Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 381/2024-T
Data da decisão: 2024-08-06  IRC  
Valor do pedido: € 760.000,00
Tema: Organismos de Investimento Coletivo. IRC. Retenção na fonte. Estatuto dos Benefícios Fiscais. Direito da União Europeia.
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SUMÁRIO:

I.              A interpretação do Tribunal de Justiça sobre o direito da União Europeia é vinculativa para os órgãos jurisdicionais nacionais, com a necessária desaplicação do direito interno em caso de desconformidade com aquele.

II.            A legislação portuguesa de IRC, ao tributar por retenção na fonte dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a Organismos de Investimento Coletivo constituídos ao abrigo da legislação de outro Estado Membro, ao mesmo tempo que permite aos Organismos de Investimento Coletivo equiparáveis constituídos ao abrigo da legislação nacional beneficiar, em idêntica situação, de isenção dessa retenção na fonte, não é compatível com o direito da União Europeia, por violação da liberdade fundamental de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE, conforme resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça no processo C-545/19, com Acórdão de 17 de março de 2022.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro (Presidente), Prof.ª Doutora Maria do Rosário Anjos e Dr. Francisco Melo (Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem o seguinte:

 

 

            I. RELATÓRIO

 

1.   A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão, com o número de contribuinte português ..., com sede em ..., ..., Munique, Alemanha, (doravante designado de "Requerente") apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) nos termos e para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada a 14 de junho de 2022 e, bem assim, dos atos tributários de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas ("IRC") incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos ao ano de 2021.

2.   O pedido de constituição do Tribunal Arbitral feito em 20 de março de 2024 foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

3.   O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 10 de maio de 2024, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

4.   Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo ficou constituído em 28 de maio de 2024, sendo que no dia 29 de maio de 2024 foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta.

5.   Em 2 de julho de 2024, a Requerida apresentou resposta e juntou aos autos o Processo administrativo, defendendo-se por impugnação e requerendo a sua absolvição da instância.

6.   Por despacho de 3 de julho de 2024, o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2, todos do RJAT. O Tribunal Arbitral dispensou igualmente a apresentação de alegações. Mais informou as Partes de que a decisão final seria proferida até ao dia 30 de setembro de 2024.

 

A posição e os fundamentos do Requerente

 

7.       O Requerente para fundamentar o pedido alega, em síntese, o seguinte:

a)       O Requerente é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal alemão, uma entidade jurídica de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, constituída sob a forma contratual e não societária.

b)      O Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país.

c)       O Requerente detém investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal.

d)      No ano de 2021, o Requerente, na qualidade de acionista da B... S.A., recebeu dividendos e suportou em Portugal IRC por retenção na fonte, no montante total a seguir discriminado: 

 

e)       Na ótica do Requerente – e conforme já foi confirmado pelo TJUE em acórdão proferido no passado dia 17 de março de 2022, no processo n.º C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN) –, Portugal ao sujeitar, à data dos factos tributários em análise, a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal aos OIC estabelecidos em Estados Membros da União Europeia (“UE”) (in casu a Alemanha), simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC estabelecidos e domiciliados em Portugal viola, de forma frontal, o artigo 63.º do Tratado para o Funcionamento da União Europeia (doravante “TFUE”).

f)       Neste sentido, no dia 14.06.2022, o Requerente apresentou, ao abrigo do artigo 132.º n.ºs 3 e 4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e do artigo 137.º do CIRC, reclamação graciosa para apreciação da legalidade dos referidos atos de retenção na fonte de IRC relativos ao ano de 2021, na qual solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal.

g)      No dia 18.12.2023 (carta registada de 14.12), o Requerente foi notificado da decisão final de indeferimento da Reclamação Graciosa, fundada no entendimento de que “(…) não cabe à AT invalidar ou desaplicar o direito nacional em consequência 5 de decisões do TJUE, substituindo-se ao legislador para além daquilo que possa considerar-se uma interpretação razoável.”

h)      Mais refere a AT na sua decisão final que “(…) no que diz respeito aos OIC não residentes (que não disponham de um estabelecimento estável em território português), os mesmos não têm enquadramento na atual previsão do n.º 1 do art.º 22.º do EBF e, consequentemente, dos n.ºs 2, 3 e 10 da referida norma legal. 

