Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 944/2023-T
Data da decisão: 2024-08-20  IRC  
Valor do pedido: € 127.952,43
Tema: IRC – Artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais. Organismos de Investimento Coletivo. Livre circulação de capitais. Competência material.
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SUMÁRIO

  1. O artigo 22.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na parte em que limita o regime nele previsto a organismos de investimento coletivo constituídos segundo a legislação nacional, excluindo organismos de investimento coletivo constituídos segundo a legislação de outros Estados-Membros da União Europeia, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, conforme resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça no processo C-545/19, com Acórdão de 17 de março de 2022.

 

  1. A interpretação do Tribunal de Justiça sobre o direito da União Europeia é vinculativa para os órgãos jurisdicionais nacionais, com a necessária desaplicação do direito interno em caso de desconformidade com aquela.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (presidente), Dra. Raquel Franco e Dra. Vera Figueiredo, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral no processo identificado em epígrafe, acordam no seguinte:

 

I.       RELATÓRIO

  1. A..., contribuinte fiscal belga n.º ... e português n.º..., com sede em Rue ...– ... Bruxelas, na Bélgica (“o Requerente”), representado pela sua entidade gestora B..., com sede em Rue... – ..., Bruxelas, na Bélgica, vem, na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado a 9 de Maio de 2023, ao abrigo do disposto nos artigos 57.º, n.ºs 1 e 5, e 95.º, n.º 2, alínea d), da Lei Geral Tributária (“LGT”), 97.º, n.º 1, alínea a), 99.º, alínea a), e 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 137.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“CIRC”), 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e, bem assim, das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das  Pessoas  Coletivas (“IRC”) a ele subjacentes, por retenção na fonte ocorrida, em 2019, aquando da colocação à disposição do Requerente de rendimentos de capitais de fonte portuguesa, no valor de € 127.952,43 (cento e vinte e sete mil, novecentos e cinquenta e dois euros, e quarenta e dois cêntimo).
  2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi apresentado pelo Requerente em 07-12-2023, tendo sido aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Requerida em 15-12-2023.
  3. O Requerente optou por não designar árbitro, tendo, nos termos do artigo 6.,º n.º 2, alínea a), e do artigo 11.º, n.º 1, do RJAT, o Conselho Deontológico designado os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo legalmente estipulado.
  4. As partes foram devidamente notificadas das nomeações em 31-01-2024, não tendo manifestado vontade de recusar as mesmas.
  5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 20-02-2024.
  6. Em 20-02-2024, foi proferido despacho arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT: “(1) Notifique-se a Exma. Senhora Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira para, no prazo de 30 dias: (a) apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), e (b) remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo, em cumprimento do disposto no artigo 17.º, n.º 2, do RJAT. (2) Notifique-se as Partes para submeterem todos os articulados em versão Word.”
  7. A Requerida apresentou a sua resposta em 05-04-2024, defendendo-se por exceção, invocando a incompetência, em razão da matéria, do tribunal arbitral para apreciação da decisão do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente, e por impugnação.
  8. O processo administrativo foi junto aos autos também em 05-04-2024.
  9. Em 08-04-2024, o Tribunal Arbitral emitiu o seguinte despacho: “1-Notifique-se o Requerente para, querendo, no prazo de 10 dias, responder à exceção suscitada pela AT Requerida na respetiva resposta. 2. Notifique-se as partes para, querendo, no prazo referido no número anterior, se pronunciarem quanto a uma eventual dispensa da reunião do artigo 18.º do RJAT e de alegações finais escritas. 3. Notifique-se as partes para submeterem todos os articulados em versão Word (se ainda não o fizeram).”
  10. Em 22-04-2024, o Requerente pronunciou-se sobre a exceção alegada pela Requerida.

II.    SANEADOR

  1. O presente Tribunal Arbitral considera-se regularmente constituído para apreciar o litígio (cf. artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, artigo 6.º, n.º 1, e artigo 11.º do RJAT).
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (cf. artigos 3.º, 6.º e 15.º do CPPT, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).
  3. A alegada incompetência do Tribunal Arbitral suscitada pela Requerida irá ser decidida após a fixação da matéria de facto dada como provada e não provada.
  4. Não foram alegadas outras questões prévias, para além das decididas nos presentes autos, que obstem à decisão de mérito.
  5. Fica dispensada a reunião do Tribunal Arbitral a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações escritas sucessivas, não tendo as partes se oposto à mesma, e considerando a falta de complexidade do processo, não existir prova adicional a produzir, sendo os factos suscetíveis de comprovação por prova documental.

 

 

  1. QUESTÕES A DECIDIR

 

  1. A questão decidenda nos presentes autos reconduz-se à apreciação da legalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa em referência e, nessa medida, da legalidade das liquidações de IRC por retenção na fonte acima referidas, que incidiram sobre os dividendos e juros de fonte portuguesa auferidos pelo Requerente em 2019. 
  2. A legalidade destes atos tributários depende essencialmente da questão de saber se o regime especial de tributação previsto no artigo 22.º do EBF para os Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”) constituídos de acordo com a legislação nacional, interpretado no sentido de excluir desse regime os OIC constituídos de acordo com a legislação de outro Estado Membro da União Europeia, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do TFUE.
  3. A AT suscitou também a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido, que será apreciada após elencada a matéria de facto.
  1. MATÉRIA DE FACTO

§1.     Factos provados

  1. Com interesse para a decisão da causa, dão-se como provados os seguintes factos, que não foram contestados pela Requerida:
    1. O Requerente é um OIC com sede e direção efetiva no Reino da Bélgica, constituído e a operar de acordo com as leis Belgas (cf. Documentos n.ºs 2, 3 e 4 juntos com o PPA).
    2. O Requerente é administrado por uma entidade gestora de fundos de investimento, a sociedade B..., entidade igualmente com residência no Reino da Bélgica, (cf. Documentos 2, 3 e 4 juntos com o PPA).
    3. Em 2019, o Requerente auferiu juros e dividendos pagos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de € 511.809,68, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória (cf. Documento n.º 5 junto com o PPA):

