Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 216/2024-T
Data da decisão: 2024-07-18   Outros 
Valor do pedido: € 47.944,45
Tema: ASSB – Adicional de solidariedade sobre o sector bancário – Princípio da igualdade – Princípio da capacidade contributiva.
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SUMÁRIO:

As normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a) do anexo VI a que se refere o artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, que definem a incidência subjectiva do ASSB, são materialmente inconstitucionais, por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Hélder Faustino, designado pelo CAAD para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 29 de Abril de 2024, decide o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

1. No dia 15 de Fevereiro de 2024, o contribuinte A..., S.A., com sede na Rua..., n.º..., ..., ...-..., Lisboa, titular do número de identificação de pessoa colectiva ... e matriculado na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o mesmo número (“Requerente”), formulou pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”), solicitando a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário (“ASSB”), referentes aos anos 2021, 2022 e 2023, no valor global de € 47.944,45, bem como do acto de indeferimento expresso da reclamação graciosa, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios.

 

2. O Requerente fundamentou o seu pedido, em suma, com base nos seguintes argumentos:

 

            O ASSB foi criado sob a designação formal de um tributo adicional sobre a CSB, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2011 (Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro).

 

            Embora a designação do ASSB pareça indiciar que o mesmo constitui um adicional à CSB (um adicional a uma contribuição financeira), a verdade é que o legislador acaba por não qualificar de forma expressa este tributo.

 

            Por opção do legislador, a receita resultante do ASSB é uma receita tributária do Estado, afecta, por Lei, integralmente ao FEFSS.

 

            Esta consignação tem como objectivo principal proceder ao reforço da capacidade do Sistema de Capitalização da Segurança Social, objectivo que, aliás, já vem sendo demonstrado pelo Governo ao longo do tempo, nomeadamente, tendo em conta que a Lei do Orçamento do Estado para 2017 (Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro) criou, a partir do dia 1 de Janeiro de 2017, um adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”), o qual, à semelhança do ASSB, constitui receita do FEFSS, conforme previsto no n.º 2 do artigo 1.º do Código do IMI.

 

Ainda que o ASSB onere apenas um grupo homogéneo de sujeitos passivos, a sua criação tem como objectivo exclusivo a angariação de receita para colmatar necessidades genéricas de financiamento do Estado, neste caso, do Sistema de Segurança Social, que em nada estão relacionadas especificamente com o sector financeiro.

 

Trata-se, pois, de uma receita que tem como objectivo contribuir para despesas que podem aproveitar a todos de modo indistinto.

 

O ASSB não foi criado tendo por escopo qualquer contrapartida, designadamente, de uma prestação administrativa presumivelmente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo da mesma, ou mesmo pelo conjunto uniforme de sujeitos que integram a sua base de incidência subjectiva.

 

Ficando demonstrada a necessidade que justificou a criação do tributo (o financiamento do Sistema Previdencial da Segurança Social), não se vislumbra qualquer elemento que permita articular essa necessidade (que é geral e que a todos afecta) com uma especial responsabilidade ou utilidade / benefício auferido pelos passivos do ASSB, que os distinga de outros grupos homogéneos ou da generalidade dos contribuintes e que legitime a criação de um encargo adicional sobre os mesmos.

 

Na criação de um tributo sectorial (seja ele uma contribuição financeira ou até um imposto especial), o legislador apresenta, necessariamente, um conjunto de motivações / fundamentos para a nova imposição (em particular, para o facto de a mesma incidir sobre um sector em específico), bem como justifica o destino da receita angariada.

 

Relativamente ao ASSB, o legislador apresenta efectivamente dois tipos de justificação: (i) a justificação para a criação do tributo: a este respeito, é referido que a criação do ASSB visa suprir as debilidades financeiras do sistema de segurança social (objetivo que é concretizado através da sua consignação ao FEFSS); (ii) a justificação para o carácter sectorial do tributo: a este respeito, é referido que o ASSB incide sobre o sector bancário como compensação pela isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, pretendendo-se aproximar a carga fiscal incidente sobre o sector financeiro da carga fiscal incidente sobre os demais sectores.

 

Contrariamente ao que o legislador pretende sustentar, é por demais evidente, que as isenções de IVA aplicáveis aos serviços financeiros não constituem um alívio da carga fiscal ou um factor benéfico para as empresas do sector bancário, pelo que esta circunstância nunca poderia servir de justificação para onerar estas empresas com responsabilidades acrescidas a respeito do financiamento do Sistema Previdencial da Segurança Social.

 

O regime do ASSB parte do pressuposto de que, em razão das isenções de IVA aplicáveis à generalidade dos serviços e operações financeiras, o sector financeiro beneficia de uma carga fiscal inferior, quando comparada com os restantes sectores da economia.

 

Ora este pressuposto é falacioso, desde logo porque não é tido em devida consideração, na aplicação da medida, que estas isenções decorrem directamente da Directiva 2006/112/CE (“Directiva do IVA”) e a sua transposição para o direito interno pelo artigo 9.º do Código do IVA é de carácter obrigatório.

 

Por outro lado, o encargo económico do IVA incide sobre os adquirentes dos serviços (por regra, os clientes dos Bancos) e não sobre os prestadores de serviços (os Bancos), por via do mecanismo da repercussão legal.

 

Efectivamente, as isenções de IVA sobre os serviços e as operações financeiras, constituindo isenções objectivas, beneficiam de forma transversal todos os adquirentes de serviços e operações financeiras, sejam eles instituições financeiras, outras pessoas colectivas ou pessoas singulares.

 

Veja-se que o fundamento para os serviços e operações financeiras não serem tributados em sede de IVA foi o facto de ser difícil de identificar o valor acrescentado nas actividades de intermediação financeira, e não a intenção de beneficiar as instituições financeiras / de crédito, até porque, conhecedor das regras do IVA, o legislador sabia que esse desiderato era apenas possível de ser atingido por via de uma isenção completa, tendo optado pela atribuição de uma isenção simples.

 

Importa, ainda, considerar um importante imposto que onera especialmente as entidades integrantes do sector financeiro e os seus clientes - o Imposto do Selo.

 

O Imposto do Selo incide precisamente sobre as operações isentas de IVA, porquanto, nos termos do n.º 2 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo “Não são sujeitas a imposto as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas”.

 

Esta primazia do IVA sobre o Imposto do Selo faz com que este último imposto apenas seja aplicável e, como tal, represente um encargo nos casos, em que não se verifica tributação em IVA sobre a transmissão de bens ou prestação de serviços em causa.

 

Com especial relevo para esta análise, a verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo, tributa diversas operações e serviços financeiros apenas e só porque existe uma isenção de IVA que legitima essa tributação.

 

Embora seja certo que o Imposto do Selo sobre as operações financeiras onera principalmente os clientes das instituições financeiras, também as próprias instituições financeiras suportam este imposto principalmente, desde que a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, introduziu o n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo.

 

Esta norma veio limitar grandemente a isenção de Imposto do Selo nas operações financeiras entre instituições financeiras, isenção essa que não tem por escopo conceder qualquer benefício às instituições financeiras, mas apenas, à semelhança do que acontece entre sujeitos passivos de IVA, permitir que a maior ou menor intermediação de uma determinada operação não tivesse reflexo na tributação final e, por conseguinte, no preço final cobrado ao cliente.

