DECISÃO ARBITRAL
Carla Castelo Trindade, Árbitra designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar este tribunal arbitral toma a seguinte
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
Em 26 de Junho de 2014, A, titular do número de identificação fiscal … e mulher, B, titular do número de identificação fiscal …, com domicílio fiscal na … Estoril, pertencentes ao Serviço de Finanças Cascais …, apresentaram pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.° 2 do artigo 5.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (decreto-lei n.° 10/2011, de 20 de janeiro), para apreciação da legalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares ("IRS") respeitantes aos anos de 2009 e 2010 com os n.°s, respectivamente, 2014 …, de 2014-02-15, com o montante a pagar de 2.090,14 €, que já inclui 269,20 € de juros compensatórios, e 2014 …, de 2014-02-15, com o montante a pagar de 49.897,27 €, que já inclui 4.830,19 € de juros compensatórios.
As referidas liquidações adicionais de IRS resultaram da aplicação pela Administração tributária do regime da transparência fiscal previsto nos Códigos de IRC e de IRS.
Não se conformando com as referidas liquidações de imposto e juros compensatórios os Requerentes solicitaram a constituição de tribunal arbitral, formulando os seguintes pedidos:
i) Declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de IRS, n.º 2014 …, e n.º 2014 … com fundamento:
a) Em inconstitucionalidade do artigo 20.º, n.º 1 do Código do IRS;
b) Em caducidade do direito à liquidação no que se refere ao ano de 2009;
c) Em vícios de violação de lei;
d) Em vício de fundamentação.
e) Declaração de nulidade das liquidações de juros compensatórios, em face da anulação das liquidações de IRS de que são acto consequente e;
f) Condenação da Administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.°, n.° 1, da LGT.
Com a petição juntaram 13 documentos, tendo ainda requerido a declaração de parte do Requerente marido A e arrolado as seguintes testemunhas:
i) C, … n°… • …;
ii) D, … nº … • ….
Como os Requerentes optaram pela não designação de árbitro, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitra do tribunal arbitral singular a Dra. Carla Castelo Trindade que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram notificadas dessa designação, não tendo sido apresentado qualquer pedido de recusa da designação como árbitro da Dra. Carla Castelo Trindade.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 24 de Setembro de 2014.
Em 29 de Outubro de 2014, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida”) apresentou resposta em que defendeu a improcedência total do pedido de pronúncia arbitral tendo apresentado como testemunha a Senhora Dra. E, Inspectora Tributária Nível II, a exercer funções nos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, com domicílio profissional na …, Lote …, ….
Por despacho, de 18 de Novembro de 2014, o tribunal notificou os Requerentes para, em 10 dias, informarem se mantinham o interesse na inquirição das testemunhas por si arroladas e para, mantendo-se o interesse dos Requerentes naquela inquirição, indicarem em 10 dias quais os pontos do requerimento inicial que seriam objecto daquele tipo de prova.
Perante a resposta apresentada pelos Requerentes em 28 de Novembro de 2014, na qual manifestaram a intenção de manter a inquirição de testemunhas, em 26 de Dezembro de 2014, o tribunal designou o dia 28 de Janeiro de 2015, pelas 14h, para a reunião do artigo 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.
Nesta reunião, presidida pela Senhora Árbitro Carla Castelo Trindade compareceram a Dra. …, mandatária dos Requerentes e a Dra. … Jurista em representação do Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira.
A reunião não pode seguir a agenda previamente estabelecida por falta de entendimento dos Requerentes quanto ao seu objectivo. Perante o sucedido, o tribunal agendou como nova data o dia 6 de Fevereiro de 2015, tendo fixado o prazo de 2 dias para as partes indicarem quais os factos sobre os quais deveria incidir a inquirição de testemunhas. As partes responderam tendo os Requerentes indicado que prescindiam da inquirição da testemunha D, residente na ….
Porém, na sequência da impossibilidade das digníssimas Representantes da Fazenda Pública em comparecerem à reunião do artigo 18.º agendada para dia 6 de Fevereiro 2015, foi uma vez mais agendado novo dia, desta feita, para 25 de Fevereiro, às 10h 30m, para a realização da reunião.
Em 25 de Fevereiro de 2015, pelas 10h30m conforme previamente fixado, foi efectuado o depoimento de parte, ouvida a testemunha arrolada pelos Requerentes - C – e, bem assim, a testemunha arrolada pela entidade Requerida, a Senhora Dra. E. Todos os intervenientes concordaram na dispensa de gravação dos depoimentos.
Por sugestão do tribunal e concordância das partes foram apresentadas alegações escritas.
Quer os Requerentes quer a Administração tributária apresentaram alegações.
Os Requerentes concluíram as suas dizendo que terminam como no pedido de pronúncia arbitral, devendo haver a integral procedência do aí peticionado.
A Autoridade Tributária e Aduaneira contra-alegou, reiterando o pedido de total improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, por não provado, com as demais consequências legais.
II. SANEAMENTO
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.
O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas quaisquer questões que possam obstar ao conhecimento do mérito da causa.
As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias e são legítimas.
Tudo visto, cumpre decidir.
III. DE FACTO
III.1. FACTOS PROVADOS
Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada. Tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e o artigo 607.º, n.º 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária).
