Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1001/2023-T
Data da decisão: 2024-08-20   Outros 
Valor do pedido: € 47.705,57
Tema: Contribuição sobre o Sector Rodoviário (CSR) - Competência dos Tribunais Arbitrais – Legitimidade activa das entidades repercutidas – Prova da repercussão.
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SUMÁRIO:

  1. A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) é um imposto, não se verificando, nem a incompetência do tribunal em razão da matéria (por estar esta limitada à apreciação das pretensões dos sujeitos passivos relativas a impostos), nem a falta de vinculação prévia da Autoridade Tributária à jurisdição arbitral.
  2. As entidades utilizadoras da rede rodoviária nacional que suportam o encargo tributário da Contribuição de Serviço Rodoviário por efeito da repercussão, não obstante terem legitimidade processual (activa) para impugnar judicialmente os actos de liquidação do imposto que incidam sobre combustíveis que tenham adquirido, como meio de reagirem contra a ilegalidade da repercussão, devem efectuar prova da mesma.
  3. O ónus da prova da efectiva repercussão da contribuição de serviço rodoviário incumbe às entidades utilizadoras da rede rodoviária nacional, não podendo assentar em juízos presuntivos.

 

DECISÃO ARBITRAL[1]

Requerente –A..., Lda.

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 27-02-2024, decidiu o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. A..., Lda., pessoa coletiva nº..., com sede em ..., Alenquer (adiante designada por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 18-12-2023, ao abrigo do disposto no artigo 2, nº 1, alínea a) e do disposto no artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

  1. A Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral “(…) com vista à apreciação da legalidade das liquidações respeitantes à CSR, referentes aos meses de Janeiro de 2020 a Dezembro (…) de 2022, incidentes sobre os sujeitos passivos (…) referidos, cujos encargos tributários foram repercutidos para a esfera da Requerente, na sequência da aquisição por esta às entidades (…) referidas de 429.779,04 litros de gasóleo, em face da qual suportou 47.705,57 (…) a título de CSR, e, bem assim, da decisão de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados contra aqueles atos  tributários (…)” e, em consequência, se “(…) determine a anulação dos referidos atos tributários (…)” e se “(…) condene a (…) Requerida no reembolso à Requerente da CSR indevidamente suportada, (…), acrescido de juros indemnizatórios vencidos e vincendos, desde a data do pagamento (…) e (…) no pagamento das custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais”.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 20-12-2023 e notificado, na mesma data, à Requerida.

 

  1. Em 11-01-2024, a Requerida apresentou requerimento, dirigido ao Senhor Presidente do CAAD, no sentido “(…) informar, que analisado o pedido, não detetou a identificação de qualquer ato tributário. Identificação que, aliás, também não consta da plataforma do Centro de Arbitragem Tributária. Tendo em conta, que: a) A competência dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, abrange exclusivamente a apreciação direta da legalidade de ato(s) de liquidação ou de atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de ato(s) daquele tipo, conforme decorre do n.º 1, do artigo 2.º do RJAT e como se depreende das referências expressas que se fazem na alínea a), do nº 1, do artigo 10.º do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT; b) Conforme dispõe expressamente a alínea b), do nº 2, do artigo 10º do RJAT, do requerimento em que é formulado o pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral; c) Sem a identificação, por parte dos interessados, do ato ou atos tributários, cuja ilegalidade é invocada, não pode o dirigente máximo da AT exercer a faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT. Solicita-se que seja(m) identificado(s) o(s) ato(s) de liquidação cuja legalidade o requerente pretende ver sindicada, entendendo-se que o termo inicial do prazo para o exercício da faculdade prevista no artigo 13º do RJAT só ocorre após a notificação, à Autoridade Tributária e Aduaneira, da identificação, em concreto, do(s) ato(s) de liquidação cuja ilegalidade é suscitada”.

 

  1. Na mesma data, a Requerente foi notificada de despacho proferido pelo Senhor Presidente do CAAD no sentido de informar que “(…) na sequência da comunicação da Autoridade Tributária envie-se a mesma ao Tribunal Arbitral a constituir, por ser esse o órgão competente para a sua apreciação. (…)”.

 

  1. Em 09-02-2024, dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, foi a signatária designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1 do RJAT, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

  1. Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos do disposto no artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

  1. Em 27-02-2024, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído, tendo sido proferidos, na mesma data, os seguintes despachos:

 

  1. Despacho no sentido de notificar a Requerida do indeferimento do requerido, pela Autoridade Tributária e Aduaneira em 11-01-2024, com base nos argumentos aí apresentados;
  2. Despacho arbitral, emitido nos termos do artigo 17º do RJAT, no sentido de mandar notificar o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.

 

  1. A Requerida, em 10-04-2024, apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por excepção e por impugnação e concluído que deverá o Tribunal Arbitral decidir como propugnado pela Requerida, no sentido da improcedência do pedido de anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, bem como da anulação da(s) liquidação(ões) de ISP/CSR, não havendo, consequentemente lugar ao reembolso da CSR alegadamente repercutida, nem ao pagamento de juros indemnizatórios, devendo “(…) a) ser extinta a instância arbitral, e absolvida da mesma a Requerida, face à verificação da exceção da incompetência em razão da matéria, e/ou da exceção da ilegitimidade processual, e/ou da exceção da ineptidão da petição inicial/pedido arbitral; b) caso assim não se entenda, ser a Requerida absolvida do pedido, face à verificação da exceção de caducidade do direito de ação, e/ou da exceção de falta de legitimidade substantiva; ou, caso assim não se entenda, c) ser o pedido de pronúncia arbitral julgado totalmente improcedente, por infundado e não provado”.

 

  1. Na mesma data, a Requerida anexou ao processo cópia do Processo Administrativo.

 

  1. Por despacho arbitral de 11-04-2024, foi a Requerente notificada para se pronunciar, querendo, no prazo de 10 dias, sobre as excepções suscitadas pela Requerida na Resposta.

 

  1. Por requerimento, apresentado em 29-04-2024, a Requerente apresentou defesa às excepções, reiterando o vertido no pedido de pronúncia arbitral, anexando ainda um novo documento.[2]

 

  1. Por despacho arbitral de 30-04-2024, foram as Partes notificadas para, no prazo de 5 dias:

 

  1. A Requerente informar se mantinha interesse na inquirição das testemunhas apresentadas no pedido arbitral, bem como na audição das declarações de parte e, em caso afirmativo, indicar sobre que factos iria incidir a inquirição das referidas testemunhas;
  2. A Requerida “(…) se pronunciar, querendo, sobre o teor do documento anexado pela Requerente na defesa à matéria de excepção”.

 

  1. Em 08-05-2024, a Requerida apresentou requerimento referindo que “(…) não se constatam quaisquer elementos passíveis de alterar o entendimento da Requerida já expendido em sede de Resposta”, “pelo que, sob pena de a Requerida incorrer, nesta sede, numa mera repetição inútil (…), remete-se e dá-se por integralmente reproduzido o aduzido em sede de Resposta e aí peticionado”, concluindo no mesmo sentido da Resposta.

 

  1. Em 09-05-2024, a Requerente veio apresentar requerimento no sentido de manifestar a manutenção do seu interesse na inquirição das testemunhas apresentadas no pedido de pronúncia arbitral, bem como nas declarações de parte, indicando sobre que factos iria incidir a inquirição.

 

  1. Por despacho arbitral de 10-05-2024, foram ambas as Partes notificadas do agendamento de reunião, para o dia 20-05-2024, pelas 14:30 horas, nas instalações do CAAD em Lisboa, na qual se pretendia proceder à inquirição das Testemunhas, Declarações de Parte e produção de alegações orais, sem prejuízo de as Partes poderem acordar em alegações escritas.[3]

 

  1. A reunião agendada realizou-se em 29-05-2024, na qual se procedeu à inquirição das duas Testemunhas apresentadas pela Requerente, bem como a audição das Declarações de Parte, tendo sido decidido pelo Tribunal Arbitral que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas, a apresentar no prazo simultâneo de 15 dias e tendo sido decidido que a decisão final seria proferida até ao fim do prazo fixado no artigo 21º, nº 1 do RJAT.

 

  1. Por último, o Tribunal Arbitral advertiu ainda a Requerente que, até ao termo do prazo concedido para apresentação de alegações escritas deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD (o que veio a efectuar em 18-06-2024).

 

  1. A Requerida apresentou as suas alegações escritas em 11-06-2024, tendo concluído como na Resposta.

 

  1. A Requerente apresentou as suas alegações escritas em 18-06-2024, tendo concluído como no pedido e anexando dois novos documentos, cuja junção ao processo requer.[4]

 

  1. Por despacho arbitral de 19-06-2024, foi a Requerida notificada para, querendo, no prazo de 5 dias, se pronunciar sobre os documentos anexados pela Requerente com as suas alegações.

 

  1. A Requerida apresentou, em 28-06-2024 requerimento no sentido de referir que analisado o teor dos documentos anexados, pela Requerente, com as suas alegações escritas, “(…) se conclui que não faz prova de que a requerente tenha suportado qualquer quantia a título de CSR. Com efeito, a própria B..., Unipessoal Lda. não é sujeito passivo de imposto, e não identifica qualquer ato de liquidação. Não tem, pois, qualquer valor probatório da repercussão da CSR uma declaração daquela empresa segundo a qual a A..., LDA. liquidou o respetivo imposto a título de CSR que incide sobre os combustíveis”.

 

  1. CAUSA DE PEDIR

 

  1. A Requerente começa por referir que vem requerer a constituição de Tribunal Arbitral “com vista à apreciação da legalidade dos seguintes actos tributários e decisório: a) Liquidações respeitantes a Contribuições de Serviço Rodoviário ("CSR"), referentes aos meses de Janeiro de 2020 a 31 de Dezembro de 2022, incidentes sobre o sujeito passivo que a liquidou, enquanto responsável pela introdução no circuito económico do gasóleo rodoviário que a Requerente adquiriu à C..., LDA. (…), D..., S.A. (…), E..., S.A. (…), F..., Lda. (…), G..., Lda. (…), H..., S.A. (…), I..., Lda. (…), J..., Lda. (…), K..., Lda. (…), cujo encargo tributário estas sociedades repercutiram na esfera da Requerente, na sequência da aquisição por esta (…) de 429.779,04 litros de gasóleo, (…), em face da qual suportou € 47.705,57 (…) a título de CSR (…), b) Decisões finais de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados pela Requerente a 19 de Maio de 2023 junto das Alfândegas e dos Impostos Especiais Sobre o Consumo (…)”.

 

  1. Nestes termos, esclarece a Requerente que “o ato de indeferimento tácito e os atos de liquidação de CSR constituem, respetivamente, os objetos imediato e mediato do presente pedido de pronuncia arbitral”.

 

  1. No que diz respeito à tempestividade do direito de acção, refere a Requerente que tendo em consideração a data de apresentação do pedido de revisão oficiosa e o prazo de presunção de indeferimento tácito, conclui que o pedido é tempestivo.

 

  1. No que diz respeito aos factos relevantes para a apreciação do presente processo arbitral, alega a Requerente que “as entidades que introduziram o gasóleo no mercado que a Requerente veio a adquirir entregaram ao Estado, enquanto sujeito passivos da respetiva relação jurídico-tributária, os valores apurados nos atos de liquidação de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos («ISP») e de CSR praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC por aquelas submetidas” e que “durante o período compreendido entre 31.01.2020 e 31.12.2022, a Requerente adquiriu às fornecedoras de combustíveis (…) referidas um total de 429.779,04 litros de gasóleo rodoviário na prossecução do seu objecto social (…)”, sendo que “as mencionadas fornecedoras de combustíveis repercutiram nas correspondentes faturas a CSR referente a cada um desses consumos, tendo a Requerente, (…), suportado integralmente este imposto (…)”.

 

  1. Em seguida, apresenta a Requerente considerações quanto à natureza jurídica da CSR, que entende ser um imposto (concluindo pela competência dos tribunais arbitrais para apreciar “(…) os respetivos atos de liquidação, face ao regime do RJAT e à respetiva Portaria de vinculação”), bem como quanto à legitimidade da Requerente para apresentação do pedido de pronúncia arbitral, porquanto “(…) tendo suportado o encargo inerente às liquidações de CSR (…) identificadas, (…), é titular legalmente protegida, para solicitar a respectiva anulação e reembolso dos montantes legalmente liquidados”, concluindo a Requerente que “o repercutido goza de legitimidade” e, acrescenta, “caso o considere necessário, requer-se [que o] (…) Tribunal Arbitral que, a coberto do principio do inquisitório (…), oficie as fornecedoras de combustíveis, com vista a confirmar que efetivamente transferiram o encargo com a CSR, subjacente ao combustível transmitido à Requerente, para a esfera desta última”.

 

  1. De seguida, quanto ao regime geral dos impostos especiais de consumo vertido na diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, a Requerente alega, em síntese, que “(…) para que se conclua pela existência de um motivo especifico na aceção do artigo 1.°, n." 2, da Diretiva  2008/118, será necessário, nos casos em que se verifica uma afetação predeterminada da receita de uma imposição indireta, que a mesma seja obrigatoriamente utilizada nos fins específicos invocados, de tal forma que exista um vínculo direto entre a utilização das receitas do imposto e tais fins ou, nos casos em que não se verifique tal mecanismo de afetação direta, que a estrutura de tal imposto, designadamente, no que respeita à matéria coletável ou da taxa de tributação seja apta a influenciar o comportamento dos contribuintes no sentido de alcançar a finalidade específica prosseguida (…)”, devendo “(…) as imposições indiretas com finalidades especificas (…) [estar] em conformidade (…) com a economia geral de uma ou outra destas técnicas de tributação, tal como estão organizadas na legislação da União (…)”.

 

  1. No que diz respeito à alegada desconformidade entre a Lei nº 55/2007 (de 31 de Agosto) e a Diretiva 2008/118/CE, alega a Requerente que “em face da declaração do TJUE impõe-se, pois, concluir, como resulta, também, das decisões proferidas nos processos arbitrais (…) [que enumera], que a CSR (…) não prossegue motivos específicos, na acepção do artigo 1., nº 2 , da Diretiva 2008/118, consubstanciando, por conseguinte, todos os atos tributários praticados ao seu abrigo, designadamente os atos objeto do presente pedido pronúncia arbitral, uma violação do direito da União Europeia”.

 

  1. No que diz respeito à obrigação de desaplicação das normas internas que instituíram a CSR, por desconformidade com o direito da União Europeia, a existência de erro imputável aos serviços e dever de anulação dos atos tributários objeto do presente processo arbitral e consequente direito da Requerente ao reembolso dos montantes pagos a título de CSR, alega a Requerente que “paralela e convergentemente, verificada a referida obrigação de desaplicação das identificadas normas internas por desconformidade com o direito da União Europeia, impõe-se, igualmente, concluir pela existência de erro imputável aos serviços, designadamente para efeitos do disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo 78.° da (…) LGT”, “assim tem concluído, pacificamente, a jurisprudência nacional (…)”, citando para o efeito o Acórdão do STA proferido em 19.11.2014, no âmbito do processo 0886/14.

 

  1. Neste contexto, segundo entende a Requerente, “(…) impunha-se à Administração Tributária e Aduaneira determinar, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa que antecede, a anulação dos atos tributários sub judice e, pelos mesmos motivos, proceder ao reembolso das quantias indevidamente suportadas pela Requerente a titulo de CSR”, mas “não o tendo feito, a Administração Tributária e Aduaneira manteve na ordem jurídica atos tributários que são ilegais, razão pela qual se impõe (…) proceder à anulação dos mesmos”.

 

  1. Assim, em face de todo o exposto, entende a Requerente que “(…) devem, pois, os atos tributários objeto do presente processo arbitral ser anulados e, em consequência, [serem] devolvidas à Requerente as quantias pela mesma suportadas a título de CSR, no montante global de 47.705,57 (…)” porquanto, “(…) nos casos em que seja identificada a subsistência de uma desconformidade entre determinada norma de direito interno e o direito da União Europeia, impor-se-á considerar a norma de direito interno ilegal, por violação de norma de parâmetro hierárquico superior (i.e., por violação do direito da União Europeia) e, em consequência, anular os atos praticados ao seu abrigo, por padecerem do consequente vício de ilegalidade abstrata (…), com a consequente restituição do imposto pago ao seu abrigo (…), nos termos prefigurados na alínea d) do n.° 3 do artigo 43.° da LGT”.

