Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 84/2024-T
Data da decisão: 2024-07-31  IRS  
Valor do pedido: € 19.513,20
Tema: IRS de 2019. Regime complementar de segurança social. Rendimentos resultantes de Seguro Pensão de Velhice celebrado na Alemanha “HVB SoforRente” (pensão imediata). Nº 3 do artigo 5º do CIRS.
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Sumário

 

  1. Face ao nº 3 do artigo 5º do CIRS, apenas releva fiscalmente, o ganho disponibilizado ao contribuinte resultante de um valor positivo de rendimento de capital efetivamente recebido.
  2. A diferença positiva é a que resulta da subtração dos montantes pagos a título de resgate, adiantamento ou vencimento de seguros e operações do ramo «Vida» aos prémios pagos ou importâncias investidas.
  3. A norma do nº 3 do artigo 5º do CIRS não afasta a sua aplicação aos contratos de seguros e operações do ramo «Vida» celebrados no estrangeiro.

 

  1. Relatório

 

  1. A..., portador do Cartão de Residência nº ..., NF ... e B..., portadora do Cartão de Cidadão nº..., NF..., ambos com residência fiscal em... –..., ..., ... Silves, vieram apresentar Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral (PPA) visando a anulação parcial da liquidação nº 2023..., onde se apurou um montante de imposto no valor de 13.085,47 €, acrescido de juros compensatórios no valor de 2.206,66 €, resultando num total a pagar no valor de 15.292,13 €, e na restituição do valor anteriormente reembolsado pela AT quanto a liquidação anterior.
  2. No pedido de pronúncia arbitral (PPA) concluem pedindo a anulação parcial:       “... da nota de Liquidação ... e ... a correcção da mesma com a consideração dos rendimentos reais do Requerente, bem como o consequente reembolso dos montantes indevidamente pagos, no montante de 19.513,20 € e consequente pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT. Caso assim não se entenda, deve anular-se parcialmente a Nota de Liquidação ...  nomeadamente corrigindo os valores de capitais auferidos pelos Requerentes e condenar a Requerida a restituir o montante de 19.232,22 €”.

 

  1. É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT”, “Requerida” ou simplesmente “Administração Tributária”).

 

  1. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 2024.01.22 e automaticamente notificado à AT nesta mesma data.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 11-03-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi regularmente constituído em 01-04-2024.

 

  1. O Requerente A... não se conforma com a notificação que lhe foi feita no dia .../2023, pelo ofício n.º ... do Serviço de Finanças de Silves que lhe imputa a falta de declaração de rendimentos obtidos na Alemanha, durante o ano de 2019:
  1. Rendimentos estes, alegadamente, no valor de 27.347,71 €, referentes a rendimentos de pensões obtidos na Alemanha;
  2. e no valor de 27.364,97 €, referentes a rendimentos de capitais obtidos na Alemanha.
  3. De que resultou a liquidação de IRS, nº 2023..., onde se apurou um montante de imposto no valor de 13.085,47 €;
  4. Acrescido de juros compensatórios no valor de 2.206,66 €;
  5. Resultando um total a pagar no valor de 15.292,13 €;
  6. Acrescendo o reembolso do IRS recebido na anterior liquidação.

Refere o Requerente que:

  1. apenas auferiu no decurso do ano de 2018, ... 23.814,14 €, colocados à disposição ... por C... AG e D... AG, em virtude de contrato de Seguro de Pensão de Velhice, celebrado em 2010 ...
  2.  “Nos termos deste contrato ... depositou, ...  em 2010, o valor de 502.529,25€ ... à disposição de C... AG e D... AG
  3.  “Estas entidades seguradoras aplicariam o valor depositado em fundos de investimento, como é prática corrente nestes instrumentos financeiros” e obrigaram-se a “colocar à disposição do Requerente, durante o primeiro ano de vigência do contrato, 2010, a quantia mensal de 2.529,25 € ... e no resto da vigência do contrato, a quantia mensal de 1.915,60 € até ao momento da morte do Segurado e ora Requerente”.
  4. ... valores que seriam descontados do valor depositado de 502.529,25 €”
  5.  Acrescendo a estas “prestações mensais fixas ...  um valor, variável, decorrente de dividendos e demais rendimentos de capitais gerados pela aplicação do dinheiro do ora Requerente em instrumentos financeiros”.
  6. Refere que “no ano de 2019, ... conforme estipulado no contrato de seguro, recebeu 12 prestações mensais, cada uma no valor de 1.915,60 €, totalizando um valor anual de 22.987,20 €, acrescido de 826,94 € decorrentes de juros de capitais, dividendos e demais rendimentos capitais”.
  7. Concluindo que “... foi colocado à disposição do ... Requerente, na Alemanha, durante o ano de 2019, o total de 23.814,14 €”.