Ora, atendendo às posições assumidas pelas partes, à prova documental, ao Processo Administrativo juntos aos autos, e, bem assim, ao depoimento de parte e ao depoimento das testemunhas consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
1. Os Requerentes são sujeito passivos de IRS, nos termos do artigo 1.º, n.º 1 e do artigo 15.º, conjugado com os artigos 2.º, 3.º, 8.º e 20.º, todos do Código do IRS, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3/07 e as alterações subsequentes;
2. O Requerente marido auferiu em 2009 e 2010, rendimentos de categoria A (Trabalho Dependente), de categoria B (Rendimentos Empresariais e de Imputação Especial) e de categoria F (Rendimentos Prediais);
3. Para efeitos de IRS, o Requerente marido, encontrava-se até à data de 13/11/2009, enquadrado no regime simplificado de determinação do rendimento tributável (artigo 28.º e 31.º do Código do IRS), e, em sede de IVA, encontrava-se inscrito no regime normal de periodicidade trimestral (artigo 29.º e n.º 1 do artigo 41.º, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado - Código do IVA);
4. O domicílio fiscal dos Requerentes situa-se na …, em Estoril, área do Serviço de Finanças de Cascais…;
5. Os Requerentes entregaram em 15/09/2010 e 06/11/2011 (fora do prazo legal, de acordo com o artigo 60.º do Código do IRS), as declarações de rendimentos Mod. 3 de IRS, referentes aos anos de 2009 e 2010, com os Anexos A, B (sem valores), D, F e H, conforme definido no n.º 1 do artigo 57.º do Código do IRS, com as referências … e …, tendo, à luz do artigo 13.º do Código do IRS, declarado dois dependentes com idade superior a 3 anos, em 2009, e 1 dependente com idade superior a 3 anos, em 2010, tendo ainda declarado o estado civil de “Casados”;
Análise interna à sociedade F, Sociedade de Advogados, RL
6. No âmbito da análise interna à sociedade F, Sociedade de Advogados, RL, da análise ao Anexo G da declaração anual de informação contabilística e fiscal / IES, entregue (cfr. o n.º 1 do artigo 121.º, do Código do IRC) por referência ao exercício de 2009, pela sociedade F, Sociedade de Advogados, RL, NIPC … verificou-se que o Requerente marido, auferia rendimentos da categoria B, sujeitos a imputação especial, uma vez que é sócio da referida sociedade, com uma participação de 27,47% (ano de 2009) e de 38,00% (ano de 2010)…
7. …tendo-lhe sido imputado, respetivamente, o valor de € 318.146,80 e de € 102.124,80, conforme determina o artigo 6.º do Código do IRC;
8. Constatou-se igualmente que foi declarado pelo Requerente marido, no Anexo D das declarações de rendimentos Mod. 3, anos de 2009 e 2010, os montantes de € 318.146,80 e de € 102.124,80, valores esses que se encontram em conformidade com o declarado na IES submetida pela sociedade F, Sociedade de Advogados, RL, relativa aos mesmos exercícios;
9. Com a finalidade de averiguar as importâncias que a título de lucros e/ou adiantamentos por conta de lucros foram pagos ou colocados à disposição do Requerente marido, durante os anos de 2009 e 2010, os serviços de inspecção tributária solicitaram à sociedade F, Sociedade de Advogados, RL, cópia dos balancetes analíticos e extractos da conta 26 (Sócios), relativos aos anos em causa;
10. Foi neste contexto que, em 23 de Maio de 2012, a sociedade F, Sociedade de Advogados, RL, foi notificada pela Administração tributária, através do Oficio n° …, dirigido ao seu Técnico Oficial de Contas (TOC), para, ao abrigo do princípio da colaboração, facultar cópias dos seguintes elementos do ano de 2009:
a. Extractos de contas correntes 622 (Serviços Especializados), e
b. Extractos de contas correntes 25 (Acionistas e Sócios) (cfr. DOC. 4, junto ao pedido de pronúncia arbitral).
11. No âmbito desta análise prévia, a informação requerida foi enviada à Administração tributária por correio electrónico de 8 de Junho de 2012, tendo sido posteriormente solicitada informação adicional, por correio electrónico de 11 de Fevereiro de 2013 (cfr. DOC. 5, junto ao pedido de pronúncia arbitral) e de 10 de Abril (cfr. DOC. 6, junto ao pedido de pronúncia arbitral) endereçados ao TOC da sociedade.
12. Em 18 de Abril de 2013 e posteriormente em 23 de Maio de 2013 o sócio da sociedade F, Sociedade de Advogados, RL, Dr. A, deslocou-se à Direcção de Finanças de Lisboa para prestar esclarecimentos e entregar documentação, (conforme depoimento de parte do Requerente e da testemunha do Requerente).
Análise externa à F, Sociedade de Advogados, RL
13. Foram abertos os despachos externos nºs DI… e DI…, em nome da entidade para os exercícios de 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009, com a finalidade de consulta e recolha de elementos, para validar a regularização efetuada na conta do referido sócio;
14. Ou seja, em 16 de Julho de 2013, foi iniciado procedimento de inspeção à sociedade F, Sociedade de Advogados, RL a coberto dos despachos DI… (DOC. 7 junto ao pedido de pronúncia arbitral) e Dl … (DOC. 8 junto ao pedido de pronúncia arbitral).
15. Após a consulta, recolha e cruzamento de dados, o Requerente foi notificado, por carta registada, do despacho de início de procedimento de inspecção "externa" por Oficio n° … de 2 de Agosto de 2013 (DOC. 9 junto ao pedido de pronúncia arbitral).
16. O procedimento de inspeção denominado de "externa" teve início com a assinatura da ordem de Serviço n° …, com data de 9 de Agosto de 2013, (DOC. 10 junto ao pedido de pronúncia arbitral) e termo com data a 13 de Janeiro de 2014, com a assinatura da nota de diligência (DOC. 11 junto ao pedido de pronúncia arbitral).