 

  1. As retenções na fonte de IRC em causa – no montante de € 127.952,43 – foram efetuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública através das guias de retenção na fonte identificadas, pelo C..., pessoa coletiva com o número de identificação fiscal ..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, ao abrigo do artigo 94.º, n.º 7, do CIRC (cf. Documentos 5 e 6 juntos com o PPA):
  2. O Requerente não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência relativo às retenções na fonte objeto do pedido de revisão oficiosa, seja ao abrigo da Convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e o Reino da Bélgica, seja ao abrigo da legislação interna Belga (cf. Documento n.º 6 junto com o PPA)
  3. No dia 09-05-2023, o Requerente apresentou, através de carta registada nessa data, pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC acima identificadas, que deu entrada em 10-05-2023 e veio a ter o n.º ...2023... (cf. Documento 1 junto ao PPA, e página 8 da parte 3 do processo administrativo).
  4. No pedido de revisão oficiosa, o ora Requerente invocou que as liquidações enfermam do vício de violação de lei consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
  5. Não foi proferida decisão sobre o pedido de revisão oficiosa até 07-12-2023, data em que o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral.
  6. Em 07-12-2023, foi apresentado o presente pedido de pronúncia arbitral.

§2.     Factos não provados

  1. Com relevo para a decisão, não existem factos essenciais não provados.

§3.     Motivação quanto à matéria de facto

  1. Cabe ao Tribunal selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
  2. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cf. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
  3. Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo por base a prova documental junta aos autos, e considerando as posições assumidas pelas partes, e não contestadas, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT.
  1. EXCEÇÃO SUSCITADA PELA REQUERIDA
  1. A incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto às pretensões em causa, de acordo com o previsto no n.º 2 do artigo 576.º e alínea a) do artigo 577.º do CPC”, aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do artigo 29.º do RJAT.
  2. A Requerida invoca a incompetência material do CAAD para conhecer do pedido de anulação das liquidações de retenção na fonte de IRC de 2019, com base nos seguintes argumentos: (i) falta de vinculação à jurisdição dos tribunais arbitrais da AT nos termos do disposto no artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112/2011 de 22 de março; (ii) falta de reclamação prévia prevista no artigo 132.º do CPPT; (iii) impossibilidade de conhecimento da (i)legalidade das retenções na fonte; (iv) (in)competência do tribunal arbitral para analisar os pressupostos do pedido de revisão oficiosa – artigo 78.º, n.º 1, da LGT
  3. Por seu turno, o Requerente, em resposta à exceção, vem alegar que não assiste razão à Requerida, com base nos seguintes fundamentos: (i) o pedido de revisão oficiosa é um meio de tutela dos direitos dos contribuintes análogo à reclamação graciosa, através do qual se garante a possibilidade de contestar a legalidade de atos tributários contrários a normas jurídicas nacionais ou comunitárias, residindo a diferença entre tais meios, no essencial, no órgão competente para a respetiva análise e para a reapreciação dos atos sindicados; (ii) os tribunais arbitrais têm competência para apreciar a legalidade de atos tributários previamente contestados perante a Administração Tributária em sede de revisão oficiosa tacitamente indeferida; (iii) o ato de indeferimento tácito é, para efeitos de impugnação contenciosa, um verdadeiro e pleno ato tributário, nos termos e para os efeitos do artigo 57.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, refletindo, nessa medida, a posição da AT sobre a pretensão do contribuinte; (iv) os erros praticados no ato de retenção são imputáveis à Administração Tributária para efeitos do disposto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, concluindo-se que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado tempestivamente pelo Requerente.
  4. Cumpre decidir.

 

 

  1. Da incompetência dos tribunais arbitrais para apreciar pedidos de revisão oficiosa de atos de liquidação por retenção na fonte
  1.  A competência dos tribunais arbitrais está prevista no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT e abrange:

“a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”. (negrito nosso)

  1. Por seu turno, o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT estabelece que:

“A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.” (negrito nosso)

  1. O artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, sob a epígrafe “Objeto da Vinculação”, determina que:

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes: a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”. (negrito nosso)

  1. Ora, o artigo 132.º do CPPT, sob a epígrafe “Impugnação em caso de retenção na fonte”, determina que:

“1 - A retenção na fonte é susceptível de impugnação por parte do substituto em caso de erro na entrega de imposto superior ao retido.

2 - O imposto entregue a mais será descontado nas entregas seguintes da mesma natureza a efectuar no ano do pagamento indevido.

3 - Caso não seja possível a correcção referida no número anterior, o substituto que quiser impugnar reclamará graciosamente para o órgão periférico regional da administração tributária competente no prazo de 2 anos a contar do termo do prazo nele referido.

4 - O disposto no número anterior aplica-se à impugnação pelo substituído da retenção que lhe tiver sido efectuada, salvo quando a retenção tiver a mera natureza de pagamento por conta do imposto devido a final.