13. Na esteira do Acórdão do TJUE, no âmbito do n.º 10 do art.º 22.º do EBF, estão incluídos OIC constituídos nos demais Estados-membros e, por maioria de razão, os OIC constituídos nos demais Estados-membros da EU e que operem em território português através de um estabelecimento estável aqui situado. 

14. Pelo que, nos parece viável uma interpretação jurídica conforme ao direito europeu, segundo a qual no âmbito da dispensa de retenção, estarão incluídos os OIC constituídos nos demais Estados-Membros da EU e que operem em território português através de um estabelecimento estável aqui situado. 

15. Ora, no caso em apreço, conforme informado, o Reclamante não é residente fiscal (Alemanha) e não dispõe de estabelecimento estável em Portugal, não se encontra enquadrado no n.º 1 do art.º 22.º do EBF.”.

i)        Em primeiro lugar e com enorme relevância para a discussão da questão material ora controvertida, importa referir que em sede de outro processo arbitral que correu termos junto deste centro de arbitragem (processo n.º 93/2019-T), foi decidido o reenvio de questões prejudiciais para análise do TJUE, em tudo idênticas às que se colocam nos presentes autos, tendo o processo corrido termos junto do TJUE sob o n.º C-545/19.

j)        Ora, no passado dia 17.03.2022 foi conhecido o veredito do TJUE no processo que correu termos sob o n.º C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN), no qual o TJUE1 se pronunciou, de acordo com a pretensão do Requerente no processo, sobre o regime português de tributação de dividendos auferidos por OIC.

k)      De forma perentória e inequívoca, o TJUE declarou que: “O artigo 63.° TFUE (relativo à liberdade de circulação de capitais) deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”.

l)        Significa isto que o regime previsto nos artigos 94.º n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b), 94.º n.º 4 e 87.º n.º 4, todos do CIRC, ao prever que os rendimentos obtidos em Portugal por OIC não residentes estão sujeitos a retenção na fonte liberatória em sede de IRC a uma taxa de 25% (enquanto se prevê uma isenção de tributação aplicável, nos termos do artigo 22.º do EBF, a dividendos auferidos por OIC residentes) não é compatível com o princípio da livre circulação de capitais, tal como resulta expresso e inequívoco da decisão do TJUE.

m)     Entende o Requerente que a decisão do TJUE no referido processo implica a necessária procedência da reclamação graciosa anteriormente apresentada e, bem assim, do presente pedido de pronúncia arbitral, uma vez que a questão a dirimir é materialmente igual.

n)      Nesse sentido vinham os tribunais arbitrais emitindo pronúncia de forma uniforme, designadamente, nos processos n.ºs 528/2019-T, 548/2019-T, 11/2020-T, 68/2020-T, 926/2019-T, 922/2019-T e 32/2021-T (cfr. decisões arbitrais disponíveis em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/). O mesmo entendimento tem sido seguido pelos tribunais arbitrais em todos os processos que se encontravam suspensos a aguardar o veredito do TJUE no processo acima identificado e cuja suspensão foi, entretanto, levantada.

o)      Tendo o regime interno que impõe a aplicação de retenção na fonte a dividendos distribuídos a um OIC não residente – como o Requerente – (enquanto se prevê que os dividendos distribuídos a OIC residentes estão isentos dessa retenção) sido expressamente e sem reservas julgado incompatível com o Direito da UE no passado dia 17 de março de 2022, impõe-se a anulação dos atos de retenção na fonte sindicados, por força do princípio do primado consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da CRP.

p)      Face à situação fáctica objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, é evidente que deveria a reclamação graciosa previamente apresentada pelo ora Requerente ter sido julgada integralmente procedente, por se mostrarem ilegais os atos de retenção na fonte de IRC incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos ao ano de 2021, por violação do princípio do primado consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, o que motivará a integral procedência do presente pedido arbitral, concluindo-se pela anulação dos atos tributários ora sindicados e pelo direito 18 do Requerente à restituição do imposto indevidamente suportado, acrescido dos juros indemnizatórios legalmente devidos nos termos do artigo 43.º da LGT, tudo com as demais consequências legais.