Análise inspectiva externa ao Requerente (ano de 2009)
17. Não foram praticados actos inspectivos no domicílio fiscal dos Requerentes, além do envio de carta-aviso e assinatura da Ordem de Serviço.
18. No entanto, os contactos com a Administração tributária ocorreram, por indigitação daqueles, através do TOC da Sociedade (na qualidade de terceiro), o qual por sua vez optou por disponibilizar a informação e documentação necessária via correspondência.
19. Foram praticados os seguintes actos dentro do procedimento inspectivo e que decorrem da seguinte cronologia de factos:
· Envio da carta aviso em 2 de Agosto de 2013;
· Em 8 de Agosto de 2013, tendo-se constatado a ausência do sujeito passivo na sua morada, contactou-se telefonicamente o sujeito passivo, com vista a confirmar a recepção da carta-aviso e a marcar o início do procedimento inspectivo;
· Nessa mesma data veio o sujeito passivo através de e-mail (cópia de e-mail junta aos autos), confirmar que estaria ausente, nomeando como seu representante para esses efeitos e para intermediação nas respostas, o Dr. C;
· Durante o procedimento inspectivo os contactos pessoais foram efetuados com o Dr. C;
· Durante este processo foram sendo enviados, para justificação das despesas, vários elementos pessoais fornecidos pelo sujeito passivo/seu representante - tais como agendas, apontamentos diversos, registos de e-mail’s remetidos da sua caixa de correio -, que conforme sugerido pelo próprio foram disponibilizados pelo Requerente ao abrigo da plena disponibilidade que sempre demonstrou perante a Administração tributária;
· Revelou-se, mormente no âmbito da audição de parte e da inquirição de testemunhas que os mesmos não são elementos contabilísticos, não podendo ser confundidos com a informação recolhida em sede de análise prévia na sociedade;
· Está provado documental e testemunhalmente que foram sempre facultados à Administração tributária todos os elementos, documentos e esclarecimentos que foram solicitados.
20. Em 19 de Dezembro de 2013, o Requerente deslocou-se à Direcção de Finanças de Lisboa para prestar esclarecimentos a título voluntário.
21. A ordem de serviço de encerramento da inspeção denominada de "externa", ND …, foi igualmente assinada presencialmente, em 14 de Janeiro de 2014, nas instalações da Direcção de Finanças de Lisboa pelo Representante Legal do Requerente, o Dr. C, nomeado nos termos do artigo 52.° do RCPIT.
22. Nesse mesmo dia, em 14 de Janeiro de 2014, o Representante do Requerente recebeu o Projeto de Relatório.
23. Em 29 de Janeiro de 2014, o Representante do Requerente deslocou-se à Direcção de Finanças de Lisboa para entregar em mão o requerimento contendo o exercício do Direito de Audição do qual como se verá infra resultaram alterações ao projectado.
24. Em 12 de Fevereiro de 2014, foi recebido o Relatório de Inspecção Final (cfr DOC.3 junto ao pedido de pronúncia arbitral).
25. Decorre desse Relatório final, em resumo que:
Conclusões da acção inspectiva
26. Na análise efectuada às importâncias contabilizadas como reembolsos ao Requerente marido de despesas suportadas em nome e por conta da Sociedade, a Administração tributária distinguiu, o seguinte:
a. Quanto às despesas devidamente documentadas, a Administração tributária corrigiu as que não estavam facturadas em nome da sociedade;
b. Quanto às despesas não documentadas, ainda que objecto de alguma justificação, porém insuficiente, foram as mesmas consideradas como praticadas em benefício do Requerente marido por não existir uma aparência de causalidade com a actividade da Sociedade.
27. Assim, analisadas as despesas a seguir indicadas, sobretudo os respectivos documentos de suporte, conclui a Administração tributária que os mesmos foram destinados a uso do Requerente marido e seus familiares, nos termos que se transcreve do Relatório Final, fls. 12:
“em termos particulares salienta-se, que, relativamente, quanto às despesas com combustíveis: Existem documentos relativos às despesas relacionadas com combustíveis, emitidos em nome do sujeito passivo B, B, que não é sócia nem colaboradora da empresa, bem como, em nome de G, filho dos sujeitos passivos aqui em análise (vide págs. 15, 16, 21, 22, 23, 24, 29, 33, 24, 26, 37, 41, 42,43, 46, 47, do Anexo V);
às despesas com alimentação: Foram recolhidos documentos relativos às despesas relacionadas com alimentação, que não estão emitidos em nome da empresa, e não contêm, nem a identificação da deslocação associada, nem das pessoas presentes nas refeições (vide, p. ex., págs. 30, 31, 38, 39, 40, do Anexo V); Existem despesas que, pelo tipo de refeição (no “…”, no “…”, “…”, “…”, etc…), parecem afastadas da possibilidade de se tratarem de um contacto com clientes (vide, p. ex., págs. 30, 31, 38, 39, 40, do Anexo V);
às despesas com viagens: Alguns documentos relativos às despesas relacionadas com viagens, encontram-se emitidos em nome do sujeito passivo A, A e sua família, e não contêm a identificação da deslocação associada, indiciando tratarem-se de viagens de lazer e não de negócios (vide, p. ex., págs. 6, 7, 20, 32, 35, do Anexo V);
às despesas com caçadas: De acordo com informação dada pelo sujeito passivo, a organização destas caçadas “tratam-se de despesas necessárias à angariação de clientes”. No entanto nos termos do disposto na alínea h) do artigo 85.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei n.º 15/2005, de 26/1), “(…) constituem deveres do advogado para com a comunidade: (…) f) não solicitar clientes, por si nem por interposta pessoa” (vide p. ex., págs. 5, 8, 10, 12, 13, 14, 25, 26, 27, 28, do Anexo V). Sobre esta proibição de angariar clientes, prevista deontologicamente, o Acórdão do Conselho Superior no Processo R/36/98 de 11/12/1998, determina: “(…) como ao advogado é vedada a publicidade através de anúncios e meios de comunicação social, também é vedado ao advogado angariar clientela, tudo em defesa da sua dignidade. O advogado (do latim ad-vocatus, o que é chamado) deve ser procurado pelo cliente pela sua competência e probidade não devendo, em qualquer caso e por qualquer via, insinuar-se ou oferecer-se à clientela. A lealdade e a confiança são as pedras basilares das relações advogado-cliente, e esta confiança e lealdade só existirão quando o cliente escolher o seu advogado por sua livre vontade e iniciativa, não descurando, com é óbvio, conselhos de pessoas amigas ou informações obtidas por quaisquer vias sobre a competência do escolhido. Só existirá lealdade e confiança do cliente no advogado quando este for escolhido livremente por aquele (…).”