 

Em sede de IVA, aquele objectivo é atingido através do mecanismo de dedução do imposto suportado a montante de que beneficiam todos os sujeitos passivos integrais. Em sede de Imposto do Selo, a opção inicial do legislador para obter o mesmo desiderato passou pela atribuição daquela isenção.

 

Um serviço adquirido por uma instituição financeira a outra vem onerado duas vezes: uma primeira, por via do IVA oculto resultante da isenção de IVA aplicável, e uma segunda, por via da tributação em Imposto do Selo resultante, de novo, da existência daquela isenção de IVA, sem a qual, por força da regra, acima referida, do n.º 2 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, não se verificaria a sujeição a Imposto do Selo.

 

Torna-se forçoso concluir que a isenção de IVA genericamente aplicável às operações financeiras, longe de traduzir um benefício de que usufruem as entidades do sector bancário, consiste, outrossim, numa dupla tributação que onera especialmente estas entidades.

 

Ora, se a legitimação encontrada é a de aproximar a carga fiscal suportada pelo sector financeiro à que onera os demais sectores (a oneração de uma especial responsabilidade alegadamente imputável ao sector bancário ou a anulação de uma especial utilidade auferida por este sector), e tendo ficado demonstrado que essa diferença, longe de ser favorável ao sector financeiro, é-lhe desfavorável, precisamente em razão da aludida isenção de IVA, não resta outra alternativa senão a de considerar inválido / vazio de conteúdo o argumento encontrado pelo legislador para fazer incidir o tributo apenas sobre o sector bancário e, por conseguinte, considerar impossível a catalogação deste tributo dentro da categoria das contribuições financeiras.

 

Reitere-se: ainda que o ASSB recaia sobre um universo homogéneo de sujeitos passivos (sobre determinados operadores económicos do sector financeiro, na medida em que exclui, por exem facto que o poderia aproximar de uma contribuição financeira), não existe uma verdadeira contraprestação, nem sequer presumível - além de que, no campo subjectivo, inexiste uma verdadeira utilização, aproveitamento ou responsabilização de grupo, corolário inerente à tipologia da contribuição -, que permita a criação de um nexo de causalidade bastante para se poder configurar como uma contribuição financeira.

 

Numa outra vertente, veja-se que a utilização do termo “adicional”, eventualmente atribuído pelo legislador por referência à CSB, não contribui de forma alguma para a qualificação deste tributo enquanto contribuição financeira, porquanto é o próprio Tribunal Constitucional que, no Acórdão n.º 995/17, refere que o intérprete “não pode deixar de controlar se o nomen atribuído pelo legislador a um certo tributo corresponde ou não ao sentido substancial que a Constituição lhe dá, uma vez que, caso tal assim não sucedesse, bastaria ao legislador empregar um nomen iuris ao qual estivesse associado um regime menos exigente para, por seu intermédio, se furtar a um escrutínio que, na realidade, lhe era devido.”.

 

De facto, para que o ASSB pudesse ser considerado um adicional da CSB, o mesmo teria de ter algum tipo de coincidência com este tributo ao nível dos respectivos fundamentos e ao destino das respectivas receitas, não bastando uma coincidência ao nível da incidência subjectiva e forma de quantificação da base de incidência objectiva.

 

A CSB foi criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2011 (Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), num contexto muito específico, seguindo o exemplo de muitos outros países na sequência da crise financeira de 2007-2008 desencadeada pelo fenómeno de subprime com origem nos Estados Unidos, sendo uma contribuição de estabilidade financeira de um determinado sector da economia, encontrando-se directamente associada à prevenção do risco sistémico bancário (nos termos da alínea a) n.º 1 do artigo 153.º-F do RGICSF a receita da CSB é considerada um recurso próprio do Fundo de Resolução).

 

Verifica-se assim que, no caso da CSB, existe uma “responsabilidade de grupo” que se encontra alinhada com o fundamento do tributo, o facto de todos os sujeitos passivos (instituições financeiras) serem responsáveis, em maior ou menor medida, pelo aumento dos riscos sistémicos associados ao sistema bancário/financeiro, riscos esses que se pretendem mitigar.

 

Neste sentido, seria expectável que um adicional sobre a CSB estivesse igualmente ligado ao risco sistémico bancário (nomeadamente ao agravar deste risco).

 

Acontece que, no caso do ASSB, não se identifica qualquer objectivo de responsabilização (adicional) das instituições financeiras pelo risco sistémico, elemento estruturante das contribuições de estabilização financeira como a CSB, mas sim, reforçar o FEFSS no contexto das necessidades de angariação de receita provocadas pela pandemia de COVID-19, não se vislumbrando igualmente de que forma é que os seus sujeitos passivos (instituições financeiras) podem ser responsáveis (em maior grau do que qualquer outra entidade ou pessoa singular) pelas necessidades de financiamento do Sistema Previdencial da Segurança Social (em particular do FEFSS).

 

Na verdade, a relação entre o ASSB e a CSB tem por base um mero mimetismo legislativo, na medida em que o legislador recorreu à base de incidência da CSB, para impor aos mesmos sujeitos passivos um novo tributo, autónomo face ao primeiro, e com finalidades totalmente diferentes.

Efectivamente, estando em causa um tributo que se traduz numa imposição pecuniária, coactiva e unilateral (na medida em que se destina à angariação de receitas que visam a satisfação das necessidades financeiras gerais de uma entidade pública que a todos beneficia - o Sistema Previdencial da Segurança Social), encontram-se preenchidos todos os caracteres essenciais dos impostos, tal como enunciados pela doutrina e jurisprudência nacionais.

 

Ao impor ao setor financeiro, por via do ASSB, um ónus acrescido no que respeita ao financiamento do Sistema Previdencial da Segurança Social (por via do FEFSS), que a todos beneficia, sem para tal apresentar qualquer fundamento substancial válido, o legislador fiscal afrontou directamente o princípio da igualdade, na sua vertente de limite de controlo externo à discricionariedade legislativa no campo fiscal, na sua vertente de proibição do arbítrio.

 

Trata-se, pois, na vertente fiscal, de vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional.

 

O suporte material à conformação do ASSB como um imposto sectorial inexiste, pura e simplesmente.

 

Através de uma análise superficial aos fundamentos que estiveram na origem da criação do ASSB, facilmente se conclui que o mesmo não tem qualquer outra fundamentação para além da angariação de receita, de forma a fazer face a um acréscimo das necessidades de financiamento do FEFSS (estas necessidades de financiamento terão sido causadas por um potencial aumento da pressão financeira sobre o sistema previdencial da segurança social como um todo, resultante de uma diminuição das contribuições das empresas e dos trabalhadores e de um acréscimo de despesas relacionadas com a pandemia de COVID-19).

 

O que se coloca em causa não são as necessidades de obtenção de receita fiscal adicional de forma a fazer face a eventuais desequilíbrios financeiros verificados ao nível do sistema de Segurança Social, mas sim o facto de o legislador ter optado por suprir esses desequilíbrios através da criação de um tributo de cariz sectorial, não apresentando qualquer fundamentação atendível para esta opção.

 

O legislador determina, no n.º 2 do artigo 1.º do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, que o ASSB incide sobre o sector bancário como forma de compensação pela isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras.

