensatórios no montante de € 11.470,63, originada pelas correções promovidas pelos SIT por referência ao período de tributação de 2019;
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Inconformada com o entendimento dos SIT, a Requerente apresentou reclamações graciosas, ao abrigo do disposto nos artigos 137.º do Código do IRC e 70.º e 102.º do CPPT, com datas de 16 de março de 2023 e de 27 de abril de 2023, nas quais peticiona a “reversão das conclusões extraídas pelos SIT e materializadas na Demonstração de Liquidação de IRC de que se reclama”;
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O mérito das pretensões da Requerente voltou a não ser atendido, de tal forma que foi esta notificada dos Projetos de Decisão sobre as reclamações graciosas apresentadas, datados de 20 de julho de 2023, cujas conclusões preliminares mantiveram o entendimento anterior dos SIT;
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A Requerente não exerceu o seu direito de Audição Prévia, pelo que o teor dos Projetos de Decisão se manteve nas Decisões Finais de Indeferimento subsequentes, tanto por referência ao período de tributação de 2018, como por referência ao período de tributação de 2019, cujas notificações se concretizaram a 13 de setembro de 2023;
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Não se conformando com a decisão, a Requerente apresentou, em 20-12-2023, o PPA que deu origem ao presente processo.
§2. Factos não provados
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Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
§3. Motivação quanto à matéria de facto
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Cabe ao Tribunal selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
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Os factos pertinentes para a decisão são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cf. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
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Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo por base a prova documental e o Processo Administrativos juntos aos autos, e as posições assumidas pelas partes, e não contestadas, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT.
IV. MATÉRIA DE DIREITO
Da exceção de incompetência material do tribunal arbitral
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Posição das Partes
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A Requerida, em sede de Resposta, suscitou a exceção de incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria.
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Entende a Requerida que a condenação da AT a emitir um reembolso de um hipotético crédito de imposto calculado com base numa quantificação feita pela Requerente, que, segundo ela, correspondendo aos montantes de rendimentos brutos que terá auferido em Angola, Colômbia, Moçambique, Paquistão e Marrocos, se encontra excluída do âmbito da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.
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Segundo a Requerida, a incompetência material do Tribunal para a apreciação do pedido identificado supra consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
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E sustenta a Requerida que o meio adequado para obter o reconhecimento de um direito seria sempre a ação para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido em matéria tributária prevista no artigo 145.º do CPPT.
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Pelo que, segundo a Requerida, o presente meio não consubstancia o meio processual adequado com vista ao reconhecimento de um crédito por dupla tributação internacional, verificando-se impropriedade do meio processual utilizado, o que no caso também se reconduz à incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer de tal pedido.
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Em sede de alegações, a Requerente pronunciou-se sobre a “exceção suscitada de incompetência do Tribunal Arbitral para decretar o reembolso do montante de imposto indevidamente liquidado”.
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Para sustentar a sua posição, a Requerente cita doutrina e jurisprudência que, em seu entender, sustentam a competência material do tribunal arbitral para decidir sobre o pedido de reembolso de importâncias indevidamente liquidadas.
b) Apreciação
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Para a apreciação da exceção de incompetência do tribunal arbitral, em razão da matéria, importa identificar claramente o pedido, ou pedidos, contidos no PPA.
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Essa clara identificação dos pedidos é particularmente importante no caso ora em apreciação, na medida em que a Requerente, em sede de alegações, se pronuncia sobre a exceção suscitada pela Requerida, mas contestando fundamentos distintos dos que são invocados pela Requerida.
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Com efeito, a Requerida expressa o entendimento de que o tribunal arbitral não tem competência para determinar a reversão das correções promovidas pelos SIT e reconhecer o direito da Requerente à dedução por crédito de imposto dos montantes por esta quantificados.
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A Requerente, em sede de alegações, contesta a existência da “exceção suscitada de incompetência do Tribunal Arbitral para decretar o reembolso do montante de imposto indevidamente liquidado”.
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Importa, pois, delimitar claramente o pedido e, a partir dessa delimitação, decidir sobre a competência ou incompetência material do tribunal.