28. Perante os factos acima expostos, concluiu a Administração tributária que estes gastos suportados pela empresa foram destinados para uso próprio do sócio/sujeito passivo enquanto particular, bem como de seus familiares o que constituirá em seu entender um acréscimo patrimonial na esfera deste, configurando um verdadeiro rendimento para efeitos de tributação em IRS.
29. No entender da Administração tributária vertido no Relatório Final, verificaram-se, ainda, outras despesas, também relativas aos anos de 2005 a 2009, que ficaram por justificar pelo facto de não terem sido exibidos/remetidos documentos de suporte que permitissem a sua validação.
30. As importâncias pagas ao Requerente marido foram, assim, consideradas pela Administração tributária como tendo sido pagas a título de adiantamento por conta de lucros.
31. Ou seja, o reembolso das aludidas despesas foi considerado como consubstanciando “compensações” atribuídas ao sócio ora Requerente.
32. Por fim, e conforme explicitado em fls. 18 do Relatório Final, para apuramento do rendimento total auferido pelo Requerente marido, na qualidade de sócio da referida Sociedade, foram considerados os pagamentos recebidos que excedem o rendimento imputado de acordo com as regras do artigo 6.º do Código do IRC, e desconsideradas as despesas aceites fiscalmente como sendo praticadas por conta da Sociedade,
33. Resultando, deste modo, um excesso de adiantamentos por conta de lucros a tributar em 2009 no montante de € 13.365,32 e no montante de € 90.982,46 a tributar em 2010.
34. Notificados do projecto de relatório, para efeitos do disposto no artigo 60º da LGT, os Requerentes exerceram, como já se referiu supra, o seu direito de audição prévia.
35. Efectuada a análise à argumentação apresentada e aos novos “documentos que não tinham sido juntos aos pedidos de esclarecimento efectivados anteriormente”, a Administração tributária considerou que parte das despesas que antes não estavam justificadas, referentes a combustível, alimentação e viagens (ver quadros 12 a 16 do Relatório Final), estava agora comprovado que as mesmas tinham sido incorridas em nome e por conta da empresa,
36. Foram então reformuladas as correcções.
37. Pese embora o exposto conclui-se ainda no Relatório Final que todas as despesas lançadas na contabilidade da F, Sociedade de Advogados, RL, foram objecto de incidência e pagamento de tributações autónomas.
38. Todas as despesas reembolsadas ao Requerente marido foram consideradas custo da sociedade no ano em que ocorreu o respetivo reembolso.
39. Todas as despesas reembolsadas ao Requerente interferiram, como elementos negativos, na determinação da matéria colectável da sociedade nos exercícios fiscais de 2009 e 2010.
40. Finalmente, em 27 de Fevereiro de 2014, os Requerentes foram notificados das liquidações de IRS referentes aos anos de 2009 e 2010 (DOC. 1 e DOC.2 junto ao pedido de pronúncia arbitral).
41. A data limite de pagamento era a dia 31 de Março de 2014.
42. As liquidações de imposto e de juros foram pagas.
III.2. FACTOS NÃO PROVADOS
Como referido, relativamente à matéria de facto dada como assente, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental o processo administrativo junto aos autos, e, bem assim, ao depoimento de parte e ao depoimento das testemunhas consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto não contestados pelas partes.
Quanto ao facto não provado, deve-se, essencialmente, à insuficiência da prova apresentada a seu respeito. Com efeito, os documentos juntos aos autos, e, bem assim, ao depoimento de parte e ao depoimento das testemunhas não são, só por si, susceptíveis de fundar, para lá de qualquer dúvida razoável, a prova dos facto que se passa a elencar:
1. Os membros da equipa de inspecção tributária tenham alguma vez sido impedidos de aceder à residência dos Requerentes.
IV. DA MATÉRIA DE DIREITO
Questão prévia de ordem de conhecimento
Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, a questão central a dirimir pelo presente tribunal arbitral consiste em apreciar a legalidade dos actos de liquidação de IRS e respectivos juros compensatórios.
Tendo os Requerentes imputado diversos vícios aos actos tributários impugnados há que determinar a ordem do conhecimento dos mesmos, devendo ser observada a ordem do artigo 124.º do CPPT, aplicável por força do artigo 29.º, nº 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária[1].