5 - (Revogado pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro)

6 - À impugnação em caso de retenção na fonte aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo anterior.” (negrito nosso)

  1. No n.º 3 do artigo 131.º determina-se que:

“Quando estiver exclusivamente em causa matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, não há lugar à reclamação necessária prevista no n.º 1”. (negrito nosso)

  1. A Requerida alega que o Tribunal Arbitral não teria competência para julgar da pretensão da Requerente, por falta de vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais no caso sub judice por não ter o Requerente apresentado previamente reclamação graciosa dos atos de liquidação por retenção na fonte no prazo de 2 anos.
  2. No sentido da admissibilidade de apresentação de pedido de revisão de ato tributário nos casos de impugnação de atos de retenção na fonte, pronunciou-se Paulo Marques:

«No entanto, pensamos que o substituído pode ainda assim impugnar judicialmente este ato, uma vez que ele tem reflexos imediatos na sua esfera jurídica e, por isso, deve considerar-se como lesivo para efeitos do preceituado no n.º 4 do art. 268.º da Constituição da República e no n.º 2 do art. 9.º da LGT. No caso de revisão da retenção na fonte definitiva, em termos muito semelhantes ao que sucede nas liquidações de imposto, não se exige então a interposição de reclamação graciosa prévia, sem que o contribuinte o tenha feito, pode ainda ser apresentado o pedido de revisão oficiosa do ato tributário, enquanto garantia suplementar.»[1]. (negrito nosso)

  1. Como se retira do comentário do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária:

«Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta de ilegalidade de um ato de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o ato de segundo grau é o indeferimento de pedido de revisão do ato tributário¸ pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efetuado no prazo de reclamação administrativa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa [em nota de rodapé: Como se entendeu no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-06-2006, proferido no processo n.º 402/06]»[2] (negrito nosso)

  1. Acrescente-se o comentário de Carla Castelo Trindade:

«Questão que se prende com esta é a de saber se onde a lei exige a reclamação graciosa necessária o intérprete se pode bastar com a submissão ao entendimento administrativo através de pedido de revisão oficiosa.

Esta temática merece uma análise especial, na medida em que por longos anos, se discutiu na Doutrina e jurisprudência dos tribunais tributários, quais os efeitos da sua interposição e subsequente indeferimento por, entre outras razões, o pedido de revisão oficiosa ter um prazo de apresentação deveras mais alargado do que a reclamação graciosa ou do que o recurso hierárquico. A questão colocava-se, em especial, quanto a actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta. Faça-se, antes de mais, um enquadramento da questão, tal como ela foi abordada nos tribunais tributários.

Ora, o STA pronunciou-se, repetidamente, no sentido da equiparação do pedido de revisão do acto tributário à reclamação graciosa sobre actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta. Veja-se, por todos, o Acórdão do STA de 12 de Julho de 2006, proferido no âmbito do processo n.º 0402/06 (as mais das vezes citado pelos tribunais arbitrais) […].

É de acompanhar esta jurisprudência corrente do STA que vê no pedido de revisão do acto tributário — meio impugnatório administrativo com prazo mais alargado que os restantes um mecanismo de abertura da via contenciosa, perfeitamente equiparável à reclamação graciosa necessária.

Com efeito, e no seguimento do que se disse, as reclamações graciosas necessárias, previstas nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, justificam-se pela necessária de uma filtragem administrativa, prévia à via judicial, por estarem em causa actos que não são da autoria da Administração Tributária, mas do próprio sujeito passivo e nos quais esta não teve, ainda, qualquer intervenção. Nesse sentido, o pedido de revisão oficiosa serve o propósito dessa filtragem administrativa, porque aí a Administração já terá possibilidade de se pronunciar sobre o acto de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta. Excluir a jurisdição arbitral apenas porque o meio utilizado não foi efectivamente uma reclamação graciosa seria violar o princípio da tutela jurisdicional efectiva, tal como consagrado no artigo 20.º da CRP.

E esta admissibilidade vale, por maioria de razão, tanto para o pedido de revisão oficiosa apresentado fora do prazo previsto para a reclamação graciosa necessária (que é de 2 anos nos termos daqueles artigos do CPPT), como para o pedido que é realizado quando ainda era possível a apresentação de reclamação graciosa»[3]. (negrito nosso)

  1. Neste sentido, decidiu o STA no Acórdão que recaiu sobre o processo n.º 087/22.5BEAVR, de 11-09-2022:

«Na senda da jurisprudência assinalada, exposto o regime da revisão do acto tributário e impugnação das decisões proferidas (ou omitidas) no seu âmbito, que aponta no sentido de que não obsta à possibilidade de impugnação contenciosa a falta da reclamação prevista no artº 132.º do C.P.P.T..

Significa que apesar de essa reclamação ser necessária para a impugnação judicial do acto de retenção, com o regime geral da impugnação de actos anuláveis e com aos efeitos retroactivos próprios dos meios anulatórios, a sua falta não obsta (como também não obsta a impugnação judicial dos actos que podem ser impugnados contenciosamente por via directa), a que possa ser pedida a revisão oficiosa, com os efeitos próprios desta, limitados à cessação dos efeitos do acto, traduzida na restituição do que foi recebido pela administração tributária e que não deveria ter sido pago, à face do regime substantivo aplicável (eventualmente acrescida de juros indemnizatórios nos termos do n.º 3 do art. 43.º da LGT, sem natureza retroactiva).

Por assim ser e em concordância com o Ministério Público que acolheu e defendeu esse ponto de vista, é de concluir que, apesar de não ter sido deduzida reclamação graciosa, nos termos do artº 132.º do C.P.P.T., a Impugnante podia pedir a revisão oficiosa, dentro do prazo legal em que a Administração Tributária a podia efectuar e podia impugnar contenciosamente a decisão de indeferimento[4] (negrito nosso)

  1. Assim sendo, haverá que concluir pela admissibilidade de a via administrativa prevista no artigo 132.º do CPPT ser obtida através de apresentação de pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação por retenção na fonte.
  2. Pelo que, tendo o Requerente apresentado previamente à ação arbitral pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação por retenção na fonte, a Autoridade Tributária estaria ainda vinculada à jurisdição do Tribunal Arbitral, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 4.º do RJAT e artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de març

 

  1.  Da incompetência dos tribunais arbitrais para apreciar atos tácitos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos de liquidação por retenção na fonte
  1. A questão que se coloca em seguida é saber se tal competência existirá em todas as situações de pedido de revisão oficiosa ou somente nos casos em que exista uma decisão expressa do pedido pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
  2. Como refere Carla Castelo Trindade:

“O acto de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta é ainda arbitrável na medida em que perante um ato tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado fora do prazo previsto para reclamar graciosamente, estejam verificados os pressupostos processuais que admitissem a apreciação do mérito pela Administração Tributária, designadamente, os previstos nos n.ºs 1 e 4 do artigo 78.º da LGT.”.[5] (negrito nosso)

  1. Assim sendo, admitindo-se a possibilidade de o pedido de revisão oficiosa das liquidações de retenção na fonte ser a via administrativa admissível, haverá que aferir se o pedido de revisão oficiosa em causa nos presentes autos cumpria os requisitos legais.
  2. Atente-se à redação do artigo 78.º da LGT em vigor à data da apresentação do pedido de revisão oficiosa, que dispunha nos seguintes termos:

“1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 - (Revogado pela alínea h) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março)

3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.  (Redação da Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro)

4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte. (Redação do n.º 1 do artigo 57º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro)

5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional. (Redação da Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro) (…).” (negrito nosso)

  1. Existe à data de prolação do presente acórdão vasta jurisprudência dos tribunais superiores e dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD sobre o alcance do pedido de revisão do ato tributário previsto no artigo 78.º da LGT.
  2. Neste sentido, veja-se o acórdão do STA:

«Na verdade, é hoje pacífico que a revisão prevista no art. 78.º da LGT constitui um poder-dever da AT, à qual se impõe, por força dos princípios justiça, da igualdade e da legalidade dos impostos, que a AT está obrigada a observar na sua actividade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e art. 55.º da LGT), que não exija dos contribuintes senão o imposto resultante dos termos da lei; e é também jurisprudência consolidada, que, tal como a AT deve, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do acto tributário (no prazo de quatro anos após a liquidação, ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, como decorre do n.º 1 do art. 78.º da LGT), com fundamento em erro imputável aos serviços, também o contribuinte pode, dentro dos mesmos prazos, pedir que seja cumprido esse dever (Cfr. RUI DUARTE MORAIS, Manual de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, 2012, 28.5, págs. 212 a 214.) (…) Por outro lado, é hoje também jurisprudência consolidada que, em face do indeferimento, expresso ou tácito, do pedido de revisão oficiosa, mesmo que este seja formulado para além do prazo da reclamação administrativa (Seja este prazo o de dois anos, previsto no art. 132.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, seja o prazo de 15 dias, previsto no art. 162.º do Código do Procedimento Administrativo, na redacção em vigor à data.), mas dentro dos limites temporais em que a AT pode rever o acto, se abre a via contenciosa nos termos do art. 95.º, n.ºs 1, alínea d), e 2, da LGT (Vide, entre outros, o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Julho de 2014, proferido no processo n.º 1950/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Outubro de 2015)(…)» [6] (negrito nosso).

  1. Como vem sendo densificado pelos tribunais superiores e seguido pelos tribunais arbitrais com assento no CAAD, «(…) a «revisão oficiosa» exige que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes requisitos: i) o pedido seja formulado no prazo de 4 anos contados a partir do acto cuja revisão se solicita ou a todo o tempo quando o tributo não se encontre pago; ii) tenha origem em «erro imputável aos serviços» e iii) proceda da iniciativa do contribuinte ou se realize oficiosamente pela AT.»[7] 
  2. Assim, o pedido de revisão do ato tributário, ao abrigo da parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, poderá ser submetido no prazo de 4 anos, ainda que por iniciativa do sujeito passivo, desde que com fundamento em “erro imputável aos serviços”.
  3. Como é explicado por Paulo Marques, «erro imputável aos serviços» não é, em bom rigor, um qualquer erro, mas necessariamente e apenas um erro relevante (prejuízo efetivo, que tenha conduzido ao errado apuramento da situação tributária do contribuinte (essencialidade) e que tenha causado um prejuízo efetivo e suficientemente grave que justifique a eliminação total ou parcial do ato tributário em causa (divisível).»[8]  (negrito nosso)
  4. Sobre o que seja “erro imputável aos serviços”, é jurisprudência assente que o mesmo é um erro nos pressupostos de facto ou de direito e não um mero lapso ou erro material.
  5. Neste sentido, veja-se o acórdão do TCAS:

«No entanto, a revisão do acto tributário ao abrigo do regime previsto no citado artº.78, nº.1, 2ª. parte, da L.G.T., deve ter por fundamento erro imputável aos serviços da A. Fiscal, vector que é posto em causa na presente apelação, levando em consideração o regime das liquidações oficiosas objecto do processo e constante do artº.76, nº.3, do C.I.R.S., conforme mencionado supra. Embora o conceito de "erro imputável aos serviços" a que alude o preceito não compreenda todo e qualquer "vício" (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só "erros", estes abrangem o erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro. Por outras palavras, o dito "erro imputável aos serviços" concretiza qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à A. Fiscal, mais devendo tal erro revestir carácter relevante, gerando um prejuízo efectivo, em virtude do errado apuramento da situação tributária do contribuinte, daí derivando o seu carácter essencial (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/3/2012, rec.1007/11; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/5/2016, rec.407/15; Paulo Marques, A Revisão do Acto Tributário, Cadernos do IDEFF, nº.19, Almedina, 2015, pág.232 e seg.)»[9] (negrito nosso).