 

  1. Assim, alega a Requerente que a “ilegalidade normativa referida na alínea d) do n.° 3 do artigo 43.° da LGT, compreende, portanto, as decisões judiciais (e, portanto, as decisões proferidas pelos tribunais arbitrais em matéria tributária) que declarem a desconformidade entre determinada norma interna e o direito da União Europeia, e que, consequentemente, promovam a anulação dos atos de liquidação praticados ao seu abrigo, com o inerente reembolso dos valores indevidamente pagos, a esse título, pelo contribuinte”, concluindo que “a Requerente está investida no direito ao recebimento de juros indemnizatórios calculados desde a data dos pagamentos indevidos (cf. alínea d) do n.° 3 do artigo 43.° da LGT)”.

 

  1. RESPOSTA DA REQUERIDA

 

  1. A Requerida, na Resposta apresentada, apresentou defesa por excepção (suscitando a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, a excepção da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, a excepção da falta de interesse em agir da Requerente, o incidente da intervenção provocada (da fornecedora de combustíveis E...), a excepção da ineptidão da petição inicial por falta de objecto, a excepção da caducidade do direito de acção) e por impugnação, alegando a Requerida que “(…), carece o presente pedido de pronúncia arbitral (…) de qualquer fundamento de facto ou de direito, devendo, consequentemente, ser declarado totalmente improcedente, por não fundado e não provado”.

 

Defesa por excepção

 

  1. No que diz respeito à primeira das excepções invocadas (incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria), entende a Requerida, em síntese, que “(…) o pedido arbitral da Requerente extravasa e excede a competência do (…) tribunal arbitral em razão da matéria”, “o que consubstancia uma exceção dilatória (…), a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa” sendo assim “(…) forçoso concluir que deve o (…) tribunal arbitral declarar-se incompetente em razão da matéria e, consequentemente, absolver a Requerida da instância”.

 

  1. Já em matéria da excepção da ilegitimidade da Requerente, conclui a Requerida, em síntese que, “(…) inexistindo efetiva titularidade do direito a que se arroga, carece a Requerente de legitimidade processual, o que consubstancia uma exceção dilatória (…) a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo, consequentemente, a Requerida ser absolvida da instância” “ou, caso, assim se não entenda, (…) carece a Requerente igualmente de legitimidade substantiva, o que consubstancia uma exceção perentória (…) devendo a Requerida ser absolvida do pedido”.

 

  1. Já quanto à excepção da falta de interesse em agir da Requerente, alega Requerida, em síntese, que “(…) a falta de interesse em agir (…) consubstancia uma exceção dilatória inominada (…) a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo, consequentemente, a Requerida ser absolvida da instância”.

 

  1. No que diz respeito ao incidente da intervenção principal provocada, entende a Requerida que “caso o Tribunal arbitral considere que a ora Requerente goza de legitimidade para a interposição do presente pedido de pronúncia arbitral, (…) vem a AT suscitar o incidente de intervenção principal provocada da sua fornecedora de combustível – E...S.A.” porquanto “(…) a matéria relativa à discussão da legalidade de um ato de liquidação desta natureza implica, necessariamente, que sejam chamados à demanda os sujeitos passivos, porquanto, são os únicos que têm legitimidade/conhecimento para identificar os atos de liquidação” mas “(…) caso aquelas empresas não aceitem intervir no processo há que concluir que o presente processo arbitral não se adequa ao seu fim, não podendo o mesmo prosseguir por ser inviável obter uma solução global e justa do litígio”.

 

 

  1. No que respeita à alegada ineptidão da petição inicial por da falta de objecto, alega a Requerida, em síntese, que Prossegue a Requerida referindo que se verifica a ineptidão da petição inicial por falta de objecto porquanto “limitando-se [a Requerente] a identificar faturas de aquisição de combustíveis às suas fornecedoras, sem, no entanto, identificar os atos tributários”, “sem, no entanto, identificar quaisquer liquidações de CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira com base nas DIC submetidas pelas respetivas fornecedoras de combustíveis”, conclui a Requerida que “(…) o pedido arbitral não preenche nem satisfaz os pressupostos legais de aceitação, uma vez que viola o artigo 10.º, nº 2, al. b) do RJAT, devendo, consequentemente, ser declarado inepto” porquanto alega não ser “(…) possível à Requerida nem identificar factos essenciais omitidos pela Requerente”, sendo “(…) impossível estabelecer qualquer correlação/correspondência entre os atos de liquidação praticados pelos sujeitos passivos de ISP/CSR e o alegado pela Requerente no pedido arbitral e os documentos juntos (…) aos autos, de onde não constam quaisquer dados que permitam a associação às correspondentes liquidações”.

 

  1. E “não identificando a Requerente o(s) ato(s) tributário(s), cuja legalidade pretende ver sindicada (…)é impossível para a Requerida identificar o(s) ato(s) de liquidação em crise e exercer a faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT, antes da constituição do tribunal arbitral (…)” questão que a Requerida liminarmente suscitou.[5]

 

  1. Adicionalmente, segundo alega a Requerida, “(…) não concretiza, fundamenta ou logra a Requerente provar que que as suas fornecedoras repercutiram a totalidade ou parte da CSR no valor alegadamente pago pelos combustíveis alegadamente adquiridos pela Requerente” pelo que “(…) a não identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido arbitral por parte da Requerente compromete irremediavelmente a finalidade do referido pedido” porquanto “(…) ao não ser possível a identificação dos atos de liquidação, não é possível sindicar a respetiva legalidade, pelo que nunca poderia o tribunal determinar a respetiva anulação total ou parcial”.

 

  1. Assim, neste âmbito, conclui a Requerida que “(…) verifica-se a exceção de ineptidão da petição inicial, (…), o que determina a nulidade de todo o processo, e, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, dá lugar à absolvição da instância, (…), devendo, consequentemente, determinar-se a nulidade de todo o processo e a absolvição da Requerida da instância”.

 

  1. No que diz respeito à excepção da caducidade do direito de acção invocada, alega a Requerida, “a falta de identificação dos atos de liquidação em discussão impede a aferição da tempestividade do pedido de revisão oficiosa da liquidação formulado pela Requerente”.

 

  1. Não obstante, segundo entende a Requerida, “(…) constata-se a caducidade do (alegado) direito de ação por parte da Requerente, o que consubstancia uma exceção perentória, devendo, nessa medida, a Requerida ser absolvida do pedido” mas, “(…) ainda que assim não se entenda, sempre consubstanciará uma exceção dilatória por assim ser qualificada especialmente nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 89.º n.º1, 2 e 4 al. k) do CPTA, devendo, nessa medida, ser a Requerida absolvida do pedido ou da instância”.

 

  1. Neste âmbito, e quanto ao alegado em matéria da excepção (elencada nos pontos anteriores), refira-se que a posição de cada uma das Partes irá ser detalhadamente analisada, preliminarmente, no Capítulo 6 desta Decisão Arbitral, para o qual desde já aqui se remete, a fim de se decidir quanto à sua eventual procedência.

 

Defesa por impugnação

 

  1. Adicionalmente, a Requerida apresenta defesa por impugnação, alegando que “(…) não logra a Requerente fazer prova do que alega” “porquanto dos alegados factos e da leitura dos documentos juntos com o pedido arbitral aos presentes autos não decorre a consequência legal invocada pela Requerente, i.e., a repercussão económica e respetivo pagamento por parte da Requerente do valor por si indicado”, nem “(…) se sabe nem tem como se saber se a Requerente é proprietária de veículos automóveis, se, a ser proprietária, esses veículos automóveis foram, ou não, efetivamente abastecidos com o gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente no âmbito e para o exercício da sua atividade comercial ou deslocações inerentes a tal exercício da atividade comercial, nem se a Requerente adquiriu, ou não, e, a ter adquirido, em que datas, onde e em que quantidades adquiriu o combustível e onde/quais as viaturas em que foram introduzidos e, consequentemente, consumidos”.

 

  1. Assim, para a Requerida, “face ao exposto, (…), não se verifica que houve efetiva repercussão económica da CSR na Requerente enquanto consumidora final nem que esta efetuou qualquer pagamento nessa sequência e nessa qualidade”, “pelo que não se aceita e se impugna, nessa medida, o vertido no pedido arbitral, colocando-se em causa e não se podendo dar como provada a alegada repercussão da CSR, devendo funcionar plenamente as regras do ónus da prova, não se dando como provados os alegados factos invocados no pedido arbitral”.

 

  1. Assim, segundo alega a Requerida, “(…) em conformidade com o demonstrado, considera-se que nenhum dos elementos de prova apresentados, sustentam qualquer alegado facto invocado no pedido arbitral, nomeadamente que o valor pago pelo combustível que adquiriu à sua fornecedora, tem incluída a totalidade (ou sequer, parte) da CSR paga pelo sujeito passivo de ISP/CSR, nem constitui prova bastante quanto aos valores alegadamente suportados a título de CSR, o que deve ser devidamente valorado em termos de prova, sendo certo que impendia sobre a Requerente o ónus de tal prova”, “tal como impendia sobre a Requerente o ónus de provar que o preço dos serviços que presta aos seus clientes, não comporta, a jusante, a repercussão da CSR, por forma a poder sustentar que suportou de forma efetiva o encargo daquele tributo”, concluindo que “(…) a prova de pagamento da CSR é um facto positivo e não é prova suficiente justificar a ocorrência de uma efetiva repercussão desse tributo, assente em meros juízos presuntivos, sem efetuar a demonstração objetiva da realidade dos factos através de elementos de prova que se relacionem com os fatores inerentes às transações comerciais que foram realizadas”, citando para este efeito o teor da decisão arbitral proferida, em 15/02/2024, no âmbito do processo n.º 452/2023-T.

 

  1. E admitir-se a condenação da AT à restituição dos montantes que a Requerente alegadamente suportou, a título de CSR, sem a exata identificação do ato tributário em causa, poderia conduzir ao absurdo de a AT vir a ser, sucessivamente, condenada a pagar os mesmos montantes de CSR, mais do que uma vez, a todo e qualquer operador económico que tenha tido intervenção na cadeia comercial de combustíveis (…), tenham ou não estes suportado os valores em causa”, “o que não configuraria uma real situação de reembolso nos termos e para o efeito do disposto no artigo 15.º, n.º 2, do CIEC, mas, sim, um atentado à segurança jurídica e a todo o ordenamento jurídico-constitucional”.

 

  1. Adicionalmente, refere ainda a Requerida que “admitindo (…) que o valor pago pelo combustível adquirido engloba as imposições pagas, os montantes referenciados no requerimento, que a Requerente entende que pagou em sede de CSR são incorretos, uma vez que se limitou a aplicar à quantidade de litros fornecidos (…) a taxa de CSR que se encontrava em vigor às datas das mesmas” mas, segundo alega a Requerida, “(…) não tendo existido certificação da medição da temperatura na descarga do combustível adquirido (…), é impossível (…) determinar a unidade tributável para efeitos de determinação da CSR e, consequentemente, saber, a eventual parte da CSR incluída no preço pago pelo combustível adquirido”.

 

  1. Por outro lado, entende a Requerida ser “(…) relevante atender ao teor da redação dos pontos 33.º e 34.º do despacho do douto TJUE datado de 7 de fevereiro de 2022 no âmbito do processo n.º C-460/21”, porquanto “(…) em momento algum o TJUE considera ilegal a CSR” e, “não existindo qualquer decisão judicial nacional transitada em julgado que declare a CSR ilegal”, não está “(…) o ordenamento jurídico português em contradição (…) com o Direito da União Europeia”, “inexistindo uma desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva Europeia (…), porquanto inexiste qualquer decisão judicial transitada em julgado que assim o declare”.

 

  1. Nestes termos, defende a Requerida que “(…) agindo (…) em conformidade com a legislação nacional e europeia em vigor”, não se verifica “(…) no caso em apreço qualquer tipo de erro imputável aos serviços”.

 

  1. Por outro lado, em matéria de pedido de reembolso, refere a Requerida, citando Acórdão do TJUE de 20 de Outubro de 2011, proferido no âmbito do processo C-94/10 do TJUE (atinente a matéria de reembolso e repercussão no âmbito dos impostos especiais sobre o consumo) que “(…) ainda que a repercussão económica viesse a ser provada no âmbito do presente processo, entende o TJUE que um Estado-Membro se pode opor a um pedido de reembolso de um imposto indevido, apresentado pelo comprador sobre quem esse imposto tenha sido repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma ação civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil”, “pelo que, nessa medida, se impugna igualmente o alegado pela Requerente no pedido arbitral”.

 

  1. Adicionalmente, impugna a Requerida “(…) o invocado no pedido arbitral que esteja em contradição com o teor da (…) Resposta”.

 

Da não exigibilidade de juros indemnizatórios

 

  1. Em matéria do pedido de pagamento de juros indemnizatórios, alega a Requerida que “para o que ora releva, estabelece o disposto no artigo 43.º, n.º 3, al. d) da LGT que são devidos juros indemnizatórios quando exista uma decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução” mas, “(…) inexiste no caso em apreço uma decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”, “pelo que não se pode afirmar que existe uma desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva Europeia acima referida, porquanto inexiste qualquer decisão judicial transitada em julgado que assim o declare”, concluindo a Requerida que “(…) não se encontram reunidos os pressupostos legais nem para que se efetue o reembolso nem para que sejam devidos juros indemnizatórios”.

 

  1. Nestes termos, conclui a Requerida a sua Resposta, defendendo que “(…) deverá: a) Ser extinta a instância arbitral, e absolvida da mesma a Requerida, face à verificação da exceção da incompetência em razão da matéria, e/ou da exceção da ilegitimidade processual, e/ou da exceção da falta de interesse em agir, e/ou da exceção da ineptidão da petição inicial/pedido arbitral; caso assim não se entenda, ser a Requerida absolvida do pedido, face à verificação da exceção de caducidade do direito de ação, e/ou da exceção de falta de legitimidade substantiva; ou, caso assim não se entenda, c) Ser o pedido de pronúncia arbitral julgado totalmente improcedente, por infundado e não provado”.

 

  1. SANEADOR

 

  1. O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT e é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente.

 

Neste âmbito, tendo em consideração que a Requerida veio suscitar, na Resposta apresentada, a excepção da incompetência do Tribunal em razão da matéria, desde já se adianta que se irá considerar a mesma como improcedente na análise que irá ser realizada, previamente, no Capítulo 6. desta decisão arbitral, para a qual aqui se remete.

 

  1. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

Nesta matéria, tendo em consideração que a Requerida veio suscitar, na Resposta apresentada, a excepção da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, com a consequente intervenção principal provocada da entidade fornecedora de combustíveis E..., desde já se adianta que se irá considerar a mesma como improcedente na análise que irá ser realizada, previamente, no Capítulo 6. desta decisão arbitral, para a qual aqui se remete.

 

A Requerida veio ainda suscitar, na Resposta apresentada, a excepção da falta de interesse em agir da Requerente que, desde já também aqui se adianta que se irá considerar a mesma como improcedente na análise que irá ser realizada, previamente, no Capítulo 6. desta decisão arbitral, para a qual aqui se remete.

 

  1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.[6]

 

Nesta matéria, tendo em consideração que a Requerida veio suscitar, na Resposta apresentada, a excepção da caducidade do direito de acção (relativo aos pedidos de revisão oficiosa e pedido de pronúncia arbitral), desde já se adianta que se irá considerar a mesma como improcedente na análise que irá ser realizada, previamente, no Capítulo 6. desta decisão arbitral, para a qual aqui se remete.

 

  1. Foi ainda suscitada a excepção da ineptidão da petição inicial por falta de objecto a qual será analisada, previamente, no Capítulo 6. desta decisão arbitral, para a qual aqui se remete.

 

  1. Não foram suscitadas quaisquer outras excepções de que cumpra conhecer nem se verificam nulidades.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.    Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

 

5.2.    Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

Dos factos provados

 

5.3.    A Requerente é uma sociedade de direito português, com sede e direcção efectiva em Portugal, cujo objecto social consiste no “exercício da indústria dos transportes”, em conformidade com o teor do doc. nº 1, anexado com o pedido.