A procedência de qualquer dos vícios invocados pelos Requerentes conduzirá à anulação do acto tributário. Analisar-se-ão em primeiro lugar os argumentos apresentados em sede de defesa por excepção, o da inconstitucionalidade e o da caducidade. De seguida olhar-se-á para os argumentos apresentados na defesa por impugnação. Nesta sede, o vício de violação de lei é aquele que conduzirá à “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos” na medida em que a sua eventual procedência impedirá a renovação do acto, o que não sucede com a anulação decorrente dos demais vícios.
Em conformidade, o tribunal irá apreciar em primeiro lugar o vício de violação de lei.
A questão que cumpre apreciar, independentemente da posição das partes e ao abrigo do princípio do inquisitório, consiste em determinar se a Administração tributária poderia rever directamente a situação jurídica dos Requerentes em sede de IRS sem, primeiro, fazer a correcção em sede de IRC na esfera da sociedade F, Sociedade de Advogados, RL, uma vez que esta estava sujeita ao regime da transparência fiscal.
Questão prévia – breve enquadramento
Em traços muito gerais, e em benefício de um enquadramento teórico, começa o tribunal por referir que na origem do regime de transparência fiscal está sempre uma sociedade, pessoa colectiva, ou entidade equiparada, que, não fora a sua subordinação ao regime de transparência fiscal, seria tributada em IRC.
O regime de transparência fiscal é então, alternativo ao regime geral de tributação do rendimento das sociedades e entidades equiparadas, daí que seja entendido, também por este tribunal, como um regime especial.
Assim, o legislador, por razões que tentaremos apurar mais à frente criou, em certos e determinados tipos de negócio/realidades empresarias/profissionais um regime composto, de compromisso, entre o apuramento da matéria colectável seguindo as regras do IRC e a imputação deste resultado aos sócios que assim serão tributados em sede de IRS ou de IRC dependendo do caso. Criou também, por razões que também veremos, um regime de excepção a esta regra geral do regime especial.
Mas o regime de transparência fiscal é especial também porque tendo por objectivos confessados a neutralidade fiscal, a eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos e o combate à fraude e à evasão fiscais, consiste num regime excepcional de tributação de certos entes colectivos e dos seus sócios.
A personalidade colectiva da entidade é portanto desconsiderada para efeitos de tributação do rendimento por eles apurado, sendo este imputado, muitas vezes independentemente de distribuição efectiva dizemos nós, aos seus sócios ou membros, para serem tributados em IRS ou em IRC, consoante se trate de pessoas singulares ou colectivas[2],[3].
A matéria controvertida prende-se então com o – também assim denominado/qualificado pelos Requerentes -, regime especial de tributação do rendimento denominado regime de transparência fiscal, previsto no actual artigo 6.° do Código do IRC (anterior e originalmente, artigo 5.°). o qual, na parte que aqui nos importa refere que:
Artigo 6.°
Transparência fiscal
1 - É imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria colectável, determinada nos termos deste Código, das sociedades a seguir indicadas, com sede ou direcção efectiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros:
a) Sociedades civis não constituídas sob forma comercial;
b) Sociedades de profissionais;
c) Sociedades de simples administração de bens, cuja maioria do capital social pertença, directa ou indirectamente, durante mais de 183 dias do exercício social, a um grupo familiar, ou cujo capital social pertença, em qualquer dia do exercício social, a um número de sócios não superior a cinco e nenhum deles seja pessoa colectiva de direito público
Assim, não há dúvidas que este artigo estabelece que é imputada aos sócios das sociedades de profissionais, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria colectável, determinada nos termos deste Código.
A este propósito preceitua o artigo 15.°, relativamente às entidades sujeitas a IRC, que exercem a título principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola como é o caso, que se considera matéria colectável:
Artigo 15.°
Definição da matéria colectável
1 - Para efeitos deste Código:
a) Relativamente às pessoas colectivas e entidades referidas na alínea a) do n.° l do artigo 3.°, a matéria colectável obtém-se pela dedução ao lucro tributável, determinado nos termos dos artigos 17.° e seguintes, dos montantes correspondentes a:
1) Prejuízos fiscais, nos termos do artigo 52.°;
2) Benefícios fiscais eventualmente existentes que consistam em deduções naquele lucro;
27.°.
Daqui resulta que não existe uma norma própria, dita, especial, para a definição de matéria colectável no regime de transparência fiscal, este segue, portanto, a regra geral prevista no artigo 15.º do Código do IRC.
Ainda importante à análise da questão em apreço é o previsto no artigo 20.º do Código do IRS.
Com efeito, este é o artigo que nos vai dizer como é que se vai qualificar na esfera dos sócios – quando pessoas singulares – o produto do resultado que lhes for aplicável após o cálculo da matéria colectável nos termos do artigo 15.º do Código do IRC, mas que a partir de 2009 nos vai dizer algo mais.
Em boa verdade, o artigo 20.º do Código do IRS, sofreu em 2009 uma alteração que como veremos não é despicienda à decisão do mérito da presente acção.
Referia este preceito na redacção anterior à Lei n.° 64-B/2008, de 31 de Dezembro:
Artigo 20.°
Imputação especial
1 - Constitui rendimento dos sócios ou membros das entidades referidas no artigo 6º do Código do IRC, que sejam pessoas singulares, o resultante da imputação efectuada nos termos e condições dele constantes.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, as respectivas importâncias integram-se como rendimento líquido na categoria B.