  1. Considerando o STA que «embora o conceito de “erro imputável aos serviços” aludido na 2ª parte do n.º 1 do 78.º da LGT não compreenda todo e qualquer “vício” (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só “erros”, estes abrangem não só o erro material e o erro de facto, como, também, o erro de direito ou erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectada pelo erro - Cfr. a jurisprudência consolidada no STA e que se encontra plasmada, entre outros, nos Acórdãos de 06/02/2002, no Proc. n.º 26.690; de 05/06/2002, no Proc. n.º 392/02; de 12/12/2001, no Proc. n.º 26.233; de 16/01/2002, no Proc. n.º 26.391; de 30/01/2002, no Proc. n.º 26231; de 12/11/2009, no Proc. n.º 681/09; de 22/03/2011, no Proc. n.º 1009/10; de 14/06/2012, no Proc. n.º 842/11; e de 14/03/2012, no Proc. n.º 1007/11»[10]  (negrito nosso).
  2. No sentido de tal erro ser imputável à AT, mesmo nos casos de retenção na fonte, cite-se novamente o Acórdão do STA no processo 087/22.5BEAVR, de 09-11-2022:

«Assim, há que ter em conta que in casu estamos perante uma situação de substituição tributária, realizada através do mecanismo de retenção na fonte, em que não há intervenção do contribuinte, e em que o substituto actua por imposição legal.

Depois, impera a realidade em que ocorreu um acto de retenção de imposto de selo a título definitivo, pois, se se tratasse de um acto de retenção na fonte por conta do imposto devido a final, na esteira ainda de Paulo Marques, in “A Revisão do Ato Tributário”, Almedina, pág.202, o acto não seria passível de pedido de revisão, na medida em que constituiria um acto provisório que tem por finalidade a antecipação da receita.

Por fim, não advém da sentença recorrida que os actos de retenção e cobrança do imposto tenham sido despoletados ou originados com base em elementos erróneos indicados pelo sujeito passivo.

Neste conspecto, propendemos a considerar que em tal situação se justifica que os erros praticados no acto de retenção sejam imputáveis à Administração Tributária, para efeitos do disposto no nº 1 do artigo 78º da LGT, pois se afigura inviável responsabilizar o contribuinte pela actuação do substituto, sob pena de violação dos seus direitos garantísticos.

É esse o ponto de vista do Ministério Público apoiado no acórdão deste tribunal de 12/07/2006, tirado no recurso nº 402/06, em que se doutrinou que «A formulação de pedido de revisão oficiosa do acto tributário pode ter lugar relativamente a actos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do art. 152.º do CPT (ou 132.º do CPPT), pois esta é necessária apenas para efeitos de dedução de impugnação judicial».

Vide, no mesmo sentido, Jorge Lopes de Sousa, in CPP Anotado, II vol., 6ª edição, pág.422 e que foi o relator do aresto acabado de mencionar.» (negrito nosso).

  1. Logo, contrariamente ao defendido pela Requerida, o poder-dever de decisão da AT recairá ainda sobre atos de retenção na fonte assentes em norma de direito interno incompatível com o Direito da União Europeia.
  2. Os erros praticados no ato de retenção na fonte serão, ainda, imputáveis à AT para efeitos do disposto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT.
  3. Logo, tendo o pedido de revisão oficiosa daquelas liquidações por retenção na fonte, com fundamento em erro nos pressupostos de direito, sido apresentado em 09-05-2023, isto é, dentro do prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, estavam verificados os pressupostos processuais que admitem a apreciação do mérito pela Autoridade Tributária.
  1. Conclusão
  1. Por todo o supra exposto, improcede a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral deduzida pela Requerida.
  2. Nada obstando à apreciação do mérito da causa, cumpre decidir.

 

 

 

 

 

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

§1.     Legislação relevante

  1. O artigo 22.º do EBF, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 31 de janeiro, estabelece o seguinte:

Artigo 22.º

Organismos de Investimento Coletivo

1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.

4 – Os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos 12 períodos de tributação posteriores, aplicando-se o disposto no n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRC.

5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.

6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.

7 – Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código.

8 – As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.

9 – O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo no entanto ser inferior a um ano civil: a) No ano do início da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a atividade e o fim do ano civil; b) No ano da cessação da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e a data da cessação da atividade.

10 – Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.

11 – A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código.

12 – O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC.

13 – As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC.

14 – O disposto no n.º 7 aplica -se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia.

15 – As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba.

16 – No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo-lhes ainda aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro.

 

  1. Conforme decorre do n.º 1 do artigo 22.º do EBF, estabelece-se que o regime nele previsto é aplicável aos “fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”. O Requerente é constituído ao abrigo da lei blega e não da lei nacional, não lhe sendo aplicável o regime do artigo 22.º do EBF.
  2. No que releva para o presente processo, o TFUE dispõe o seguinte:

Artigo 63.º

1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.”

 

Artigo 65.º

1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.

3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.”

 

 

§2.     Apreciação da questão controvertida

  1. Entende este Tribunal que assiste razão ao Requerente quando defende que o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a OIC constituídos segundo a legislação nacional, excluindo OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados-Membros da União Europeia, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do TFUE, em linha com jurisprudência arbitral recente nesta matéria (e.g., Decisão Arbitral de 26-04-2022, processo n.º 821/2021-T; Decisão Arbitral de 28-06-2022, processo n.º 129/2022-T; Decisão Arbitral de 13-07-2022, processo n.º 115/2022-T; Decisão Arbitral de 15-07-2022, processo n.º 121/2022-T; Decisão Arbitral de 08-08-2022, processo n.º 624/2022-T; Decisão Arbitral de 21-08-2022, processo n.º 83/2022-T) e também com a jurisprudência do TJUE e do nosso Supremo Tribunal Administrativo.
  2. No acórdão do TJUE de 17-03-2022, proferido no processo n.º C-545/19, afirma-se que “[o] artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”.
  3. Este Tribunal adere ao entendimento expresso no referido acórdão do TJUE, cuja fundamentação, na sua parte mais relevante, se reproduz de seguida:

Quanto à existência de uma restrição à livre circulação de capitais

36 Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado‑Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 27 e jurisprudência referida, e de 30 de janeiro de 2020, Köln‑Aktienfonds Deka, C‑156/17, EU:C:2020:51, n.° 49 e jurisprudência referida).