 

  1. A Requerente, no âmbito da prossecução do seu objecto social, adquiriu, no período compreendido entre os meses de Janeiro de 2020 e Dezembro de 2022, 429.779,04 litros de gasóleo rodoviário às entidades identificadas a seguir identificadas (em conformidade com os doc. nº 2 a 238, anexados com o pedido):

-   C…, Lda. (C…), actual B…, Lda. (B...);

-   D..., S.A. (D...);

-   E..., S.A. (E...);

-   F..., Lda. (F...);

-   G..., Lda., (G...);

-   H..., S.A. (H...);

-   I..., Lda. (I...);

-   J..., Lda. (J...) e,

-   K..., Lda. (K...).

 

  1. Por anos, e de acordo com as listagens de facturas anexadas e respectivas facturas apresentadas [sendo a primeira de 31-01-2020 (emitida pela D...) e a última de
    31-12-2022 (emitida pela E...)], em cada um dos anos em análise (2020 a 2022), a Requerente adquiriu os seguintes totais de litros de gasóleo rodoviário, a seguir indicado, alegando ter suportado um total de EUR 47.705, 57 a título de CSR repercutida através de facturas emitidas pelas entidades identificadas no ponto anterior, distribuída por anos da seguinte forma (valores da CSR em Euros):

ANO

GASÓLEO (LITROS)

CSR

2020

116.731,01

12.957,14

2021

153.980,47

17.091,83

2022

159.068,51

17.656,60

TOTAL

429.779,99

47.705,57

 

 

  1. Em cada uma das facturas emitidas (com cópia anexada ao processo) não há qualquer referência à cobrança de CSR, em conformidade com os doc. nº 2 a 238, anexados com o pedido.

 

  1. O montante total da CSR quantificada no pedido, relativa ao gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente, no período em análise, teve por base o rácio legalmente previsto (à data dos factos) de EUR 111 por cada 1.000 litros de gasóleo.

 

  1. A D..., a E..., a F..., a G..., a H..., a I..., a J... e a K... são empresas que comercializam combustíveis.

 

  1. Das entidades às quais a Requerente adquiriu combustíveis, no período compreendido entre Janeiro/2020 e Dezembro de 2022, identificadas no ponto 5.4., supra, apenas a E... teve estatuto fiscal, no âmbito dos IEC, até 07-10-2020, data em que o mesmo foi cancelado (alegação da Requerida não impugnada pela Requerente).

 

  1. A C... era uma empresa que comercializava apenas o cartão de marca própria (...) tendo passado a ser uma empresa que fornece e oferece assistência a cartões de combustível em Portugal (B...).

 

  1. De acordo com as duas declarações emitidas, em 07-06-2024, pela B..., relativamente ao período de 2021 e de 2022, a Requerente adquiriu à declarante os seguintes combustíveis:

ANO

COMBUSTÍVEL

LITROS

2021

Gasóleo

56 203

2022

4 152

TOTAL

60.355

 

 

  1. Nas declarações identificadas no ponto anterior, a declarante (B...) refere que a Requerente “(…) liquidou o respetivo imposto a título de contribuição de serviço rodoviário (CSR), que incide sobre os combustíveis”.[7]

 

  1. As declarações identificadas no ponto 5.11. têm implícito que a declarante recebeu da Requerente as quantias facturadas.

 

  1. Nas cópias das facturas que a Requerente apresentou como elementos de prova do alegado (vide pontos 5.5. e 5.6., supra), não aparece qualquer referência a CSR, não podendo assim, por si só, delas aferir-se se a CSR integra (ou não) o preço, ou seja, se a CSR foi ou não, total ou parcialmente, repercutida na Requerente por cada uma das entidades emitentes das facturas.

 

Contudo, complementando a prova que resulta das transações subjacentes a cada uma das referidas facturas com a informação constante das declarações de repercussão emitida pela B... (vide pontos 5.11. e 5.12., supra), essa repercussão resulta provada quanto às aquisições efectuadas a este fornecedor (porquanto nenhuma prova foi apresentada que permita entender que a repercussão não tenha ocorrido).

 

  1. A Requerente efectuou o pagamento de todas as facturas associadas aos consumos de combustível relativos ao período de Janeiro de 2020 a Dezembro de 2022, identificadas no processo, em conformidade com declaração da contabilística certificada, emitida em 15-04-2024, anexada aos autos com o requerimento de resposta às excepções (em 29-04-2024).

 

  1. A Requerente, a 19-05-2023, por não se conformar com a CSR alegadamente suportada, enviou por correio registado (RL ... PT) ao Diretor Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, três pedido de revisão oficiosa dos acto tributários de liquidação da CSR suportada entre 01/2020 a 12/2022, ao abrigo do disposto no artigo 78º da Lei Geral Tributária (LGT), ou seja, apresentou um pedido respeitante ao ano de 2020, um relativo ao ano de 2021 e outro relativo ao ano de 2022, em conformidade com o teor dos doc. nº 239 a 241, anexados com o pedido.

 

  1. A Requerente não foi notificada de qualquer decisão escrita, dentro do prazo de quatro meses legalmente previsto para proferir decisão expressa sobre os pedidos de revisão oficiosa tendo, em consequência, se formado a presunção de indeferimento tácito daqueles pedidos de revisão, ao abrigo do disposto 57º, nº 1 da LGT, decorrido aquele prazo (nunca antes de 20-09-2023).

 

  1. A Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral em 18-12-2023, ou seja, dentro do prazo de 90 dias legalmente previsto.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

  1. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes, no teor dos documentos juntos aos autos pela Requerente e pela Requerida (processo administrativo), nos depoimentos das Testemunhas arroladas pela Requerente e na Declarações de Parte produzidas.

 

  1. No que diz respeito à prova testemunhal produzida na reunião havida em 29-05-2024 e quanto à audição da Declaração de Parte (na pessoa de sócio gerente da Requerente), limitaram-se as mesmas a confirmar o que já constava do alegado no pedido arbitral, sem acrescentar eficácia probatória adicional.[8]

 

  1. Quanto ao valor da CSR indicado pela Requerente, considerou-se provado o que a Requerente indica, com base nas quantidades de combustível adquirido evidenciado nas facturas (e que não a Requerida não demostrou que não correspondia à realidade).

 

Neste âmbito, a Requerida defende que os produtos sobre os quais incide CSR são tributados de acordo com a respectiva unidade de tributação (i.e., no caso do gasóleo rodoviário, a unidade de tributação é de 1000 litros tendo em conta a temperatura de referência de 15º C, nos termos do artigo 91.º do CIEC), e nas vendas subsequentes desses produtos, não é possível fazer tal conversão sendo consideradas as quantidades em função da temperatura observada no momento o que, obviamente, originará oscilações (regra geral, quantidades superiores, tendo em conta a temperatura média nacional) e que no limite, os litros vendidos e os correspondentes montantes de CSR que a Requerente alega ter suportado serão, por isso, superiores aos montantes de CSR efetivamente liquidados e cobrados aos sujeitos passivos (considerando a temperatura de referência a 15º C).

 

Contudo, nesta matéria, entende o Tribunal que se está perante um mero palpite sobre a diferença entre as temperaturas a que terá sido medido o combustível fornecido à Requerente e sobre a temperatura média, cujo valor a Requerida não indica.

 

  1. Por outro lado, a lei prevê que a CSR seja repercutida nos consumidores (artigos 2.º e 3.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto), fixando o seu valor independentemente da temperatura a que é fornecido.

 

Neste contexto, não indicando sequer a Autoridade Tributária e Aduaneira um valor alternativo ao que resulta da aplicação do valor da CSR aos litros adquiridos, o Tribunal Arbitral entende que não há fundamento para considerar suportado um valor diferente do indicado pela Requerente.

 

Dos factos não provados

 

  1. Nas facturas que a Requerente apresentou como elementos de prova (vide ponto 5.5. e ponto 5.6., supra) não aparece qualquer referência a CSR, não podendo assim delas aferir-se se a mesma integra o preço, ou seja, se foi ou não, total ou parcialmente, repercutida na Requerente pela entidade emitente da factura (à excepção das emitidas pela C.../B..., acima identificadas nos pontos 5.11.e. 5.12.).

 

  1. Não se considerou provado que as seguintes entidades identificadas no ponto 5.5., supra (C..., D..., F..., G..., H..., I..., J... e K...) fossem, à data a que se reportam os factos (2020 a 2022), sujeitos passivos de ISP ou CSR, nem que tenha apresentado, à Requerida, Declarações de Introdução no Consumo (DIC), nos períodos a que se referem as facturas anexadas com o pedido de pronúncia arbitral (doc. 5 a 238), ou sejam 2020 a 2022.

 

  1. Não se considerou provado que a E... fosse a partir de 08-10-2020 (e até 31-12-2022) sujeito passivo de ISP ou CSR, nem que tenha apresentado, à Requerida, as DIC, naquele período.

 

  1. Não se identificaram e, consequentemente, não foi dado como provada, a identificação dos sujeitos passivos que possam ter emitido as (supra) referidas DIC no período em análise (2020 a 2022).

 

  1. Não se identificaram quais as liquidações de CSR que a Requerida emitiu aos sujeitos passivos do ISP, relativamente ao combustível adquirido pela Requerente a cada um dos seus fornecedores, nos períodos a que se referem as facturas juntas aos autos (2020 a 2022).

 

  1. Adicionalmente, apesar de a Requerida não questionar que os sujeitos passivos (de identificação desconhecida neste processo) tenham pago, “a montante” a CSR apurada com base nas referidas DIC, considera-se como não provado que a Requerida pudesse identificar as liquidações emitidas a esses sujeitos passivos (desconhecidos), nos períodos a que se reportam as facturas, dado que os fornecedores de combustíveis identificados no processo (à excepção da E... no período até 08-10-2020) não são sujeitos passivos e são desconhecidos no processo os sujeitos passivos a quem possam ter adquirido os combustíveis que, no período em análise, revenderam à Requerente.

 

  1. Não se considera possível dar como provado que a Requerida possa apurar qual a DIC que corresponde a cada uma das facturas emitidas à Requerente, no período em análise (Janeiro/2020 a Dezembro/2022) por cada um dos fornecedores (revendedores) de combustíveis acima identificados (ponto 5.24.).

 

  1. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.       MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1.    Nos autos, a Requerente apresentou pedido de pronúncia “(…) com vista à apreciação da legalidade das liquidações respeitantes à CSR, referentes aos meses de Janeiro de 2020 a Dezembro, inclusive, de 2022, incidentes sobre os sujeitos passivos (…) referidos, cujos encargos tributários foram repercutidos para a esfera da Requerente, na sequência da aquisição por esta às entidades (…) referidas de 429.779,04 litros de gasóleo, em face da qual suportou 47.705,57 (…) a título de CSR, e, bem assim, da decisão de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados contra aqueles atos tributários (…)” e, em consequência, se “(…) determine a anulação dos referidos atos tributários (…)” e se “(…) condene a (…) Requerida no reembolso à Requerente da CSR indevidamente suportada, (…), acrescido de juros indemnizatórios vencidos e vincendos, desde a data do pagamento (…) e (…) no pagamento das custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais”.” porquanto alega que “(…) as normas ao abrigo das quais foram praticados os atos tributários sub judice já foram declaradas ilegais em razão da sua desconformidade com o direito da União Europeia (…)”.

 

6.2.    A Requerida, na Resposta, apresentou defesa por excepção e por impugnação, concluindo que “(…) deve o Tribunal arbitral decidir (…) no sentido da improcedência do pedido de anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, bem como da anulação da(s) liquidação(ões) de ISP/CSR, não havendo, consequentemente lugar ao reembolso da CSR alegadamente repercutida, nem ao pagamento de juros indemnizatórios” devendo “a) Ser extinta a instância arbitral, e absolvida da mesma a Requerida, face à verificação da exceção da incompetência em razão da matéria, e/ou da exceção da ilegitimidade processual, e/ou da exceção de falta de interesse em agir, e/ou da exceção da ineptidão da petição inicial/pedido arbitral, b) Caso assim não se entenda, ser a Requerida absolvida do pedido, face à verificação da exceção de caducidade do direito de ação, e/ou da exceção de falta de legitimidade substantiva, Ou, caso assim não se entenda, c) Ser o pedido de pronúncia arbitral julgado totalmente improcedente, por infundado e não provado.

 

Matéria de excepção suscitada pela Requerida

 

6.3.    Preliminarmente à apreciação do mérito do pedido importa apreciar as excepções suscitadas pela Requerida, começando pela excepção da incompetência, que é de conhecimento prioritário [artigo 13º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT].

 

Excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria

 

6.4.    A Requerida, na sua Resposta, suscitou a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria porquanto alega que “(…) a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição” pelo que estando em causa, “no caso em apreço (…) a apreciação da legalidade da CSR e respetivas liquidações” e, tratando-se aquela “(…) de uma contribuição e não de um imposto, as matérias atinentes à CSR encontram-se excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal”.

 

6.5.    Assim, segundo entende a Requerida, “(…) encontrando-se a CSR excluída da arbitragem tributária (…) não se encontra verificada a arbitrabilidade do thema decidendum” pelo que, “não sendo os tribunais arbitrais do CAAD materialmente competentes para conhecer do mérito do pedido em apreço”, alega a Requerida que se está “(…) perante uma exceção dilatória (…) a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa”.

 

6.6.    Por outro lado, alega ainda a Requerida que “(…) a Requerente suscita junto desta instância arbitral (…) a legalidade do regime da CSR, no seu todo” e, “(…) conforme decorre do RJAT, a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação” o qual “(…) não consente nem o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado, nem a pronúncia sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação”, concluindo a Requerida que “não sendo da competência do tribunal arbitral nem a fiscalização da legalidade de normas em abstrato, sem enquadramento processual impugnatório de ato concreto de liquidação, nem a execução de sentenças/decisões”, se afigura “(…) inconstitucional uma interpretação que determine que o artigo 2.º do RJAT inclui a apreciação dos pedidos aqui formulados pela Requerente, quando a letra e o espírito da norma não o permitem”.

 

6.7.    Nestes termos, entende a Requerida que “(…) o pedido arbitral da Requerente extravasa e excede a competência do (…) tribunal arbitral em razão da matéria”, “o que consubstancia uma exceção dilatória (…), a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa” sendo assim “(…) forçoso concluir que deve o (…) tribunal arbitral declarar-se incompetente em razão da matéria e, consequentemente, absolver a Requerida da instância”.

 

6.8.    A Requerente, na resposta às excepções suscitadas veio, no que diz respeito à excepção da incompetência do Tribunal Arbitral, referir que “(…) já se pronunciou detalhadamente sobre esta questão no seu requerimento inicial, o que naturalmente aqui dá por reproduzido (…)”, ou seja, dado que entende que a CSR é um imposto, conclui pela competência dos tribunais arbitrais para apreciar “(…) os respetivos atos de liquidação, face ao regime do RJAT e à respetiva Portaria de vinculação”, “concluindo que relativamente à mesma improcede a excepção suscitada pela Requerida”, citando o decidido na decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 486/2023-T, que parcialmente transcreve.

 

6.9.    Cumpre analisar a eventual procedência/improcedência desta excepção.

 

6.10.  A este respeito, e seguindo de muito perto a posição assumida nos Acórdãos proferidos no âmbito do processo P 113/2023-T, de 15-07-2023 e P 410/2023-T, notificado a
15-11-2023 (de cujos TAC foi Árbitro a signatária desta decisão) adianta-se, desde já, que entende este Tribunal Arbitral que improcede a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria para apreciar o mérito do pedido arbitral, tendo em consideração os argumentos que, a seguir, se apresentam.

 

611.   Com efeito, a competência contenciosa dos Tribunais Arbitrais em matéria de arbitragem tributária, tal como resulta do artigo 2º do RJAT, compreende a apreciação de pretensões que visem a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e a “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.