A modificação de fundo ocorreu com a redacção conferida à norma pela Lei n.° 64- B/2008, de 31 de Dezembro, através da qual o artigo passou a dispor que:
Artigo 20°
Imputação especial
1- Constitui rendimento dos sócios ou membros das entidades referidas no artigo 6.° do Código do IRC, que sejam pessoas singulares, o resultante da imputação efectuada nos termos e condições dele constante ou, quando superior, as importâncias que, a título de adiantamento por conta de lucros, tenham sido pagas ou colocadas à disposição durante o ano em causa.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, as respectivas importâncias integram-se como rendimento líquido na categoria B.
3- ....
4- …
5 - No caso de ser aplicável a parte final do n.° 1, o resultado da imputação efectuada nos anos subsequentes deve ser objecto dos necessários ajustamentos destinados a eliminar qualquer duplicação de tributação dos rendimentos que possa vir a ocorrer.
Parece-nos relativamente singelo o objectivo do legislador com esta alteração.
Porque vários eram os casos em que as sociedades ditas transparentes não distribuíam lucros aos sócios fazendo só adiantamentos por conta de lucros, evitando portanto uma tributação na esfera do sócio e uma erosão da base tributável na esfera da sociedade, criou-se uma regra anti-abuso.
Assim, a partir de 2009, a tributação das sociedades transparentes, e consequentemente, dos seus sócios quando pessoas singulares, passou a fazer-se da seguinte forma:
a) Calcula-se a matéria colectável nos termos do artigo 15.º do Código do IRC;
b) Imputa-se o seu resultado aos sócios na quota parte da sua participação na sociedade;
c) Excepto se o valor a imputar for inferior ao valor que tenha sido pago ou colocado à disposição dos sócios durante o ano a título de adiantamento por conta de lucros…
d) Caso em que é este o valor que é considerado para efeitos de tributação do sócio.
Temos portanto uma cláusula travão, uma cláusula que diz que a regra geral do regime especial – a de tributação do resultado da imputação da matéria colectável calculada para efeitos de IRC – é afastada quando o seu valor for inferior ao que resulta caso se considere o valor das importâncias que tenham sido adiantadas por conta dos lucros.
Assim, o que a Administração tributária fez no caso em juízo foi considerar que as despesas pagas ao Requerente marido, e não aceites na esfera da sociedade, são na verdade adiantamentos por conta de lucros e, portanto, a tributação em sede de IRS deveria incidir sobre este resultado e não sobre o resultado da imputação ao sócio da matéria colectável.
Assistir-lhe-á razão, e portanto deverão manter-se estes actos de liquidação de imposto e de juros caso as despesas não aceites na esfera da sociedade F, Sociedade de Advogados, RL sejam susceptíveis de serem qualificadas como adiantamento de lucros na esfera do Requerente sócio.
Não lhe assistirá razão, e portanto deverão ser anuladas as liquidações adicionais e os juros deferindo-se portanto o pedido em toda a linha, caso a não qualificação das despesas não aceites como adiantamento de lucros seja ilegal. É que neste caso, até se poderia chegar a um resultado equivalente mas para tal seria necessário recorrer à regra geral, ou seja seria necessário, primeiro corrigir a matéria colectável da sociedade F, Sociedade de Advogados, RL, desconsiderando na sua esfera o custo que foi aceite relativo às despesas que afinal não deveriam ter sido aceites, e por último ir corrigir a imputação efectuada a todos os sócios reflectindo portanto o aumento da base tributável – matéria colectável – resultante da correcção efectuada. A par desta correcção teria que se efectuar uma outra, desta feita, de reembolso à sociedade do valor das tributações autónomas que tivesse sido pago quanto às despesas cujo gasto não foi aceite.
Antes porém de nos pronunciarmos sobre esta questão em concreto -, a do vício de violação de lei - cumpre analisar quais os argumentos, e contra argumentos, apresentados pelas partes a propósito da defesa por excepção.
Defesa por excepção
A) Da invocada inconstitucionalidade
Defendem os Requerentes que o n.° 1 do artigo 20.° do Código do IRS é inconstitucional por violação dos princípios da legalidade e da igualdade tributárias, na redação que lhe foi dada pela Lei n.° 64- A/2008, de 31 de Dezembro, com referência ao seu último segmento, que dispõe: ou, quando superior, as importâncias que, a título de adiantamento por conta de lucros, tenham sido pagas ou colocadas â disposição durante o ano em causa.
Em resumo, defendem os Requerentes que o segmento final do n.° 1 do artigo 20.° do Código do IRS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.° 64-A/2008, de 31 de Dezembro, não deve ser aplicado por inconstitucionalidade na medida em que viola o princípio constitucional da legalidade tributária, na sua vertente de reserva de lei em matéria de incidência e de garantias dos contribuintes.
Defendem ainda a este propósito os Requerentes, que o mesmo preceito viola ostensivamente o princípio constitucional da igualdade tributária, emergente do artigo 13.° da Constituição, porque, admitindo sem conceder que não viola o princípio da legalidade tributária, apenas se aplica aos sócios das sociedades sujeitas regime da transparência fiscal interna que sejam pessoas singulares e não se aplica aos sócios sociedades sujeitas regime da transparência fiscal interna que sejam pessoas colectivas.
Em igualdade de circunstâncias, o sócio da mesma sociedade, que seja pessoa singular, pode, e sempre em seu prejuízo face à formulação normativa do segmento final do n.° 1 do artigo 20.° do Código do IRS, ver a matéria colectável determinada na sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal interna por pretensos "adiantamentos por conta de lucros".