Considera o Requerente A... que: 

(1) a AT não cumpriu o ónus da prova (artigo 74º da LGT)

(2) a declaração de IRS que apresentou quanto a 2019 deve presumir-se verdadeira e de boa-fé (artigo 75º da LGT), e 

(3) que a informação das autoridades alemãs que sustenta a liquidação de IRS impugnada, não cumpre os requisitos do artigo 76º nºs 1 e 4 da LGT;

daqui extraindo que ocorre o vício de violação da lei que justifica a anulação da liquidação.

 

  1. Em 01.04.2024 foi a Requerida notificada para contestar. Respondeu em 02.05.2024, juntando:
  1. Resposta preliminar;
  2. PA – comunicação GPS enviada à SDG-IR;
  3. PA – informação intercalar da DSRI;
  4. PA – confirmação de envio;
  5. PA – email de 16.04.2024 para a DSRI;
  6. PA – email da DSRI de 18.04.2024

terminando, a final, com o pedido de prorrogação do prazo ou a concessão de novo prazo para responder.

 

Em 04.06.2024 veio a Requerida pedir a suspensão da instância “até à conclusão do procedimento de troca de informações” juntando:

  1. Email de 17.05.2024 para a DSRI;
  2. Email de 17.05.2024 da DSRI;
  3. Email de 29.05.2024 para a DSRI.

Depois de exercido o direito ao contraditório, por despacho de 07.06.2024, foi o requerido desatendido.

 

 

Em 19.06.2024 a Requerida apresentou “requerimento posterior” pedindo “a possibilidade de apresentação posterior da “resposta definitiva” (após a conclusão do procedimento de troca de informações tendo presente a data “prazo do artº 21º até 2024-10.01 constante do processo na plataforma CAAD”.

Exercido o direito ao contraditório, por despacho de 10.07.2024 foi o impetrado desatendido, dispensada a realização da reunião de partes e a apresentação de alegações.

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído à face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT, e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

III – 1 - Matéria de facto

 

§ 1º - Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. Na determinação do IRS do Requerente A..., referente ao ano de 2017, foram-lhe imputados valores auferidos na Alemanha, os quais, após reclamação graciosa e impugnação judicial, se verificou que não correspondiam à realidade – conforme artigos 35º e 36º do PPA;
  2. Em 01.08.2010, pelas 12.00 horas foi celebrado, na Alemanha, um contrato de seguro de pensão, através da apólice ... (“pensão imediata”) ...-..., tendo como beneficiário e tomador do Seguro A... e como Segurador C... AG (“C...”)  e D... AG (“D...”),  em consórcio, assumindo as coberturas do seguro em 1% a “C...” e 99% a “D...” – conforme artigo 38º  e Documento 1 (Doc1) em anexo ao PPA, segundo a numeração de documento constantes no registo no SGP do CAAD;
  3.  Em coetaneidade com a celebração do contrato, o Requerente entregou às Seguradoras, a título de prémio e prémio adicional 502.529,25 €, assegurando uma pensão mensal de velhice, com pagamentos mensais a partir de 31.08.2010, a saber:
  1. durante o primeiro ano de vigência do contrato, 2010, a quantia mensal de 2.529,25 €;
  2. E no resto da vigência do contrato, a quantia mensal de 1.915,60 € até ao momento da morte do Segurado;
  3.  Em caso de falecimento do segurado é devido um capital no valor do prémio pago excluindo as pensões já pagas, a ser entregue a quem tiver sido indicado ao Segurador;
  4. Ao valor da quantia mensal acresce a participação no excedente das suguradoras E... (associação de lucro), quanto às reservas de reavaliação, pago a título de “excedente de pensão” nos termos e condições da cláusula 2ª dos “termos e condições gerais para o seguro de pensão com início imediato”.

