SUMÁRIO:
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A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) é um tributo que se qualifica como imposto e não como contribuição, pelo que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar matérias a ela respeitantes.
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Os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de actos de liquidação de CSR e já não de actos de repercussão daquele imposto.
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A falta de identificação dos actos de liquidação de CSR contestados, cuja declaração de ilegalidade e anulação se requer, implica a ineptidão do pedido de pronúncia arbitral.
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A Requerente não suportou o encargo da CSR por repercussão legal, pelo que carece de legitimidade processual para contestar a legalidade dos actos de liquidação daquele imposto.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Gustavo Gramaxo Rozeira e Amândio Silva, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A..., S.A., titular do número de identificação de pessoa colectiva ..., com sede em ..., ...-..., freguesia de ..., concelho de Vila Real (“Requerente”), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral ao abrigo do disposto nos artigos 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, apresentado em 18 de Maio de 2023, relativo às liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) referentes ao período de 2019 a 2022, com o valor global de € 102.270,69.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral apresentado pela Requerente em 15 de Novembro de 2023, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros Carla Castelo Trindade, Amândio Silva e Maria Alexandra Mesquita como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 16 de Janeiro de 2024, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
4. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 26 de Fevereiro de 2024.
5. Em 6 de Março de 2023, foi proferido despacho pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD a determinar a substituição da árbitra Maria Alexandra Mesquita, em virtude da renúncia às funções, pelo árbitro Gustavo Gramaxo Rozeira, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram devidamente notificadas e não manifestaram vontade de recusar a designação.
6. Tendo sido devidamente notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua resposta, em 2 de Abril de 2024, defendendo-se por excepção e por impugnação.
7. Em 9 de Abril de 2024, foi a Requerente notificada para exercer o direito ao contraditório quanto à matéria de excepção invocada pela Requerida e para, querendo, juntar ao processo cópia das liquidações objecto de impugnação, nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea c) do RJAT. A Requerente respondeu ao referido despacho através de requerimento apresentado em 22 de Abril de 2024.
8. Em 11 de Junho de 2024, foi proferido despacho arbitral a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações, remetendo-se para a decisão final a apreciação da matéria de excepção, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT.
II. SANEAMENTO
9. O Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT e nos artigos 1.º a 3.º da Portaria de Vinculação.
10. Para efeitos de saneamento do processo cumpre apreciar as excepções de (i) incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, (ii) ineptidão do pedido de pronúncia arbitral, (iii) ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, (iv) falta de interesse em agir e (vi) caducidade do direito de acção por intempestividade do pedido de revisão oficiosa, o que será feito por esta ordem a título prévio no âmbito da análise do mérito da causa, logo após a fixação da matéria de facto provada e não provada.
III. OBJECTO DO PROCESSO
11. No presente processo a Requerente contesta a legalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 18 de Maio de 2023 e, por via disso, dos actos de liquidação de CSR referentes ao período de 2019 a 2022, com o valor global de € 102.270,69, que invoca ter suportado por repercussão legal.
12. No entendimento da Requerente, aqueles actos estão viciados por erro de direito imputável aos serviços na aplicação ao procedimento de liquidação de CSR de normas nacionais inquinadas de ilegalidade por vício de violação de lei, em concreto, da Directiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, impondo-se, consequentemente, o reembolso do montante de imposto repercutido pela fornecedora de combustível na Requerente e por esta indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios.
IV. MATÉRIA DE FACTO
§1 – Factos provados
13. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma sociedade cujo objecto social consiste na organização de actividades destinadas a proporcionar ao público em geral momentos lúdicos, de lazer e de diversão; actividades recreativas, nomeadamente fretamento de barcos; actividades marítimo-turísticas, fluviais de aprazimento, desportivas, recreativas e de promoção turística desenvolvidas mormente por meio de embarcações incluindo transporte de passageiros, alojamento e restaurante flutuante, e exploração da actividade de transportes públicos, rodoviários de passageiros, quer no país, quer no estrangeiro; actividades de comercialização de artefactos de metais preciosos. Exploração de actividades de realização de passeios de natureza turística em helicóptero e em autocarros nomeadamente na modalidade de circuitos turísticos. Comercialização de produtos alimentares. Comercialização de produtos de artesanato, artigos de arte, religiosos, culturais, manufacturados, tradicionais, de decoração, de uso pessoal ou doméstico. Compra de material informático e comercialização do mesmo. Prestação de serviços de gestão náutica e/ou gestão hoteleira, em todas as suas vertentes, em embarcações da titularidade de terceiros;
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Entre Maio de 2019 e 31 de Dezembro de 2022, a Requerente adquiriu 929.733,51 litros de gasóleo à B..., S.A. (“B...” ou “fornecedora de combustível”), pelo valor indicado nas respectivas facturas;
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A B... emitiu a seguinte declaração:
“B..., S.A., pessoa coletiva n.º ..., com sede na Rua..., ..., ...-... Lisboa, pela presente declara, para os devidos efeitos, que a Contribuição de Serviço Rodoviário por si entregue, na qualidade de sujeito passivo, junto dos cofres do Estado, por referência ao combustível fornecido à empresa A..., S.A. (NIF-...), foi por si integralmente repercutida na esfera da referida empresa.”;
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Em 18 de Maio de 2023, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), relativamente aos actos de liquidação de CSR referentes ao período de Maio de 2019 e 31 de Dezembro de 2022, no valor global de € 102.270,69, que correu termos sob o n.º ...2023...;
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Até à presente data não foi proferida decisão expressa de indeferimento do referido pedido de revisão oficiosa;
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Em 15 de Novembro de 202, a Requerente apresentou o pedido de constituição de arbitral que deu origem aos presentes autos.
§2 – Factos não provados
14. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa, não se consideram provados os seguintes factos:
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A AT liquidou a quantia global de € 102.270,69 a título de CSR, em relação ao gasóleo referente às facturas emitidas pela B... à Requerente;
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A B... pagou integralmente o montante de CSR referido na alínea anterior;
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A Requerente suportou economicamente o encargo da CSR, na quantia global de € 102.270,69, referente às facturas de gasóleo adquirido à B...;
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A Requerente é o consumidor final dos combustíveis rodoviários adquiridos à B..., não tendo repercutido o encargo da CSR no preço dos bens e serviços prestados aos seus clientes.
§3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto
15. O Tribunal Arbitral tem o dever de seleccionar os factos pertinentes para a decisão da causa, com base na sua relevância jurídica e tendo em consideração as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas pelas partes, bem como o dever de discriminar os factos provados e não provados. Porém, o Tribunal Arbitral não tem um dever de pronúncia quanto a toda a matéria de facto alegada pelas partes, em conformidade com o disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e nos artigos 596.º, n.º 1 do CPC e 607.º, n.º 3, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
16. O Tribunal formou a sua íntima e prudente convicção quanto aos factos provados e não provados através do exame de todos os elementos probatórios carreados aos autos, que foram apreciados e avaliados com base no princípio da livre apreciação dos factos e nas regras da experiência, normalidade e racionalidade, em conformidade com os ditames fixados nos artigos 16.º, alínea e) do RJAT e 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
17. Quanto aos factos julgados como não provados nos pontos 1) e 2) supra, entendeu o presente Tribunal que a declaração junta pela B..., desacompanhada das Declarações de Introdução no Consumo (“DIC”) globalizadas, dos consequentes actos de liquidação e dos respectivos comprovativos de pagamento não permitem certificar a efectiva liquidação e pagamento da CSR pela introdução no consumo das quantidades de gasóleo adquirido pela Requerente e titulado pelas facturas a que alude a alínea b) dos factos provados.
18. Relativamente ao facto dado como não provado no ponto 3) supra, é essencial precisar, em primeiro lugar, que a prova da repercussão da CSR tem como pressuposto inevitável a demonstração de que este tributo foi inicialmente liquidado e pago pelo sujeito passivo, i.e., pela B..., no momento da introdução no consumo dos produtos a ele sujeitos – factualidade que a Requerente não logrou provar, tal como acima explanado.