 

Ora, a isenção do IVA de que as prestações de serviços normalmente prestadas pelo sector bancário beneficiam está presente no n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA e abrange, entre outras, as operações de concessão e negociação de créditos, de negociação e prestação de fianças, avales, cauções e outras garantias, bem como a administração ou gestão de garantias de créditos e as operações que tenham por objecto divisas, notas bancárias e moedas.

 

Assim, verifica-se que estas isenções têm cariz objectivo e não subjectivo, estando directamente relacionadas com o tipo de atividade desenvolvido pelas instituições financeiras e com a dificuldade de aferir o valor acrescentado presente neste tipo de serviços e não com a natureza subjectiva do sujeito passivo.

 

Não colhe, assim, a pretensa justificação avançada pelo legislador, porquanto, além daquela isenção não ter o intuito de beneficiar o sector financeiro, simultaneamente não é reveladora da existência de maior capacidade contributiva por parte deste sector, por várias ordens de razão.

 

Antes de mais, o IVA é um imposto geral sobre o consumo cujo sistema de deduções e liquidações de imposto tem como objectivo que o encargo seja suportado pelo consumidor final e neutro nas restantes cadeias de transmissão, pelo que, por regra, não são as instituições do sector financeiro a suportar, a final, o imposto.

 

Adicionalmente, estando em causa isenções simples / incompletas, por contraposição às completas, significa que as instituições do sector financeiro, ao não liquidarem IVA nos serviços que prestam, também não podem proceder à dedução do IVA que suportam nas aquisições de bens e serviços que realizam, o que, as mais das vezes, se lhes apresenta como desfavorável.

 

Em todo o caso, existem várias entidades além das entidades do sector financeiro cujas actividades são igualmente isentas e apresentam igual ou superior capacidade contributiva, o que adensa a incompreensão pelo facto de o ASSB incidir única e exclusivamente sobre o sector bancário.

 

Por fim, para além de as isenções de IVA sobre as operações / serviços financeiros constituírem, no limite, um factor de agravamento (e não de desagravamento) da carga fiscal sobre as instituições que operam neste sector, a verdade é que, a acrescer a esta circunstância, verifica-se que as referidas operações / serviços se encontram ainda sujeitas a Imposto do Selo, circunstância que, em definitivo, esvazia de sentido a fundamentação para o carácter sectorial do ASSB.

 

Não se vislumbra, uma qualquer aderência dos fundamentos invocados pelo legislador para a configuração do ASSB como um tributo de cariz sectorial com argumentos de carácter substantivos, susceptíveis de enquadramento à luz dos princípios estruturantes da constituição fiscal portuguesa, em particular o princípio da igualdade.

 

No caso do ASSB, este princípio basilar é afrontado de forma directa, já que temos uma receita consignada em última instância à Segurança Social e que, previsivelmente, pode aproveitar a todos de modo indistinto a ser suportada por um único setor económico, que não demonstra especial capacidade contributiva.

 

O ASSB constitui, assim, um tributo que contribui activamente para a transformação de um estado fiscal (baseado num conjunto de princípios estruturantes, com assento constitucional, como a igualdade / capacidade contributiva) num estado financeiro e para uma inaceitável tendência de descaracterização dos tributos.

 

Ainda que se considere que o ASSB constitui um imposto extraordinário (como são os adicionais, as derramas ou sobretaxas especiais), por decorrer do PEES, como resposta ao contexto eminente de crise pandémica suscitado pelo vírus SARS-CoV-2 e pelo evento infeccioso associado (COVID-19), o mesmo não poderá deixar de ser conformado numa lógica de igualdade na distribuição dos sacrifícios, afectando os contribuintes de acordo com a respectiva capacidade contributiva.

 

Neste contexto, (especialmente a respeito das isenções de IVA sobre as operações financeiras e da sua inaptidão como fundamento para a criação de um imposto especial sobre o sector financeiro), não se vislumbra um qualquer motivo válido pelo qual se há de onerar exclusivamente o sector financeiro com a tarefa de suprir as carências financeiras do Sistema de Previdência da Segurança Social, excluindo-se outros agentes económicos com forte capacidade contributiva.

 

A aceitar-se este precedente, de violação clara do princípio da proibição do arbítrio, nada obsta a que, por absurdo, se crie um tributo incidente apenas sobre as empresas de transporte internacional de mercadorias para financiar o orçamento do Ministério da Defesa em razão do esforço de guerra, ou, para aproximar da realidade do ASSB, um tributo sobre as companhias de aviação, estabelecimentos hoteleiros e agências de viagem, precisamente os mais prejudicados com os efeitos da pandemia provocada pela doença COVID-19, para financiar as despesas adicionais suportadas pelo Estado, através do Ministério da Saúde, no combate à dita pandemia.

 

Para além de não ser apresentado um qualquer fundamento que validamente justifique esta diferença de tratamento (aliás expressamente assumida), verifica-se, pelo contrário, que a circunstância apresentada como justificação para a imposição de um ónus adicional ao sector financeiro poderá redundar, por si só, numa desvantagem fiscal para as entidades deste sector.

 

O ASSB levanta, assim, insolúveis questões de justiça e equidade entre o sector financeiro e outros sectores da economia, que se materializam numa violação do princípio da igualdade, na sua vertente de proibição do arbítrio.

 

No caso concreto, todas estas vertentes do princípio da igualdade tributária foram desrespeitadas, com especial acuidade para a proibição do arbítrio, pelo que é forçoso concluir que o ASSB se encontra insanavelmente ferido de inconstitucionalidade.

 

Esta conclusão - de que o ASSB é um tributo inconstitucional por violação do princípio da igualdade na sua dimensão de proibição do arbítrio - tem total suporte na jurisprudência arbitral mais recente.

 

Em conexão directa com a afronta ao princípio da proibição do arbítrio, o Requerente entende que o ASSB, em particular o artigo 2.º do Anexo VI a que se refere o artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho (que faz incidir este imposto apenas sobre um conjunto restrito de sujeitos passivos) viola uma outra dimensão do princípio da igualdade: o princípio da proporcionalidade, decorrente do n.º 2 do artigo 18.º da CRP.

 

O princípio da proporcionalidade encerra as vertentes de adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos), exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato), e proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).

 

O ASSB, em particular o artigo 2.º do Anexo VI a que se refere o artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, viola uma outra dimensão do princípio da igualdade – a da obrigatoriedade de os impostos se revestirem de um carácter de generalidade.

 

A própria configuração fundamental do ASSB, o facto de se tratar de um imposto sectorial (circunstância unanimemente aceite tanto pela jurisprudência como pela própria AT), em conjugação com tudo o que acima se expôs quanto ao seu substracto material, são demonstrativas da violação da referida dimensão de generalidade, intrínseca ao princípio da igualdade.

 

Por fim, o princípio da igualdade concretiza-se ainda, no âmbito do direito fiscal, no princípio da capacidade contributiva.

 

Ainda que o princípio da capacidade contributiva não esteja expressa e autonomamente, consagrado na CRP, este decorre directamente do princípio da igualdade.

 

Saliente-se que o princípio da capacidade contributiva, enquanto pressuposto e critério para a criação e conformação dos impostos, assume particular preponderância no caso de tributos, como é o caso do ASSB, cujo propósito principal ou exclusivo passa pela arrecadação de receita (por oposição aos impostos com finalidades extrafiscais, que visam essencialmente induzir determinados comportamentos, com particular relevância nos domínios ambiental e ecológico).