- conforme artigos 39º a 46º do PPA e Documento 1 (Doc1) em anexo ao PPA, segundo a numeração de documento constante no registo no SGP do CAAD;

  1. O Requerente A..., durante o ano de 2018, recebeu 24.105,35 € (ou seja, 22.987,20 € + 1 118,15 €), colocados à sua disposição por C... AG e D... AG, valor equivalente a 12 mensalidades de €2 008,78 euros – conforme artigo 37º do PPA e Doc 3 em anexo ao PPA segundo a numeração de documento constante no registo no SGP do CAAD;
  2. No ano de 2019, o Requerente, conforme estipulado no contrato de seguro, recebeu 12 prestações mensais, cada uma no valor de 1.915,60 €, totalizando um valor anual de 22.987,20 €, acrescendo 826,94 € decorrente do mecanismo referido em (4) da alínea C) supra, o que perfaz um total de 24.814,14 € - conforme artigo 47º a 51º do PPA e Doc 3 em anexo ao PPA segundo a numeração de documento constante do registo no SGP do CAAD;
  3. A Autoridade fiscal alemã comunicou à AT que o Requerente, no ano de 2019, auferiu os seguintes rendimentos de fonte alemã:

Rendimentos de pensões: 

  1. com a natureza de “Individual Benefit” no montante de 23.814,14 EUR, pagos pela entidade C... AG; 
  2. com a natureza de “Individual Benefit” no montante de 3.533,57 EUR pagos pela entidade D... AG. 

Pagamentos com natureza “Outros – CRS”: 

  1. Pagos pela entidade C... AG, através da conta financeira n.º..., no montante de 23.831,40 EUR; 
  2. Pagos pela entidade D... AG, através da conta financeira n.º..., no montante de 3.533,57 EUR.

- conforme ponto 7 da resposta preliminar da AT e 02.05.2024;

  1. Em 29/07/2023, aquando da apresentação de Pedido de Pronuncia Arbitral relativo à liquidação oficiosa de IRS do ano de 2018, e dado que à data se encontrava em análise um procedimento de divergência idêntico relativo ao ano de 2019, foi desencadeado pela AT o mecanismo de troca de informação no sentido de obter os seguintes esclarecimentos: 
  1. Se os rendimentos comunicados, com a natureza de pensões, no valor total de €27.347,71 (€3.533,57, pagos por D... AG, e € 23.814,14, pagos por C... AG):
  1. se tratam somente de rendimento tributável, ou se integram alguma parte de capital (e, e caso afirmativo, qual o respetivo montante); e,
  2. se os valores pagos por aquelas entidades resultam de contribuições efetuadas pelo próprio contribuinte; 
  1. Qual a natureza dos pagamentos/valores creditados sob a denominação “Outros - CRS” no montante total de €27.364,97 (€23.831,40+€3.533,57), efetuados por C... AG e D... AG, nomeadamente se constituem rendimentos, se são ou não tributáveis, e qual a data efetiva do seu pagamento ou crédito em conta”.

- conforme ponto 7 da resposta preliminar da AT e 02.05.2024;

  1. Com data de 09.06.2023 o Serviço de Finanças de Silves dirigiu ao Requerente o ofício ... referindo o seguinte:

Nos termos do artigo 57º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), está obrigado(a) a apresentar uma declaração Modelo 3 com todos os rendimentos auferidos nesse ano.

Muito embora tenha apresentado uma declaração para este ano, não incluiu o anexo J com os rendimentos obtidos no estrangeiro.

Sendo residente em Portugal, de acordo com o disposto no nº 1 do art. 15º do CIRS, está obrigado(a) a declarar todos os rendimentos obtidos no nosso país assim como os obtidos no estrangeiro.

Neste âmbito foi instaurado em 14-03-2023 0 Processo de Divergências com o NO ... com o nº de Procedimento ...2023..., tendo sido notificado em 24-03-2023, para declarar no Anexo “J” os rendimentos da Categoria H - Rendimentos de Pensões e "E" - Rendimentos de Capitais no valor de € 27 347,71 e € 27 364,97, respetivamente, obtidos em Alemanha, procedendo à entrega de declaração de substituição Mod. 3 de IRS do ano 2019.