19. Em segundo lugar, considera este Tribunal que a Requerente não cumpriu o critério fixado pelo TJUE no despacho Vapo Atlantic, proferido em 7 de Fevereiro de 2022, no processo n.º C‑460/21, no que respeita à prova da repercussão da CSR. Nas palavras daquele Tribunal:
“(…) ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C-147/01, EU:C:2003:533, n.º 96).
45 Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção (Acórdão de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C-192/95 a C-218/95, EU:C:1997:12, n.ºs 25 e 26).
46 O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C-441/98 e C-442/98, EU:C:2000:479, n.º 42).
(…)
48 Nestas condições, há que responder à segunda e terceira questões que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros e, consequentemente, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo.”. (destaque nosso)
20. Transpondo as considerações do TJUE para os presentes autos, dá-se como assente que a repercussão da CSR pela B... sobre a Requerente não pode em caso algum ser presumida.
21. O que é compreensível, desde logo porque ao contrário do que afirma a Requerente, não está aqui em causa uma “repercussão legal”, assente numa qualquer norma prevista na Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto que instituiu a CSR. Pelo contrário, a repercussão deste tributo é tão só “expectável” perante o respectivo regime e funcionamento, não passando, porém, de um fenómeno económico que pode assumir uma configuração e amplitude variáveis. Como explica Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2019, p. 399:
“A repercussão (…) pod[e] operar por mais que uma forma sobre os preços. A forma mais comum é a da repercussão descendente, que se verifica quando o vendedor soma o tributo ao preço de um bem, fazendo com que o comprador o suporte: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes sobem o preço na mesma medida, fazendo com que os consumidores o suportem. A repercussão transversal verifica-se quando o vendedor soma o tributo ao preço de um bem diferente daquele que é onerado pelo tributo: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes diluem esse aumento através do agravamento do preço da generalidade das bebidas alcoólicas. Enfim, a repercussão ascendente verifica-se quando o vendedor subtrai o tributo ao preço de um bem de que é comprador, obrigando os fornecedores a suportar-lhe o peso económico: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes obrigam as empresas cervejeiras a baixar o preço nessa mesma medida.
A repercussão constitui um fenómeno que depende em larga medida das condições económicas que rodeiem uma transacção”.
22. Portanto, a ocorrência do fenómeno de repercussão descendente não pode simplesmente ser presumida por mais que tenha sido querida na lógica de funcionamento do tributo. Impõe-se, diversamente, uma análise do contexto e dos vários factores que conformam cada transacção comercial para daí extrair a conclusão de que o encargo da CSR foi total ou parcialmente “repassado” ao longo dos vários intervenientes do circuito económico até atingir o consumidor final.
23. Ora, este exercício de prova não foi realizado pela Requerente, que se limitou a estabelecer meros juízos presuntivos de que suportou a CSR em virtude de uma suposta – embora inexistente – obrigação legal de repercussão do encargo daquele tributo.
24. A Requerente procurou provar a repercussão através da junção aos autos de facturas e da declaração referida no ponto b) da matéria de facto provada, emitidas pela B..., onde esta se limitou a afirmar de forma genérica e abstracta que repercutiu o encargo da CSR.
25. Sucede que das facturas e da referida declaração não decorre, sem mais, a prova da repercussão. É que tal declaração não versa as concretas transacções realizadas entre a fornecedora de combustível e a Requerente; não faz a correspondência entre as operações praticadas e as declarações de introdução no consumo dos combustíveis transaccionados; não estabelece a relação entre as transacções e as DIC com as correspondentes liquidações emitidas pela AT e, finalmente, não demonstram a incorporação do encargo da CSR nas facturas de venda de gasóleo rodoviário à Requerente, nem tão pouco em que grau e/ou medida é que tal incorporação se processou.
26. Para além do mais, ainda que a Requerente tivesse provado a liquidação e repercussão da CSR nos termos acabados de enunciar, sempre inexistiriam elementos nos autos para certificar que o encargo da CSR se cristalizou na sua esfera jurídica, isto é, que foi a Requerente a entidade que em última instância foi onerada com o tributo em causa, porquanto não incorporou o seu custo no preço do serviços prestados aos seus clientes que podem situar‑se no circuito ou cadeia económico-comercial como os verdadeiros consumidores finais. Foi por isso que não se deu como provado o facto constante do ponto 4) supra.
27. Por fim, regista-se que não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, que apesar de serem apresentadas como factos, consistem em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
IV. MATÉRIA DE DIREITO
IV.1. Questões prévias – saneamento
§1 – Incompetência do Tribunal Arbitral
28. Na resposta que apresentou, invocou a Requerida que o Tribunal Arbitral era materialmente incompetente para conhecer do pedido. Em primeiro lugar, por considera que a CSR deve ser qualificada como contribuição financeira e não como imposto, encontrando-se excluída da arbitragem tributária por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. Em segundo lugar porque a Requerente teria suscitado a legalidade do regime da CSR, no seu todo, pretendendo com a presente acção a suspensão da eficácia de actos legislativos.
29. Em sede de contraditório, veio a Requerente defender que inexiste um nexo específico entre o benefício emanado da actividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos sujeitos passivos, o que determina que a CSR é um imposto, mais defendendo que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar actos de repercussão da CSR, argumentando que aos contribuintes de facto são atribuídos meios processuais para contestar a legalidade da CSR, por serem titulares de interesses legalmente protegidos e parte da relação jurídico-tributária.
30. Esta mesma questão foi já objecto de ampla apreciação pelos Tribunais Arbitrais, cuja jurisprudência cumpre aqui considerar em cumprimento do desiderato uniformizador de jurisprudência que decorre do artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil. Para o efeito, remete-se para o decidido no acórdão do Tribunal Arbitral no processo n.º 848/2023-T, proferido em 12 de Junho de 2024, que na parte aqui relevante referiu o seguinte:
“27. Quanto à apreciação da competência material deste Tribunal Arbitral para conhecer dos pedidos formulados pela Requerente, seguem-se aqui de perto as conclusões a que chegou o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 29 de Fevereiro de 2024, no processo n.º 467/2023‑T.
28. Assim, impõe-se em primeiro lugar aferir se, em termos gerais, o pedido formulado pela Requerente é arbitrável, isto é, se a apreciação de pretensões referentes à CSR se encontra ou não inserida no âmbito de competência material da arbitragem tributária.
29. Ao que aqui importa, a competência dos Tribunais Arbitrais é delimitada no RJAT nos seguintes termos:
“Artigo 2.º
Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável
1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”. (negrito nosso)
30. Âmbito material este que é por sua vez circunscrito na Portaria de Vinculação, da seguinte forma:
“Artigo 2.º
Objecto da vinculação
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.
e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.”
31. Apesar de a concatenação das referidas normas jurídicas não apresentar uma resposta incontestável quanto à arbitrabilidade de actos de liquidação de contribuições, que parecem ter sido em parte excluídos do âmbito material da arbitragem tributária pela Portaria de Vinculação – o que tem reflexo na jurisprudência arbitral que não é uniforme nesta matéria –, certo é que resulta incontroversa a inclusão no âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais a apreciação da legalidade de actos de liquidação de impostos.
32. Revela-se, assim, necessário, qualificar a CSR enquanto “contribuição” ou “imposto”, para daí extrair as necessárias consequências quanto à competência material deste Tribunal Arbitral. Esta análise tem sido amplamente discutida e desenvolvida pela jurisprudência, que importa aqui considerar em cumprimento do desiderato de interpretação e aplicação uniforme do direito que emana do artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil.
33. Nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 31/2023-T, 508/2023-T e 520/2023-T a CSR foi qualificada como uma contribuição, o que levou aqueles Tribunais Arbitrais a julgar procedente a excepção de incompetência material. No acórdão proferido em 16 de Novembro de 2023, no processo n.º 520/2023-T, referiu-se a este respeito o seguinte:
“(…) nem se pode aceitar, à face da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), que fosse atribuída à CSR a designação de «contribuição» se legislativamente se pretendesse que ela fosse considerada como um «imposto» e não como uma das «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas» a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e o artigo 3.º, n.º 2, da LGT. A expressão do pensamento em termos adequados faz-se necessariamente através da expressão correcta e não uma outra que o dissimule.