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Recorde-se, aliás, que nos termos do disposto no artigo 578.º do CPC “o tribunal deve conhecer oficiosamente das exceções dilatórias”.
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No PPA, a Requerente peticiona o seguinte:
“a. A admissão do pedido de constituição do tribunal arbitral;
b. A reversão da decisão de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas contra as Demonstrações de Liquidação de IRC n.º 2022... e n.º 2023..., corrigindo-se, assim, os valores a deduzir pela Requerente, por referência aos períodos de tributação de 2018 e 2019, a título de crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, com as demais consequências legais, nomeadamente o reembolso das importâncias já liquidadas, tanto a título de imposto, como de juros compensatórios;
c. A condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, calculados à taxa legal;
d. A condenação da AT nas custas do processo, com as demais consequências legais.”
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Na alínea b., transcrita no parágrafo anterior, é possível identificar os seguintes pedidos: “reversão da decisão de indeferimento das reclamações graciosas”, correção dos “valores a deduzir pela Requerente, por referência aos períodos de tributação de 2018 e 2019, a título de crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional”, e “reembolso das importâncias já liquidadas, tanto a título de imposto, como de juros compensatórios”.
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Eles são o corolário das referências que a Requerente vai fazendo ao longo do PPA, designadamente:
“[…]
20. É o indeferimento das reclamações graciosas apresentadas que serve de motivação à Requerente para a apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral, estando o mérito das suas pretensões conexo à mesma matéria já controvertida ao longo de toda a fase administrativa do litígio – a definição dos valores a deduzir na Modelo 22, a título de crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional.
[…]
30.Pelo que aqui se vem peticionar a anulação das correções promovidas pelos SIT, nomeadamente a correção, desfavorável à Requerente, do valor a inscrever no campo 353 da Modelo 22, submetida por referência ao período de tributação de 2018, no montante de €95.956,54 (diferença entre o entendimento da Requerente no valor de €903.955,23 e o valor apurado pela AT no montante de €807.998,69).
[…]
38. Pelo que, aceitando-se as restantes correções promovidas ao longo do procedimento administrativo, vem peticionar-se, por referência ao período de tributação de 2019, o reconhecimento, favorável à Requerente, de uma dedução no campo 353 correspondente a uma diferença positiva de €196.866,10 (diferença entre o entendimento da Requerente no valor de €632.813,88 e o valor apurado pela AT no montante de €807.998,69).face ao entendimento dos SIT e da AT.
[…]
III. Conclusões
[…]
T.Assim, por referência ao período de tributação de 2018, crê a Requerente ser de reconhecer o mérito de uma dedução, no campo 353 da Modelo 22, no valor de €903.955,23 e não no valor de €807.998,69, resultante do apuramento levado a cabo pelos SIT e pela AT.
U. Já por referência ao período de tributação de 2019, crê a Requerente ser de reconhecer o mérito de uma dedução, no campo 353 da Modelo 22, no valor de €632.813,88, ao invés do valor de €435.947,78, resultante do método de apuramento sufragado pelos SIT e pela AT.”
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Nas alegações finais, a Requerente reitera o pedido nos seguintes termos:
“56. Mantém a Requerente o peticionado no seu PPA, designadamente a reversão das correções promovidas pelos SIT por referência aos períodos de tributação de 2018 e 2019, considerando que os valores a deduzir, a título de crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, devem ser aqueles que resultam da consideração, para o cálculo da fração de imposto, dos rendimentos brutos obtidos com origem na Colômbia, Moçambique, Paquistão e Marrocos.
57. Pelo que, por referência a 2018, é de reconhecer o mérito de uma dedução, no campo 353 da Modelo 22, no valor de €903.955,23 e não no valor de €807.998,69, resultante do apuramento levado a cabo pelos SIT e pela AT.
58. E, por referência a 2019, de uma dedução, no campo 353 da Modelo 22, no valor de €632.813,88, ao invés do valor de €435.947,78, resultante do método de apuramento sufragado pelos SIT e pela AT”.
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Do exposto resulta que a Requerente não peticiona a declaração da ilegalidade de qualquer ato tributário.