Por análise ao sistema informático verifica-se que até à presente data não foi apresentada a declaração de rendimentos com os valores acima referidos.

Deste modo, fica V.Exa notificado da intenção de se efetuarem a(s) seguinte(s)

correçao(ões) na referida declaração Modelo 3:

 

- conforme artigo 1º do PPA e Doc 1 em anexo ao PPA segundo a numeração de documento constante do registo no SGP do CAAD;

  1. Na sequência do ofício atrás referido foi remetida aos Requerentes uma nova Nota de Liquidação com o nº 2023..., com data 15.09.2023, onde se apurou um montante de IRS no valor de 13.085,47, acrescido de juros compensatórios no valor de 2.206,66 €, resultando num total a pagar no valor de 15.292,13 €, que foram pagos em data não apurada, tendo sido restituído à AT o valor do reembolso de imposto pago relativo à anterior liquidação de 2019 – conforme artigos 4º a 8º do PPA e nota de liquidação junta em anexo ao PPA.
  2. Em 19.01.2024 foi apresentado o presente PPA – conforme registo no SGP do CAAD.

 

§ 2º - Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

§ 3º - fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da (s) questão (ões) de direito (conforme artigo 596.º, do CPC aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Os factos foram dados como provados com base na posição das partes expressas nos documentos juntos e nos articulados.

 

III – 2 - Matéria de direito

 

§ 1º - Definir/integrar, face ao ordenamento fiscal português, qual o tipo de “produto” que está na origem da obtenção dos rendimentos pelo Requerente vs determinação do rendimento tributável.

 

              Em primeiro lugar cumpre determinar/integrar  – face ao ordenamento juridico-fiscal português – qual o “produto” que está na origem dos valores que o Requerente A... aufere com origem na Alemanha, uma vez que tudo indica que se trata de pessoa singular de nacionalidade alemã, residente em Portugal, que celebrou na RFA uma operação do ramo “vida”, mediante a entrega de uma importância que lhe garante o recebimento vitalício e mensal de uma prestação fixa, acrescida de uma parte variável.

 

Ou seja, no caso, está em causa

  1. a aplicação do normativo contido no nº 3 do artigo 5º do CIRS que se refere aos regimes complementares de segurança social, no caso uma operação do ramo vida oferecida por uma empresa seguradora – rendimento da categoria E; ou
  2. a aplicação do artigo 11º nº 1 alínea d) e artigo 54º, ambos do CIRS, no caso uma renda vitalícia, contrato regulado nos artigos 1238º e 1244º do Código Civil – rendimento da categoria H.

 

Essa dificuldade de integração dos rendimentos na tipologia fiscal portuguesa, nota-se desde logo da actuação da Autoridade Fiscal Alemã, ao comunicar à AT portuguesa o que comunicou, nos termos da alínea F) dos factos provados, denotando alguma problemática de integração dos valores pagos, ou como rendimentos de capitais ou como rendimentos de pensões, sendo certo que não podem integrar dois tipos de rendimentos em coetaneidade, face às definições da Convenção Modelo da OCDE.

 

Ao ler-se o contrato celebrado na Alemanha, verifica-se que se encontram preenchidos todos os requisitos para se considerar, face ao ordenamento jurídico português, que se trata de um contrato de renda vitalícia, gerador de rendimentos da categoria H.

 

No entanto, existe a norma tributária específica do nº 3 do artigo 5º do CIRS que tem que se considerar uma norma de incidência tributária que se aplica claramente à situação aqui em dissídio e tem a seguinte redacção:

 