Assim, em boa hermenêutica, é de concluir que o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quando se refere a «impostos», está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação (como, por exemplo, o IVA, o IRC e o IRS) e àqueles que, embora tenham outra designação, a própria lei explicitamente considera «impostos» (como sucede com as «contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», que o n.º 3 do artigo 4.º da LGT identifica e expressamente considera «impostos»). E, paralelamente, aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas», que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir que devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos.
No caso da CSR, é manifesto que não se está perante uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no n.º 3 do artigo 4.º da LGT, pois não assenta «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», pelo que não há suporte literal mínimo para que seja considerada, na perspectiva legislativa, um dos «impostos» a que alude o artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011.”.
34. Em sentido contrário, pronunciaram-se os Tribunais Arbitrais nas decisões proferidas nos processos n.ºs 564/2020-T, 629/2021-T, 304/2022-T, 305/2020-T, 644/2022-T, 665/2022‑T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T e 410/2023-T, que qualificaram a CSR como imposto e, consequentemente, consideraram-na arbitrável. Por todos, cita‑se nesta sede o acórdão proferido em 24 de Outubro de 2023, no processo n.º 644/2022-T, que registou a este respeito o seguinte:
“Afigura-se a este tribunal que a CSR, não obstante um nomen iuris que pareceria integrá-la na categoria das “contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (art. 165º, 1, i) da CRP), preenche todos os requisitos de conteúdo pecuniário, carácter coactivo, unilateralidade, definitividade, ausência de cariz sancionatório, tendo como credor o Estado ou outros entes públicos, e a afectação à realização de fins públicos – que definem um imposto.
Essa qualificação não se modifica pela circunstância de surgirem algumas correspectividades como a da obtenção de receitas para financiamento da utilização de vias públicas – pois as contribuições que assentam no especial desgaste de bens públicos são impostos, como estabelece o art. 4º, 3 da LGT.
Falta à CSR o carácter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou colectiva que é necessária à contribuição financeira. O seu regime não determina, para o sujeito activo respectivo, qualquer dever de prestar específico, qualquer contraprestação exigível pelo contribuinte, o que significa que tem o carácter unilateral de um verdadeiro imposto (quando muito, alguma “paracomutatividade”, referente à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários – mas não a correspectividade bilateral estrita de uma taxa, sem uma contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo, como sucede numa taxa).
Basta percebermos que, enquanto a CSR é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal (inicialmente, Estradas de Portugal), sendo esta a entidade titular da correspondente receita, os sujeitos passivos da contribuição são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários, e, portanto, não são os destinatários da actividade da Infraestruturas de Portugal. Na sua concepção, a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos, e é devida pelos sujeitos passivos do ISP, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo.
Trata-se, assim, de um imposto de receita consignada (a consignação, desacompanhada de qualquer comutatividade, não subverte a sua natureza), e esta conclusão reforça-se com a posição veiculada pelo Tribunal de Contas na Conta Geral do Estado de 2008 (…)
Lembremos, por fim, que a CSR nasceu, com a Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, como um mero desdobramento do ISP, e, sobre este último, nem o nomen iuris permite dúvidas sobre a respectiva natureza.
Não há, nesse ponto, qualquer paralelo entre a CSR e a CESE (Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético), relativamente à qual uma decisão arbitral (Proc. n.º 714/2020-T) entendeu procedente a excepção de incompetência ratione materiae. A CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é tida como uma contribuição extraordinária cuja receita é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, tendo por base, portanto, uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou colectivas que integram o sector energético nacional, o que configura uma bilateralidade genérica ou difusa – que pura e simplesmente não encontramos na CSR.”
35. Cabendo tomar posição, e evitando repetições desnecessárias e contrárias à economia processual que se exige, acompanha este Tribunal Arbitral a jurisprudência que qualifica a CSR como um imposto, já que este é um tributo que efectivamente não reúne as características de bilateralidade difusa e de responsabilidade de grupo inerente às contribuições. Por conseguinte, nem se revela necessário indagar se as contribuições se inserem ou não no âmbito material da arbitragem, uma vez que resulta incontroverso do RJAT e da Portaria de vinculação que tal âmbito abrange a apreciação da legalidade de questões referentes a impostos.
36. Apesar de, em termos gerais, as matérias referentes à CSR serem arbitráveis, para se concluir pela competência material do Tribunal Arbitral é ainda necessário analisar e confrontar os concretos pedidos formulados pela Requerente com a delimitação que resulta do RJAT e da Portaria de Vinculação.
37. No pedido de pronúncia arbitral a Requerente peticionou, por um lado, a declaração de “ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário adquiridos pela Requerente no decurso do período compreendido entre abril de 2019 e dezembro de 2022” e, por outro lado, a declaração de ilegalidade “das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela AT com base nas DIC submetidas pela respetiva fornecedora de combustível, determinando‐se, nessa medida, a sua anulação, com as demais consequências legais”.
38. Do teor de tais pedidos resulta desde logo que não assiste razão à AT quando sustenta que a Requerente questiona a desconformidade jurídico-constitucional do regime da CSR como um todo, peticionando a suspensão da eficácia de acto legislativo emanado pela Assembleia da República no exercício das suas competências. Tal pedido não foi definitivamente formulado pela Requerente, pelo que improcedem quaisquer desconformidades que lhe pudessem ser assacadas.
39. Prosseguindo pela análise ao primeiro pedido, avança-se desde já que a apreciação da legalidade de actos de repercussão de CSR extravasa o âmbito material da arbitragem tributária.
40. Os actos de repercussão materializam “um fenómeno que consiste na transferência do peso económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo e com quem este está em relação, através da sua integração no preço de um qualquer bem”, tal como evidencia Sérgio Vasques, ob. cit., p. 399.
41. Fenómeno este que não se subsume a nenhuma das realidades visadas pelo artigo 2.º do RJAT anteriormente transcrito, que determina que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de actos de liquidação (alínea a) do n.º 1) e de actos de fixação da matéria tributável/matéria colectável/valores patrimoniais na eventualidade de não terem originado qualquer acto de liquidação (alínea b) do n.º 1).
42. Com efeito, independentemente da posição que se adopte sobre a natureza jurídica dos actos de repercussão – i.e., saber se são actos que integram uma relação jurídico-tributária complexa ou se são um fenómeno económico de natureza estritamente privada – certo é que aqueles não são actos tributários em sentido lato, porque não envolvem o apuramento da matéria colectável/tributável através da aplicação de uma norma tributária substantiva a um caso concreto e muito menos actos tributários de liquidação stricto sensu, que tornam certa, líquida e exigível a obrigação tributária através da operação aritmética de aplicação da taxa legal à matéria tributável previamente determinada (neste sentido vide Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. I, Almedina, 2017, p. 278).
43. Este é, de resto, o entendimento que tem sido defendido pela jurisprudência que se pronunciou sobre o tema, concretamente pelos Tribunais Arbitrais constituídos nos processos n.º 296/2023-T, 375/2023-T, 332/2023-T, 408/2023-T e 467/2023-T. Por todos, reproduz-se nesta sede em reforço das considerações já realizadas, o excerto das conclusões a que chegou o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 1 de Fevereiro de 2024, no processo n.º 296/2023‑T:
“III.6. A possibilidade de os tribunais arbitrais sindicarem actos de repercussão
Como os Colectivos que decidiram os processos n.os 408/2023-T e 375/2023-T, o presente Tribunal arbitral entende que não tem competências para apreciar directamente – e sem mais – actos de repercussão. Ainda que se possam integrar numa relação tributária complexa, tais actos ocorrem a jusante dos actos de liquidação e a competência que o legislador atribuiu aos tribunais arbitrais esgota-se – no que ao caso importa – na sindicância dos actos de liquidação. Isso decorre directamente das normas legais, mas corresponde também ao ensinamento da doutrina: Alberto Xavier, distinguindo a substituição tributária da repercussão, escrevia que nesta temos “um devedor de imposto, que é do mesmo passo contribuinte, e um terceiro que não desempenha qualquer papel na obrigação tributária.”