37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.

38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.

39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida).

40 Não obstante, segundo o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

41 Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 29 e jurisprudência referida].

42 O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.° 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 30 e jurisprudência referida].

Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis

43 Para apreciar a comparabilidade das situações em causa, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, por um lado, sobre a questão de saber se a situação dos detentores de participações deve ser tida em conta do mesmo modo que a dos OIC e, por outro, sobre a eventual pertinência da existência, no sistema fiscal português, de certos impostos aos quais apenas estão sujeitos os OIC residentes.

44 O Governo português alega, em substância, que as respetivas situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes não são objetivamente comparáveis uma vez que a tributação dos dividendos recebidos por estas duas categorias de organismos de investimento de sociedades residentes em Portugal é regulada por técnicas de tributação diferentes — a saber, por um lado, esses dividendos são objeto de retenção na fonte quando são pagos a um OIC não residente e, por outro, estão sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas quando são pagos a um OIC residente.

45 Este Governo indica igualmente que resulta do artigo 22.°‑A do EBF que os dividendos distribuídos por OIC residentes a detentores de participações sociais residentes em território português ou que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território são tributados à taxa de 28 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) ou de 25 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas), ao passo que os dividendos pagos a detentores de participações sociais que não residem no território português e que não têm estabelecimento estável neste último estão, em princípio, isentos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (com algumas exceções destinadas essencialmente a prevenir abusos).

46 Segundo o referido Governo, há uma estreita coerência entre a tributação dos rendimentos dos OIC e dos detentores de participações sociais nestes organismos. Assim, o modelo português de tributação dos OIC, de natureza «compósita», conjuga estruturalmente os impostos incidentes, por um lado, sobre os OIC residentes, ou seja, o imposto do selo e o imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, bem como, por outro, os incidentes sobre os detentores de participações sociais em tais organismos, conforme referidos no número anterior. Estas diferentes tributações, muito bem integradas entre si, sendo cada uma delas imprescindível à coerência do sistema de tributação instituído, devem ser entendidas como um todo.

47 Além disso, este mesmo Governo acrescenta, em substância, que, no âmbito da apreciação da comparabilidade das situações em causa, não se deve abstrair dos efeitos da transparência fiscal que caracteriza a relação entre a recorrente no processo principal e os detentores de participações sociais na mesma, o que leva a que a retenção na fonte efetuada em Portugal possa ser imediatamente repercutida nos detentores de participações sociais que, não estando isentos de imposto, podem imputar ou, ainda, creditar a sua participação dessa retenção efetuada em Portugal sobre o imposto do qual são devedores na Alemanha.

48 Por último, o Governo português considera que, ao ter livremente optado por não operar em Portugal através de um estabelecimento estável, a recorrente no processo principal autoexcluiu‑se de qualquer comparação com os OIC estabelecidos em Portugal, sendo a sua situação, isso sim, comparável a todas as situações das demais entidades não residentes e cujos dividendos auferidos em Portugal são sempre tributados a taxas nunca inferiores a 25 %.

49 Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha‑se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 47 e jurisprudência referida).

50 Quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 44 do presente acórdão, há que recordar que, nas circunstâncias que deram origem ao Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center (C‑282/07, EU:C:2008:762), o Tribunal de Justiça admitiu a aplicação, aos beneficiários de rendimentos de capitais, de técnicas de tributação diferentes consoante esses beneficiários sejam residentes ou não residentes, uma vez que esta diferença de tratamento diz respeito a situações que não são objetivamente comparáveis (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center, C‑282/07, EU:C:2008:762, n.° 41).

51 Do mesmo modo, no processo que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402), o Tribunal de Justiça declarou que o tratamento diferenciado da tributação dos dividendos pagos a fundos de pensões segundo a qualidade de residente ou de não residente destes últimos, resultante da aplicação, a esses fundos respetivos, de dois métodos de tributação diferentes, era justificado pela diferença de situação entre estas duas categorias de contribuintes à luz do objetivo prosseguido pela regulamentação nacional em causa nesse processo, bem como do seu objeto e do seu conteúdo.

52 No entanto, sob reserva da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 44 e jurisprudência referida).

53 A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

54 Além disso, como salientou a advogada‑geral no n.° 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek  (C‑252/14, EU:C:2016:402).

55 Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.

56 Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.

57 Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.

58 Em seguida, quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 48 do presente acórdão, há que salientar que, como alegou a Comissão em resposta às perguntas escritas do Tribunal de Justiça, no domínio da livre prestação de serviços, ao abrigo do artigo 56.° TFUE, os operadores económicos devem ser livres de escolher os meios adequados para exercer as suas atividades num Estado‑Membro diferente do da sua residência, independentemente de se estabelecerem ou não de modo permanente nesse outro Estado‑Membro, não devendo esta liberdade ser limitada por disposições fiscais discriminatórias.

59 Além disso, na medida em que o argumento do Governo português se refere à pretensa necessidade de ter em conta a situação dos detentores de participações sociais, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do Estado‑Membro em causa deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais controvertidas (v., designadamente, Acórdão de 30 de abril de 2020, Société Générale, C‑565/18, EU:C:2020:318, n.° 26 e jurisprudência referida), bem como o objeto e o conteúdo destas últimas (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 48 e jurisprudência referida).

60 Por outro lado, apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença de situação objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 49 e jurisprudência referida).

61 No caso em apreço, no que diz respeito, em primeiro lugar, ao objeto, ao conteúdo e ao objetivo do regime português em matéria de tributação dos dividendos, seja ao nível dos próprios OIC ou dos seus detentores de participações sociais, resulta tanto da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informação do Tribunal de Justiça como da resposta do Governo português às perguntas escritas que lhe foram dirigidas no âmbito do presente processo que o referido regime foi concebido numa lógica de «tributação à saída», ou seja, os OIC que são constituídos e operam de acordo com a legislação portuguesa estão isentos do imposto sobre o rendimento, sendo o encargo que este último representa transferido para os detentores de participações sociais que têm a qualidade de residentes, estando os detentores de participações sociais não residentes dele isentos.