“3 - Consideram-se ainda rendimentos de capitais a diferença positiva entre os montantes pagos a título de resgate, adiantamento ou vencimento de seguros e operações do ramo «Vida» e os respetivos prémios pagos ou importâncias investidas, bem como a diferença positiva entre os montantes pagos a título de resgate, remição ou outra forma de antecipação de disponibilidade por fundos de pensões ou no âmbito de outros regimes complementares de segurança social, incluindo os disponibilizados por associações mutualistas, e as respetivas contribuições pagas, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes, quando o montante dos prémios, importâncias ou contribuições pagos na primeira metade da vigência dos contratos representar pelo menos 35 % da totalidade daqueles:

a) São excluídos da tributação um quinto do rendimento, se o resgate, adiantamento, remição ou outra forma de antecipação de disponibilidade, bem como o vencimento, ocorrerem após cinco e antes de oito anos de vigência do contrato;

b) São excluídos da tributação três quintos do rendimento, se o resgate, adiantamento, remição ou outra forma de antecipação de disponibilidade, bem como o vencimento, ocorrerem depois dos primeiros oito anos de vigência do contrato.”

 

Este regime fiscal português – integração dos valores auferidos como rendimentos de capitais – parece ser o mesmo que é aplicável na Alemanha, como se pode inferir da alínea A. das “observações fiscais” constantes da apólice de seguro contratada pelo Requerente A... junta com o PPA e registada no SGP do CAAD como Documento 1 (Doc1).

 

Estamos do domínio dos regimes complementares de segurança social (RCSS) que como é consabido, face à alínea b) do artigo 80º da CRP é composto pela coexistência do:

  • Sector público (não lucrativo) – que oferece o regime público de capitalização;
  • Sector social (não lucrativo) – que oferece várias modalidades mutualistas;
  • Sector privado (lucrativo) – que oferece os seguros de vida e outros produtos ou operações, tais como os PPR.

 

O nº 3 do artigo 5º do CIRS não afasta a sua aplicação aos contratos de seguros e operações do ramo «Vida», celebrados ou concretizadas no estrangeiro.

 

A distinção do que é rendimento tributável nos diversos tipos de “produtos” oferecidos aos portugueses (ou residentes não portugueses), enquanto RCSS (normalmente com benefícios fiscais à entrada, durante as operações de capitalização e à saída) visando incentivar complementos de reforma, não é novidade no sistema fiscal português, citando-se a título de exemplo as rendas temporárias ou vitalícias em que existe uma clara distinção entre o que é capital (reembolso do capital que foi entregue que nunca poderá ser tributado) e o que é renda ou rendimento, que poderá ser tributado, conforme artigo 54º do CIRS, por constituir acréscimo patrimonial..

 

 O termo “resgate” que consta do nº 3 do artigo 5º do CIRS tem que ser lido no sentido económico de “retirada total ou parcial do capital investido numa dada aplicação”. Trata-se de expressão, no contexto em que é usada, com significado inequívoco.

 

              Conclui-se que estamos perante uma operação do ramo “vida”, um seguro financeiro, com garantia de reembolso do capital, cujo rendimento tributável é “a diferença positiva entre os montantes pagos a título de resgate, adiantamento ou vencimento de seguros e operações do ramo «Vida» e os respetivos prémios pagos ou importâncias investidas”.

 

              Esta leitura não é sequer controvertida face a, pelo menos, uma informação vinculativa da AT (emitida pela Direcção de Serviços do IRS) em cujo ponto 17 se refere “Em caso de resgate, total ou parcial, do valor de um seguro de vida, por parte do Tomador de Seguro, e de acordo com a letra do n.º 3 do artigo 5.º do Código do IRS, enquanto o montante resgatado não for superior ao somatório dos prémios (brutos) pagos não deve haver lugar a tributação, por a previsão da norma de incidência não se encontrar cumprida, devendo, no cálculo do rendimento de capitais sujeito a IRS, ser tido em conta o total dos montantes pagos e recebidos, desde o início do contrato e não apenas no ano vigente.”

 

O que está em sintonia com o referido por POÇAS, Luís, “Seguros e Impostos”, Almedina, 2022, pág. 248 “tem sido prática do mercado segurador – contando, aliás, com a compreensão e tolerância da AT – considerar que cada resgate parcial corresponde prioritariamente a um reembolso de capital investido e que, apenas quando o total de prémios brutos pagos se encontra excedido, se verifica uma liquidação de rendimento, só então sujeito a tributação”.

 

§ 2º - As informações prestadas pelas autoridades tributárias estrangeiras versus a prova em contrário. O Modelo 30 usado pela AT versus tipo de rendimentos de acordo com a convenção modelo da OCDE (campo 35 do quadro 8).