 

Importa aferir a conformidade do ASSB com o princípio da capacidade contributiva na sua vertente de “pressuposto de tributação”, importa identificar qual o indicador de capacidade contributiva (se algum) que terá legitimado o legislador à criação deste imposto e à definição da sua incidência objectiva.

 

Importa, verificar o eventual enquadramento do ASSB como um imposto sobre o rendimento, sobre o consumo (utilização do rendimento) ou sobre o património e, posteriormente, aferir em que medida o mesmo incide sobre uma determinada manifestação de capacidade contributiva por parte dos sujeitos passivos deste imposto.

 

Os impostos sobre o rendimento tributam o acréscimo patrimonial normalmente associável à exploração de uma determinada fonte, como seja o trabalho ou o património, valorando mesmo este acréscimo de forma diversa em função da natureza da fonte ou do carácter mais permanente ou fortuito do ganho.

 

No caso do ASSB, facilmente se verifica que não estamos perante qualquer tributação do rendimento, uma vez que o imposto incide, à semelhança da CSB, sobre “a) O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo [...]” e, bem assim, sobre “b) O valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos”.

O ASSB incide, assim, sobre determinados elementos do passivo dos sujeitos passivos do mesmo e a sua relação com um qualquer imposto sobre o rendimento decorre unicamente do facto de o encargo suportado com o ASSB não ser dedutível, para efeitos de determinação da matéria colectável do IRC daqueles sujeitos passivos.

 

Por sua vez, os impostos sobre o consumo tributam a utilização do rendimento previamente auferido ou do património adquirido, materializado em actos de despesa (o IVA é o imposto geral sobre o consumo do nosso ordenamento jurídico, disputando o palco da tributação da despesa com uma miríade de impostos especiais, nomeadamente, o aludido Imposto do Selo em determinadas situações).

 

Analisando o ASSB, facilmente se conclui não estarmos perante uma tributação da despesa, até porque a base de incidência deste imposto é uma realidade estável e não consumida.

 

Finalmente, os impostos sobre o património incidem sobre o rendimento acumulado, convertido em riqueza, a qual é normalmente tributada pela simples detenção (vg. IMI) ou na sua transmissão (vg. IMT e Imposto do Selo).

 

Sendo inegável que a base de incidência do ASSB integra o balanço dos sujeitos passivos, também não se pode discordar que apenas integra elementos do passivo ou extrapatrimoniais e, mesmo assim, nem todos.

 

Pode afirmar-se que o activo de uma determinada empresa constitui o seu “património”, o qual foi financiado por recursos próprios (capital próprio) ou por recursos alheios (passivo).

 

A base de incidência do ASSB é constituída, precisamente, por parte das responsabilidades assumidas pelas instituições de crédito perante terceiros para adquirir o seu património, e não pelo seu património em si.

 

Tudo isso se compreende se atendermos ao facto de que, ao criar o ASSB, o legislador recorreu à base de incidência de um tributo pré-existente (a CSB), a qual havia sido criada, entre outros, com o objectivo de prevenção de riscos sistémicos associados ao setor financeiro. A comprová-lo, consignou-se a receita desse tributo ao Fundo de Resolução Bancária.

 

Nesse contexto, compreende-se a opção pela tributação do passivo das instituições de crédito. Mas não no caso do ASSB, onde a prevenção de riscos sistémicos não é sequer objectivo confesso e a sua receita é integralmente consignada ao FEFSS.

Não estando perante um imposto sobre o rendimento, sobre o consumo ou sobre o património, como se demonstrou acima, no caso dos sujeitos passivos do ASSB, não se verifica qualquer dos indicadores de capacidade contributiva legitimadores da oneração operada pelos impostos.

 

Conclui-se que, inexistindo uma qualquer associação do ASSB a um dos índices de capacidade contributiva estabelecidos na Lei, os quais constituem o pressuposto da conformidade constitucional de qualquer imposto, o mesmo é materialmente inconstitucional, justamente por violação do princípio da capacidade contributiva (e consequentemente do princípio da igualdade) na sua vertente de “pressuposto de tributação”.

 

3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.

 

4. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitros, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os presentes signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, os quais comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5. As Partes foram devidamente notificadas das designações, não tendo manifestado vontade de recusar as mesmas, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 29 de Abril de 2024.

 

7. A Requerida apresentou Resposta em 31 de Maio de 2024, defendendo-se por e impugnação. Juntou, ainda, o processo administrativo. Requereu a sua absolvição dos pedidos com base, em síntese, nos seguintes fundamentos:

 

A questão que se pretende esclarecer consiste em saber se a sujeição das instituições de crédito ao ASSB consubstancia uma distinção discriminatória em relação aos demais sectores de actividade, isto é, se configura uma desigualdade de tratamento materialmente infundada ou sem qualquer fundamento razoável, objectivo e racional.

 

A Requerida considera ser inequívoco – e, até mesmo, facilmente compreensível – que a opção do legislador de sujeitar as instituições de crédito ao ASSB assenta num critério distintivo objectivo, razoável e materialmente justificado.

 

Pelo que a tributação das instituições de crédito em sede de ASSB não configura qualquer diferenciação arbitrária em desfavor do sector financeiro em geral e, em particular, das instituições de crédito.

 

No âmbito da sua liberdade de conformação ou discricionariedade legislativa, o legislador entendeu dever sujeitar as instituições de crédito ao ASSB como forma de compensar a isenção de IVA aplicável aos serviços e operações financeiras por força do disposto no n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA e, com isso, reduzir a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo sector financeiro e aquela, mais penosa, que onera os demais sectores de actividade sujeitos e não isentos de IVA.

 

Considerando que o IVA constitui, per se, uma das fontes de financiamento da Segurança Social, através da consignação de uma parcela da sua receita para essa finalidade (“IVA social”), a criação do ASSB como forma de contrabalançar a isenção de IVA associada aos serviços e operações financeiras, com a consequente consignação da sua receita ao FEFSS, apresenta-se como uma opção natural e, certamente, coerente do legislador.

 

Sendo, por isso, razoável e materialmente justificado que um setor reconhecidamente subtributado em matéria de fiscalidade indirecta, como é o caso do setor financeiro e, em concreto, das instituições de crédito, seja, também ele, chamado a contribuir para o sistema de segurança social.

 

O que, aliás, vai ao encontro da permanente preocupação, cada vez mais justificada, de assegurar a sustentabilidade e estabilidade da Segurança Social, designadamente através da diversificação das suas fontes de financiamento, que constitui um princípio há muito adotado nas Leis de Bases da Segurança Social.

 

Importa notar que a razão-de-ser da isenção de IVA aplicada genericamente aos serviços e operações financeiras não decorre, como na generalidade das isenções de IVA, da prossecução de quaisquer objectivos específicos de política económica, social ou ambiental, mas tão-somente da dificuldade técnica, que se mostrava particularmente desafiante nos anos 70, aquando da génese do IVA, em determinar o valor tributável na maioria desses serviços e operações.

 

A justificação aduzida pelo legislador para sujeitar as instituições de crédito ao ASSB tem como fundamento material a ideia de justiça fiscal, mais concretamente de reposição da igualdade através da distribuição do esforço tributário entre os diversos operadores económicos, reduzindo-se assim a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e aquela, mais penosa, que onera os demais setores de actividade, atenta a isenção de IVA de que os serviços e operações financeiras beneficiam e que é apenas parcialmente colmatada, em matéria de fiscalidade indirecta, pela tributação em sede de Imposto do Selo.