 

 

A posição e os fundamentos da Requerida

 

8.       Na resposta apresentada nestes autos, alega a Requerida, em síntese e no essencial, o seguinte:

a)       Com efeito e recorrendo ao Acórdão Schumacker (processo C-279/03), o direito internacional admite que, em matéria de impostos diretos, as relações entre residentes e não residentes não são comparáveis, pois apresentam diferenças objetivas do ponto de vista do rendimento, da capacidade contributiva e da situação familiar ou pessoal.

b)      Deste modo, tem o TJUE entendido que o facto de determinado Estado-membro não conceder a não residentes certos benefícios fiscais que concede a residentes, apenas pode ser discriminativo, na medida em que residentes e não residentes não se encontram numa situação comparável.

c)       Ora, no caso em apreço, as alegadas diferenças de tratamento encontram-se plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português.

d)      Aliás, “o TFUE refere expressamente que “a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros (art. 63º, nº 1, do TFUE), não prejudica os Estados-Membros de “Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido” [art. 65º, nº 1, alínea a), do TFUE] ”(Acórdão do STA 01435/12, de 20/02/2013).

e)       Também o Supremo Tribunal Administrativo (STA), no âmbito do Processo n.º 0654/13, de 27 de Novembro referiu que “Resulta da jurisprudência comunitária que embora da legislação nacional decorra, em abstrato, uma restrição à livre circulação de capitais não consentida pelo art. 56º do Tratado da Comunidade Europeia (atual art. 63º TFUE), importa averiguar se essa restrição, consubstanciada em maior tributação de entidade não residente, será neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação.”

f)       O Decreto-Lei nº 7/2015, de 13 de janeiro, veio proceder à reforma do regime de tributação dos OIC, ficando estes sujeitos passivos de IRC excluídos na determinação do seu lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais valias, referidos nos artigos 5º, 8º e 10º do CIRS, conforme prevê o nº 3 do artigo 22º do EBF a que acresce a isenção das derramas municipal e estadual, conforme nº 6 da mencionada norma legal.

g)      Contudo paralela a esta opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre o ativo global líquido dos OIC.

h)      Esta reforma na tributação veio apenas a incidir sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, dela ficando excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira.

i)        Por outro lado, está também prevista a tributação autónoma à taxa de 23%, nos termos do n.º 11 do artigo 88.º, do Código do IRC e do n.º 8 do artigo 22.º do EBF, dos dividendos pagos a OIC com sede em Portugal, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.

j)        Por isso, no presente caso, não parece estarmos em presença de situações objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela requerente.

k)      E ainda que o Fundo não consiga recuperar o imposto retido na fonte em Portugal no seu estado de residência, também não está demonstrado que o imposto não recuperado pelo Fundo não possa vir a ser recuperado pelos investidores.

l)        Ou seja, a aparente discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, não pode levar a concluir, em nossa opinião, por uma menor carga fiscal dos OIC residentes, pois como se viu embora o regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos, seja por tributação autónoma (IRC), seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos noutros Estados Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis.

m)     E não sendo as situações comparáveis parece difícil de aceitar o argumento da requerente de que a legislação nacional e particularmente o artigo 22.º do EBF está em desconformidade e contrariaria o disposto no TFUE, nomeadamente, quanto à liberdade de circulação de capitais, tendo em apreço a proibição geral de discriminação face a uma restrição injustificada à liberdade de estabelecimento prevista no artigo 63.º do referido TFUE.

n)      Não compete à Administração Tributária avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, não podendo aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação de compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu.

o)      A administração tributária não pode deixar de aplicar as normas legais que a vinculam, porquanto está a mesma adstrita ao princípio da legalidade positivada.

p)      Para se avaliar se o tratamento fiscal aplicado aos dividendos obtidos em Portugal é menos vantajoso do que o tratamento fiscal atribuído aos dividendos obtidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e se tal diferenciação é suscetível de afetar o investimento em ações emitidas por sociedades residentes, teria de ser colocado em confronto o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, à taxa de 15%, e os impostos – IRC e Imposto do Selo - que incidem sobre os segundos, e que, em conjunto, podem, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos.