 

6.12.  O artigo 4º, nº 1, do RJAT faz ainda depender a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos Tribunais Arbitrais de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que deverá estabelecer, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos e, o diploma que, em execução desse preceito, define o âmbito e os termos da vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD é a Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, que no seu n.º 2, sob a epígrafe “Objeto de vinculação”, e com a alteração resultante da Portaria nº 287/2019, de 3 de setembro, dispõe o seguinte:

 

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com exceção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação;

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;

e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição anti abuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo”.[9]

 

6.13.  A Portaria n.º 112-A/2011, também chamada Portaria de vinculação, fixa um segundo nível de delimitação das pretensões que poderão ser sujeitas à jurisdição arbitral, mas tratando-se de um mero regulamento de execução, a Portaria não poderia ir além do estabelecido na lei quanto ao âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais, podendo estabelecer restrições quanto ao âmbito da vinculação à arbitragem tributária, mormente por referência ao tipo de litígios e ao valor do processo.

 

6.14.  A este propósito, o Acórdão proferido no Processo n.º 48/2012-T, de 06-07-2012, depois seguido por diversos outros arestos, consignou que “a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do [RJAT]. Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos. Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este tribunal arbitral” (sublinhado nosso).

 

6.15.  Assim, a Portaria de vinculação, aparentemente, estabelece duas limitações: (i) refere-se a pretensões “relativas a impostos”, de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos Tribunais Arbitrais e (ii) a impostos cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária pelo que terá de se concluir que a vinculação se reporta a qualquer das pretensões mencionadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT que respeitem a impostos (com a exclusão de outros tributos) e a impostos que sejam geridos pela Autoridade Tributária.

 

6.16.  Note-se que a constitucionalização das contribuições financeiras resultou da alteração introduzida no artigo 165º, nº 1, alínea i), da Lei Fundamental, pela revisão constitucional de 1997, que autonomizou as contribuições financeiras a favor das entidades públicas como uma terceira categoria de tributos.

 

6.17.  Por outro lado, a LGT passou a incluir, entre os diversos tipos de tributos, os impostos e outras espécies criadas por lei, designadamente as taxas e as contribuições financeiras a favor das entidades públicas, definindo, em geral, os pressupostos desses diversos tipos de tributos (artigo 4º da LGT)

 

6.18.  Neste âmbito, a doutrina tem caracterizado as contribuições financeiras como um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas colectivas, na medida em que visam retribuir os serviços prestados por uma entidade púbica a um certo conjunto ou categoria de pessoas.

 

6.19.  A este respeito, como referem Gomes Canotilho/Vital Moreira, “a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto que as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas (responsáveis pelas prestações públicas de que as contribuições são contrapartida), aos quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas”.

 

6.20.  Neste sentido, as contribuições são tributos (com uma estrutura paracomutativa), dirigidos à compensação de prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelos contribuintes, distinguindo-se das taxas que são tributos rigorosamente comutativos e que se dirigem à compensação de prestações efectivas.

 

6.21.  Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem também reconhecido a existência dessas diferentes categorias jurídico-tributárias (designadamente para efeito de extrair consequências quanto à competência legislativa), admitindo que as taxas e outras contribuições de carácter bilateral só estão sujeitas a reserva parlamentar quanto ao seu regime geral, mas não quanto à sua criação individual e quanto ao regime concreto, podendo portanto ser criadas por diploma legislativo governamental e reguladas por via regulamentar desde que observada a lei-quadro.

 

6.22.  Ou seja, não há dúvida que as contribuições financeiras se distinguem dos impostos.

 

6.23.  Analisando a contribuição em apreço (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, a mesma visa financiar a rede rodoviária nacional [a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 1º), que, entretanto, passou a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A. (IP)], sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo desta entidade é assegurado pelos respectivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2º).

 

6.24.  A referida contribuição corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, e constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP no que respeita à respectiva concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras formas de financiamento (artigo 3º).

 

6.25.  Assim, a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4º, n.º 1) e é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (artigo 5º, nº 1), sendo que o produto da CSR constitui receita própria da denominada IP (artigo 6º).

 

6.26.  Adicionalmente, a actividade de concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional (que é objecto de financiamento através da CSR) foi atribuída, em regime de concessão, à EP - Estradas de Portugal, E. P. (agora denominada IP) e, pelo Decreto-Lei nº 380/2007, de 13 de Novembro, que aprovou as bases da concessão e nas quais se prevê que, entre outros rendimentos, essa contribuição constitui receita própria dessa entidade (Base 3, alínea b)).

 

6.27.  Por outro lado, naquelas bases da concessão é estabelecido, como uma das obrigações da concessionária, a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental” (Base 2, n.º 4, alínea b)).

 

6.28.  Assim, à luz do regime jurídico sucintamente acima descrito, dificilmente se poderia concluir que a CSR constitui uma contribuição financeira.

 

6.29.  Com efeito, como se refere no Acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 304/2022-T, de 05-01-2023, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa colectiva, sendo estabelecida a favor da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 3º, nº 2), agora denominada IP, entidade titular da receita correspondente (artigo 6º).

 

6.30.  No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da actividade desenvolvida por aquela entidade, a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (artigo 3º, nº 2).

 

6.31.  Por outro lado, nada permite afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da actividade administrativa (que se encontra atribuída à IP) é imputável aos sujeitos passivos da contribuição (que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários) porquanto, o artigo 2º da Lei n.º 55/2007 declara expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E. (...) é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável”, sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional é assegurado pelos respectivos utilizadores, que são os beneficiários da actividade pública desenvolvida pela agora denominada IP, verificando-se, no entanto, que a CSR é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do artigo 4º, nº 1, alínea a), do Código dos IEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados, não existindo, deste modo, qualquer nexo específico entre o benefício emanado da actividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos sujeitos passivos.

 

6.32.  Adicionalmente, refira-se ainda que o regime jurídico da CSR não é equiparável ao previsto para a Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE) porquanto:

 

6.32.1.   A CESE (criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014), é considerada como uma contribuição extraordinária que tem “por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético”, incidindo sobre as pessoas singulares ou coletivas que integram o sector energético nacional;

6.32.2.   A receita obtida é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, com o objectivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do sector energético, designadamente através da contribuição para a redução da dívida e ou pressão tarifárias e do financiamento de políticas do sector energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de medidas de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o Sistema Elétrico Nacional (artigo 11º);

6.32.3.   A CESE tem por base uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou colectivas que integram o sector energético nacional à entidade à qual são consignadas as receitas;

6.32.4.   A CESE não se reconduz à taxa stricto sensu, visto que não incide sobre uma prestação concreta e individualizada que a Administração dirija aos respectivos sujeitos passivos, nem preenche o requisito de unilateralidade que caracteriza o imposto, uma vez que não tem como finalidade exclusiva a angariação de receita, nem se destina à satisfação das necessidades financeiras do Estado, antes se pretendendo que o sector energético contribua para a cobertura do risco sistémico que é inerente à sua actividade.

 

6.33.  Nestes termos, a CESE trata-se de um tributo de carácter comutativo, embora baseado numa relação de bilateralidade genérica ou difusa que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários e visando prevenir riscos a este grupo associados, se efectiva na compensação de eventual intervenção pública na resolução de dificuldades desse sector, assumindo assim a natureza jurídica de contribuição financeira.

 

6.34.  Assim, tendo em consideração o acima exposto, essa caracterização não é extensiva à CSR, pelo que não é aplicável, ao caso em análise, a jurisprudência arbitral que veio declarar a incompetência do Tribunal Arbitral ratione materiae para a apreciação de litígios que tinham como objeto a CESE (como é o caso do Acórdão proferido no âmbito do Processo nº 714/2020-T, de 12-07-2021).

 

6.35.  E, aos argumentos acima apresentados, acresce ainda o relativo ao facto de, segundo a jurisprudência do TJUE, a qualificação de uma tributação, um imposto, uma taxa ou um direito, à luz do Direito da União Europeia, competir ao Tribunal de Justiça, em função das características objectivas de imposição, independentemente da qualificação que lhe é dada pelo direito nacional. [10]

 

6.36.  Não obstante, refira-se que, no processo arbitral que motivou um pedido de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça quanto a estas matérias (Processo nº 564/2020-T, de 30-03-2022), o Tribunal qualificou a CSR como um imposto, formulando as questões prejudiciais com base nesse pressuposto e, na decisão em que culminou esse pedido de reenvio (o Despacho do Tribunal de Justiça de 07-02-2022 Vapo Atlantic, processo C-460/21), o TJUE, para além de não colocar em causa essa qualificação, assume, para efeitos do artigo 1 da Diretiva 2008/118, um conceito funcional ou autónomo de imposto indireto, nos termos do qual ficam abrangidas quaisquer “imposições” indiretas que, pelas suas caraterísticas estruturais e teleológicas, não tenham um “motivo específico” na acepção da referida Diretiva e possam, por conseguinte, privar o imposto especial de consumo harmonizado de “todo o efeito útil”. [11]

 

6.37.  Ou seja, para o TJUE, o tributo (CSR) instituído pela lei portuguesa (e que esta designou por “contribuição”) constitui um imposto porquanto, em virtude do desenho escolhido pelo legislador português, representa uma imposição indireta sem motivo específico e como tal suceptível de frustrar os desideratos de harmonização positiva subjacentes à Diretiva 2008/118 porquanto foi o legislador português que, não obstante classificar o tributo como “contribuição”, definiu a respectiva incidência subjetiva em termos análogos à do ISP (artigo 5 da Lei nº 55/2017, de 31 de Agosto), colocando-se assim, independentemente da qualificação para que eventualmente apontasse a (inconstante) jurisprudência constitucional nacional, no âmbito de aplicação do artigo 1º, nº 2 da Diretiva 2008/118.

 

6.38.  E, assim, mesmo que, à luz da jurisprudência do Tribunal Constitucional português, a CSR houvesse de ser qualificada como uma contribuição financeira, nem por isso ela – tal como está desenhada – deixaria de ser um imposto indireto na acepção da Diretiva, isto sob pena de os Estados-membros poderem, em função da maior ou menor criatividade constitucional (em termos de tributos públicos), frustrar os propósitos de harmonização e de neutralidade no plano dos impostos indiretos sobre o consumo.

 

6.39.  Assim, atentos os princípios da interpretação conforme e do primado do Direito da União Europeia (consagrado no artigo 8º, nº 4 da CRP, tal como interpretado pelo Tribunal Constitucional, no acórdão nº 422/2020), há que considerar que os dispositivos legais que regulam a CSR devem ser interpretados no sentido de que consagram um imposto indireto sobre o consumo de produtos petrolíferos.

 

6.40.  Por outro lado, refira-se que a Requerente formulou um pedido de pronúncia arbitral [na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados em 19-05-2023, relativos ao pedido de declaração de ilegalidade das liquidação de CSR “(…) referentes aos meses de Janeiro de 2020 a 31 de Dezembro de 2022, incidentes sobre o sujeito passivo que a liquidou, enquanto responsável pela introdução no circuito económico do gasóleo rodoviário que a Requerente adquiriu (…)”, “(…) cujos encargos tributários foram repercutidos para a esfera da Requerente, na sequência da aquisição por esta (…) de 429.779,04 litros de gasóleo, em face da qual suportou € 47.705,57 (…) a título de CSR e, bem assim, das decisões de indeferimento tácito dos pedido de revisão oficiosa apresentados contra aqueles atos tributários”, tendo invocado como causa de pedir, a desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva 2008/118, do Conselho, não tendo sido suscitada a inconstitucionalidade de qualquer das normas do respectivo regime jurídico.

 

6.41.  Mas ainda que o tivessem feito, importa assinalar que a Constituição admite o controlo difuso de constitucionalidade pelos tribunais (artigo 204º) e prevê o recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou apliquem norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo (artigo 280º, nº 1).

 

6.42.  Com efeito, a desaplicação de normas pelos tribunais, por iniciativa oficiosa ou por iniciativa das partes, corresponde a uma forma de fiscalização concreta de constitucionalidade para que os tribunais têm competência própria, não se confundindo com a competência do Tribunal Constitucional, que intervém em sede de recurso de constitucionalidade ou no âmbito da fiscalização abstracta da constitucionalidade (artigo 281º da CRP).

 

6.43.  Por outro lado, o referido artigo 204° da CRP, ao admitir o controlo difuso da constitucionalidade, refere-se genericamente aos tribunais, não distinguindo entre Tribunais Estaduais e Tribunais Arbitrais, e o artigo 280° da CRP, ao definir o âmbito da fiscalização concreta de constitucionalidade, admite o recurso de constitucionalidade relativamente a decisões dos tribunais, referindo-se a decisões de quaisquer tribunais e, como o Tribunal Constitucional tem também vindo a afirmar, os Tribunais Arbitrais (necessários ou voluntários) são também tribunais, dispondo do poder-dever de verificar a conformidade constitucional de normas aplicáveis no decurso de um processo arbitral e de recusar a aplicação das que considerem inconstitucionais.

 

6.44.  Assim, ainda que tivesse sido suscitada, no pedido de pronúncia arbitral, a inconstitucionalidade de qualquer das normas do regime da CSR, nada obstava a que o Tribunal Arbitral se pronunciasse sobre a questão de constitucionalidade no âmbito do controlo difuso a que se refere o artigo 204º da CRP.

 

6.45.  No caso, estando em causa a desconformidade do regime da CSR com a o regime previsto na Diretiva 2008/118, do Conselho, não pode deixar de concluir-se, do mesmo modo, pela competência do Tribunal Arbitral para a apreciação do litígio porquanto as normas de direito europeu derivado, como normas de direito internacional convencional, vigoram diretamente na ordem jurídica interna com a mesma relevância das normas de direito interno, vinculando imediatamente o Estado e os cidadãos (artigo 8º da CRP) pelo que a impugnação judicial de um acto de liquidação pode ser deduzida com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 99º do CPPT), nada permitindo distinguir entre a ilegalidade resultante de normas de direito interno ou de direito internacional convencional.

 

6.46.  Nestes termos, torna-se assim claro que não existe qualquer obstáculo a que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre o fundamento de ilegalidade dos actos de liquidação baseado em desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva Europeia acima referida pelo que, em consequência, considera-se improcedente a alegada excepção de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria.

 

6.47.  Nestes termos, face ao acima exposto, improcede a alegada excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria suscitada pela Requerida.

 

Questão da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente

 

6.48.  Neste âmbito, a Requerida veio alegar, em síntese, que “(…) apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago” pelo que “no caso concreto, não se encontram reunidos os pressupostos para a revisão dos atos tributários, porquanto tal direito não se encontra incluído na esfera jurídica do repercutido económico ou de facto, não podendo a entidade em que alegadamente teria sido repercutido o imposto apresentar pedido de revisão ou de reembolso por erro”.

 

6.49.  Segundo entende a Requerida, “no caso concreto não está em causa uma alegada situação de repercussão legal, ao contrario do defendido pela Requerente, mas eventualmente, de mera repercussão económica” porquanto, “(…) a Lei (…) que instituiu a CSR, não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, sendo reconhecido, do ponto de vista doutrinário, que a repercussão da CSR tem uma natureza meramente económica ou de facto, porquanto, tal como ocorre nos designados impostos especiais sobre o consumo (…) o ónus da CSR é transferível, através do fenómeno financeiro da repercussão económica dos custos (todas as despesas que se repercutem no valor do produto ou serviço: matéria-prima, custos administrativos, impostos, despesas salariais, margem de lucro, etc.) que podem ser tidos em conta na política de definição dos preços de venda”.

 

6.50.  Assim, reitera a Requerida que não existindo “(…) no âmbito da CSR um ato tributário de repercussão, subsequente e autónomo do(s) ato(s) de liquidação de ISP/CSR, sendo que as faturas não corporizam atos de repercussão, apenas titulando operações de compra e venda de combustíveis, sendo que o valor pago a título de CSR pelo sujeito passivo de ISP/CSR, pode, ou não, ter sido repercutido, no preço pago pelo adquirente ou adquirentes dos combustíveis”.

 

6.51.  Nestes termos, entende a Requerida que “(…) contrariamente ao pretendido pela Requerente, as faturas apresentadas não corporizam atos de repercussão de CSR, nem atestam que tal tributo foi suportado pela Requerente enquanto consumidor final”, “de onde decorre a falta de legitimidade da Requerente”.