 

Pelo que as instituições de crédito são, também elas, chamadas a contribuir, na medida da sua capacidade contributiva, para as receitas públicas, mais especificamente para o financiamento do sistema de segurança social, tal como sucede, por exemplo, com os restantes sectores de actividade através do denominado “IVA social”.

 

Podendo-se concluir que a criação do ASSB apenas violaria o princípio da igualdade se os sectores não financeiros não estivessem sujeitos a uma tributação indirecta equivalente ou, pelo menos, comparável.

 

Sendo, portanto, evidente que o critério distintivo utilizado pelo legislador para sujeitar as instituições de crédito ao ASSB não configura qualquer diferenciação arbitrária em desfavor do sector bancário, uma vez que a diferença de tratamento em causa é justificada com base num fundamento material objectivo, racional e razoável.

 

Mais,

 

O ASSB assume-se como um imposto que visa colmatar a ausência do IVA (também ele um imposto indirecto) tendo como alvo um determinado sector que dele é isento, assumindo um recorte idêntico ao da CSB, no que toca à incidência objectiva – abarca operações registadas no passivo e instrumentos financeiros derivados fora do balanço.

 

Isto porque os elementos subjectivos e objectivos de incidência da CSB se ajustam perfeitamente aos objectivos prosseguidos por um imposto sobre as actividades financeiras (caso do ASSB).

 

Ao fazer coincidir a base de incidência do ASSB com a da CSB, logrou o legislador alcançar significativos ganhos de eficiência, desde logo ao mitigar custos de implementação e contexto, que se afiguram como sendo, desde logo, uma das principais dificuldades na criação de impostos de consumo nos serviços financeiros.

E, dado que os sujeitos passivos do ASSB, são, grosso modo, instituições de crédito, conforme estatui o artigo 2.º do Regime do ASSB, afigura-se-nos como pouco provável, ou até mesmo inexequível, a escolha de um outro critério, mais adequado, por forma a alcançar a manifestação da capacidade contributiva destas entidades.

 

Uma vez que, essa mesma capacidade se revela nos efeitos incrementais da actividade desenvolvida, induzidos pelos fundos obtidos de variadas fontes, expressos no passivo das instituições qualificadas como sujeitos passivos.

 

Para que o imposto corresponda efectivamente à força económica do sujeito passivo, é obrigatório que incida sobre realidades economicamente relevantes que, tradicionalmente, se reconduzem ao rendimento, ao património e ao consumo.

 

E, no que toca ao ASSB, o legislador nacional, entre vários indicadores possíveis, optou pelo valor do passivo e o valor dos derivados fora do balanço.

 

Por serem factores que recaem, efectivamente, sobre a realidade económica relevante dos sujeitos passivos visados, o que permite mensurar, de forma rigorosa, a sua capacidade contributiva.

 

Desde logo se diga que, em termos de volume de operações, os derivados são uma fatia muitíssimo relevante das operações que, não sendo tributadas em IVA, sobre elas não incide qualquer tributação indirecta.

 

Já o passivo das instituições de crédito, mais até do que nas empresas de sectores convencionais, mostra-se particularmente revelador da dimensão da sua presença no mercado, inclusivamente em termos que permitem correlacioná-lo com o valor acrescentado que gera e com o montante de operações realizadas no estádio do retalho.

 

A utilização do volume de negócios não é um conceito útil para este efeito no caso das instituições de crédito. Bem ao contrário, o passivo e o valor nocional dos derivados assomam como critérios mais acertados para se estabelecer uma correlação com a actividade bancária com o objecivo de tributar o seu valor acrescentado.

 

E bem assim, a imposição postulada pelo princípio da capacidade contributiva, é que o legislador configure as obrigações dos contribuintes com respeito a factos tributários que asseverem essa mesma capacidade de suportar o encargo correspondente, o que, no caso em apreço, se verifica.

 

O legislador agiu dentro do escopo da liberdade de conformação fiscal, e encontrou como fundamento para delinear o âmbito de incidência do novo ASSB, a ausência ou a menor tributação num imposto indirecto – IVA e Imposto do Selo – de determinadas operações.

 

Podem, seguramente, conceber-se outras vias ao alcance do legislador, eventualmente por recurso a outras espécies tributárias, capazes de alcançar o que com este tributo se pretende.

 

Todavia, a opção tomada, para além de válida, encontra inscrição na ampla margem de conformação do legislador fiscal, sendo insusceptível de fundar autónoma censura constitucional.

 

E, por isso, ao contrário do que propugna o Requerente, o ASSB permite atingir adequadamente as formas de expressão da capacidade contributiva, que se propõe enquanto imposto que visa compensar a isenção do IVA nas operações financeiras, sendo até possível enquadrá-lo em experiências internacionais, sempre com inteiro respeito pelo princípio constitucional da igualdade tributária.

 

Conclui a Requerida que, em caso de vencimento do Requerente, o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios deve ser indeferido, porque não existe erro imputável aos serviços, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, e cautelarmente, dado que a aplicação do artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT é ilegal e inconstitucional, por violar os artigos 281.º, 282.º e 18.º da CRP.

 

8. Por Despacho de 21 de Junho de 2024, entendeu o Tribunal Arbitral não ser necessária a produção de prova testemunhal para a justa composição do litígio. Neste sentido, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT.

 

9. Em 4 de Julho, o Requerente e a Requerida apresentaram, respectivamente, alegações escritas reproduzindo no essencial o argumentário exposto anteriormente.

 

 

 

  1. SANEAMENTO

 

10. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

 

11. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão devidamente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO

 

III.1. MATÉRIA DE FACTO

 

12. Com relevância para a presente decisão, consideram-se assentes e provados os seguintes factos:

 

12.1. O Requerente é uma instituição financeira de crédito portuguesa sujeita à supervisão do Banco de Portugal e que se rege pelo RGICSF.

 

12.2. O Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB, através da submissão da Declaração Modelo 57 referente ao período de tributação de 2021, no dia 29 de Dezembro de 2021, dando origem ao Documento de liquidação n.º ... (cfr. Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral), tendo o valor aí apurado de € 18.112,71 sido pago pelo Requerente (cfr. Documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

12.3. O Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB, através da submissão da Declaração Modelo 57 referente ao período de tributação de 2022, no dia 21 de Junho de 2022, dando origem ao Documento de liquidação n.º ... (cfr. Documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral), tendo o valor aí apurado de € 16.523,92 sido pago pelo Requerente (cfr. Documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

12.4. O Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB, através da submissão da Declaração Modelo 57 referente ao período de tributação de 2023, no dia 26 de Junho de 2023, dando origem ao Documento de liquidação n.º ... (cfr. Documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral), tendo o valor aí apurado de € 13.307,82 sido pago pelo Requerente (cfr. Documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

12.5. Em 11 de Outubro de 2023, o Requerente apresentou reclamação graciosa contra os actos de autoliquidação de ASSB acima identificados, a qual veio a ser indeferida em 23 de Novembro de 2023.