q)      Em lugar de se acentuar a discriminação existente no Estado de residência fiscal do credor dos rendimentos, será mais acertado falar em diferentes modalidades de tributação que até pode redundar, em certos casos, numa carga fiscal menor dos dividendos auferidos em Portugal por Fundos de Investimento constituídos ao abrigo da legislação de outros Estados‑Membros da UE.

r)       É, assim, arriscado e prematuro retirar conclusões gerais que são dirigidas a resolver casos concretos, o que justifica que a AT se considere inibida de transpor para os casos que lhe são submetidos de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação de compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu.

s)       Inexistindo qualquer ilegalidade sobre os atos impugnados, não há, lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

II. SANEAMENTO

 

9.       O Tribunal Arbitral coletivo foi regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido.

10.    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

11.    O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

§1 – Factos provados

12.    Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

a)    O Requerente é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal alemão, uma entidade jurídica de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, constituída sob a forma contratual e não societária – cf. alegado no artigo 1.º do PPA e não contestado pela Requerida;

b)    O Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país – cf. documento n.º 1 junto com o PPA;

c)    No ano de 2021, o Requerente, na qualidade de acionista da B... S.A., recebeu dividendos e suportou em Portugal IRC por retenção na fonte, no montante total a seguir discriminado – cf.  documento n.º 2 junto com o PPA: 

 

 

d)    No dia 14 de junho de 2022, o Requerente apresentou reclamação graciosa para apreciação da legalidade dos referidos atos de retenção na fonte de IRC relativos ao ano de 2021 – cf.  documento n.º 3 junto com o PPA;

e)    No dia 18 de dezembro de 2023, o Requerente foi notificado da decisão final de indeferimento da Reclamação Graciosa – cf.  documento n.º 4 junto com o PPA

f)     Em 18 de março de 2024, o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral e o PPA que deram origem ao presente processo.

 

§2 – Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

13.    Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

14.    Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, que não foram impugnados.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

15.    O Requerente é um OIC de direito alemão, sem residência fiscal ou estabelecimento estável em território português. 

 

16.    Na qualidade de detentor de participações sociais em sociedade residente em Portugal, o Requerente recebeu dividendos em 2021 relativamente aos quais foi efetuada retenção na fonte a título liberatório, à taxa de 25% prevista no artigo 87.º do Código do IRC.

 

17.    O Requerente questiona a legalidade destes atos de retenção na fonte à luz do Direito da União Europeia. Mais especificamente, o Requerente defende, em suma, que o artigo 22.º do EBF concede expressamente aos OIC constituídos em Portugal a possibilidade de beneficiarem de um regime que lhes permite receber os dividendos distribuídos por sociedades com residência fiscal em Portugal totalmente isentos de tributação, bastando, para tal, que sejam constituídos de acordo com a legislação nacional, ao passo que os OIC constituídos noutros Estados-Membros da União Europeia não são passíveis de beneficiar de idêntica isenção (ficando sempre sujeitos a uma tributação efetiva e liberatória em sede de IRC, à taxa de 25%, sobre os dividendos auferidos em Portugal), o que consubstancia uma violação da liberdade de circulação de capitais consignada no artigo 63.º do TFUE.

 

18.    A questão decidenda é, pois, a de saber se o regime especial de tributação previsto no artigo 22.º do EBF para os OIC constituídos de acordo com a legislação nacional, interpretado no sentido de excluir desse regime os OIC constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do TFUE.

 

19.    O artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redação vigente em 2021, estabelece o seguinte:

 

Artigo 22.º

Organismos de Investimento Coletivo

1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional. 

2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 

3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1. 

4 – Os prejuízos fiscais apurados nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 52.º do Código do IRC.

5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC. 

6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual. 

7 – Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código. 

8 – As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime. 

9 – O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo, no entanto, ser inferior a um ano civil: a) No ano do início da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a atividade e o fim do ano civil; b) No ano da cessação da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e a data da cessação da atividade. 

10 – Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1. 

11 – A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código. 

12 – O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC.

13 – As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC. 

14 – O disposto no n.º 7 aplica -se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia. 

15 – As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba. 