Para Leite de Campos/Benjamim Rodrigues/Lopes de Sousa, entre o terceiro repercutido “e o sujeito activo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do sujeito activo. A sua obrigação não nasce da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de o sujeito passivo de repercutir e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito. Daqui decorre, nomeadamente, que as relações entre o sujeito passivo e o repercutido inadimplente se regem pelo Direito privado.”
Sendo isso assim em tese geral, face ao elenco das competências dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, e que constam dos artigos 2.º a 4.º do RJAT, nem sequer é preciso discutir a natureza jurídica desses actos de repercussão porque, qualquer que seja, não estão contemplados na única potencial norma atributiva de competência a este Tribunal: a da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT: “A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;”. Quer dizer que este Tribunal se declara liminarmente incompetente para apreciar o primeiro pedido da Requerente (declarar a ilegalidade dos actos de repercussão da CSR consubstanciados nas facturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pela Requerente).”.
44. Em face do exposto, declara-se o presente Tribunal Arbitral incompetente, em razão da matéria, para conhecer o pedido de apreciação da legalidade de actos de repercussão de CSR, impondo-se a absolvição parcial da Requerida da instância quanto a este concreto pedido, em conformidade com o disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea a) todos do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
45. Em sentido oposto, e sem necessidade de mais valorações, reconhece-se o presente Tribunal Arbitral competente para apreciar o segundo pedido formulado pela Requerente, de declaração de ilegalidade das liquidações de CSR dirigida à sociedade fornecedora de combustível, porque subsumível ao âmbito material previsto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. Saber se tal impugnação pode ser feita pela Requerente, na qualidade de (alegada) repercutida, ou apenas pela B..., enquanto sujeito passivo primário a quem foi (alegadamente) liquidada e por quem foi (alegadamente) paga a CSR, é uma questão que não releva para efeitos de determinação de competência mas tão só para efeitos de apuramento de legitimidade, pelo que será nessa sede apreciada.”.
31. Para aplicar esta jurisprudência ao presente caso, é ainda necessário fixar os concretos pedidos formulados pela Requerente, que aqui se transcrevem:
“Nestes termos e nos demais de Direito que V. Ex.ª suprirá, requer-se a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos dos artigos 5.º, n.º 2, alínea a) e 6.º, n.º 1, do RJAT, pedindo-se a pronúncia arbitral sobre a legalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa n.º ...2023... e, por via disso, das liquidações de CSR legalmente repercutidas na Requerente no período compreendido entre maio de 2019 e 31 de dezembro de 2022, no valor global de € 102.270,69.
Nesta sede, e em face do exposto, requer-se ao Tribunal Arbitral que:
a) Declare a ilegalidade da Contribuição de Serviço Rodoviário repercutida na Requerente no período compreendido entre maio de 2019 e 31 de dezembro de 2023, no montante global de € 102.270,69, por violação do Direito da União Europeia e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4 da CRP, a qual deverá ser anulada em conformidade com o artigo 163.º do CPA, com as legais consequências;
b) Na medida da procedência do pedido anterior, ao abrigo do artigo 100.º da LGT, se digne ordenar o reembolso à Requerente do montante de € 102.270,69 indevidamente pago a título de CSR no período compreendido entre maio de 2019 e 31 de dezembro de 2022;
c) Na medida da procedência dos pedidos anteriores, com a anulação da CSR repercutida na Requerente, determine a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, em conformidade com o disposto nos artigos 43.º, n.º 1 e 3, alínea c), da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, e na Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril, por erro imputável aos serviços da Administração Tributária na prolação das referidas liquidações, até efetivo e integral pagamento;
e
d) Na medida da procedência dos pedidos anteriores, condenem a Administração Tributária nas custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais.”.
32. Ora, dos referidos pedidos resulta desde logo que a Requerente não pretende a suspensão da eficácia de actos legislativos com base na contestação do regime da CSR como um todo, pelo que improcede a excepção invocada pela Requerida a este respeito.
33. Dos referidos pedidos resulta ainda que a Requerente contesta simultaneamente as “liquidações de CSR” e a “Contribuição de Serviço Rodoviário repercutida”. Relativamente à concreta parte do pedido que visa a declaração de ilegalidade e anulação de actos de repercussão, julga-se o presente Tribunal incompetente por não estarem tais actos abrangidos pelo âmbito material da arbitragem, conforme justificado no acórdão acima citado, o que implica a absolvição parcial da Requerida da instância. Já quanto aos actos de liquidação, considera-se à semelhança do decidido no citado acórdão que ao ser a CSR um imposto e não uma contribuição, é o presente Tribunal Arbitral materialmente competente para a apreciação de actos de liquidação a ela referentes, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e 2.º da Portaria n.º 112‑A/2011, de 22 de Março, improcedendo assim a excepção invocada pela Requerida a este concreto respeito.
§2 – Ineptidão do Pedido de Pronúncia Arbitral e ilegitimidade activa
46. Na resposta invocou também a Requerida que a ineptidão da petição inicial por falta de objecto, por não terem sido identificados, no pedido de pronúncia arbitral, os actos tributários impugnados, sustentado, em síntese, não ser possível estabelecer a correlação entre os actos de liquidação praticados a montante pelo fornecedor de combustíveis, sujeito passivo do imposto, e as facturas de compra mencionadas pela Requerente. Mais arguiu a Requerida que a legitimidade para solicitar a anulação das liquidações e o reembolso por erro na liquidação se encontra restrita aos sujeitos passivos que declararam a introdução da CSR no consumo, não sendo esse o caso da Requerente.
47. Em sede de contraditório, invocou em síntese a Requerente o entendimento do Tribunal Arbitral no acórdão proferido no processo n.º 676/2023-T, em 12 de Março de 2024, no qual se defendeu que não recai sobre os repercutidos o ónus de identificação e de comprovação dos actos de liquidação, nem a prova da conexão entre os actos de liquidação e as facturas que titulam o imposto, por não serem eles os sujeitos passivos do impostos e por estes serem documentos na posse de terceiros. Quanto à legitimidade processual activa, apelou ao mencionado acórdão para sustentar que o artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007 não remete para o regime especial dos artigos 15.º e 16.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”), sendo antes aplicável a regra geral dos artigos 9.º, n.º 1, do CPPT e 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, que conferem à Requerente legitimidade.
48. Uma vez mais, adere-se quanto a esta questão à posição do Tribunal Arbitral no processo n.º 848/2023-T, proferido em 12 de Junho de 2024, onde se referiu o seguinte:
“47. A título de contextualização, cumpre começar por sublinhar que o contencioso tributário é um contencioso de plena jurisdição que confere aos particulares uma tutela jurisdicional efectiva quanto a todas as lesões de direitos e interesses legalmente protegidos em matéria tributária. Ainda assim, esta plena jurisdição é “mitigada”, porquanto reconhece limitações no que respeita aos poderes condenatórios e substitutivos que assistem aos Tribunais.
48. No que em concreto respeita ao domínio da impugnação judicial e da arbitragem tributária que lhe é alternativa, o contencioso tributário continua a ser essencialmente de mera anulação, com excepção dos poderes condenatórios de reembolso do imposto indevidamente pago, de condenação no pagamento de juros indemnizatórios e de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida.
49. Para além disso, no domínio daqueles meios processuais o contencioso tributário continua a ser de mera legalidade, de tipo, natureza ou matriz “objectivista”, que tem no acto tributário, maxime de liquidação, o seu elemento central (neste sentido vide Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 5.ª ed., Coimbra Editora, 2014, pp. 292-293).
50. Significa isto que a impugnação judicial e o pedido arbitral são meios processuais que não visam uma tutela da relação jurídico-tributária globalmente considerada, mas tão só dos concretos actos tributários contestados. Consequentemente, aqueles meios processuais dependem necessariamente da imputação de vícios a um determinado acto tributário previamente praticado e devidamente identificado que consiste no objecto do processo, cuja anulação ou declaração de nulidade ou inexistência se requer.