Atestam então os Recorrentes que o segmento final do n.° 1 do artigo 20.° do Código do IRS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.° 64-A/2008, de 31 de Dezembro, viola o princípio constitucional da igualdade tributária, na vertente de igualdade perante a lei e na sua dimensão da proibição do arbítrio, pelo que não deve ser aplicado por inconstitucionalidade.
Quanto a esta temática defendeu-se a Administração tributária em sede de resposta argumentado que dos princípios de capacidade contributiva e de rendimento real resulta a exigência legal de tributar o rendimento disponível na esfera do sócio mesmo quando esse rendimento ultrapasse a matéria colectável da Sociedade determinada nos termos do Código do IRC, naturalmente com os ajustamentos a efectuar no(s) exercício(s) subsequente(s)s, nos termos do n° 5 do artigo 20° do Código do IRC. Não existe, por conseguinte, no entender da Administração tributária, e no entender do tribunal, qualquer ficção jurídica plasmada no n° 1 do artigo 20° do Código do IRS, uma vez que quer na situação em que os lucros não são distribuídos (n.° 1 do artigo 6.° do Código do IRC a final), quer na situação em que os lucros são adiantadamente pagos (n.° 1 do artigo 20.° do Código do IRS a final), o rendimento a tributar já se encontra revelado através de uma capacidade contributiva que, no primeiro caso se manifesta através da matéria colectável determinada em IRC na esfera da Sociedade, ainda que o lucro correspondente não tenha sido distribuído entre os sócios, e no segundo caso se revela pela antecipação na esfera do sócio de uma disponibilidade a imputar à matéria colectável da Sociedade a determinar no(s) exercício(s) subsequente(s), mas já distribuído ao sócio por conta desse exercício. Assiste portanto razão à Administração tributária que andou bem também quando refere que quer o legislador do IRS quer o do IRC são os mesmos – no limite os senhores deputados da Assembleia da República…
Por último julgamos ter andado bem também a Administração tributária ao referir que não colhe a tese defendida pelos Requerentes, quando defendem que houve o recurso a indícios, presunções ou outros elementos de que a autoridade tributária dispunha, de acordo com os critérios elencados no artigo 87.° da LGT e, consequentemente, qualquer exigência legal quanto à verificação dos respectivos pressupostos e regras procedimentais específicas uma vez que os métodos indirectos de tributação visam, conforme dispõe o artigo 83°, n° 2 da LGT, “a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a Administração tributária disponha”.
Em resumo, considera o tribunal que não procede o argumento de inconstitucionalidade alegado pelos Recorrentes quando defendem que o artigo 20.º, n.º 1, do Código do IRS, na redacção introduzida pela Lei nº 64-A/2008, de 31/12, está ferido de inconstitucionalidade.
B) Caducidade
Os Requerentes invocam, também que a liquidação controvertida referente a IRS de 2009 foi-lhes notificada depois de terminado o prazo de caducidade previsto no artigo 45.º da LGT. Isto porque consideram que como a inspecção tributária que lhe está subjacente não tem a natureza externa a mesma não teria suspendido o prazo de caducidade da liquidação nos termos do consignado no n.º 1 do artigo 46.º da LGT.
A classificação do procedimento inspectivo como interno ou externo determina a aplicação de regras procedimentais próprias e um regime jurídico específico quanto, por exemplo, à possibilidade de efectuar nova acção inspectiva ao mesmo sujeito passivo, ano e imposto (artigo 63.º, n.º 4 da LGT) bem como à suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação.
Foi esta questão de qualificação da inspecção como interna ou como externa que fez com que o tribunal insistisse na realização da reunião a que refere o artigo 18.º pese embora as sucessivas vicissitudes.
É unanime na doutrina e na jurisprudência que a qualificação de uma inspecção como interna ou como externa não depende das partes mormente da Administração tributária. O que importa à qualificação de uma inspecção como interna ou externa são os actos inspectivos efectivamente practicados no decorrer da acção inspectiva. Prevalece então a substância sobre a forma.
Neste sentido, foram já proferidas decisões arbitrais em processos do Centro de Arbitragem Administrativa2, designadamente nos processos 8-2012T e 14-2012T, tendo-se, no primeiro daqueles, escrito que:
“Tal como decorre expressamente da previsão normativa do artigo 46.º do CPPT, só o procedimento de inspeção externa possui a virtude de suspender a contagem do prazo de caducidade.
E compreende-se que assim seja. Com efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), “o procedimento de inspecção visa a observação das realidades tributárias e a prevenção das infracções tributárias”, sendo o procedimento classificável como de interno, de acordo com o artigo 13.º do mesmo diploma, sempre que os actos de inspecção tenham lugar exclusivamente nos serviços da Administração fiscal “através da análise formal e da coerência dos documentos”, e de externo, “quando os actos de inspecção se efectuem total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos.”
Mais adiante:
“como se afigura evidente à luz dos mais elementares princípios de hermenêutica jurídica, não é o simples facto de se designar o procedimento por externo, sem que sejam realizados quaisquer atos materiais de inspeção após a assinatura da ordem de serviço, que lhe confere a aptidão de suspender a contagem do prazo de caducidade.”
Já na decisão proferida no processo 14-2012T, pode ler-se que:
“5 – O critério de distinção entre procedimentos de inspecção internos e externos extrai-se do art. 13.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, em que se esclarece que o procedimento é interno «quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da Administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos» e é externo «quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso».