 

6.52.  Acrescenta a Requerida que “(…) no caso em apreço, a Requerente não é sujeito passivo nem de ISP nem de CSR (…)”, “e, (…) alega, mas não concretiza, nem fundamenta nem logra provar que efetuou qualquer pagamento a título de CSR” porquanto se limita “(…) a juntar ao pedido arbitral faturas que, por si só, não fazem prova do alegado pagamento pois não consubstanciam fatura-recibo, nem recibo, nem nota de crédito, nem a conjugação de documentos (contabilísticos ou outros), que permitam comprovar o pagamento dos montantes alegados, pelo menos em parte”.

 

6.53.  Prossegue a Requerida referindo que “(…) impendia sobre a Requerente o ónus de provar que o preço dos serviços que presta e dos bens que vende aos seus clientes, não comporta, a jusante, a repercussão da CSR alegadamente suportada, por forma a poder sustentar que suportou de forma efetiva o encargo daquele tributo” pelo que alega ser “(…) forçoso concluir que não logra a Requerente fazer prova de que efetivamente ocorreu repercussão, parcial ou total, da CSR na aquisição dos combustíveis às suas fornecedoras (meros intermediários na cadeia de comercialização) e que, nessa sequência, efetuou o pagamento e suportou, a final, o encargo da CSR (…)”.

 

6.54.  Nestes termos, entende a Requerida que “(…) inexistindo efetiva titularidade do direito a que se arroga, carece a Requerente de legitimidade processual, o que consubstancia uma exceção dilatória (…), a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo (…) a Requerida ser absolvida da instância” ou, caso assim não se entenda, “(…) carece a Requerente de legitimidade substantiva, o que consubstancia uma exceção perentória (…), devendo a Requerida ser absolvida do pedido”.

 

6.55.  Por outro lado, refere ainda a Requerida que “no caso concreto, (…) das nove fornecedoras indicadas apenas a E... S.A. teve estatuto fiscal no âmbito dos IEC até 07.10.2020, data em que o mesmo foi cancelado” sendo que “as restantes fornecedoras indicadas não são (nem eram à data dos factos) titulares de estatuto fiscal no âmbito do ISP e, nessa medida, não foram os responsáveis pela introdução dos produtos no consumo nem, consequentemente, pelo pagamento da CSR correspondente (meros intermediários na cadeia de abastecimento)”, procurando a Requerida concluir que, deste modo, “as fornecedoras de combustível (…) podem elas próprias solicitar o reembolso da CSR, (…)” o que “(…) poderia ser uma duplicação de pedidos e a requerente não logrou provar que aqueles fornecedores não encetaram esses contenciosos (nem que nunca o encetarão)”.

 

6.56.  Nestes termos, conclui a Requerida que “por todo o exposto, inexistindo efetiva titularidade do direito a que se arroga, carece a Requerente de legitimidade processual, o que consubstancia uma exceção dilatória (…) a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo, consequentemente, a Requerida ser absolvida da instância” “ou, caso, assim se não entenda, (…) carece a Requerente igualmente de legitimidade substantiva, o que consubstancia uma exceção perentória (…) devendo a Requerida ser absolvida do pedido”.

 

6.57.  Nesta matéria a Requerente veio, na resposta às excepções, referir que “(…) dá por reproduzido o que sobre a questão já se disse no requerimento inicial (…), ou seja, entende ser “(…) inequívoca [a] legitimidade da Requerente para a propositura da presente acção arbitral, uma vez que, tendo suportado o encargo inerente às liquidações de CSR (…) identificadas, (…), é titular legalmente protegida, para solicitar a respectiva anulação e reembolso dos montantes legalmente liquidados”, concluindo a Requerente que “o repercutido goza de legitimidade” e, por isso, concluindo “(…) que improcede igualmente esta excepção” voltando a citar o teor da decisão arbitral proferida no âmbito do processo 486/2023-T, transcrevendo uma parte.

 

6.58.  Adicionalmente, refere a Requerente que “(…) não repercutiu a CSR que suportou, e não restam dúvidas que a suportou. Mas se elas existirem, repete-se aqui o já peticionado na p.i, ou seja, a convocação das fornecedoras identificadas para virem indicar se repercutiram para a Requerente a CSR”.

 

6.59.  Cumpre analisar.

 

6.60.  O regime da CSR, na versão anterior à Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, foi criado tendo em vista a repercussão nos consumidores das quantias cobradas a esse título pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos sendo que, no artigo 2.º da Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto (nas datas a que se reporta o pedido - anos de 2020 a 2022) estabelece-se que “o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP, S. A., tendo em conta o disposto no Plano Rodoviário Nacional, é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável» e no n.º 3 do mesmo artigo (…) estabelece-se que «a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”.

 

6.61.  Como se refere no despacho do TJUE de 07-02-2022, processo n.º C-460/21, “39 A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas. (…) 42 Por conseguinte, um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido. 43 (...) a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos” (sublinhado nosso).

 

6.62.  Como decorre desta jurisprudência, há uma obrigação de a Administração Tributária reembolsar os tributos cobrados em violação do Direito de União a quem efectivamente os suportou, pelo que no caso de tributos susceptíveis de repercussão, a titularidade do direito ao reembolso dependerá de ela ter sido ou não concretizada.

 

6.63.  Assim, não se coloca a questão da possibilidade de pedidos de reembolso sucessivos pela Autoridade Tributária e Aduaneira pois, no caso de ter havido repercussão, apenas o repercutido tem direito ao reembolso.

 

6.64.  Com efeito, é corolário da jurisprudência do TJUE que, no caso de ter havido repercussão, apenas o repercutido tem legitimidade para impugnar os actos que a concretizem ou os que a antecedam, pois apenas o repercutido é afectado na sua esfera jurídica pelo acto lesivo e o substituto só terá legitimidade na medida em que não tenha repercutido integralmente o tributo que suportou nessa qualidade (é essencialmente este o regime que no artigo 132.º do CPPT se prevê para os casos de impugnação em caso de substituição com retenção na fonte, que deve considera-se aplicável, por analogia, a todos os casos de substituição).[12]

 

6.65.  Assim, no caso em análise, se se concluir que houve repercussão do tributo, será a entidade repercutida quem tem legitimidade para impugnar os actos que afectaram a sua esfera jurídica, no exercício do direito de impugnação de todos os actos lesivos que lhe é constitucionalmente garantido (artigos 20º e 268º, nº 4, da CRP), sendo essa legitimidade assegurada, a nível do direito ordinário, tanto a nível procedimental como processual, pelos artigos 18º, nº 4, alínea a), 54º, nº 2, 65º e 95º, nº 1, da LGT, conjugados com os nºs 1 e 4 do artigo 9º do CPPT, aplicáveis aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29º, n.º 1, alínea c), do RJAT, na medida em que reconhecem legitimidade procedimental e processual a quem for titular de um interesse legalmente protegido.

 

6.66.  Analisando a questão de que apenas os sujeitos passivos que declararam a introdução dos produtos para consumo e efetuaram o pagamento do imposto, podem solicitar (segundo entende a Requerida) a anulação das liquidações e o reembolso por erro na liquidação, cabe começar por referir que, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, do CPTA (subsidiariamente aplicável), e da correspondente disposição do artigo 30.º, n.º 3, do CPC, a legitimidade processual é aferida pela relação jurídica controvertida tal como é apresentada pelo autor.

 

6.67.  Deste modo, há que atender à relação jurídica tal como o autor a apresenta e configura, isto é, à pretensa relação jurídica, e não à relação jurídica material, tal como ela se constituiu na realidade, sendo por isso indiferente, para a verificação da legitimidade, a questão de saber se o direito existe na titularidade de quem o invoca ou contra quem é feito valer, matéria que diz antes respeito à questão de fundo e poderá, quando muito, determinar a improcedência da acção.[13]

 

6.68.  Alegando a Requerente, na petição inicial, que pretende impugnar os actos tributários de liquidação da contribuição de serviço rodoviário (CSR) incidentes, em determinado período de tempo, sobre os fornecedores de combustíveis e cujo encargo tributário se repercutiu na sua esfera jurídica, não pode deixar de entender-se que o contribuinte dispõe de legitimidade processual para deduzir o pedido, independentemente de saber se houve uma efectiva repercussão ou se as faturas de aquisição de combustível corporizam o valor pago a título de CSR.

 

6.69.  A propósito da questão que assim vem colocada, cabe recordar a norma do artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, que refere que “não é sujeito passivo quem (…) suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso ou impugnação nos termos das leis tributárias”.

 

6.70.  Ainda segundo o disposto no n.º 3 desse artigo, como sujeito passivo entende-se “a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável”.

 

6.71.  Como se depreende do transcrito artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT, o preceito recusa a qualidade de sujeito passivo a quem não estiver sujeito diretamente a uma obrigação fiscal, como é o caso do consumidor final de bens ou serviços, mas admite que da repercussão do imposto possa resultar a violação de um interesse legalmente protegido, e, nesse sentido, confere ao repercutido o direito à impugnação administrativa ou judicial como meio adequado de reação contra a repercussão ilegal do imposto, o que se justifica, no plano de política legislativa, por razões de similitude com a lesão que seja causada por um acto ilegal de liquidação.[14]

 

6.72.  Como resulta da redação originária do artigo 2.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que regula o financiamento da rede rodoviária nacional e cria a contribuição de serviço rodoviário, o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal “é assegurado pelos respetivos utilizadores”, e, nos termos do subsequente artigo 3.º, “a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”.

 

6.73.  E, por outro lado, segundo o disposto no artigo 2.º do Código dos Impostos Especiais do Consumo (CIEC), na redação da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro (disposição essa a que foi atribuída natureza interpretativa - artigo 6.º dessa Lei), “os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.

 

6.74.  Quer as disposições da Lei n.º 55/2007, especificamente aplicáveis à contribuição de serviço rodoviário, quer a disposição geral do artigo 2.º do CIEC, consagram um princípio de repercussão legal do imposto, significando que o encargo do imposto não seja suportado pelo sujeito passivo, mas pelo contribuinte que intervém no processo de comercialização dos bens ou serviços.

 

6.75.  Havendo de admitir-se, por efeito da norma do artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, que as entidades repercutidas dispõem de legitimidade procedimental e processual para deduzirem reclamação graciosa ou recurso hierárquico ou impugnação judicial contra o acto tributário de liquidação do imposto que é objecto de repercussão.[15]

 

6.76.  Para além da legitimidade activa da Requerente se encontrar coberta pela referida disposição da LGT, essa legitimidade é também reconhecida pela regra geral do artigo 9.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”.

 

6.77.  Ou seja, ainda que se entendesse que a situação do caso não corresponde a repercussão legal, mas a mera repercussão económica ou de facto, não pode deixar de considerar-se que a entidade que suporta o imposto no âmbito da cadeia de comercialização dispõe de legitimação para impugnar o ato de liquidação com fundamento em ilegalidade.

 

6.78.  Alega ainda a Autoridade Tributária que, face ao regime especial dos artigos 15.º e 16.º do CIEC, apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do ISP e da CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago, e, como tal, os adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto.

 

6.79.  Há que fazer notar, a este propósito, que o artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007 apenas remete para o CIEC o procedimento de liquidação e cobrança do imposto, remissão que igualmente é efetuada para a LGT e o CPPT, significando que, nesse âmbito, haverá de ter-se em consideração as disposições conjugadas do CIEC e demais legislação tributária aplicável.

 

6.80.  Por outro lado, o regime específico previsto nos artigos 15.º e seguintes do CIEC abrange o reembolso com fundamento em erro na liquidação ou em caso de expedição ou exportação, ao passo que o que está em causa no presente processo arbitral não é um qualquer pedido de reembolso, mas a declaração de ilegalidade dos actos tributários de repercussão do imposto por violação do direito europeu.

 

6.81.  E, nesses termos, a questão da legitimidade ativa terá de ser analisada à luz das regras processuais aplicáveis, e não do regime específico do reembolso do imposto que consta das citadas disposições do CIEC.

6.82.  Por todo o exposto, a alegada excepção de ilegitimidade activa, tal como se encontra formulada, é improcedente e nada obsta ao prosseguimento do processo no que diz respeito aos alegados actos de liquidação como meio de obter a consequente anulação dos actos de repercussão.

 

6.83.  A Autoridade Tributária refere ainda que a Requerente, não sendo sujeito passivo do imposto, carece não apenas de ilegitimidade processual, mas também de ilegitimidade substantiva, que constitui uma exceção perentória e conduz à absolvição do pedido.

 

6.84.  Como é entendimento corrente, a chamada a legitimidade substancial ou substantiva tem a ver com a efectividade da relação material, interessando já ao mérito da causa e, nesse sentido, constitui um requisito da procedência do pedido.[16]

 

6.85.  Não é possível considerar verificada liminarmente a inviabilidade da pretensão deduzida em juízo com base em meras alegações da parte contra quem vem deduzido o pedido, quando essa é a questão de fundo que carece de ser analisada em função do direito aplicável face aos factos que venham a ser dados como provados ou não provados.

 

6.86.  Nem a alegação aduzida pela Requerida poderá caracterizar uma excepção perentória.

 

6.87.  Com efeito, as excepções perentórias consistem na invocação de factos que, em face da lei substantiva, possam integrar uma causa impeditiva, extintiva ou modificativa do direito invocado pelo autor na ação e que assim determinem a improcedência total ou parcial do pedido. São impeditivos os factos que excluem ou impedem a eficácia do direito alegado (incapacidade, falta ou vícios de vontade), modificativos os que alteram a relação jurídica modificando a natureza da prestação ou as condições da sua exigibilidade (alteração das circunstâncias em que foi celebrado um contrato), extintivos os que fazem cessar o direito tornando inviável o respetivo exercício (caducidade, prescrição, cumprimento da obrigação).

 

6.88.  Assim sendo, o que vem alegado quanto à legitimidade substantiva não integra a defesa por excepção e apenas poderá relevar em sede de apreciação do mérito.

 

Questão da falta de interesse em agir por parte da Requerente

 

6.89.  Adicionalmente, acrescenta a Requerida que, “(…) não se concretizando, nem [se] demonstrando nem [se ] provando que a Requerente pagou os valores referentes à CSR, carece igualmente a Requerente de interesse em agir”, “(…) porquanto não logrou concretizar, e muito menos provar, os alegados factos referentes ao pagamento do valor da CSR, nomeadamente que a CSR lhe foi repercutida e, que por sua vez, também a não repercutiu aos seus clientes, por forma a poder sustentar que suportou de forma efetiva o encargo do imposto” e, segundo alega a Requerida, “a falta de interesse em agir, que se verifica no caso em apreço, consubstancia uma exceção dilatória inominada (…), a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo, consequentemente, a Requerida ser absolvida da instância”.

 

6.90.  Neste âmbito, refere a Requerente que “é manifesta a improcedência desta exceção” porquanto “(…) a alegada falta de prova do pagamento dos valores referentes à CSR, a ocorrer, relevaria para efeitos do mérito da causa, implicando a improcedência da ação e não para efeitos da hipotética exceção em causa”.

 

6.91.  Segundo entende a Requerente, “o pagamento da CSR pela Requerente resulta dos documentos junto com a petição (…), da configuração legal do tributo, e do próprio objecto social da Requerente” alegando que “não restarão dúvidas que (…) sendo a Requerente uma sociedade que tem no seu objecto social unicamente a actividade de transportes, e constituindo o gasóleo um bem absolutamente essencial a prossecução do seu objecto social, os sujeitos passivos inicial, transferiram para si o pagamento desse encargo conforme lhe foi declarado e afirmado no requerimento inicial”.

 

6.92.  Cumpre analisar a eventual procedência/improcedência da excepção suscitada.

 

6.93.  Neste âmbito, e como referido no ponto anterior, a propósito da legitimidade processual, no procedimento tributário, além da administração tributária, têm legitimidade os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido sendo que, no caso de ter havido repercussão, apenas o repercutido tem legitimidade para impugnar os actos que a concretizem ou os que a antecedam, pois apenas o repercutido é afectado na sua esfera jurídica pelo acto lesivo e o substituto só terá legitimidade na medida em que não tenha repercutido integralmente o tributo que suportou nessa qualidade.

 

6.94.  Assim, tendo havido repercussão de um tributo, são os repercutidos quem tem legitimidade para impugnar os actos que afectaram as suas esferas jurídicas tendo, por isso, interesse em agir porquanto retira utilidade da demanda.