51. Neste mesmo sentido, referiu-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) de 16 de Dezembro de 2020, proc. n.º 0545/13.2BEVIS, que “o contencioso tributário é de mera apreciação da legalidade, consistindo na formulação de um pedido jurisdicional tendo em vista a anulação de um acto jurídico (tributário – liquidação) da administração, ou seja é um contencioso de anulação, e não de substituição”.
52. Dada a primazia que assume o acto tributário, torna-se particularmente relevante o cumprimento pelos particulares dos requisitos da petição inicial e do pedido de constituição de Tribunal Arbitral/pedido de pronúncia arbitral no que respeita à identificação dos actos de liquidação contestados.
53. Assim, determina-se no CPPT o seguinte:
“Artigo 108.º
Requisitos da petição inicial
1 - A impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o ato impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido.”. (destaque nosso)
54. Já no RJAT estabelece-se, ao que importa, o seguinte:
“Artigo 10.º
Pedido de constituição de tribunal arbitral
(…) 2 – O pedido de constituição de tribunal arbitral é feito mediante requerimento enviado por via electrónica ao presidente do Centro de Arbitragem Administrativa do qual deve constar:
(…) b) A identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral;”. (destaque nosso)
55. Compreende-se que em concretização do princípio do dispositivo a lei faça recair o ónus de identificação dos actos de liquidação sobre quem exerce o impulso processual de os impugnar. Se assim não fosse, isto é, se quem tomasse a iniciativa de contestar a legalidade de um acto de liquidação não tivesse o dever de o identificar e caracterizar, bem como de invocar os elementos essenciais que conformam o pedido e a causa de pedir, poder-se-ia verificar o prosseguimento de uma acção com um objecto processual inexistente ou, pelo menos, não devidamente delimitado.
56. Tal hipótese não pode, naturalmente, ser admitida. Por um lado, porque é em função do objecto processual que o Tribunal afere o cumprimento dos pressupostos que lhe permitem apreciar o mérito, designadamente a competência material, a legitimidade das partes, a tempestividade do pedido e a competência em razão do valor. Por outro lado, porque sem objecto o processo será inútil, já que no limite a acção poderá prosseguir sem que o Tribunal consiga aferir perante o concreto acto de liquidação contestado a verificação dos vícios invocados pelo impugnante. Isto sem contar que a final a decisão não terá efeito útil prático, já que o Tribunal não poderá declarar a ilegalidade e consequente anulação de um acto que desconhece.
57. Vejam-se a este respeito as seguintes conclusões a que chegou o STA no acórdão de 07 de Fevereiro de 2018, proc. n.º 01400/17:
“A única questão a decidir consiste em saber se está correcta a decisão ora sindicada que se decidiu pelo indeferimento liminar da petição de impugnação com fundamento no facto de a petição inicial ser inepta, por falta de objecto e, ainda, por ininteligibilidade do pedido, determinante da sua nulidade, a qual entendeu ser do conhecimento oficioso do tribunal, de harmonia com o disposto nos artigos 98.º do CPPT, 195.º n.º 1 e 186.º, n.º 2, alínea a), estes últimos do CPC, aplicável por remissão do artigo 2.º, alínea e), do CPPT.
Importa saber se foram cometidos erros de julgamento de direito, e se terá sido violado o princípio da cooperação, consagrado no artigo 7º, n.º 1, do CPC, e, bem assim, o direito de acesso à justiça e aos tribunais, proclamado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP.
(…)
Dispõe o artigo 108º do CPPT o seguinte:
Artigo 108.º
Requisitos da petição inicial
1 – A impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o acto impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido.
2 – Na petição indicar-se-á o valor do processo ou a forma como se pretende a sua determinação a efectuar pelos serviços competentes da administração tributária.
3 – Com a petição, elaborada em triplicado, sendo uma cópia para arquivo e outra para o representante da Fazenda Pública, o impugnante oferecerá os documentos de que dispuser, arrolará testemunhas e requererá as demais provas que não dependam de ocorrências supervenientes.
A impugnante não identificou o acto impugnado e, não incumbia ao tribunal a quo substituir-se à Impugnante na identificação e junção do ato impugnado. Ocorre total ausência de indicação do acto de liquidação passível de ser impugnado, no âmbito da presente impugnação judicial e daí decorre a falta de objecto da impugnação e a ininteligibilidade do pedido apresentado na petição inicial. A ora recorrente concede, aliás que a sua petição inicial era imprecisa (vide supra conclusão e)), mas nada fez, nem quando notificada para a tornar precisa, desde logo neste elemento essencial – indicação do acto lesivo para si ou seja o acto impugnado que constituiria o objecto da acção que dirigiu ao tribunal.
É exacto que atenta a falta de objecto da impugnação e, bem assim, a ininteligibilidade do pedido formulado na petição inicial, o tribunal “a quo” nunca poderia emitir primeiro uma decisão sobre a tempestividade da impugnação, que obedece aos prazos previstos no artº 102º do CPPT e depois, caso se verificasse a tempestividade da mesma, uma decisão de mérito, por não ter sido materializado o ataque a um qualquer ato de liquidação de um tributo com indicação de causa(s) de pedir inteligíveis.
Esta é uma situação bem distinta de outros casos apreciados por este STA onde se expressou que o indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo.
Mas no presente caso nem sequer estamos imediatamente numa situação de evidência da improcedência da pretensão do autor. Estamos ainda a montante, na omissão de identificação do próprio acto impugnado e daí que o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, sendo que a concretizar-se redundaria em manifesto desperdício de actividade judicial. Nestas circunstâncias não se contraria o sentido decisório dos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.05.2014, recurso 69/14, de 6.03.2014, recurso 509/13, de 26.09.2012, recurso 377/12, de 16.05.2012, recurso 212/12, de 12.01.2011, recurso 766/10 e de 24.02.2011, recurso 765/10, todos in www.dgsi.pt.
No caso apreço, consideramos que o entendimento veiculado na decisão recorrida justifica o despacho de indeferimento liminar por impossibilidade da lide sendo correcta a fundamentação, supra destacada, em que se sustenta a decisão e que também para aqui se aporta.
Permitimo-nos ainda destacar aqui a asserção do Sr. Procurador Geral Adjunto neste STA inserta no seu parecer, consistente em que:
“(…) da simples leitura da fundamentação do despacho de indeferimento liminar, emerge que não foi proferida uma decisão atentatória dos princípios da tutela jurisdicional efetiva e da promoção do acesso à justiça ou pro actione, consagrados no artigo 20.º da CRP.
A não ser assim, inexistiriam decisões de natureza meramente formal, o que, por absurdo, levaria ao prosseguimento de ações, à partida, sem a mínima viabilidade, desperdiçando os meios materiais e humanos disponíveis e os dinheiros públicos, já de si escassos e, ademais, ocupando artificialmente os tribunais, já tão assoberbados, com questões de antemão condenadas ao insucesso”.
Acresce referir que atenta a falta de indicação e de junção do ato impugnado, que, necessariamente, o deveria instruir, por parte da Impugnante, não se impunha à Meritíssima Juíza do TAF de Sintra que interviesse de novo, no processo antes de proferir o despacho ora sindicado pois que o convite foi feito logo com a cominação do que sucederia caso não fosse satisfeito o convite formulado. Em consequência, não houve qualquer decisão surpresa para a ora recorrente e também não ocorreu violação do princípio da cooperação.
Finalmente cremos que o Mº Juiz não violou qualquer dever de «gestão processual», princípio que permite ao juiz dirigir activamente o processo, tomando as providências necessárias ao seu andamento célere e legal, o que inclui a adopção dos actos indispensáveis à regularização da instância.
É que, perante petição inicial, ostensivamente deficiente de elementos exigidos por lei, tomou a iniciativa própria e adequada traduzida na notificação/convite para identificação/junção aos autos do acto impugnado lesivo dos direitos da impugnante. Saíram goradas as suas diligências, por manifesta falta de colaboração da própria impugnante que erradamente entendeu que podia transferir para o Tribunal a obrigação de juntar aos autos um documento que não identificou, e não alegou que estivesse em poder da parte contrária, atinente ao acto impugnado também não identificado, sendo que a existir a sua junção estava no âmbito do princípio do dispositivo que à parte assiste não sendo caso para aplicação do disposto no artº 429º do novo CPC.