 

12.6. Em 15 de Fevereiro de 2024 foi apresentado o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

 

13. Com relevo para a decisão do presente processo, não existem factos que se tenham considerado como não provados.

 

 

III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

14. O Tribunal Arbitral não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

15. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objecto do litígio no direito aplicável (cfr. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

16. A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto) e no teor dos documentos juntos aos autos.

 

 

 

 

 

 

IV.3. MATÉRIA DE DIREITO

 

§1 - Enquadramento jurídico do ASSB

 

17. O regime jurídico do ASSB consta no artigo 18.º e respectivo anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, que aprovou o Orçamento Suplementar para 2020. O intuito da sua criação residiu no reforço dos mecanismos de financiamento do sistema de segurança social através da consignação ao FEFSS da receita arrecadada com a respectiva cobrança, conforme resulta do n.º 2, do artigo 1.º e do artigo 9.º do citado anexo VI. A criação do ASSB e a sua aplicação exclusiva ao sector bancário foi justificada, de acordo com o estabelecido no n.º 2, do artigo 1.º, do referido anexo VI, enquanto forma de compensação pela isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando por esta via a carga fiscal suportada pelo sector financeiro à que onera os demais sectores.

 

18. Desta forma, o ASSB constitui um imposto especial sobre o sector bancário que, não obstante apresentar um âmbito de incidência semelhante à CSB, não se limita a estabelecer uma nova taxa sobre a matéria colectável dessa contribuição, nem um novo imposto sobre a colecta, e, nesse sentido, não corresponde a um adicional ou a um adicionamento, mas a um imposto autónomo.

 

19. Relativamente à incidência subjectiva deste imposto, previu-se no artigo 2.º, n.º 1, do citado anexo VI que são sujeitos passivos do ASSB (a) as instituições de crédito residentes em Portugal, (b) as filiais em Portugal de instituições de crédito residentes noutros Estados e (c) as sucursais em Portugal de instituições de crédito residentes noutros Estados. Para efeitos de aplicação do ASSB deve entender-se por instituições de crédito, filiais e sucursais as entidades definidas nas alíneas u), w) e ll) do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.

 

20. Quanto à incidência objectiva, determinou-se no do artigo 3.º do citado anexo VI que o ASSB incide sobre o passivo ajustado e sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço, ambos apurados contabilisticamente no final do exercício.

 

21. Em concreto, determinou-se naquele artigo o seguinte:

 

“Artigo 3.º Incidência objetiva

O adicional de solidariedade sobre o sector bancário incide sobre:

a) O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Directiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis, e dos depósitos na Caixa Central constituídos por caixas de crédito agrícola mútuo pertencentes ao sistema integrado do crédito agrícola mútuo, ao abrigo do artigo 72.º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de janeiro;

b) O valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos.”

 

22. A quantificação da base de incidência, no que concerne à delimitação do passivo, é feita no artigo 4.º do citado anexo VI da seguinte forma:

 

“Artigo 4.º Quantificação da base de incidência

1 – Para efeitos do disposto na alínea a) do artigo anterior, entende-se por passivo o conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros, com exceção dos seguintes:

a) Elementos que, segundo as normas de contabilidade aplicáveis, sejam reconhecidos como capitais próprios;

b) Passivos associados ao reconhecimento de responsabilidades por planos de benefício definido;

c) Os depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos e pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo relevam apenas na medida do montante efetivamente coberto por esses Fundos;

d) Passivos resultantes da reavaliação de instrumentos financeiros derivados;

e) Receitas com rendimento diferido, sem consideração das referentes a operações passivas; e

f) Passivos por ativos não desreconhecidos em operações de titularização. 2 – Para efeitos do disposto na alínea a) do artigo anterior, observam-se as regras seguintes:

a) O valor dos fundos próprios, incluindo os fundos próprios de nível 1 e os fundos próprios de nível 2, compreende os elementos positivos que contam para o seu cálculo de acordo com o disposto na parte II do Regulamento (UE) 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.º 648/2012, tendo em consideração as disposições transitórias previstas na parte X do mesmo Regulamento que, simultaneamente, se enquadrem no conceito de passivo tal como definido no número anterior;

b) Os depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Directiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis relevam apenas na medida do montante efetivamente coberto por esses Fundos.”.

 

23. Posto isto, cumpre então apreciar os vícios imputados pelo Requerente aos actos tributários impugnados, tendo para o efeito em conta a ordem anteriormente fixada.

 

 

§2 - Violação do Princípio da Igualdade

 

24. No pedido arbitral invocou o Requerente que o regime jurídico do ASSB viola o princípio constitucional da igualdade, na dimensão de proibição do arbítrio e de proibição da criação de impostos desproporcionais e não genéricos, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.

 

25. Esta mesma questão foi já objecto de apreciação pelos Tribunais Arbitrais, designadamente, nos processos n.º 598/2022-T, n.º 599/2022-T, n.º 21/2023-T, n.º 104/2023-T, n.º 326/2023-T, n.º 327/2023-T, n.º 379/2023-T e n.º 15/2024-T. Por todos, vejam-se as considerações do Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 21 de Março de 2023, no âmbito do processo n.º 598/2022-T:

 

“Conforme refere CASALTA NABAIS, o princípio da igualdade fiscal tem ínsita sobretudo «a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério - o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)» (Direito Fiscal, 11.ª edição, Coimbra, 2021, págs. 154-155).

Configurando-se o princípio geral da igualdade como uma igualdade material, o princípio da capacidade contributiva – segundo o mesmo autor - enquanto tertium comparationis da igualdade no domínio dos impostos, não carece de um específico e directo preceito constitucional. O seu fundamento constitucional é o princípio da igualdade articulado com os demais princípios e preceitos da respetiva “constituição fiscal” e, em especial, aqueles que decorrem já dos princípios estruturantes do sistema fiscal que constam dos artigos 103.º e 104.º da Constituição (ob. cit., pág. 155).

Como pressuposto e critério da tributação, o princípio da capacidade contributiva – dentro da mesma linha de entendimento - «afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação o dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto» (ob. cit., pág. 157).

Também o Tribunal Constitucional tem analisado o princípio da igualdade fiscal sob o prisma da capacidade contributiva, como se pode constatar designadamente no acórdão n.º 142/2004, onde se consigna que «[o] princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de uniformidade – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação».

O reconhecimento do princípio da capacidade contributiva como critério destinado a aferir da inadmissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adotadas pelo legislador fiscal, tem conduzido também à ideia, expressa por exemplo no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97, de que a tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará «a existência e a manutenção de uma efetiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objeto do mesmo».

O Tribunal Constitucional tem vindo, portanto, a afastar-se de um controlo meramente negativo da igualdade tributária, passando a adotar o princípio da capacidade contributiva como critério adequado à repartição dos impostos; mas não deixa de aceitar a proibição do arbítrio como um elemento adjuvante na verificação da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal, mormente quando estas sejam ditadas por considerações de política legislativa relacionadas com a racionalização do sistema.

Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 306/2010 e n.º 695/2014).

9. Como se deixou exposto, o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras e incide sobre instituições de crédito sediadas em território português e filiais ou sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (artigos 1.º e 2.º).

Tem uma estrutura de incidência objetiva e subjetiva similar ao previsto para a Contribuição sobre o Sector Bancário (artigo 3.º), com a significativa diferença de a receita do adicional de solidariedade sobre o setor bancário constituir receita gera do Estado, consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (artigo 9.º).

Importa fazer notar, num primeiro momento, que, não obstante a similitude de incidência com a Contribuição sobre o Setor Bancário (CSB), o ASSB não pode ser entendido como uma tributação acessória ou adicional do CSB, nem constitui uma contribuição de estabilidade financeira.