 

6.95.  Improcede, pois, a invocada exceção de falta de interesse em agir da Requerente.

 

Questão do incidente de intervenção provocada

 

6.96.  Neste âmbito, alega a Requerida que “caso o Tribunal arbitral considere que a ora Requerente goza de legitimidade para a interposição do presente pedido de pronúncia arbitral, o que apenas por mero dever de raciocínio se concede, vem a AT suscitar o incidente de intervenção principal provocada da sua fornecedora de combustível –E... S.A. (…)” porquanto entende que dado que “(…) a matéria relativa à discussão da legalidade de um ato de liquidação desta natureza implica, necessariamente, que sejam chamados à demanda os sujeitos passivos, porquanto, são os únicos que têm legitimidade/conhecimento para identificar os atos de liquidação”.

 

6.97.  A este respeito, a Requerente na resposta às excepções veio citar o que a este respeito é dito no Acórdão Arbitral proferido no âmbito do processo 486/2023-T e no Acórdão nº 410/2023-T, que transcreve, concluindo pela improcedência do incidente.

 

6.98.  Neste âmbito, tendo em consideração que o Tribunal considera a Requerente como parte legitima, bem como o facto de que a intervenção provocada não é admissível no contencioso arbitral tributário, pois a intervenção nos processos arbitrais, como é próprio deste tipo de processos, assenta em manifestações de vontade das partes, seja através da apresentação voluntária de um pedido de constituição do tribunal arbitral ou um requerimento de intervenção espontânea, no caso dos sujeitos passivos, quer através de vinculação genérica, no caso da AT, indefere-se o requerimento de intervenção provocada.

 

Questão da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral – da falta de objecto

 

6.99.  A Requerida defende que o pedido de pronúncia arbitral é inepto pelo facto de a Requerente não identificar os actos que são objecto do pedido arbitral, como exige a alínea b) o n.º 2 do artigo 10.º do RJAT.

 

6.100. Segundo a Requerida, no pedido a Requerente “limitando-se, a identificar faturas de aquisição de combustíveis às suas fornecedoras, sem, no entanto, identificar os atos tributários”, “apenas invocando a ilegalidade da CSR, entende a Requerente que terá direito a ser reembolsada pelos valores que alegadamente suportou por via da repercussão de imposto”, “sem, no entanto, identificar quaisquer liquidações de CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira com base nas DIC submetidas pelas respetivas fornecedoras de combustíveis”, “e sem (…) quaisquer documentos (…) da alegada repercussão económica da CSR”.

 

6.101. Assim, entende a Requerida que “(…) o pedido arbitral não preenche nem satisfaz os pressupostos legais de aceitação, uma vez que viola o artigo 10.º, nº 2, al. b) do RJAT, devendo, consequentemente, ser declarado inepto” porquanto alega que “não identificando a Requerente o(s) ato(s) tributário(s) cuja legalidade pretende ver sindicada, nem com o presente pedido arbitral nem aquando submissão do pedido de revisão oficiosa, é impossível para a Requerida identificar o(s) ato(s) de liquidação em crise e exercer a faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT antes da constituição do tribunal arbitral (…) e, nessa sequência, continua a ser impossível para a Requerida, na presente data, identificar o(s) ato(s) de liquidação em crise e proceder à junção dos respetivos documentos”.

 

6.102. Por fim, e ainda a este respeito, alega a Requerida que “(…) não concretiza, fundamenta ou logra a Requerente provar que que as suas fornecedoras repercutiram a totalidade ou parte da CSR no valor alegadamente pago pelos combustíveis alegadamente adquiridos pela Requerente”, concluindo que “(…) a não identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido arbitral por parte da Requerente compromete irremediavelmente a finalidade do referido pedido”.

 

6.103. Conclui assim a Requerida que, “por todo o exposto, verifica-se a exceção de ineptidão da petição inicial, na medida em que o pedido arbitral não identifica qualquer ato tributário, (…), o que determina a nulidade de todo o processo, e, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, dá lugar à absolvição da instância, (…) devendo, consequentemente, determinar-se a nulidade de todo o processo e a absolvição da Requerida da instância”.

 

6.104. Na resposta à matéria de excepção, a Requerente veio, nesta matéria referir que “não assiste aqui também qualquer razão à Requerida e, por conseguinte, improcede (…) a alegada ineptidão da petição inicial (…)” dando por reproduzido o que no Acórdão Arbitral proferido no âmbito do P 410/2023-T se refere a este respeito.

 

6.105. Cumpre analisar e decidir.

 

6.106. O artigo 98º, nº 1, alínea a), do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea c), do RJAT, indica como uma das nulidades insanáveis em processo judicial tributário, a ineptidão da petição inicial mas, não indicando o CPPT as situações em que se deve entender que ocorre ineptidão da petição inicial, há que fazer apelo ao CPC, que é de aplicação subsidiária, nos termos do artigo 2º, alínea e), daquele Código, e também o é no âmbito do processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e), do RJAT.

 

6.107. Assim, no artigo 186º, nº 1, do CPC, indicam-se como situações de ineptidão da petição inicial, (i) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; (ii) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir; (iii) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis, sendo que o nº 3 do mesmo artigo estabelece que “se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial”.

 

6.108. No caso em análise é manifesto que a ineptidão arguida pela Requerida não se enquadra nas referidas alíneas b) e c), pelo que só se pode aventar o seu enquadramento na alínea a) e, neste caso, não se estando perante uma situação de falta do pedido ou de causa de pedir, apenas se poderá enquadrar a arguição no conceito de inteligibilidade.

 

6.109. Como resulta da matéria de facto fixada, no que diz respeito às diversas facturas de venda de combustíveis juntas aos autos, haverá a distinguir entre as que foram emitidas pela B..., nos anos de 2021 e 2022, relativamente às quais esta entidade declarou que repercutiu a CSR suportada na Requerente, daquelas outras relativamente às quais não foi considerado existir qualquer prova de que foi efectivamente efectuada a repercussão da CSR na Requerente (todas as demais).

 

6.110. Assim, tendo em consideração a matéria dada como provada, temos em síntese, no total do período, o seguinte:

 

 

FATURAS EMITIDAS PELA B...[17]

FATURAS EMITIDAS PELAS DEMAIS ENTIDADES FORNECEDORAS DE COMBUSTIVEIS

TOTAL

Litros de Gasóleo

60.355

369 424,99

429.779,99

CSR

6.699,40

41.006,17

47.705,57

 

 

6.111. Nestes termos, temos que as facturas emitidas pela B... incluem o montante da CSR que esta entidade suportou e repercutiu na Requerente, tendo em consideração as declarações de repercussão apresentadas pela Requerente.

 

6.112. Não obstante, dado que não se considerou como provado que a B... era, à data a que se reportam as facturas de venda de combustíveis, sujeito passivo de ISP/CSR mas apenas uma empresa que fornece e oferece assistência a cartões de combustível em Portugal, a dificuldade está em relacionar as aquisições de combustíveis (pela Requerente) à B... (ou à C...) e, consequentemente, na identificação das liquidações emitidas pelo(s) sujeito(s) passivo(s) que venderam os combustíveis a esta entidade porquanto só com esta interligação seria possível identificar as liquidações “subjacentes” aos actos de repercussão de CSR que a Requerente documenta através das facturas emitidas pela B... (ou pela C...).

6.113. Com efeito, considerando o regime legal aplicável aos IEC e, em especial, o regime da CSR à data dos factos, a CSR é devida pelos sujeitos passivos de ISP, que são os operadores económicos identificados no artigo 4º do Código dos IEC sendo que, o facto gerador é a introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto e o imposto é exigível aquando da introdução no consumo (vide artigos 7º, 8º e 9º do Código dos IEC).

 

6.114. Como já referido, a introdução no consumo é formalizada, pelos sujeitos passivos de imposto (que declaram para introdução no consumo grandes quantidades de produtos petrolíferos e energéticos, sujeitos a imposto) através de uma DIC, processada por transmissão eletrónica de dados, a qual contém todos os elementos que permitem o cálculo e a liquidação do tributo aplicável.

 

6.115. As introduções no consumo efectuadas num determinado mês pelos sujeitos passivos que detenham um dos estatutos previstos no Código dos IEC são globalizadas no mês seguinte, numa única liquidação, processada de forma automática (artigo 10º-A do Código dos IEC) sendo que, neste caso, os sujeitos passivos são notificados da liquidação do imposto até ao dia 15 (quinze) do mês da globalização e o imposto deve ser pago até ao último dia útil do mês em que foi notificada a liquidação (artigos 11º e 12º do Código dos IEC).

 

6.116. Nestes termos, a falta de indicação das liquidações pela Requerente está perfeitamente justificada, pois as liquidações foram emitidas pela Requerida às empresas (sujeitos passivos) que apresentaram as DIC’s e não foram (nem tinham de ser) notificadas à Requerente, não sendo por isso exigível à Requerente que identificasse as liquidações que a Requerida emitiu com base nas vendas de combustíveis em causa (posição esta que resulta expressamente em vários processos arbitrais, cujo teor decisório se acompanhou na análise das excepções acima já analisadas.[18]

 

6.117. Contudo, no caso, dado que não resultou provado que a B... (uma das entidades que vendeu os combustíveis à Requerente) assumia, à data dos factos, a qualidade de sujeito passivo de ISP e CSR, nem que tenha apresentado à Requerida as DIC, nos períodos a que se referem as facturas anexadas pela Requerente, nem ficou provada a identificação dos sujeitos passivos que as possam ter apresentado, nem a identificação das liquidações de CSR (que deverão ter sido processadas até ao final do dia útil seguinte àquele em que ocorra a introdução no consumo) emitidas relativamente ao combustível adquirido pela Requerente à referida entidade, nos períodos a que se referem as facturas por esta emitidas nos anos de 2021 e 2022, torna-se impossível para a Requerida (não sendo somente uma questão de organização interna dos serviços), identificar as liquidações que pudessem vir a ser mandadas anular, no caso de procedência do pedido, no que diz respeito à situação descrita nos pontos anteriores.

 

6.118.  Com efeito, no caso em análise, tendo em consideração os contornos específicos deste processo e a prova efectuada, a identificação dos sujeitos passivos de ISP e CSR era necessária para que a Requerida pudesse identificar as referidas liquidações de CSR, cuja anulação é pedida e que estiveram na base dos actos de repercussão documentados.

 

6.119. Assim, inexistem no processo elementos que permitam à Requerida – e muito menos ao Tribunal Arbitral – estabelecer um nexo causal entre as facturas (enquanto actos de repercussão, não arbitráveis por este Tribunal) que titulam a repercussão da CSR (confirmada por declaração da entidade revendedora dos combustíveis, no caso, pela B...) e as liquidações que lhe estão a montante e cuja anulação é pedida pela Requerente.

 

6.120. Nestes termos, tendo em consideração que o pedido de pronuncia arbitral é, conforme apresentado pela Requerente, a anulação das liquidações e do indeferimento tácito dos pedidos de revisão dessas liquidações e, a causa de pedir é a repercussão de um tributo tido por inválido (CSR), por desconformidade desse tributo com o Direito da União Europeia, para efeitos de reembolso do que foi repercutido na Requerente, sem que haja possibilidade, em abstracto, de identificar as liquidações cuja anulação se peticiona, o processo a proceder quanto a este fornecedor conduziria a uma decisão inútil já que, no limite, ainda que o Tribunal consiga aferir a verificação dos vícios invocados pela Requerente, uma decisão final pela procedência do pedido neste caso em particular não teria qualquer efeito prático dado que a Requerida não poderia anular a(s) liquidação(ões) em causa porquanto não é de todo possível identificar as mesmas por serem, no caso, desconhecidos o(s) sujeitos passivo(s) que venderam o combustível à (actualmente denominada) B..., em 2021 e em 2022.

 

6.121. Como se refere na decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 467/2023-T, de 29-02-2024, “(…) a identificação dos actos de liquidação pela AT seria excessivamente difícil ou até mesmo inviável, já que as facturas juntas pela Requerente aos autos poderiam corresponder a qualquer uma das DIC globalizadas e a qualquer uma das liquidações emitidas nas diferentes alfândegas no período (…). Isto, sem contar que poderá nem sequer existir coincidência entre o sujeito passivo de CSR e as fornecedoras de combustíveis à Requerente, que podem não ter sido as responsáveis pela introdução no consumo e pelo pagamento da CSR liquidada. A identificação dos actos de liquidação carecia de ser feita pelos verdadeiros sujeitos passivos de CSR, que não são parte no processo e sobre os quais este Tribunal Arbitral não dispõe de poderes de autoridade (…)”.

 

6.122. Pelo exposto, considera-se procedente a excepção da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral no que diz respeito ao caso concreto dos fornecimentos efectuados pela B... à Requerente, ficando prejudicado quanto a esta parte do pedido, o conhecimento da excepção da caducidade do direito de acção invocada pela Requerida, porque inútil.

 

6.123. Quanto às demais fornecedoras de combustíveis da Requerente (elencadas no ponto 5.5., da matéria dada como provada) alega a Requerente, no pedido, que suportou a CSR que lhe foi repercutida por cada uma das fornecedoras, sendo que como acima referido, a falta de indicação das liquidações de imposto pela Requerente (enquanto entidade repercutida) está perfeitamente justificada, pois elas foram emitidas pela Requerida à empresa que apresentou as DIC’s (sujeito passivo do imposto), não foram notificadas à Requerente, nem essa identificação é necessária para apurar a legalidade da cobrança de CSR ínsita nas respectivas facturas.

 

6.124. Como quanto a estes fornecedores, a documentação anexada pela Requerente, para efeitos de prova de repercussão, consiste apenas nas facturas emitidas por cada uma dos fornecedores de combustíveis, na medida das respectivas aquisições, o que vem alegado quanto à alegada inexistência de prova de efectiva repercussão da CSR por efeito da aquisição de combustíveis porquanto essa é matéria de prova que terá de ser analisada no âmbito da decisão arbitral e que não integra, em si, uma qualquer excepção peremptória.

 

Questão da caducidade do direito de acção (quanto à CSR das aquisições efectuadas às restantes fornecedoras, excepto B...)

 

6.125.Neste âmbito, a Requerida veio alegar que “(…) apesar de a falta de identificação do ato/atos de liquidação em discussão impedir a aferição da tempestividade do “pedido de revisão oficiosa da liquidação” formulado pela Requerente, certo é que se constata que não pode a Requerente fazer valer-se do prazo de 4 (quatro) anos previsto na segunda parte da norma vertida no artigo 78.º, n.º1 da LGT”.

 

6.126. E, reitera a Requerida, “para a apreciação da tempestividade da apresentação do pedido arbitral, não pode deixar de ser previamente apreciada a questão da tempestividade do pedido de revisão, o que, (…) é impossível” mas “(…) muito provavelmente, o pedido de revisão oficiosa e, consequentemente, o pedido arbitral, são intempestivos” porquanto entende que à data da apresentação dos pedidos de revisão (19-05-2023) já se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa de 120 (cento e vinte) dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR, “razão pela qual a Requerente fundamenta o pedido de revisão oficiosa em erro dos serviços a estes imputável, de modo a fazer valer-se do prazo de 4 (quatro) anos previsto no artigo 78.º n.º 1, segunda parte da LGT”.

 

6.127. Não obstante, acrescenta ainda a Requerida que “(…) estando (…) vinculada ao princípio da legalidade e tendo efetuado toda e qualquer liquidação em estrita observância dos normativos legais em vigor e aplicáveis à data dos factos, não existe qualquer erro imputável aos serviços”.

 

6.128. Por outro lado, entende a Requerida que “(…) os pedidos de reembolso apresentados (…) devem ser apreciado à luz do disposto nos artigos 15.º a 20.º do CIEC, sendo pacífico que o regime aí previsto á o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso (…)”, “pelo que, a acrescer ao facto de a Requerente não ser um sujeito passivo de ISP/CSR e ao facto de não lograr provar o pagamento dos respetivos valores, à data da apresentação do pedido de revisão já teria terminado o prazo de 3 (…) anos previsto (…) para requerer o reembolso, ainda que parcial do alegado valor pago por alegada repercussão económica de CSR”, concluindo que “(…) o vício do pedido arbitral decorrente da falta de identificação do(s) ato(s) tributário(s) em crise tem (…) como efeito a impossibilidade de se aferir em pleno da tempestividade dos pedidos de revisão oficiosa e de reembolso (…) e, consequentemente, da tempestividade do pedido arbitral”.