62 Com efeito, o Governo português precisou que o regime nacional em matéria de tributação dos dividendos visava alcançar objetivos como, nomeadamente, evitar a dupla tributação económica internacional e transferir a tributação na esfera dos OIC para a esfera dos respetivos participantes, procurando assim que a tributação incidente sobre estes rendimentos seja aproximadamente equivalente à que ocorreria caso esses rendimentos tivessem sido obtidos diretamente pelos participantes nesses mesmos OIC.

63 Caberá ao órgão jurisdicional de reenvio, que tem competência exclusiva para interpretar o direito nacional, tendo em conta todos os elementos da legislação fiscal em causa no processo principal e o conjunto dos elementos constitutivos desse mesmo regime de tributação, determinar o objetivo principal prosseguido pela legislação nacional em causa no processo principal (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Köln‑Aktienfonds Deka, C‑156/17, EU:C:2020:51, n.° 79).

64 Se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa evitar a dupla tributação dos dividendos pagos por sociedades residentes, atendendo à qualidade de intermediário dos OIC face aos seus detentores de participações sociais, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um Estado‑Membro para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos rendimentos distribuídos por uma sociedade residente, as sociedades beneficiárias residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à das sociedades beneficiárias não residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 53 e jurisprudência referida).

65 Todavia, como resulta do n.° 49 do presente acórdão, a partir do momento em que um Estado‑Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha‑se à das sociedades residentes.

66 Com efeito, é unicamente o exercício por esse mesmo Estado da sua competência fiscal que, independentemente de tributação noutro Estado‑Membro, cria um risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica. Em tal caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE, o Estado de residência da sociedade distribuidora deve assegurar que, em relação ao mecanismo previsto no seu direito nacional para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 55 e jurisprudência referida).

67 Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram‑se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o.,  C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 56 e jurisprudência referida).

68 Caso o órgão jurisdicional de reenvio chegue à conclusão de que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa, no intuito de não renunciar pura e simplesmente à tributação dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal, transferir essa tributação para a esfera dos detentores de participações sociais dos OIC, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, se o objetivo da legislação nacional em causa for deslocar o nível de tributação do veículo de investimento para o acionista desse veículo, são, em princípio, as condições materiais do poder de tributação sobre os rendimentos dos acionistas que devem ser consideradas determinantes e não a técnica de tributação utilizada (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 60).

69 Ora, um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este Estado‑Membro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontra‑se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 61).

70 É certo que a República Portuguesa não pode tributar os detentores de participações sociais não residentes sobre os dividendos distribuídos por OIC não residentes, como aliás o Governo português admitiu tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça. Contudo, essa impossibilidade é coerente com a lógica de deslocação do nível de tributação do veículo para o detentor de participações sociais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 62).

71 No que respeita, em segundo lugar, aos critérios de distinção pertinentes, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.° 60 do presente acórdão, há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.

72 Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 58 e jurisprudência referida).

73 Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.

74 Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.

Quanto à existência de uma razão imperiosa de interesse geral

75 Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue e não for além do que é necessário para alcançar esse objetivo [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 56 e jurisprudência referida].

76  No caso em apreço, há que constatar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio não invoque essas razões no pedido de decisão prejudicial, uma vez que este se concentra na eventual comparabilidade das situações em causa no processo principal, o Governo português alega, tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça, que a restrição à livre circulação de capitais efetuada pela legislação nacional em causa no processo principal se justifica à luz de duas razões imperiosas de interesse geral, a saber, por um lado, a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional e, por outro, a de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os dois Estados‑Membros em causa, ou seja, a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha.

77 No que respeita, em primeiro lugar, à necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional, o Governo português considera, como resulta do n.° 46 do presente acórdão, que o modelo de tributação português dos dividendos constitui um modelo «compósito». Assim, só seria possível garantir a coerência deste modelo se a entidade gestora dos OIC não residentes operasse em Portugal através de um estabelecimento estável, de modo a que essa entidade pudesse concretizar as retenções na fonte necessárias junto dos detentores de participações sociais residentes, bem como, em certos casos excecionais orientados por considerações ligadas ao facto de evitar a planificação fiscal, junto dos detentores de participações sociais não residentes.

78 A este respeito, há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal nacional pode justificar uma regulamentação nacional suscetível de restringir as liberdades fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 50 e jurisprudência referida, e de 13 de março de 2014, Bouanich, C‑375/12, EU:C:2014:138, n.° 69 e jurisprudência referida), precisou, contudo, que, para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C‑641/17, EU:C:2019:960, n.° 87).

79 Ora, no presente processo, como resulta do n.° 71 do presente acórdão, a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 93).

80 Consequentemente, não há uma relação direta, na aceção da jurisprudência referida no n.° 78 do presente acórdão, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo.

81 A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal.

82 No que diz respeito, em segundo lugar, à necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, a justificação baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros pode ser admitida quando o regime em causa visa prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado‑Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 57 e jurisprudência referida, e de 20 de janeiro de 2021, Lexel, C‑484/19, EU:C:2021:34, n.° 59).

83 No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado‑Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 71 e jurisprudência referida).