(...)

Como se concluiu no acórdão do STA de 19 de Junho de 2019 (Processo n.º 02340/13), a motivação legislativa constante dos diplomas que regularam a contribuição para o sector bancário e o Fundo de Resolução legitima a ilação de que a contribuição visou, em primeiro lugar e desde o início, atenuar as consequências resultantes das intervenções públicas no sector financeiro, face à situação de crise financeira então desencadeada no âmbito desse mesmo sector, reconduzindo-se a um instrumento de apoio na prevenção dos inerentes riscos do sistema, não se destinando a colmatar necessidades genéricas de financiamento do Estado.

(...)

O ASSB é um verdadeiro imposto que constitui receita geral do Estado e se encontra consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, e, embora destinado a fazer face de modo indistinto às necessidades de financiamento da segurança social, se carateriza como um imposto sectorial na medida em que incide exclusivamente sobre o sector financeiro.

10. A Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2020, de 6 de junho de 2020, que, na sequência da pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2, aprovou o Programa de Estabilização Económica e Social, refere-se no ponto 4.3.5 à criação de um adicional de solidariedade sobre o setor bancário, “cuja receita é adstrita a contribuir para suportar os custos da resposta pública à atual crise”. Esse mesmo propósito é mencionado na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 33/XIV, que originou a Lei n.º 27-A/2020, e a que, num momento anterior, já se fez referência.

O artigo 1.º, n.º 2, do Regime do ASSB, já transcrito, refere ainda que o tributo tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores.

No entanto, o próprio Relatório da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), incidente sobre a proposta de alteração da lei orçamental para 2020 (Relatório n.º 13/2020), consigna que “a iniciativa legislativa não tem justificação no contexto COVID-19, antes sendo apresentada pelo Governo para contribuir, de modo permanente, para a diversificação das fontes de financiamento das pensões pagas pelo sistema previdencial da Segurança Social Pública” e acrescenta que, “do ponto de vista técnico, não se entende a necessidade de justificar publicamente a criação do imposto como sendo uma compensação por o sector das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras estar isento de IVA nas transmissões efetuadas”, quando “deveria também dizer-se que as operações deste sector são tributadas por uma miríade de taxas do imposto do selo”.

E, com efeito, dificilmente se compreende a justificação fornecida pelo legislador quando pretende associar a sujeição das instituições de crédito ao ASSB à despesa fiscal decorrente da isenção aplicável a serviços e operações financeiras.

A isenção de IVA relativamente a operações bancárias e financeiras está expressamente prevista na Diretiva 2006/112/CE (artigo 135.º) e artigo 9.º, n.º 27, do Código do IVA limita-se a efetuar a transposição dessa regra para o direito interno.

E, por outro lado, o conteúdo das isenções não pode ser alterado pelos Estados Membros, dado que estão em causa conceitos autónomos de direito europeu que têm por objetivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA, devendo ainda ser objeto de uma interpretação restritiva, na medida em que constituem derrogações ao princípio geral segundo o qual o imposto sobre o valor acrescentado é cobrado sobre todas as prestações de serviços efetuadas a título oneroso por um sujeito passivo (cfr. acórdãos do TJUE, nos Processos n.ºs C-348/1987 e C-455/05).

Acresce que, como esclarece CLOTILDE CELORICO PALMA, “[a]s isenções em sede de IVA assumem uma natureza objetiva, ou seja, para efeitos da sua concessão releva essencialmente a natureza da atividade prosseguida e não a natureza jurídica da entidade que prossegue a atividade”. Além de que as isenções em IVA têm uma lógica diferente das isenções concedidas no âmbito dos impostos sobre o rendimento. Como refere a mesma Autora, “[a]o passo que nestes impostos, a isenção libera o beneficiário do pagamento do imposto, no IVA as situações de isenção clássica traduzem-se na não liquidação do imposto nas operações ativas por parte sujeito passivo beneficiário (o beneficiário paga imposto mas não liquida). Isto é, nas suas operações passivas (aquisições de bens e prestações de serviços) os sujeitos passivos de IVA não beneficiam de isenção” (Introdução sobre o Imposto sobre o Valor Acrescentado, Coimbra, 6.a edição, págs. 172-174).

Na situação prevista no artigo 135.º da Diretiva IVA, como explica ainda SÉRGIO VASQUES, trata-se de “isenções simples ou incompletas que não conferem direito à dedução do imposto suportado a montante, pelo que o sujeito passivo, não liquidando IVA imposto sobre a operação isenta, não deduz o imposto em que incorra nas aquisições destinadas à sua realização”. E, nesse sentido, “o sujeito passivo passa a ocupar posição idêntica à do consumidor final, suportando na sua esfera o imposto relativo às suas aquisições”, pelo que a isenção não representa um verdadeiro benefício para o sujeito passivo, como sucede com a generalidade das isenções de imposto, na medida em que acaba por suportar o peso do imposto por via das suas aquisições, originando um imposto oculto pela incorporação do IVA incorrido a montante no preço dos bens e serviços prestados a terceiros (O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Coimbra, 2015, págs. 312-313; em idêntico sentido, ANGELINA TIBÚRCIO, Código do IVA e RITI Notas e Comentários, Coimbra, 2014, pág. 160).

Por outro lado, como refere o Autor há pouco citado, as isenções de IVA relativas a serviços financeiros são motivadas por razões de ordem técnica que respeitam à dificuldade em apurar o valor acrescentado inerente a essas operações e, em especial, no que se refere à determinação da matéria coletável e do montante do IVA dedutível (ob. cit., págs. 318-319, e ainda o acórdão do TJUE, no Processo n.º C-455/05, considerando 24.)

Num outro plano de análise, importa ainda reter que a isenção de IVA para serviços e operações financeiras tem como contraponto a sujeição das operações financeiras a imposto do selo, nos termos da verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo, sendo sintomático, quanto ao nível de dependência entre os dois impostos, que o artigo 1.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo exclua do âmbito de incidência objetiva do imposto “as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas”. Como assinala SALDANHA SANCHES, “o imposto do selo assume a sua vocação de tributar aquilo que não pode ser tributado de outra forma” e ao contribuinte assiste o direito de ser tributado da forma que melhor se adequa ao normal funcionamento da economia de mercado e ao princípio da tributação segundo a capacidade contributiva do sujeito passivo (Manual de Direito Fiscal, 3ª edição, Coimbra, pág. 435).

Em todo este contexto, não é possível determinar objetivamente o critério de diferenciação que conduziu o legislador a sujeitar as instituições de crédito a um imposto especial sobre o sector bancário, nem é possível discernir qual a sua real fundamentação.