16 – No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo-lhes ainda aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro.

 

20.    Nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, pelo qual se procedeu, ademais, à reforma do regime de tributação dos OIC, «as regras previstas no artigo 22.º do EBF, na redação dada pelo presente decreto-lei, são aplicáveis aos rendimentos obtidos após 1 de julho de 2015». 

 

21.    No referido n.º 1 do artigo 22.º do EBF estabelece-se que o regime nele previsto é aplicável aos «fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional». 

 

22.    O Requerente não é constituído ao abrigo da lei portuguesa e, por isso, o artigo 22.º, n.º 1, do EBF afasta a aplicação daquele regime ao Requerente.

 

23.    O Requerente defende, em suma, que os atos de retenção na fonte em IRC objeto dos presentes autos assentam numa situação de discriminação que viola o princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

 

24.    O artigo 63.º do TFUE estabelece o seguinte:

Artigo 63.º (ex-artigo 56.º TCE)

1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros. 

2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros. 

 

25.    No entanto, o artigo 65.º do TFUE limita a aplicação deste princípio, estabelecendo o seguinte: 

 

 

Artigo 65.º (ex-artigo 58.º TCE)

1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros: 

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido; 

b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública. 

2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados. 

3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.

 

26.    A questão da compatibilidade ou não do regime previsto no artigo 22.º, n.º 1, do EBF com o Direito da União Europeia, designadamente o artigo 63.º do TFUE, foi apreciada no acórdão do TJUE de 17-03-2022, proferido no processo n.º C-545/19, em que se concluiu que:

O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

 

27.    Este Tribunal adere ao entendimento expresso no referido acórdão do TJUE, cuja fundamentação, na sua parte mais relevante, se reproduz de seguida:

 

Quanto à existência de uma restrição à livre circulação de capitais

 

36 Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado‑Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 27 e jurisprudência referida, e de 30 de janeiro de 2020, Köln‑Aktienfonds Deka, C‑156/17, EU:C:2020:51, n.° 49 e jurisprudência referida).

 

37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.

38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.

 

39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63º TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, nºs 44, 45 e jurisprudência referida).

 

40 Não obstante, segundo o artigo 65º, nº 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63º TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

 

41 Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, nº 29 e jurisprudência referida].

42 O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65º, nº 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65º, nº 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, nº 30 e jurisprudência referida].

 

 Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis

 

49 Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha‑se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, nº 47 e jurisprudência referida).

 

50 Quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 44 do presente acórdão, há que recordar que, nas circunstâncias que deram origem ao Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center (C‑282/07, EU:C:2008:762), o Tribunal de Justiça admitiu a aplicação, aos beneficiários de rendimentos de capitais, de técnicas de tributação diferentes consoante esses beneficiários sejam residentes ou não residentes, uma vez que esta diferença de tratamento diz respeito a situações que não são objetivamente comparáveis (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center, C‑282/07, EU:C:2008:762, nº 41).

 

51 Do mesmo modo, no processo que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402), o Tribunal de Justiça declarou que o tratamento diferenciado da tributação dos dividendos pagos a fundos de pensões segundo a qualidade de residente ou de não residente destes últimos, resultante da aplicação, a esses fundos respetivos, de dois métodos de tributação diferentes, era justificado pela diferença de situação entre estas duas categorias de contribuintes à luz do objetivo prosseguido pela regulamentação nacional em causa nesse processo, bem como do seu objeto e do seu conteúdo.

 

52 No entanto, sob reserva da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 44 e jurisprudência referida).

 

53 A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

 

54 Além disso, como salientou a advogada‑geral no nº 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402).

 

55 Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.

 

56 Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.

 

57 Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.

 

(…)

 

60 Por outro lado, apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença de situação objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 49 e jurisprudência referida).

(…)

 

71 No que respeita, em segundo lugar, aos critérios de distinção pertinentes, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.° 60 do presente acórdão, há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.

 

72 Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 58 e jurisprudência referida).

 

73 Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.

 

74 Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.

 

 Quanto à existência de uma razão imperiosa de interesse geral

 

75 Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue e não for além do que é necessário para alcançar esse objetivo [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, nº 56 e jurisprudência referida].