 

6.129. “Não obstante, e mesmo que apenas parcialmente, constata-se a caducidade do (alegado) direito de ação por parte da Requerente, o que consubstancia uma exceção perentória, devendo, nessa medida, a Requerida ser absolvida do pedido” mas, “(…) ainda que assim não se entenda, sempre consubstanciará uma exceção dilatória por assim ser qualificada especialmente nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 89.º n.º1, 2 e 4 al. k) do CPTA, devendo, nessa medida, ser a Requerida absolvida do pedido ou da instância”.

 

6.130. Neste contexto, veio a Requerente, na defesa às excepções, citar a decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 410/2023-T, concluindo pela improcedência da excepção em causa.

 

6.131. Cumpre uma vez mais, analisar e decidir.

 

6.132. No que diz respeito à alegada intempestividade do pedido de revisão oficiosa, refira-se desde logo que, no caso em análise, o prazo para apresentação do pedido de revisão oficiosa era o de quatro anos, com fundamento em erro imputável aos serviços, previsto na parte final do nº 1 do artigo 78º da LGT.

 

6.133. Na verdade, como há muito entende o Supremo Tribunal Administrativo, “havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro” já que “a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços”. [19]

 

6.134. Como referido na decisão arbitral nº P 676/2023-T, “(…) a revisão oficiosa, (…), pode ser desencadeada pelo sujeito passivo mediante requerimento dirigido ao órgão competente da Administração Tributária e com base nos mesmos pressupostos legais: no prazo de quatro anos e com fundamento em erro imputável aos serviços. (…). Conforme é também jurisprudencialmente aceite, existindo um erro de direito numa liquidação efetuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, em resultado da obrigação genérica de a administração tributária atuar em plena conformidade com a lei. Por outro lado, como é evidente, a existência do erro que constitui fundamento do pedido de revisão não pode ser aferida a partir da posição jurídica que tenha sido assumida pela Autoridade Tributária na apreciação do pedido de revisão, mas com base nos vícios de ilegalidade que tenham sido arguidos pelo contribuinte na formulação do pedido de impugnação judicial. Sendo que o processo arbitral foi deduzido precisamente para discutir a validade do entendimento adotado pela Administração na decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa”.[20]

 

6.135. No caso em apreço, é manifesto que os erros imputados aos actos impugnados não são imputáveis à Requerente, pois não teve qualquer intervenção no procedimento de liquidação da CSR.

 

6.136. E tendo sido invocado um erro imputável aos serviços e verificando-se que os pedidos de revisão oficiosa foram enviados à Requerida em 19-05-2023, os quais se reportam a actos de repercussão da CSR, através de facturas emitidas no período compreendido entre Janeiro/2020 a Dezembro de 2022, no momento da apresentação daqueles pedidos de revisão oficiosa estava ainda em curso o prazo de quatro anos a que se refere o artigo 78º, nº 1, da LGT.

 

6.137. Tendo em consideração que a Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral relativo à impugnação dos indeferimentos tácitos dos pedidos de revisão oficiosa e que, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral é de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 102º do CPPT, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma, tendo os pedidos de revisão oficiosa sido apresentados em 19-05-2023 tendo por objecto a impugnação de CSR cobrada em facturas emitidas entre Janeiro/2020 e Dezembro/2022 e, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado em 18-12-2023, a mesma ocorreu dentro do prazo de 90 dias legalmente previsto para o efeito, sendo o pedido considerado tempestivo.

 

6.138. Nestes termos, improcede a excepção da caducidade do direito de acção suscitada pela Requerida.

 

6.139. Analisadas as excepções suscitadas pela Requerida, e improcedendo na generalidade as excepções suscitadas pela Requerida (com a ressalva da ineptidão do pedido quando ao fornecedor B...), será agora o momento de analisar o mérito do pedido, ou seja, os actos de liquidação de CSR que deram origem à alegada repercussão do imposto (na esfera da Requerente) enfermam de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, nomeadamente, a de se saber se a CSR é ou não compatível com o Direito da União Europeia (designadamente se tem um “motivo específico” na acepção do artigo 1º, nº 2, da Diretiva nº 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de Dezembro), e, por via disso, se deverão tais actos de liquidação ser ou não anulados na parte que respeitam aos actos de repercussão de CSR à Requerente, no montante total de EUR 41.006,17 (relativos a todos os fornecedores excepto a B...)

 

Da questão da violação do Direito da União

 

6.140. A Directiva nº 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de Dezembro, que estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem directa ou indirectamente sobre o consumo de produtos energéticos (além de doutros), determina no n.º 2 do seu artigo 1º que “os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indirectos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções”.

 

6.141. A Requerente, baseando-se no Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Processo nº C-460/21 defende, em suma, “(…) que a CSR não tem um motivo específico [na acepção do referido artigo 1°, n° 2, da Diretiva 2008/118], antes se destina ao financiamento de despesas de caráter geral que incumbem obrigatoriamente ao Estado e são suscetíveis de ser financiadas por quaisquer receitas fiscais, violando a lei que cria o tributo, com essa ausência de motivo específico”.

 

6.142. Por outro lado, a Requerida impugna a posição assumida pela Requerente no pedido, porquanto entende que “(…) não logra a Requerente fazer prova do que alega (…)” sendo que “(…) o ónus da prova dos factos constitutivos de direito recai sobre quem os invoca”, “não se podendo (…) presumir a existência de repercussão quando (…) estamos perante uma repercussão que não é legal, mas meramente económica ou de facto”, impugnando “(…) o vertido nos artigos 31º, 32º, 55º, 63º e 64º do pedido (…)”, bem como o teor do documento nº 4 junto com o pedido..

 

6.143. A este respeito, refira-se que a Requerente deduziu um pedido de pronúncia arbitral contra os actos tributários de repercussão da CSR, que se encontram identificados e documentados através das facturas emitidas pela L... (fornecedora do combustível) e, não sendo a Requerente o sujeito passivo do imposto, nem o directo responsável pela sua liquidação, mas apenas a entidades que suportou o encargo por efeito da repercussão, não lhe compete o ónus de identificação e de comprovação dos actos de liquidação repercutidos, sendo antes sobre a Autoridade Tributária que impede o ónus de realizar, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, as diligências oficiosas que permitissem verificar a existência dos actos de liquidação do imposto, concluindo-se que a alegada falta de identificação dos actos de liquidação não é imputável à Requerente.

 

6.144. Quanto à questão da não conformidade com o direito da EU, refere a Requerida que “(…) nunca e em momento algum o TJUE considera ilegal a CSR”, “não existindo qualquer decisão judicial nacional transitada em julgado que declare a CSR ilegal”, tendo a Requerida agido em conformidade com a legislação nacional e europeia em vigor, “não se verificando no caso em apreço qualquer tipo de erro imputável aos serviços”.

 

6.145. Neste âmbito, como refere a Requerente, a questão da compatibilidade da CSR com o Direito da União Europeia foi apreciada no Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Processo C-460-21, no âmbito de um reenvio prejudicial, sendo que, como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234º do Tratado de Roma, anterior artigo 177º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais Nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia.[21]

 

6.146. A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no nº 4 do artigo 8º da CRP, em que se estabelece que “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.

 

6.147. Assim, há que acatar o decidido no Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no caso Vapo Atlantic acima já identificado, o qual constitui a mais recente decisão do TJUE sobre os requisitos do «motivo específico» a que alude o artigo 1º, n° 2, da Diretiva 2008/118/CE.

 

6.148. Com efeito, refere-se nesse Despacho, além do mais, o seguinte:

 

“(...).19 Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários. 20 Há que começar por salientar que esta disposição, que visa ter em conta a diversidade das tradições fiscais dos Estados-Membros nesta matéria e o frequente recurso às imposições indiretas para a execução de políticas não orçamentais, permite que os Estados-Membros estabeleçam, além do imposto especial de consumo mínimo, outras imposições indiretas que prossigam uma finalidade específica (Acórdãos de 4 de junho de 2015, Kernkraftwerke Lippe-Ems, C-5/14, EU:C:2015:354, n.º 58, e de 3 de março de 2021, Promóciones Oliva Park, C-220/19, EU:C:2021:163, n.º 48). 21 Em conformidade com a referida disposição, os Estados-Membros podem cobrar outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo desde que estejam preenchidos dois requisitos. Por um lado, estes impostos devem ser cobrados por motivos específicos e, por outro, estas imposições devem ser conformes com as normas fiscais da União aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, bem como à liquidação, à exigibilidade, ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções. 22 Estes dois requisitos, que visam evitar que outras imposições indiretas entravem indevidamente as trocas comerciais, revestem assim caráter cumulativo, como decorre da própria redação do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 (v. Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 36, e, por analogia, Acórdão de 25 de julho de 2018, Messer France, C-103/17, EU:C:2018:587, n.º 36). 23 No que respeita ao primeiro dos referidos requisitos, único visado pela primeira questão prejudicial, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um motivo específico na aceção desta disposição não é uma finalidade meramente orçamental (Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 37). 24 No entanto, uma vez que qualquer imposto prossegue necessariamente uma finalidade orçamental, o simples facto de um imposto ter um objetivo orçamental não é suficiente, enquanto tal, sob pena de esvaziar de substância o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, para excluir que se possa considerar que esse imposto tem também um motivo específico, na aceção da referida disposição (Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 38 e jurisprudência referida). 25 Assim, para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção da referida disposição, um imposto deve visar, por si só, assegurar a finalidade específica invocada, de tal forma que exista uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 41, e de 25 de julho de 2018, Messer France, C-103/17, EU:C:2018:587, n.º 38). 26 Além disso, embora a afetação predeterminada do produto de um imposto ao financiamento do exercício, pelas autoridades de um Estado-Membro, de competências que lhes foram atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, essa afetação, que decorre de uma simples modalidade de organização interna do orçamento de um Estado-Membro, não pode, enquanto tal, constituir uma condição suficiente, uma vez que qualquer Estado-Membro pode decidir impor, independentemente da finalidade prosseguida, a afetação do produto de um imposto ao financiamento de determinadas despesas. Se assim não fosse, qualquer finalidade poderia ser considerada específica, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, o que privaria o imposto especial de consumo harmonizado instituído por esta diretiva de qualquer efeito útil e violaria o princípio segundo o qual uma disposição derrogatória, como a do artigo 1.º, n.º 2, deve ser objeto de interpretação estrita (Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 39 e jurisprudência referida). 27 Por último, não existindo semelhante mecanismo de afetação predeterminada das receitas, só se pode considerar que um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria coletável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita realizar o motivo específico invocado, por exemplo, através da tributação significativa dos produtos considerados para desencorajar o respetivo consumo (Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 42 e jurisprudência referida). 28 Quando é submetido ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial por meio do qual se pretende que seja declarado se uma imposição instituída por um Estado-Membro prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, a função do Tribunal de Justiça consiste mais em esclarecer o órgão jurisdicional nacional sobre os critérios cuja aplicação permitirá a este último determinar se essa imposição prossegue efetivamente essa finalidade do que em proceder ele próprio a essa avaliação, e isto tanto mais quando o Tribunal de Justiça não dispõe necessariamente de todos os elementos indispensáveis para esse efeito (v., por analogia, Acórdãos de 7 de novembro de 2002, Lohmann e Medi Bayreuth, C-260/00 a C-263/00, EU:C:2002:637, n.º 26, e de 16 de fevereiro de 2006, Proxxon, C-500/04, EU:C:2006:111, n.º 23). 29 No caso em apreço, importa salientar, em primeiro lugar, como resulta da jurisprudência referida no n.º 26 do presente despacho, que, embora a afetação predeterminada do produto da CSR ao financiamento, pela concessionária da rede rodoviária nacional, das competências gerais que lhe são atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, essa afetação não pode, enquanto tal, constituir um requisito suficiente. 30 Em segundo lugar, para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção desta disposição, a CSR deveria destinar-se, por si só, a assegurar os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional. Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C-82/12, EU:C:2014:108, n.º 30, e de 25 de julho de 2018, Messer France, C-103/17, EU:C:2018:587, n.º 38). 31 Em terceiro lugar, como resulta do n.º 14 do presente despacho, é certo que a Autoridade Tributária sustenta que existe uma relação entre a afetação das receitas geradas pela CSR e o motivo específico que levou à instituição deste imposto, uma vez que o decreto-lei que atribuiu a concessão da rede rodoviária nacional à IP impõe a esta última que trabalhe em prol, por um lado, da redução da sinistralidade nessa rede e, por outro, da sustentabilidade ambiental. 32 No entanto, como foi salientado no n.º 15 do presente despacho, resulta da decisão de reenvio que o produto do imposto em causa no processo principal não se destina exclusivamente ao financiamento de operações que supostamente concorrem para a realização dos dois objetivos mencionados no número anterior do mesmo despacho. Com efeito, as receitas provenientes da CSR destinam-se, mais amplamente, a assegurar o financiamento da atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional. 33 Em quarto lugar, os dois objetivos atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional portuguesa estão enunciados em termos muito gerais e não deixam transparecer, à primeira vista, uma real vontade de desencorajar a utilização quer dessa rede quer dos principais combustíveis rodoviários, como a gasolina, o gasóleo rodoviário ou o gás de petróleo liquefeito (GPL) automóvel. A este respeito, é significativo que o órgão jurisdicional de reenvio destaque, na redação da sua primeira questão prejudicial, que as receitas geradas pelo imposto são genericamente afetadas à concessionária da rede rodoviária nacional e que a estrutura deste imposto não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo desses combustíveis. 34 Em quinto lugar, o pedido de decisão prejudicial não contém nenhum elemento que permita considerar que a CSR, na medida em que incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, foi concebida, no que respeita à sua estrutura, de tal modo que dissuade os sujeitos passivos de utilizarem essa rede ou que os incentiva a adotar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria suscetível de reduzir os acidentes. 35 Por conseguinte, sem prejuízo das verificações que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar atendendo às indicações que figuram nos n.ºs 29 a 34 do presente despacho, as duas finalidades específicas invocadas pela Autoridade Tributária para demonstrar que a CSR prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, não se distinguem de uma finalidade puramente orçamental (v., por analogia, Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C-82/12, EU:C:2014:108, n.ºs 31 a 35).

 36 Atendendo às considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários” (sublinhado nosso).

 

6.149. Regressando ao ordenamento jurídico nacional, verifica-se que a CSR, na versão da Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (actual IP.), sendo o financiamento assegurado primacialmente pelos respetivos utilizadores, como contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, utilização essa que é verificada pelo consumo dos combustíveis (artigos 2º e 3º da Lei nº 55/2007).

 

6.150. Assim, como se concluiu no referido Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Processo C-460-21, as receitas provenientes da CSR destinam-se essencialmente a assegurar o financiamento da rede rodoviária e têm uma finalidade puramente orçamental.

 

6.151. Como se refere no acórdão arbitral de 14-06-2023, proferido no âmbito do processo n.º 24/2023-T, “nem a estrutura do tributo permite concluir pela existência de intenção de desmotivar o consumo dos combustíveis. E, por outro lado, a finalidade específica que poderia justificar a criação da CSR de modo a poder considerar-se conforme o direito europeu é apresentada em termos muito genéricos, não tendo sido sequer feita a prova – que incumbia à Autoridade Tributária - de que tenham sido cumpridos os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, que se encontram definidos no quadro II do anexo às bases da concessão”.

 

6.152. Pelo exposto, a CSR “não prossegue motivos específicos, na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um motivo específico, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental” (acórdão arbitral citado no ponto anterior) (sublinhado nosso).

 

6.153. A jurisprudência do Tribunal de Justiça tem vindo a considerar que, “ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos” (cfr. Processo n.º C-460/21, parágrafo 44 e a jurisprudência nele citada).

 

6.154. Por outro lado, segundo a mesma jurisprudência, não é de admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve sempre lugar, e, mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida (Processo n.º C-460/21, parágrafo 45).