Encontrando-se a medida legislativa descrita como sendo um tributo destinado a compensar a isenção de IVA de que beneficia o setor financeiro, não se compreende que, simultaneamente, sejam excluídas outras categorias de atividades que se encontram igualmente isentas e que poderão revelar idêntica ou superior capacidade contributiva. E não é tido em devida consideração, na aplicação da medida, que as isenções previstas na Diretiva, e transpostas para o direito interno pelo artigo 9.º do Código do IVA, são de carácter obrigatório, e, no que se refere aos serviços e operações financeiras previstos no artigo 135.º da Diretiva, essas isenções são motivadas pelas dificuldades práticas de apuramento do valor acrescentado e de aplicação do imposto, e não por qualquer propósito de favorecimento fiscal. O legislador desconsidera ainda que a isenção simples, que é aplicável ao caso, não confere o direito à dedução do imposto a montante, e não representa, por isso, uma efetiva vantagem para o sujeito passivo, que acaba por suportar a incidência do imposto através das suas aquisições. Além de que não se tem em linha de conta que essa isenção, no direito nacional, já é contrabalançada pelo imposto do selo, que abrange a generalidade das operações financeiras, tal como sucede, em geral, na legislação dos Estados Membros, em que as operações relativamente às quais se afasta a aplicação da diretiva, são sujeitas a impostos especiais (cfr. SÉRGIO VASQUES, O Imposto sobre o Valor Acrescentado, citado, pág. 317).

Em todo este condicionalismo, a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o sector bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado.

11. As condicionantes da criação do ASSB justifica ainda que se recoloque a questão sob o prisma da capacidade contributiva.

Como ressalta do disposto no artigo 4.º, n.º 1, da LGT, em linha com o artigo 104.º da Constituição, “os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património”, pelo que são esses os indicadores possíveis do critério de repartição dos impostos. Nesse mesmo sentido, SÉRGIO VASQUES considera que, em razão do princípio da capacidade contributiva, “os impostos devem adequar-se à força económica do contribuinte e por isso o seu alcance mais elementar está na exigência de que o imposto incida sobre manifestações de riqueza e que todas as manifestações de riqueza lhe fiquem sujeitas”. E sublinha que, “para que o imposto corresponda à força económica de quem o paga, é forçoso que incida sobre realidades economicamente relevantes, realidades que se podem reconduzir sinteticamente ao rendimento, ao património e ao consumo” (Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, pág. 295).

Como explicita FILIPE DE VASCONCELOS FERNANDES (ob. cit., págs. 107-109), o rendimento corresponde ao produto imputável, regularmente e durante um certo período, a uma fonte durável, designadamente ao trabalho (salários, comissões, etc.), ao património (rendas, juros, etc.) ou a uma combinação integrada de trabalho e património (lucros de uma exploração industrial ou comercial). Por outro lado, o rendimento pode corresponder, além do rendimento consumido, à diferença, num determinado período, entre o património final e inicial do contribuinte, compreendendo o rendimento não consumido ou aforrado, os bens adquiridos a título gratuito ou aleatório e as valorizações do ativo, na conceção de rendimento- acréscimo. Os impostos sobre o consumo tributam o rendimento através da sua manifestação em atos de despesa, ou seja, o rendimento propriamente gasto com a aquisição de bens ou serviços. Podem revestir a forma de impostos gerais (IVA) ou de impostos especiais (IEC), apresentando em comum a circunstância de onerarem a transmissão de bens ou serviço. Os impostos sobre o património incidem sobre o rendimento acumulado que, entretanto, foi transformado em valor patrimonial tributário, quer considerado estaticamente o património em si mesmo (IMI), quer numa perspetiva dinâmica, tributando-se o património apenas no momento da respetiva transmissão (IMT).

No caso do ASSB, como conclui o mesmo Autor, não está em causa qualquer modalidade de tributação do rendimento, mas tão só a sujeição a imposto de uma parte das componentes do passivo. Do mesmo modo que não se trata da oneração de atos de despesa, que pudesse reconduzir-se a um imposto sobre atividades financeiras ou sobre transações financeiras. E, por outro lado, ainda que pudesse dizer-se, de um ponto de vista contabilístico e financeiro, que os elementos do passivo que são objeto de tributação por via do ASSB integram o balanço dos sujeitos passivos, não poderá entender-se que estamos aí perante modalidade de tributação do património.

A ausência de uma cabal correspondência entre o ASSB e um concreto índice de valoração de capacidade contributiva coloca em causa a viabilidade constitucional do imposto, na medida em que impossibilita o estabelecimento de qualquer tipo de relação causal entre o objeto da tributação que é imposto aos sujeitos passivos e um efetivo incremento de capacidade contributiva, sobretudo quando não está em causa uma contrapartida pela prevenção de riscos sistémicos em que as instituições de crédito possam estar envolvidas (como sucedia com a CSB), mas uma exclusiva medida de angariação de receita.

Como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 217/15, o princípio da capacidade contributiva assume um valor paramétrico fundamentalmente como condição da tributação, de molde a impedir que determinado imposto atinja uma riqueza ou rendimento que não existe, vedando a exação de uma capacidade de gastar que verdadeiramente não se verifica. Em idênticos termos, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 142/2004 consigna que a capacidade contributiva preenche o critério unitário da tributação, entendendo-se esse critério como sendo aquele em que “a incidência e a repartição dos impostos se deverá fazer segundo a capacidade económica ou capacidade de gastar (-) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício)”.

No caso do ASSB, não se denota qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam.

Em conclusão:

(...)

As normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.”.

 

26. Tendo em conta as conclusões acabadas de citar, às quais este Tribunal Arbitral adere, declara-se materialmente inconstitucional o regime do ASSB, nas concretas normas consagradas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), do anexo VI à Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, por violação dos princípios da igualdade (tributária) e da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária, que decorrem dos artigos 13.º, 103.º e 104.º da CRP.

 

27. Em face do exposto, julga-se procedente a ilegalidade imputada pelo Requerente aos actos tributários impugnados nos presentes autos, impondo-se a sua anulação em conformidade.

 

 

 

§3 - Juros Indemnizatórios

 

28. O Requerente pede, ainda, a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

29. De harmonia com o disposto na alínea b), do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT.

 

30. Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas.

 

31. Assim, na sequência de declaração de ilegalidade do acto de autoliquidação do ASSB em resultado da declaração de inconstitucionalidade das normas em que aquele se fundamenta, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT), sobre a quantia que o Requerente pagou, desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

 

  1. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral:

  • Declara materialmente inconstitucional as normas consagradas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), do anexo VI à Lei n.º 27 A/2020, de 24 de Julho, por violação dos princípios da igualdade (tributária) e da capacidade contributiva, que decorrem dos artigos 13.º, 103.º e 104.º da CRP;
  • Julga procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente e declarar a ilegalidade e consequente anulação dos actos de autoliquidação do ASSB, referentes aos anos 2021, 2022 e 2023, no valor global de € 47.944,45, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra estes deduzida;
  • Condena a Requerida no reembolso do imposto agora anulado, com a incidência de juros indemnizatórios, calculados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito;
  • Condena a Requerida no pagamento integral das custas do processo.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 47.944,45 (quarenta e sete mil, novecentos e quarenta e quatro euros e quarenta e cinco cêntimos), nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

  1. CUSTAS

Custas a cargo da Requerida, no montante de € 2.142,00 (dois mil, cento e quarenta e dois euros), nos termos da Tabela I do RCPAT e do disposto no seu artigo 4.º, n.º 5, e nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT.

 

  1. NOTIFICAÇÃO AO MINISTÉRIO PÚBLICO

Nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 3, do RJAT, notifique-se o representante do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo Sul, para efeitos do recurso previsto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei do Tribunal Constitucional.

 

Notifique-se.

Lisboa, 18 de Julho de 2024

 

O Árbitro,

 

 

 

Hélder Faustino

 

 

A redacção da presente decisão segue a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990 excepto em transcrições que o sigam.