 

(…)

 

78 A este respeito, há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal nacional pode justificar uma regulamentação nacional suscetível de restringir as liberdades fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 50 e jurisprudência referida, e de 13 de março de 2014, Bouanich, C‑375/12, EU:C:2014:138, n.° 69 e jurisprudência referida), precisou, contudo, que, para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C‑641/17, EU:C:2019:960, n.° 87).

 

79 Ora, no presente processo, como resulta do nº 71 do presente acórdão, a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, nº 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, nº 93).

 

80 Consequentemente, não há uma relação direta, na aceção da jurisprudência referida no nº 78 do presente acórdão, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo.

 

81 A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal.

 

82 No que diz respeito, em segundo lugar, à necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, a justificação baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros pode ser admitida quando o regime em causa visa prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado‑Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 57 e jurisprudência referida, e de 20 de janeiro de 2021, Lexel, C‑484/19, EU:C:2021:34, n.° 59).

 

83 No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado‑Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, nº 71 e jurisprudência referida).

84 Daqui resulta que a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros também não pode ser acolhida.

 

(…)

 

28.    Nesta sede, cumpre assinalar o Princípio do Primado do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional, bem como o relevo que assume a jurisprudência do TJUE na garantia de uma aplicação uniforme do direito da União Europeia nos diversos Estados Membros, por via do mecanismo de reenvio prejudicial previsto no artigo 267.º do TFUE.

 

29.    Deste modo, estando em causa questões de direito da União Europeia, a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais (neste sentido, por todos, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26-03-2003, proferido no âmbito do processo n.º 01716/02).

 

30.    A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

 

31.    Daqui se retira que os tribunais nacionais têm o poder-dever de desaplicar as normas de direito interno que se revelem contrárias a normas de direito da União Europeia, desde que estas respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático (v., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03-02-2016, proferido no processo n.º 01172/14).

 

32.    De resto, o Supremo Tribunal Administrativo uniformizou a jurisprudência sobre esta matéria em obediência ao decidido pelo TJUE (Acórdão de 28-09-2023, processo n.º 093/19), nos seguintes termos:

1 - Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação;

2 - O art.º 63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção;

3 - A interpretação do art.º 63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o art.º 22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.”

 

33.    Pelo exposto, e considerando a incompatibilidade do artigo 22.º do EBF, ao excluir do seu âmbito de aplicação os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados‑Membros da União Europeia, com o artigo 63.º do TFUE, o Tribunal declara ilegais e anula as liquidações de IRC por retenção na fonte contestadas, declara ilegal e anula os indeferimentos da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente, por vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, em conformidade com o artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

IV. PEDIDO DE REEMBOLSO DAS QUANTIAS PAGAS E JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

34.    O Requerente pede o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal, acrescido de juros indemnizatórios.

 

IV.1. Reembolso

 

35.    Na sequência da anulação das retenções na fonte o Requerente tem direito a ser reembolsado das quantias retidas, o que é consequência da anulação.

 

36.    Assim, tendo sido retida a quantia total de EUR 760.000,00, o Requerente tem direito a ser dela reembolsado.

 

IV.2. Juros indemnizatórios

 

37.    O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

 1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 –São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

 4 – A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5 – No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

 

38.    No caso sub judice, a AT, não estando exonerada do dever de aplicação do Direito da União Europeia, deveria ter deferido a pretensão do Requerente em sede de reclamação graciosa. 

 

39.    Não o tendo feito, a AT manteve uma situação de ilegalidade, sendo-lhe assim imputável erro de direito enquadrável no n.º 1 do artigo 43.º da LGT. Neste sentido, pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0890/16, em 18-01-2017: “em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) o erro passa a ser imputável à AT depois de eventual indeferimento da pretensão deduzida pelo contribuinte”. 

 

40.    Nestes termos, conclui-se que não poderá deixar de proceder o pedido de condenação quanto aos juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços (no mesmo sentido, v. Decisão Arbitral de 14-05-2019, processo n.º 637/2018-T, Decisão Arbitral de 27-05-2019, processo n.º 678/2018-T; Decisão Arbitral de 13-07-2022, processo n.º 115/2022-T; Decisão Arbitral de 28-07-2022, processo n.º 816/2021-T). 