 

No caso, é notório que o Requerente A... fez prova em contrário. Ou seja, fez prova suficiente de que os valores indicados pela autoridade fiscal da Alemanha à AT não correspondem à realidade, até porque a Requerida, na sua Resposta ainda que preliminar, não coloca em causa a genuinidade dos documentos juntos em anexo ao PPA, onde claramente os emitentes referem que as verbas reembolsadas ao Requerente o foram a título de “resgate”, pelo que nos termos do artigo 365º-1 e do artigo 376º, ambos do Código Civil encontra-se demonstrado que o Requerente não recebeu qualquer “diferença positiva” entre o capital entregue e o valor resgatado.

Ou seja, o montante pago ao Requerente em 2019 constitui devolução do capital previamente entregue à seguradora, bastando ter em conta um cálculo geral dos valores recebidos desde a constituição do seguro em 2010 e até 2019, face ao valor do capital/prémios entregues às Seguradoras.

 

Os documentos juntos pelos Requerentes permitem integrar, por si só, o tipo de rendimento auferido pelo beneficiário, à luz do direito fiscal português.

 

Se partirmos do princípio que na Alemanha existe um modelo de comunicação das entidades pagadoras dos rendimentos a não residentes idêntico ao Modelo 30 português, facilmente se constatará que compete à entidade pagadora dos rendimentos definir, por sua leitura, que tipo de rendimento está a ser pago, colocando na informação dirigida à AT alemã o código do rendimento de acordo com a tipologia da convenção modelo da OCDE.

 

Ou seja, não é a AT alemã que define/integra numa primeira linha – face à tipologia de rendimentos da convenção modelo da OCDE – o tipo de rendimento pago, nem tão pouco parece existir a possibilidade de se indicar no modelo declarativo, se o montante pago integra “reembolso” de capital e “rendimento” enquanto acréscimo patrimonial. Isto, percute-se, se o modelo de comunicação usado na Alemanha for idêntico ao português.

 

Ora, nestas circunstâncias, a informação prestada pelas autoridades fiscais estrangeiras neste tipo de situações, em caso de divergências com os valores declarados pelos contribuintes, que beneficiam da presunção de verdade e boa-fé (artigo 75º da LGT), não podem considerar-se, sem mais, como sendo a única prova relevante que sustenta uma liquidação, como ocorreu no caso aqui em apreciação.

 

§ 3º - O pedido da AT portuguesa à AT da Alemanha no âmbito da troca de informações de 29.07.2023 vs o pedido de suspensão de instância até que a Autoridade Fiscal Alemã pudesse responder com limite temporal até à data até à extinção deste TAS. Factos constitutivos do direito à liquidação.

 

Como se provou na alínea G) dos factos assentes, o pedido de informação à AT da Alemanha ocorreu em Julho de 2023, no âmbito de um outro dissídio com o Requerente, relativo ao IRS de 2018.

 

A liquidação de IRS aqui impugnada é a nº 2023...  com data 15.09.2023.

 

Mesmo que a AT da Alemanha viesse a responder à situação de 2018, ficaria sempre a dúvida se a informação deveria ou poderia ser seguida quanto ao IRS de 2019.

 

Como se referiu acima, a entidade que mais directamente poderia responder às questões colocadas seria a entidade pagadora que está na primeira linha da prestação de informação sobre o tipo de rendimento face à convenção Modelo da OCDE e sobre se alguma parte dos valores pagos integram o reembolso de importâncias entregues.

 

Este TAS está convencido de que a informação que a AT da Alemanha prestaria (ou deveria ter prestado) não poderia ser diferente da que a entidade pagadora prestou ao beneficiário dos valores aqui em causa, partindo do princípio que é a entidade que envia as informações relevantes para a Autoridade Fiscal da Alemanha, através da obrigação declarativa respectiva, que por sua vez são retransmitidas, neste caso, à AT portuguesa.