84 Daqui resulta que a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros também não pode ser acolhida.

85 Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”

 

  1. Importa aqui recordar o Princípio do Primado do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional, bem como o relevo que assume a jurisprudência do TJUE na garantia de uma aplicação uniforme do direito da União Europeia nos diversos Estados Membros, por via do mecanismo de reenvio prejudicial previsto no artigo 267.º do TFUE.
  2. Deste modo, estando em causa questões de direito da União Europeia, a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais (neste sentido, por todos, Acórdão do STA de 26-03-2003, proferido no âmbito do processo n.º 01716/02).
  3. O Princípio do Primado do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, em que se estabelece que “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.
  4. Daqui se retira que os tribunais nacionais têm o poder-dever de desaplicar as normas de direito interno que se revelem contrárias a normas de direito da União Europeia, desde que estas respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático (v., neste sentido, o Acórdão do STA de 03-02-2016, proferido no processo n.º 01172/14).
  5. Mais recentemente, o Douto STA, por Acórdão de 28-09-2023, proferido no processo n.º 93/19.7BALSB, veio uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos:

“1 - Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação;

2 - O art.º 63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção;

3 - A interpretação do art.º 63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o art.º 22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.”

 

  1. Pelo exposto, e considerando a incompatibilidade do artigo 22.º do EBF, ao excluir do seu âmbito de aplicação os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados-Membros da União Europeia, com o artigo 63.º do TFUE, o Tribunal Arbitral declara ilegais e anula as liquidações de IRC por retenção na fonte contestadas e declara ilegal e anula o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente, por vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, em conformidade com o artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

§3.     Do pedido de reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

  1. Entende o Requerente que a procedência do pedido de pronúncia arbitral implica o direito à restituição das importâncias indevidamente retidas na fonte a título de IRC, no montante total de € 127.952,43, acrescido de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, a computar sobre o referido montante.
  2. De acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
  3. Consequentemente, para que, no caso sub judice, seja restabelecida a situação jurídica que existiria se não tivessem sido feitas as liquidações de IRC por retenção na fonte, a Requerida deve proceder ao reembolso dos montantes indevidamente retidos na fonte, o que é consequência da anulação.
  4. No que diz respeito ao direito a juros indemnizatórios, o TJUE tem entendido que a cobrança de impostos em violação do Direito da União tem como consequência não só o direito ao reembolso mas também o direito a juros, conforme é sustentado no seu Acórdão de 18-04-2013, proferido no processo n.º C-565/11 (e outros nele citados), no qual se refere, designadamente, o seguinte:

“21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado‑Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgesellschaft e o., C‑397/98 e C‑410/98, Colet., p. I‑1727, n.os 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C‑446/04, Colet., p. I‑11753, n.° 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.° 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C‑113/10, C‑147/10 e C‑234/10, n.° 65).

22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados‑Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.° 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.° 66).

23 A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado‑Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.os 27 e 28 e jurisprudência referida)”

 

  1. Compete a cada Estado-Membro definir as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo, o que, no caso português, obedece ao disposto no artigo 43.º da LGT, cuja redação é a seguinte:

“Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.”

 

  1. No caso vertente, o Requerente apresentou, em 09-05-2023, pedido de revisão oficiosa contra as retenções na fonte contestadas. À luz do disposto no artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT, os juros indemnizatórios começam a contar passado um ano da apresentação do pedido de revisão oficiosa, in casu, 09-05-2024.
  2. Neste sentido, pronunciou-se o STA em 06-02-2013, no Acórdão proferido no processo 0839/11:

“Se o contribuinte não reclamou graciosamente contra a liquidação ilegal nem a impugnou judicialmente nos termos e prazos previstos no CPPT, pedindo apenas, posteriormente, a revisão oficiosa do acto nos termos da 2ª parte do n.º 1 do art.º 78º da LGT, e se o acto é anulado em sede de impugnação judicial deduzida contra o indeferimento desse pedido de revisão, os juros indemnizatórios serão apenas os devidos depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte em sede de revisão oficiosa, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 3 do art.º 43º da LGT, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada”.

  1. Assim sendo, o Tribunal Arbitral determina que os juros indemnizatórios sobre o montante de € 127.952,43 comecem a contar desde 09-05-2024 até ao integral reembolso do referido montante ao Requerente (nos termos dos artigos 43.º, n.º 3, alínea c), do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril).
  1. DECISÃO

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e consequentemente:

  1. Declarar ilegais e anular as retenções na fonte contestadas, no montante total de € 127.952,43, bem como o ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa autuado com o n.º ...2023...;

 

  1. Condenar a AT no reembolso do montante de € 127.952,43 ao Requerente;
  2. Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante de € 127.952,43, contados desde 09-05-2024 até ao integral reembolso do referido montante ao Requerente,

tudo com as demais consequências legais.

  1. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 127.952,43.

IX. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

Notifique-se.

Lisboa, 20 de agosto de 2024    

Os árbitros,

 

 

 

Rita Correia da Cunha

(Presidente)

 

 

Dra. Raquel Franco

 

 

 

 

 

Dra. Vera Figueiredo

 

 



[1] Cf. Paulo Marques, in “A Revisão do Acto Tributário”, Cadernos do IDEFF, n.º 19, Almedina, 2019, págs.352-353.

[2] Cf. Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina 2013, pág. 122.

[3] Cf. Carla Castelo Trindade, in Regime Jurídico da Administração Tributária – Anotado, Almedina 2016, pág. 96 e 97.

[5] Cf. Carla Castelo Trindade, in Regime Jurídico da Administração Tributária – Anotado, Almedina 2016, pág. 102

[6] Cf. Acórdão do STA no processo n.º 0407/15 de 04-05-2016, disponível em: http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/BFEB9B0CE285218A80257FAB004DDDD2

[7] Cf. Decisão arbitral no processo n.º 65/2016-T, disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPageSize=100&listPage=21&id=2174

 

[8] Cf. Paulo Marques, in “A Revisão do Acto Tributário”, Cadernos do IDEFF, nº 19, Almedina, 2019, pág. 222.

 

[9] Cf. Acórdão do TCAS no processo n.º 09791/16, de 24-11-2016, disponível em: http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/793B69217A0240DA80258075005C30D9.