 

41.    Relativamente ao momento a partir do qual são devidos os juros indemnizatórios, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 0360/11.8BELRS, de 07-04-2021:

“(…) afigura-se-nos justo e equitativo que a indemnização ao contribuinte (decorrente do pagamento de juros indemnizatórios, pela AT) não retroaja ao momento da prática do ato de retenção na fonte (da responsabilidade do substituto tributário), porquanto, tratando‑se de uma situação de autoliquidação, só com a competente impugnação administrativa, atempada, os serviços da AT ficam em condições de conhecer e reparar uma cometida ilegalidade, sendo, a partir do momento em que não assumem a respetiva reparação, justificado o ressarcimento do sujeito passivo, decorrente de não receber e passar a dispor desde esse momento (que podia ter sido de viragem) do imposto indevidamente entregue ao Estado, através do mecanismo da substituição tributária.

Neste ponto, apenas, resta problematizar se, na situação versada (ou equiparáveis), o dies a quo deve corresponder ao da data da apresentação da impugnação administrativa (reclamação graciosa e/ou recurso hierárquico) ou ao do momento em que os competentes serviços da AT se pronunciam/comunicam o resultado da pronúncia ao contribuinte.

(…) julgamos, justo, adequado e seguro, assumir como marco, para identificar e fixar o disputado dies a quo, o prazo, fixado por lei, para a decisão do procedimento de reclamação graciosa (...), isto é, o período, atualmente, de 4 meses”.

 

42.    O mesmo entendimento foi acolhido na Decisão Arbitral de 01-02-2022, processo n.º 345/2020-T; Decisão Arbitral de 23-05-2022, processo n.º 558/2020-T; Decisão Arbitral de 13-07-2022, processo n.º 115/2022-T; Decisão Arbitral de 28-07-2022, processo n.º 816/2021-T.

 

43.    No caso em apreço, o Requerente apresentou reclamação graciosa para apreciação da legalidade das retenções na fonte contestadas em 14 de junho de 2022. A AT deveria ter-se pronunciado sobre a mesma no prazo de quatro meses (cf. artigo 57.º, n.º 1, da LGT), ou seja, até 14 de outubro de 2022. 

44.    Assim sendo, o Tribunal determina que os juros indemnizatórios sobre o montante de € 760.000,00 deverão contar desde o dia 15 de outubro de 2022 até integral reembolso do referido montante ao Requerente (nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril).

 

45.    O prazo da reclamação graciosa de atos de retenção na fonte em sede de IRC é de «dois anos a contar do termo do prazo de entrega, pelo substituto, do imposto retido na fonte ou da data do pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos, se posterior» (artigo 137.º, n.º 3, do CIRC).

 

VI. DECISÃO

 

De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar procedente a ação e, em consequência:

 

a.     Declarar ilegais e anular as liquidações de IRC por retenção na fonte impugnadas, referentes a 2021, no valor total de EUR 760.000,00, declarando-se ilegal e anulando-se também a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente em 14 de junho de 2022.

b.    Condenar a AT a restituir as importâncias indevidamente retidas na fonte a título de IRC, no montante total de EUR 760.000,00.

c.     Condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos referidos no ponto IV.2. deste acórdão.

d.    Condenar a AT nas custas do processo.

 

VII. VALOR DO PROCESSO

            Fixa-se ao processo o valor de EUR 760.000,00, indicado pelo Requerente, respeitante ao montante das retenções na fonte de IRC cuja anulação pretende (valor da utilidade económica do pedido), e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

VIII. CUSTAS

 

            Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de EUR 11.016,00, a cargo da Requerida, conforme o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

Notifiquem-se as Partes e, bem assim, o Ministério Público para efeitos do disposto no artigo 280.º, n.º 3, da CRP, no artigo 72.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3 da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional) e no artigo 17.º, n.º 3 do RJAT.

 

Lisboa, 6 de agosto de 2024

 

Os Árbitros,

 

(Regina de Almeida Monteiro - Presidente)

 

 

 

(Maria do Rosário Anjos – Adjunta) 

 

 

(Francisco Melo – Adjunto e Relator)