Nestas circunstâncias muito bem andou a Meritíssima Juiz de Direito do TAF de Sintra, ao decidir indeferir liminarmente a presente petição de impugnação judicial.”. (destaque nosso)
58. Num sentido próximo, vejam-se as considerações do Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 28 de Setembro de 2021, proc. n.º 693/2020-T:
“Analisado o pedido Arbitral na globalidade, verifica-se, em primeiro lugar, que a Requerente se limita, no pedido final, e de forma abstracta, a dizer que deve ser decretada “a anulação do ato tributário impugnado com todas as consequências legais”, ficando o intérprete sem saber muito bem qual seja esse acto tributário, porquanto o mesmo não é identificado de forma clara, nem ao longo do articulado nem a afinal.
(…)
O RJAT não contém regime próprio em matéria de excepções e nulidades processuais, aplicando-se, nesta matéria, a título subsidiário, o disposto no CPPT, no CPTA e no CPC, como decorre do previsto no art. 29.º, n.º 1, a), c) e e) do RJAT.
De acordo com o estabelecido no art. 186.º, n.º 2, do CPC, há lugar a ineptidão da petição inicial quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir e quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
Na presente instância, a imprecisão quanto à identificação do pedido e a omissão dos factos correspondentes à identificação e caracterização dos actos tributários em causa, representam factualidade essencial, por isso integrante da causa de pedir. Trata-se, além do mais, de conteúdo que, pela sua essencialidade, deve, nos termos do estabelecido no art. 10.º, n.º 2, b), do RJAT, constar necessariamente do pedido de pronúncia arbitral.
Com efeito, o pedido é um elemento da petição inicial que, para além de ser importante para o réu (de modo a devidamente poder conformar a sua defesa), assume carácter essencial para o tribunal, na medida em que é com base no pedido que o tribunal aquilata o tipo de actividade jurisdicional que lhe é solicitada e define as balizas e objecto de conhecimento do mérito que lhe são permitidos e devidos. Conclusões que, no presente caso, em face do teor da petição inicial, e, em particular, da ausência, nela, da formulação de pedido, o tribunal não consegue apurar, não se reunindo, pois, as condições mínimas para que este possa conhecer do mérito.
Verifica-se, portanto, um dos tipos de deficiências “de carácter substancial, que irremediavelmente” comprometem “a finalidade da petição inicial” (ANTUNES VARELA, SAMPAIO e NORA e Miguel BEZERRA, Manual de Processo Civil, 1985, Coimbra Editora, p. 244), constituindo causa de ineptidão da petição inicial. Esta consubstancia, por seu turno, irregularidade geradora da nulidade de todo o processo (cfr. art. 186.º, n.º 1 do CPC), cuja previsão legal, enquanto excepção dilatória, consta do art. 89.º, n.º 4, b) do CPTA. Representa, por outro lado, nulidade insanável, como decorre do estipulado no art. 98.º, n.º 1, a), do CPPT, determinando, consequentemente, a absolvição da Requerida da instância (cfr. art. 576.º, n.º 2 do CPC).” (destaque nosso)
59. Retomando ao presente processo, constata-se que a Requerente peticiona a final a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de CSR praticados pela AT, porém, não identifica quais os específicos e concretos actos em causa nem junta aos autos qualquer prova, rectius documental, onde tal identificação seja feita.
60. Dos elementos probatórios produzidos pela Requerente apenas constam facturas que titulam aquisições de gasóleo rodoviário, bem como uma declaração da entidade fornecedora de combustível onde esta afirma que, enquanto sujeito passivo de CSR, repercutiu integralmente a totalidade do encargo do imposto na Requerente.
61. Por muito que as facturas e a mencionada declaração da fornecedora de combustível titulassem actos de repercussão de CSR – o que não ficou provado –, certo é que aquelas não são actos de liquidação, o que significa que a Requerente não cumpriu o ónus legal que lhe é imposto pelo artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT.
62. Incumprimento este que a Requerente não supriu, apesar de ter sido devidamente notificada para o efeito. Numa tentativa de colmatar a falta de identificação dos actos de liquidação, no pedido de pronúncia arbitral e no exercício do contraditório, a Requerente remeteu para que a AT o incumprimento do ónus da prova, invocando para o efeito a inversão decorrente do n.º 2, do artigo 74.º, da LGT.
63. Ora, tal como se referiu, o dever de identificação das liquidações impugnadas recai sobre a Requerente por força do princípio do dispositivo associado ao impulso processual de impugnação (artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT), sem contar que o incumprimento deste ónus é processualmente valorado contra a Requerente por ser esta que tem de demonstrar os factos constitutivos dos seus direitos (artigo 74.º, n.º 1 da LGT). Em todo o caso, e sem prejuízo de não existir fundamento para transferir para a AT a obrigação de identificação e junção aos autos das liquidações contestadas, a verdade é que inexistem elementos no processo que permitam à AT – e muito menos ao Tribunal Arbitral – estabelecer um nexo causal entre as facturas que alegadamente titulam a repercussão da CSR e as liquidações que lhe estão a montante.
64. Tal como evidenciou a Requerida, a B... apresenta declarações de DIC’s diárias em diferentes alfândegas, sendo cada uma delas competente para emitir a DIC globalizada e consequente liquidação (artigos 10.º, n.º 6, 10.º-A e 11.º do Código dos IEC ex vi artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto). Portanto, as facturas a que alude a Requerente podem corresponder a qualquer uma das DIC globalizadas submetidas pela B... nas diferentes alfândegas.
65. Isto sem contar que a liquidação e pagamento da CSR situam-se no circuito económico a montante das vendas de combustíveis rodoviários efectuadas pela B... à Requerente, inexistindo uma correspondência temporal entre liquidações e facturas emitidas. O que implica que as facturas a que alude a Requerente podem estar associadas a várias das liquidações que foram emitidas à B..., sem que a factura de um determinado mês corresponda à liquidação globalizada desse mês.
66. Isto sem contar ainda que no giro comercial é comum que um operador económico declare para introdução no consumo a partir de um seu Entreposto Fiscal produtos que são propriedade de outro fornecedor de combustíveis. Nestas situações, o operador económico que apresenta a DIC é o sujeito passivo a quem é liquidada a CSR, ainda que seja o outro fornecedor de combustíveis quem irá vender, através do Entreposto Fiscal do sujeito passivo que apresentou a DIC, os produtos aos seus clientes. Portanto, as facturas a que alude a Requerente podem respeitar a liquidações de que foi objecto a B... ou qualquer outro fornecedor de combustíveis a quem aquela possa ter solicitado a declaração para introdução no consumo.
67. Conclui-se, assim, que a identificação dos actos de liquidação pela AT seria excessivamente difícil ou até mesmo inviável, já que as facturas juntas pela Requerente aos autos poderiam corresponder a qualquer uma das DIC globalizadas e a qualquer uma das liquidações emitidas nas diferentes alfândegas no período compreendido entre Abril de 2019 e Dezembro de 2022. Isto, sem contar que poderá nem sequer existir coincidência entre o sujeito passivo de CSR e a fornecedora de combustível à Requerente, que pode não ter sido a responsável pela introdução no consumo e pelo pagamento da CSR liquidada. A identificação dos actos de liquidação carecia de ser feita pelos verdadeiros sujeitos passivos de CSR, que não são parte no processo e sobre os quais este Tribunal Arbitral não dispõe de poderes de autoridade, pelo que não seria possível recorrer ao regime previsto no artigo 429.º do CPC.
68. Esta impossibilidade prática de identificação dos actos de liquidação pela Requerente é mais facilmente compreensível se for tido em consideração, em primeiro lugar, que nos termos do artigo 15.º do CIEC a legitimidade para contestar a legalidade das liquidações de CSR apenas assiste aos sujeitos passivos deste imposto e, em segundo lugar, que o ordenamento jurídico prevê formas específicas de tutela dos direitos dos repercutidos, concretamente através de acções de repetição do indevido contra os repercutentes. É este, de resto, o entendimento que tem sido sufragado pela jurisprudência arbitral, designadamente nos processos n.ºs 296/2023-T, 375/2023-T, 332/2023-T e 408/2023-T já citados.