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A competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária está fixada no artigo 2.º do RJAT, nos seguintes termos:
“Artigo 2.º
Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável
1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;
c) (Revogada).
2 - Os tribunais arbitrais decidem de acordo com o direito constituído, sendo vedado o recurso à equidade.”
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Por seu lado, a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, quanto ao objeto da vinculação da AT, estabelece o seguinte:
“Artigo 2.º
Objecto da vinculação
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;
e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.”
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Os tribunais arbitrais em matéria tributária não têm, pois, competência para o reconhecimento de direitos ou interesses legítimos em matéria tributária que não decorra da declaração da ilegalidade de algum dos atos a que se refere o artigo 2.º, n.º 1, do RJAT.
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Tal como afirma Jorge Lopes de Sousa, “[t]ambém o reconhecimento de direitos e interesses legítimos em matéria tributária, fora dos casos em que possa estar subjacente à declaração de legalidade de atos ou apreciação das questões indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, está fora da competência dos tribunais arbitrais. (…) Por outro lado, a restrição das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD à declaração de ilegalidade de atos, tem como corolário que os seus poderes de cognição sejam limitados aos que os tribunais tributários podem exercer no processo de impugnação judicial (a que o processo arbitral é alternativa, nos termos do artigo 124.º, n.º 2, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), que se tem entendido que abrangem a declaração de ilegalidade de atos (artigo 124.º do CPPT) e fixação de juros indemnizatórios (artigo 43.º da LGT) e indemnizações por garantia indevida (artigo 171.º do CPPT), mas não incluem as que nos tribunais tributários podem ser exercidas em processos de execução de julgados e em ação para reconhecimento de direito ou interesse legítimo. (…)” (Guia da Arbitragem Tributária, 3.ª ed., Coimbra, Almedina, 2017, p. 88).
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A Requerente peticiona a “reversão” da decisão de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas contra as liquidações em causa.
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Sobre este pedido importa esclarecer que “o objecto do processo arbitral é o acto de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta” (cf. Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – Anotado, Coimbra, Almedina, 2016, p. 69).
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Nos termos do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 18 de maio de 2011, no âmbito do processo n.º 0156/11, “(…) o objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise”.
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E, como refere Carla Castelo Trindade, os atos de indeferimento de reclamações graciosas, de recursos hierárquicos ou de pedidos de revisão do ato tributário só são arbitráveis “(…) na estrita condição de terem, eles próprios, apreciado a (i)legalidade do acto tributário que o sujeito passivo, verdadeira e efectivamente, pretende impugnar pela via arbitral” (cf. Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – Anotado, Coimbra, Almedina, 2016, p. 70).
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Sucede que, no caso sub judice, nem no PPA, nem nas reclamações apresentadas, a Requerente peticiona a anulação, com fundamento em ilegalidade, dos referidos atos de liquidação.
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Nas reclamações apresentas a Requerente peticiona, isso sim, a “reversão das conclusões extraídas pelos SIT”.
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Ora, os tribunais arbitrais não têm competência para apreciar pedidos de “reversão” de decisões de indeferimento de reclamações graciosas nas quais tenha sido peticionado o reconhecimento de determinado direito e a consequente reversão das conclusões extraídas pelos SIT, sem que tenha sido peticionada a anulação dos atos de liquidação com fundamento em ilegalidade.
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Face ao exposto, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro, o Tribunal conclui que é materialmente incompetente para apreciar o mérito do pedido.
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A incompetência do tribunal em razão da matéria configura uma exceção dilatória, a qual é causa de extinção da instância e implica a absolvição da Requerida da instância, nos termos dos artigos 277.º, alínea e), e 278.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
V. DECISÃO
Termos em que se decide:
a) Julgar procedente a exceção de incompetência material deste Tribunal Arbitral e, em consequência, absolver a Requerida da instância;
b) Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
VI. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea b), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 292.822,64.
VII. CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.202,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Notifique-se.
CAAD, 30 de agosto de 2024
A Árbitra Presidente,
Rita Correia da Cunha
O Árbitro Adjunto,
Jorge Bacelar Gouveia
O Árbitro Adjunto,
André Festas da Silva
(Relator)
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