 

6.155. Neste sentido, constituindo a repercussão fiscal da CSR um facto positivo, o ónus da prova impende sobre quem o invoca, por forma a comprovar a qualidade de entidade repercutida e lesada no âmbito da relação jurídico-tributária, e, por conseguinte, é ao contribuinte, que pretende obter a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação da CSR e dos correspondentes atos de repercussão na sua esfera jurídica, que cabe realizar a prova da efetiva repercussão, sendo que a prova da repercussão deve ser objectivamente demonstrada por documentos que identifiquem o efectivo pagamento do imposto, não podendo assentar em juízos presuntivos (neste sentido, a decisão arbitral proferida no Processo n.º 452/2023-T).

 

6.156. No caso, desde já se antecipa que entende este Tribunal que não ficou demonstrada a efectiva repercussão da CSR na Requerente (para todos os fornecedores excepto B...), atentos os argumentos a seguir apresentados.

 

6.157. Como acima referido, a CSR foi consagrada como “contrapartida” da utilização da rede rodoviária nacional, sendo que a lei indica que é suportada pelos seus utilizadores (e, subsidiariamente, pelo Estado).

 

6.158. Assim, a CSR é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do artigo 4º, nº 1, alínea a), do Código dos IEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados, que a repercutem (ou não) nos seus clientes.

 

6.159. No caso, a Requerente é cliente de diversas entidades (que foram por ela identificadas), relativamente às quais não faz prova de que sejam os sujeitos passivos que suportaram a CSR aquando da sua liquidação pela Requerida ao sujeito passivo (via DIC) ou se se tratam elas próprias de entidades nas quais foi já efectuada uma repercussão de CSR.

 

6.160. Como vimos, segundo alegou a Requerida (e não foi contrariada pela Requerente), das nove entidades às quais a Requerente adquiriu combustíveis, no período compreendido entre Janeiro/2020 e Dezembro de 2022, “(…) apenas a E... S.A. teve estatuto fiscal no âmbito dos IEC até 07.10.2020, data em que o mesmo foi cancelado” sendo que “as restantes fornecedoras indicadas não são (nem eram à data dos factos) titulares de estatuto fiscal no âmbito do ISP e, nessa medida, não foram os responsáveis pela introdução dos produtos no consumo nem, consequentemente, pelo pagamento da CSR correspondente (…)”, tratando-se assim de meros intermediários na cadeia de abastecimento, conforme refere a Requerida.

 

6.161. Mas, ainda que a prova do estatuto das entidades a quem a Requerente adquiriu os combustíveis consumidos no período em causa pudesse ser relevada para efeitos do pretendido, era fundamental que a Requerente demonstrasse que cada uma dessas entidades repercutiu (parcial ou integralmente) a CSR nas facturas que documentam as aquisições efectuadas pela Requerente (declaração de repercussão), o que de todo não acontece.

 

6.162. Com efeito, a Requerente limitou-se a juntar cópias de facturas, muitas delas sem a correspondente forma legal para registo empresarial (ou seja, sem identificarem o nome e morada da entidade adquirente, contendo apenas o NIPC), e sem que em nenhuma delas se faça referência ao montante de CSR eventualmente repercutido, estando assim longe de conter os elementos concretos indispensáveis à comprovação do acima exposto.

 

6.163. Assim, reitera-se, não se considera provado que tenha havido a efectiva repercussão da CSR relativamente ao combustível adquirido pela Requerente aos fornecedores elencados (excepto B...), no referido no período de Janeiro/2020 a Dezembro de 2022, no montante total de EUR 41.006,17 (não considerando fornecimento da B...), na medida em que as facturas juntas ao pedido arbitral não contêm qualquer especificação do valor da contribuição que tenha sido paga com a aquisição dos combustíveis e porque, por outro lado, não foi apresentada qualquer declaração de repercussão por parte das entidades a quem a Requerente adquiriu combustíveis no referido período (excepto B...).

 

6.164. Nesta matéria, refira-se que o cálculo do valor da contribuição que seria devida relativamente às quantidades de combustível que tenham sido adquiridos não é, por si só, demonstrativo da ocorrência da repercussão do imposto.

 

6.165. Assim, na ausência de prova bastante de que tenha havido lugar à repercussão do imposto, o pedido arbitral mostra-se ser improcedente neste segmento.

 

6.166. E, face à improcedência do pedido principal, fica necessariamente prejudicado o respectivo conhecimento dos pedidos acessórios de reembolso do imposto pago e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.167. De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral” sendo que:

 

6.167.1. Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito;

6.167.2. Nos termos do nº 2 do referido artigo concretiza-se a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.168. No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, impõe-se que seja atribuída a responsabilidade integral por custas à Requerente de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 e 22º, nº 4 do RJAT e artigo 4º, nº 5 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, com as consequências daí decorrentes.

 

  1. DECISÃO

 

7.1.    Nestes termos, tendo em consideração as conclusões apresentadas no Capítulo anterior, decidiu este Tribunal Arbitral Singular:

7.1.1.   Julgar improcedentes todas as excepções suscitadas pela Requerida excepto a da ineptidão do pedido arbitral quanto aos fornecimentos da (actualmente denominada) B... e, em consequência, absolver a Requerida da instância quanto a esta parte do pedido;

7.1.2.   Julgar, quanto aos restantes fornecimentos, improcedente o pedido arbitral e manter na ordem jurídica os actos de liquidação de CSR impugnados, bem como a decisão de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados pela Requerente, quanto às restantes fornecedoras de combustíveis;

7.1.3.   Em consequência, julgar prejudicado o conhecimento do pedido acessório de reembolso do imposto pago e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o acima exposto nesta decisão, bem como o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 47.705,57, por ser esse o valor indicado pela Requerente, sem oposição da Requerida.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 2.142,00, a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de Agosto de 2024

 

O Árbitro,

 

Sílvia Oliveira

 



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.

[2] Declaração de contabilista certificada, emitida em 15-04-2024, confirmando o pagamento de fornecimentos de combustíveis elencados em listagem anexa, respeitantes ao período de 2020 a 2022.

[3] Esta reunião foi reagendada, por impossibilidade de comparência da mandatária da Requerente, para dia 29-05-2024, à mesma hora.

[4] Anexou duas declarações emitidas, em 07-06-2024, pela B..., Lda., relativamente ao período de 2021 e de 2022, declarando que em cada um daqueles períodos a Requerente adquiriu uma determinada quantidade de litros de combustível (que identifica) e que “(…) liquidou o respetivo imposto a título de contribuição de serviço rodoviário (CSR), que incide sobre os combustíveis”.

[5] Em resposta a tal requerimento, foi proferido despacho pelo Presidente do CAAD no sentido de o requerimento da AT ser enviado para o Tribunal Arbitral a constituir, “por ser esse o órgão competente para a sua apreciação”. Constituído o Tribunal em 17-01-2024, foi prolatado, na mesma data, despacho de indeferimento da pretensão da Requerida, com os fundamentos nele constantes.

[6] No caso em análise, a Requerente enviou, no dia 19-05-2023 (por correio registado com aviso de recepção) para a Direção Geral das Alfandegas três pedidos de revisão oficiosa dos actos tributário de liquidação da Contribuição de Serviço Rodoviário suportada entre 01/2020 e 12/2022, ao abrigo do disposto no artigo 78º da LGT.

Neste âmbito, refira-se que a partir da data de recepção do pedido do contribuinte no serviço tributário/aduaneiro competente, a Autoridade Tributária e Aduaneira dispunha de quatro meses para concluir o procedimento tributário – i.e., para emitir a respectiva decisão final escrita e notificá-la ao contribuinte –, sob pena de se poder presumir o indeferimento tácito, nos termos do artigo 57º, nº5, da LGT. Atendendo a que, nos termos dos artigos 57º, nº 3, da LGT e 20º, nº 1, do CPPT, a contagem de prazos no procedimento tributário é contínua e efetuada nos termos do artigo 279º do Código Civil, a presunção de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados pela Requerente teve lugar decorridos os referidos quatro meses (ou seja, desconhecendo-se a data de “entrada” dos pedidos de revisão, nunca antes de 20-09-2023). Neste contexto, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado em 18-12-2023 [ou seja, dentro do prazo de 90 dias (nos termos do disposto no artigo 10º, nº 1, alínea a) do RJAT)], o pedido é, por isso, tempestivo.

[7] Neste âmbito, e no que diz respeito ao documentos em análise, refira-se que se aceitou a junção aos autos dos mesmos, tendo em consideração o regime do artigo 423º do CPC, comentado em diversa jurisprudência, nomeadamente, no AC TRL (10866/19.5T8LSB-A.L1-7), de 14-07-2021 (Relator EDGAR TABORDA LOPES), no termos do qual se refere que “o regime da apresentação da prova documental em processo civil mostra-se estruturado em três patamares temporais: - o regime-regra previsto no n.º 1 do artigo 423.º do Código de Processo Civil, de acordo com o qual os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes; - num segundo nível, de excepção, o n.º 2, permite que se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado; - e, num terceiro nível, o n.º 3, acrescenta que após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento (…). Este regime perdura até ao encerramento da discussão, nos termos do artigo 425º. (…)” (sublinhado nosso).

[8] A este respeito, comecemos por dizer que a convicção do tribunal sobre a factualidade provada e não provada há de resultar do conjunto das provas produzidas (no caso, testemunhal, documental, e declarações de parte), e da ponderação conjugada que das mesmas se faça, à luz das regras da experiência, tendo em conta as circunstâncias concretas do caso. A convicção no plano judiciário não corresponde a uma certeza absoluta, mas apenas a uma mera “persuasão do julgador formada a partir de um certo número de provas, provas essas que, à luz de uma comum e experiente perspetiva, fazem crer numa certa realidade” (cfr. Manso Rainho, Decisão da Matéria de Facto – Exame Crítico das Provas, Sep. da Revista do CEJ, I semestre 2006, nº 4).

Como ensinava Vaz Serra, no BMJ, Ano 110, pág. 82, “as provas não têm forçosamente que criar no espírito do julgador uma absoluta certeza acerca dos factos a provar (…), o que elas devem é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida”. Antunes Varela, no Manual de Processo Civil, 2ª ed. págs. 435 e 436, escrevia que “a demonstração da realidade a que tende a prova não é uma operação lógica, visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente)”, acrescentando que “a prova visa apenas, de acordo com critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”.

No que à prova testemunhal respeita, os depoimentos não podem ser ponderados de forma compartimentada, mas na sua globalidade, tanto mais que, por vezes, aquilo que uma testemunha diz só é perfeitamente compreensível com os esclarecimentos que vai dando ao longo do mesmo, e a sua ponderação e análise tem de ser feita, também, no cotejo com os depoimentos das restantes testemunhas e com a demais prova junta aos autos, nomeadamente, a documental.

No que diz respeito à prova por Declarações de Parte, o actual Código de Processo Civil veio consagrar expressamente este novo meio de prova, a incidir “sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto” (nº 1 do art. 466º), estando a parte obrigada a cooperar na descoberta da verdade, e prestando juramento antes de começar as suas declarações (arts. 417º e 459º, aplicáveis ex vi do nº 2 do art. 466º), apreciando o tribunal livremente as declarações prestadas pela Parte, salvo se as mesmas constituírem confissão (nº 3 do art. 466º). Por ser Parte, não deve o tribunal, à partida, desacreditar as declarações prestadas, o que significaria postergar a disciplina do art. 466º do CPC, antes devendo valorizar a forma como as presta, a coerência e verosimilhança do declarado, tendo em conta a situação concreta e as regras da experiência, no confronto com a demais prova produzida [neste sentido, vide AC TRL (proc. nº 18293/16.0T8LSB.L2-7) de 22-03-2022 (relator CRISTINA COELHO)].

Não obstante “as declarações de parte não são um meio para a parte pontuar, comentar ou retocar a restante prova produzida, nem – noutro plano – constituem ou podem ter a veleidade de constituir uma segunda oportunidade para complementar probatoriamente as suas insuficiências anteriores (…)” [neste sentido, vide AC TRL (10866/19.5T8LSB-A.L1-7), de 14-07-2021 (Relator EDGAR TABORDA LOPES) anteriormente já citado].

[9] Note-se que, a referência a serviços e organismos que se vinculavam à jurisdição arbitral era feita para a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, que foram, entretanto, extintas, tendo-lhes sucedido a Autoridade Tributária e Aduaneira (aqui designada por Requerida).

[10] Neste âmbito, vide Istituto di Ricovero e Cura a Carattere Scientifico (IRCCS) — Fondazione Santa Lucia (processo C-189/15, Acórdão de 18 de Janeiro de 2017, §29) e Test Claimants in the FII Group Litigation (processo C-446/04, Acórdão de 12 de Dezembro de 2016, §107), entre outros.

[11] Neste sentido, vide par. 26 do Despacho Vapo Atlantic, já mencionado.

[12] Na verdade, como foi esclarecido na redacção do nº 2 do artigo 20º da LGT (introduzida pela Lei nº 7/2021, de 26 de Fevereiro, ao referir que “a substituição tributária é efetivada, designadamente, através do mecanismo de retenção na fonte do imposto devido”), a retenção na fonte do imposto devido é apenas uma das formas de substituição tributária.

[13] Nesta matéria, cfr. LOPES DO REGO, Comentários ao Código de Processo Civil, Coimbra, 1999, págs. 45 e segs.

[14] Neste âmbito, cfr. ANTÓNIO LIMA GUERREIRO, Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, 2001, págs. 116-117.

[15] Cfr. LOPES DE SOUSA, Código de Processo e Procedimento Tributário Anotado e Comentado, vol. I, Lisboa, 2011, pág. 115, e SERENA CABRITA NETO/CARLA CASTELO TRINDADE, Contencioso Tributário, vol. I, Coimbra, 2017, pág. 98.

[16] Neste sentido, cfr. acórdão da Relação do Porto de 4 de outubro de 2021, Processo n.º 10910/20.

 

[17] Respeitante a facturas emitidas em 2021 e 2022.

[18] Em termos gerais, a exigência de identificação das liquidações, numa situação em que o repercutido não tem possibilidade de as identificar, seria incompaginável com o princípio constitucional da proporcionalidade e o direito à tutela judicial efectiva garantido pelos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, pois inviabilizaria a possibilidade prática de a Requerente impugnarem contenciosamente actos que lhe aplicam tributação e lesam as suas esferas jurídicas. Contudo, em concretização do princípio do dispositivo, é compreensível que a lei faça recair o ónus da prova sobre quem exerce o impulso processual e, nessa medida, o incumprimento deste ónus é processualmente valorado contra a Requerente por ser esta que tem de demonstrar os factos constitutivos dos seus direitos (artigo 74.º, n.º 1 da LGT). E trazer ao processo elementos que possibilitem efectuar a prova do “link” entre as liquidações de ISP/CSR aos sujeitos passivos de imposto e os subsequentes actos de repercussão (nos repercutidos) incumbe a estes no âmbito do direito que se arrogam.

[19] Neste âmbito, vide Acórdão de 12-12-2001 (processo n.º 026.233), cuja jurisprudência é reafirmada nos Acórdãos de 06-02-2002 (processo n.º 026.690), de 13-03-2002 (processo n.º 026765), de 17-04-2002 (processo n.º 023719), de 08-05-2002 (processo n.º 0115/02), de 22-05-2002 (processo n.º 0457/02), de 05-06-2002 (processo n.º 0392/02), de 11-05-2005 (processo n.º 0319/05), de 29-06-2005 (processo n.º 9321/05), de 17-05-2006 (processo n.º 016/06) de 26-04-2007 (processo n.º 039/07), de 21-01-2009 (processo n.º 771/08), de 22-03-2011 (processo n.º 01009/10), de 14-03-2012 (processo n.º 01007/11), de 05-11-2014 (processo n.º 01474/12), de 09-11-2022 (processo n.º 087/22.5BEAVR), de 12-04-2023 (processo n.º 03428/15.8BEBRG).

[20] Neste sentido, o que se tem entendido como uma decorrência do princípio da justiça e da verdade material (cfr., neste sentido, Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento Tributário, 5.ª edição, Coimbra, págs. 227-228; Serena Cabrita Neto/Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. I, Coimbra, 2017, pág. 605, e Leonardo Marques dos Santos, “A revisão do ato tributário, as garantias dos contribuintes e a fiscalidade internacional”, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Alberto Xavier, Economia, Finanças Públicas e Direito Fiscal, Vol. II, págs. 14 e segs.).

[21] Neste sentido, entre muitos, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo - de 25-10-2000, processo nº 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo nº 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo nº 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593.