 

Em regra, a Administração Tributária terá o ónus da prova dos pressupostos dos factos constitutivos dos direitos que pretender exercer no procedimento, enquanto os sujeitos passivos terão o ónus de provar os factos que possam servir de suporte à concretização desses direitos. Porém, isso não significa que a Administração Fiscal apenas deva procurar carrear para o procedimento provas dos factos que aproveitem à sua posição, pois, nessa matéria, mantém-se o seu dever, derivado do princípio do inquisitório, de realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade, mesmo as que tenham como objectivo provar factos invocados pelos interessados” (cfr.artº.58, da LGT; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Editora Encontro da Escrita, 4ª. edição, 2012, pág.656).

 

Ao contribuinte cabe fazer prova da inexistência do facto tributário ou que houve erro ou excesso na qualificação do facto tributário.

 

No caso, competia à AT apurar, em concreto, se os valores recebidos pelo Requerente integravam o conceito de rendimento (pois estamos perante um regime complementar de segurança social) ou seja, que os valores reembolsados constituíam “diferença positiva” nos termos do nº 3 do artigo 5º do CIRS, o que não ocorreu.

 

Perante o exposto, não tinha este TAS, face à obrigação legal do nº 2 do artigo 2º do RJAT, que versa sobre a aplicação do “direito constituído”, com base na fundamentação constante do pedido nesse sentido da Requerida, qualquer respaldo na lei processual para suspender a instância, no caso concreto aqui em apreciação.

 

Em resumo: não foi cumprido o ónus da prova dos factos constitutivos que permitissem a emissão da liquidação de IRS aqui impugnada (artigo 74º-1 da LGT).

 

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Perante o exposto o PPA terá que proceder no que concerne à primeira parte do pedido.

 

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IV - Reembolso do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios

 

Os Requerentes pedem ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago no montante de 19 513,20 € (aqui considerado o valor da restituição do reembolso de anterior liquidação com base em declaração do contribuinte), acrescido de juros indemnizatórios.

 

§ 1º - Quanto ao reembolso do imposto pago indevidamente.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário a que se vai proceder, há lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

 

§ - 2º - Quanto aos juros indemnizatórios.

 

Nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Revertendo o que se refere para o caso concreto deste processo, será de considerar o que refere v.g. o acórdão do STA de 8 de Março de 2017, proferido no  Processo nº 01019/14, em sintonia com jurisprudência constante do mesmo Tribunal, o seguinte:

Sobre o denominado “erro imputável aos serviços” tem a jurisprudência desta secção uniforme e reiteradamente afirmado que o respectivo conceito compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e que essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro (vide, entre outros, os seguintes Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: de 12.02.2001, recurso nº 26.233, de 11.05.2005, recurso 0319/05, de 26.04.2007, recurso 39/07, de 14.03.2012, recurso 01007/11 e de 18.11.2015, recurso 1509/13, todos in www.dgsi.pt.).

 

Esclarece o artigo 43.º, n.º 1, da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

No caso em apreço,  a ilegalidade dos actos de liquidação (IRS e juros) é imputável à AT, porque por sua iniciativa procedeu às liquidações impugnadas, pelo que os Requerentes têm direito, em conformidade com os artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, aos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.ºs 2 e 5 do Código do Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), calculados sobre os valores pagos a mais e desde a data do seu pagamento, à taxa resultante do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

 

V - Decisão

 

              De harmonia com o exposto este Tribunal Arbitral decide:

 

  1. Julgar procedente o PPA a anular parcialmente a liquidação a nº 2023..., com data 15.09.2023, onde se apurou um montante de IRS no valor de 13.085,47, acrescido de juros compensatórios no valor de 2.206,66 €, resultando num total a pagar no valor de 15.292,13 €;
  2. Reconhecer o direito dos Requerentes ao reembolso do imposto indevidamente pago no montante de 19 513,20 € (aqui considerado o valor da restituição do reembolso de anterior liquidação com base em declaração do contribuinte) e condenar a AT em conformidade;
  3. Reconhecer o direito dos Requerentes a receber os juros indemnizatórios, calculados sobre os valores pagos a mais e desde a data do seu pagamento, à taxa legal, até à data da emissão da respectiva nota de crédito e condenar a AT em conformidade.

 

VI - Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 19 513,20, indicado pelo Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

VII - Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1 224,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Notifique-se.

 

Lisboa, 31 de Julho de 2024

 

O Árbitro,

Augusto Vieira