69. Para efeitos elucidativos, atente-se no seguinte excerto do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral em 1 de Fevereiro de 2024, proc. n.º 296/2023-T:
“III.7. A possibilidade de os tribunais arbitrais sindicarem actos de liquidação (inerentemente ligados a actos de repercussão) por solicitação dos repercutidos
Numa passagem do seu manual , Sérgio Vasques afirma que “Se o repercutido estará à margem da relação tributária, não estará por isso à margem do direito.”, referindo que a LGT lhe reconhece o direito “à reclamação, recurso, impugnação ou pronúncia arbitral” .
Qualquer que seja a posição a adoptar em tese geral – e, salvo disposição legal em contrário, não há razões para pôr em causa a possibilidade de os contribuintes de facto serem admitidos a invocarem perante os Tribunais, incluindo arbitrais, a ilegalidade dos impostos que efectivamente pagaram –, tem de se ter em conta o quadro legislativo, e este foi invocado pela AT na sua Resposta para pôr em causa a possibilidade de a repercutida poder vir pedir a revisão de liquidações que lhe eram alheias . Fê-lo a coberto do argumento da ineptidão do PPA por não incluir “A identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral;”, como expressamente exigido na alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT; fê-lo também com base na caracterização da relação da Requerente com a sua Fornecedora de Combustível como “uma relação comercial de direito privado entre empresas, à qual a administração tributária é estranha” (o que era especialmente relevante para a questão anterior); mas fê-lo igualmente com base numa alegada restrição legal do círculo de sujeitos que podem solicitar o reembolso da CSR, fazendo a equiparação desses pedidos de reembolso a pedidos de revisão (…)
A questão é: pode ela suscitar a revisão das liquidações de CSR em que não teve intervenção – e que, aliás, não consegue identificar – ainda que apenas na medida em que tais liquidações contendam com os pagamentos por ela feitos? Rectius: pode ela, supondo que todo o iter procedimental que desembocou no PPA cumpre os requisitos (o que ainda teria de se apurar) – pode a Requerente, perguntava-se, suscitar a revisão das liquidações conjuntas (e acumuladas) de ISP e CSR no segmento que invoca dizer-lhe respeito?
A questão está em saber se, portanto, no quadro processual que ficou descrito, pode este Tribunal declarar a ilegalidade das “liquidações de CSR praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pela respetiva Fornecedora de Combustíveis”, ainda que delimitando o âmbito da ilegalidade de tais liquidações pela correspondência aos “atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pela Requerente no decurso do ano de 2021” – uma vez que, em tudo o que as exceda, não foi formulada qualquer pretensão arbitral.
(…) qualquer que seja, em tese geral, a possibilidade de o repercutido invocar a ilegalidade das liquidações que originam a repercussão, no âmbito dos impostos especiais de consumo há uma norma que o veda e que o legislador manteve incólume ao longo das 25 alterações que, em 24 anos, introduziu no CIEC: a do n.º 2 do artigo 15.º (epigrafado “Regras gerais do reembolso”), assim redigida:
“Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respectivo imposto.”.
Por sua vez, as disposições relevantes desse artigo 4.º (epigrafado “Incidência subjectiva”), para as quais tal norma remete, têm a seguinte redacção:
“1 - São sujeitos passivos de impostos especiais de consumo:
a) O depositário autorizado, o destinatário registado e o destinatário certificado;
(…)
2 - São também sujeitos passivos, sem prejuízo de outros especialmente determinados no presente Código:
a) A pessoa que declare os produtos ou por conta da qual estes sejam declarados, no momento e em caso de importação;”
Desde a redacção inicial destas normas, dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho, também a única alteração substancial registada foi o aditamento (pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de Dezembro) do “destinatário certificado” entre os sujeitos passivos identificados à cabeça da norma sobre “Incidência subjectiva”. Quer dizer que nenhum legislador – nem mesmo o que entendeu atribuir natureza interpretativa à alusão à tipicidade da repercussão dos impostos especiais de consumo – considerou necessário, para o que ora importa, alargar o círculo dos “sujeitos passivos” para lá do “destinatário certificado”.
Quer dizer que só os sujeitos passivos aí identificados – e só quando preencham requisitos adicionais – podem suscitar questões sobre, como se escreve no n.º 1 desse artigo 15.º, “o erro na liquidação”.”.
70. A idêntica conclusão, ainda que com fundamentos diversos, chegou o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 15 de Janeiro de 2024, proc. n.º 375/2023-T:
“37. Em resultado do acima exposto, conclui-se, em síntese, o seguinte:
i. A referida Lei n.º 55/2007 define o sujeito passivo e devedor da CSR, mas não contém qualquer regra de repercussão legal, nem se pronuncia sobre a sua repercussão económica;
ii. As ora Requerentes não são consumidoras finais, o que significa que os gastos em que incorrem são presumivelmente, de acordo com as regras da experiência comum, repercutidos no elo subsequente do circuito económico até atingirem os consumidores finais, esses sim, onerados com o encargo económico do imposto e demais gastos incorridos na produção dos bens e serviços;
iii. Se a CSR foi economicamente repercutida pelos distribuidores de combustíveis às ora Requerentes, não há razões para crer que estas, no exercício de uma atividade económica que visa o lucro e dentro dessa racionalidade, não tenham também repassado de alguma forma o encargo da CSR, no todo ou em parte, para os seus clientes, os quais nem sequer são os consumidores finais (os próprios clientes).
38. Ora, não sendo as ora Requerentes os sujeitos passivos da CSR, nem repercutidos legais desta contribuição, não lhes assiste legitimidade processual, a menos que, como interessadas, aleguem e demonstrem factos que suportem a aplicação da norma residual atributiva de legitimidade, i.e., a menos que evidenciem a existência de um interesse direto e legalmente protegido na sua esfera, passível de justificar a faculdade de demandar a Requerida em juízo, ónus que sobre as mesmas impende.
39. Contudo, o único facto que as ora Requerentes alegam para este efeito é o de lhes ter sido repercutida a CSR. Qualificam esta repercussão, erradamente, como legal, embora não indiquem onde está prevista essa repercussão – que, a ser “legal”, sempre teria de constar de uma norma com essa natureza (a qual, porém, não existe).
(…) 41. Acresce que, sem prejuízo de a CSR ter sido consagrada como “contrapartida” da utilização da rede rodoviária nacional, a Lei não indica ou sequer sugere sobre quem é que deve constituir encargo, contrariamente ao que as ora Requerentes afirmam (nas suas palavras, o apontado “consumidor de combustíveis”, que, todavia, na realidade, a Lei não aponta...).
42. Rigorosamente, as ora Requerentes são tão-só clientes comerciais dos sujeitos passivos que liquidaram a CSR. Não são os sujeitos passivos dos actos tributários – de liquidação de CSR – impugnados. Não integram, nem são parte da relação tributária, nem são repercutidos legais. E também não se descortina, nem disso foi feita prova, que tenham sido as Requerentes a suportar economicamente o imposto, para o que seria necessário demonstrar duas vertentes cumulativas:
i. Que a CSR foi repercutida às ora Requerentes, quais os montantes e em que períodos;
ii. Que, por sua vez, o preço dos serviços de transportes que prestam aos seus clientes não comportam a repercussão de CSR (ou a medida em que não a comportam, se se tratar de repercussão parcial), por forma a poderem sustentar que suportaram, de forma efectiva, o encargo do imposto e o respetivo quantum.
43. As ora Requerentes limitaram-se a juntar declarações genéricas dos seus fornecedores de combustíveis, as quais estão longe de conter os elementos concretos indispensáveis à comprovação do acima exposto. Não lograram, por isso, atestar que suportaram o tributo contra o qual reagem. E esta seria, segundo entendemos, a única forma de lhes poder ser reconhecida a legitimidade residual para a presente acção arbitral, tendo em conta que não são sujeitos passivos, nas diversas modalidades que o conceito acomoda, nem repercutidos legais da CSR.
44. Aliás, compreende-se que o legislador não tenha adoptado um conceito irrestrito de legitimidade activa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura suscitaria, quer na ligação entre o acto de liquidação do imposto, a determinação da sua efectiva repercussão (económica) e a determinação do seu quantum; quer ainda no potencial desdobramento/duplicação de devoluções de imposto indevidas: simultaneamente ao sujeito passivo e ao(s) múltiplos repercutido(s) económicos da cadeia de valor. Ou seja, o mesmo imposto poderia ser restituído a diversos intervenientes, de forma dificilmente controlável e mapeável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.
45. Por fim, não se diga que as ora Requerentes ficaram desprovidas de tutela, pois nada impede o ressarcimento, através de uma acção civil de repetição do indevido instaurada contra os seus fornecedores, se reunirem os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (pontos 24 a 29). Nesta perspectiva, está acautelada a observância do princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva (vd. artigo 20.º da Constituição).
46. De assinalar, adicionalmente, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel (correspondente ao actual Imposto sobre Veículos), que o adquirente não tem legitimidade para impugnar a respetiva liquidação precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal (vd. Acórdão de 1/10/2003, processo n.º 0956/03).”. (destaque nosso)
71. Percebe-se, assim, que a Requerente não tenha logrado identificar os actos de liquidação de CSR cuja legalidade pretende contestar. É que tal impugnação apenas pode ser feita pelos sujeitos passivos a quem as liquidações foram dirigidas, sendo tal restrição de justificada pelas dificuldades práticas que resultariam de uma atribuição irrestrita de legitimidade. Resulta, assim, das citadas decisões arbitrais que mesmo que a Requerente lograsse identificar os actos de liquidação de CSR, sempre lhe faltaria legitimidade processual para contestar a respectiva legalidade por força do disposto no artigo 15.º do CIEC e no artigo 18.º, n.ºs 3 e 4, alínea a), da LGT. Solução que, conforme se referiu, não obsta à efectivação do direito a uma tutela jurisdicional efectiva, concretizada através de acção de restituição do indevido.
72. Pelo que sempre estaria verificada a excepção dilatória de ilegitimidade da Requerente, o que determina a absolvição da Requerida da instância nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.
73. Em face de tudo o exposto, e sem necessidade de maiores considerações, julga este Tribunal Arbitral procedente a ineptidão da petição inicial por falta de objecto, o que consubstancia uma nulidade insanável e determina a absolvição da Requerida da instância arbitral por procedência de excepção dilatória, nos termos conjugados do artigo 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, do artigo 89.º, n.º 4, alínea b) do CPTA e dos artigos 186.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, alínea b), 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea b), do CPC.”
49. Tendo presente a argumentação acabada de citar, que aqui não se repete sob pena da prática de actos inúteis e desnecessários no processo, proibida por força do disposto no artigo 130.º do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas e), do RJAT, conclui o presente Tribunal Arbitral pela procedência da excepção dilatória de ineptidão do pedido de pronúncia arbitral por falta de objecto, já que a Requerente não logrou identificar os actos de liquidação cuja legalidade pretende sindicar, o que implica a absolvição da Requerida da instância por força do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT. Conclui também o presente Tribunal Arbitral pela procedência da excepção dilatória de ilegitimidade processual activa, dado que a Requerente não logrou demonstrar que suportou economicamente o encargo da CSR por força de repercussão legal, nem que reúne os critérios atribuídos de legitimidade previstos no artigo 15.º do Código dos IEC e no artigo 18.º, n.ºs 3 e 4, alínea a), da LGT, o que implica a absolvição da Requerida da instância nos termos dos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.
50. Face ao sentido da decisão, fica prejudicada, porque inútil, a apreciação das demais questões suscitadas no processo.
V. DECISÃO
Termos em que se decide julgar:
-
Julgar procedente a excepção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar actos de repercussão de CSR e, em consequência, absolver parcialmente a Requerida da instância;
-
Julgar improcedente a excepção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar actos de liquidação de CSR;
-
Julgar procedente a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade quanto ao pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de CSR e, em consequência, absolver a Requerida da instância;
-
Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
VI. VALOR DO PROCESSO
Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 102.270,69.
VII. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 3.060,00, a suportar pela Requerente, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 26 de Agosto de 2024
Os árbitros,
Carla Castelo Trindade
(Presidente e Relatora)
Gustavo Gramaxo Rozeira
(com declaração de voto)
Amândio Silva
Declaração de voto
1. Voto favoravelmente a presente decisão no que diz respeito às alíneas a), b) e d) e à segunda parte da alínea c) do dispositivo.
Por coerência com o decidido em anteriores decisões arbitrais em que tive intervenção devo, no entanto, precisar melhor os fundamentos da minha adesão à decisão de procedência da exceção dilatória de ilegitimidade ativa.
Quanto a mim, o regime jurídico da CSR não prevê qualquer mecanismo de repercussão legal do referido tributo, pelo que fica excluída a legitimidade adjetiva dos terceiros adquirentes ao abrigo do art. 18.º, n.º 4, al. a), da LGT, que a confere apenas àqueles a quem o encargo económico do pagamento de um imposto resulte de imperativo legal. Porém, nem aquele preceito da LGT nem o art. 9.º do CPPT vedam ou negam categoricamente legitimidade adjetiva àqueles que, com base num fenómeno de repercussão de facto, tenham ainda assim sido chamados a suportar nas suas esferas o encargo económico do pagamento de um imposto. Aliás, um entendimento normativo diverso seria provavelmente contrário ao Direito da União Europeia, como parece resultar da jurisprudência do TJUE (assim, cfr. Acórdão de 11 de abril de 2024, Gabel Industria Tessile e Canavesi, C-316/22, ECLI:EU:C:2024:301, n.º 38).
Nessas situações de repercussão de facto haverá legitimidade ativa ao abrigo do cit. art. 9.º, n.º 1, do CPPT (ex vi do n.º 4 do mesmo preceito), sempre que sejam alegados factos dos quais se retire a ocorrência de uma efetiva repercussão do encargo económico de pagamento de um imposto de modo a permitir concluir pela existência, na esfera do terceiro adquirente, de um interesse legalmente protegido na anulação do ato de liquidação. Não basta assim a alegação vaga, genérica e perfunctória de que ocorreu um fenómeno de repercussão de facto: para assegurar a regularidade da instância revela-se imprescindível a invocação de factos concretos que, se demonstrados (matéria que já ingressa no âmbito da apreciação do mérito da causa), permitam estabelecer com segurança e inequivocidade quer a efetiva deslocação do encargo económico decorrente do pagamento do imposto da esfera daquele que é o sujeito passivo da relação jurídico-tributária para a do terceiro impugnante, quer ainda que essa deslocação teve por causa exclusiva o ato tributário impugnado, ou seja que na ausência da liquidação do imposto e do seu pagamento o adquirente, estranho à relação procedimental tributária, não teria sido chamado a suportar o mesmo custo ou preço pela aquisição que efetuou.
Sob este prisma torna-se evidente que, mesmo de acordo com a versão fáctico-jurídica que a própria dá da relação material controvertida, a requerente não alegou a existência, na sua esfera, de uma posição jurídica subjetiva que tenha sido direta e causalmente lesada pelos atos tributários que impugnou e, por conseguinte, carece verdadeiramente de um interesse legalmente protegido na demanda de anulação desses mesmos atos. O que vale por dizer que a requerente é parte ilegítima na presente arbitragem, pelo que não posso deixar de concordar com a decisão de absolver a requerida da presente instância arbitral.
2. Voto vencido quanto ao segmento decisório da primeira parte da alínea c) do dispositivo. Pelos fundamentos constantes da Decisão Arbitral 10-07-2024 (P.º 224/2024-T), para cujo desenvolvimento remeto brevitatis causa, sou de opinião de que não se verifica a nulidade de todo o processo decorrente de ineptidão da petição inicial.
CAAD, 26/08/2024
Gustavo Gramaxo Rozeira