O critério de distinção entre procedimentos de inspecção internos e externos assenta, assim, na existência ou não de actos praticados fora dos serviços da Administração tributária para obtenção dos elementos relevantes: se os actos se praticaram exclusivamente nesses serviços, está-se perante um procedimento interno; se algum ou alguns actos necessários para apurar os factos tributários foram praticados fora desses serviços, «total ou parcialmente», está-se perante um procedimento externo.”.
Ainda na mesma decisão:
“A inspecção só será qualificável como interna quando foi efectuada com base em documentos não obtidos através de actos inspectivos exteriores aos serviços.”.
Ora, após todos os testemunhos e também atento o depoimento de parte, e tendo em consideração os documentos e as conclusões trazidas aos autos no âmbito do processo inspectivo considera o tribunal que também aqui a tese dos Requerentes falece de sustentação de facto e de direito.
No caso dos autos, ficou claro que a Administração tributária optou por abrir uma inspecção externa pelas razões expostas pela testemunha inquirida na qualidade de inspectora tributária, ou seja, de harmonia com uma metodologia previamente implementada pelos Serviços com vista à análise das situações decorrentes do aludido aditamento ao artigo 20º do Código do IRS, por se considerar não ser suficiente uma mera análise interna de coerência.
Ficou provado, que antes da abertura do procedimento de inspecção externa, e pese embora a quantidade de documentos que tinha já obtido ao abrigo do princípio da colaboração, a Administração tributária não tinha em seu poder os elementos necessários à acção inspectiva, donde haveria sempre a necessidade de praticar actos inspectivos externos com vista à sua obtenção.
Afinal, os livros de registo que o Requerente está obrigado a possuir, no cumprimento da obrigação imposta pelo artigo 116.º do Código do IRS, deverão estar centralizados no seu domicílio fiscal, conforme dispõe o artigo 118º do mesmo diploma legal. Apenas por comodidade e por indicação do contribuinte os elementos foram enviados para a Administração tributária pelo seu TOC, o que não altera a natureza externa da acção inspectiva.
Deste modo, resulta dos presentes autos que os actos de inspecção praticados pela Direcção de Finanças de Lisboa não se efectuaram exclusivamente nos serviços da Administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos, encontrando-se comprovada a prática de actos de inspecção externa. Os elementos que são analisados no âmbito do procedimento inspectivo, são documentos pessoais facultados pelo Requerente marido.
Salienta-se que o facto de não ter existido recolha de documentação no domicílio fiscal do sujeito passivo se deveu unicamente ao facto de o Requerente marido ter indicado à Administração tributária que os contactos deveriam ser feitos através do seu TOC. De facto, embora não tenha existido contacto directo com o sujeito passivo no seu domicílio fiscal, as diligências externas efectuadas permitiram aferir factos importantes para as conclusões do procedimento inspectivo.
Termos em que deverá ser julgada improcedente a alegada caducidade do direito à liquidação de IRS de 2009 e consequente ajustamento operado em sede de IRS de 201, em virtude de o respectivo prazo se ter suspendido ao abrigo do n.º 1 do artigo 46.º da LGT.
Defesa por Impugnação
C) Violação da regra da precedência da determinação da matéria colectável de acordo com o disposto no Código do IRC
Os Requerentes sustentam neste ponto que uma vez que as correcções efectuadas aos rendimentos por imputação ao Requerente marido se referem a reembolso de despesas não justificadas ou a gastos não aceites, os mesmos se deviam ter repercutido, pela sua própria natureza, imediatamente sobre a sociedade e não imediatamente sobre si próprios.
Neste argumento o tribunal deter-se-á com maior acuidade porquanto a resolução da questão dicidenda está na resposta a esta temática.
Sustentam a este propósito os Requerentes que não está ainda aqui em causa a eventual questão da autonomia entre o património societário e o património pessoal que os custos que foram objeto daqueles juízos de valor pela Inspeção Tributária (despesas não justificadas e gastos não aceites) poderiam suscitar. No plano formal e contabilístico estão em causa despesas e gastos documentalmente comprovados, com prova documental formalmente correcta, lançados na contabilidade da sociedade e que, consequentemente, se integraram na determinação da matéria colectável dos correspondentes exercícios (pelo menos 2009 e 2010) como seus elementos negativos.
A sua não aceitação como custo fiscal impunha, dizem os Requerentes, naturalmente, a correção da matéria colectável daqueles exercícios, efectuando-se, em seguida, o que no artigo 90.° do Código do IRS, se denomina "reforma da liquidação", nos seguintes termos:
“Sempre que, relativamente às entidades a que se aplique o regime definido no artigo 20°, haja lugar a correcções que determinem alteração dos montantes imputados aos respectivos sócios ou membros, a Direcção-Geral dos Impostos procede à reforma da liquidação efectuada àqueles, cobrando-se ou anulando-se em consequência as diferenças apuradas.”
Dizem a este propósito os Requerentes que o Requerente marido, não era o único sócio da sociedade F, Sociedade de Advogados, RL, nos exercícios de 2009 e 2010, detendo nela, nesses mesmos exercícios, participações de, respetivamente, 27,47% e 38%. E que, se a consideração de tais despesas e encargos se integrou como elemento negativo na determinação da matéria colectável da sociedade e foi esta a imputada aos restantes sócios, a sua não correção, pela desconsideração como custo fiscal daquelas despesas e encargos, e concomitante reforma da liquidação dos restantes sócios, traduz-se para estes não apenas num forma de enriquecimento ilícito que o legislador certamente não quis mas, sobretudo, numa modelação da obrigação tributária individual, absolutamente contrária à lei, senão mesmo terminantemente proibida. É, pois, a lei que fixa a ordem de precedência da acção e não pode ser o aplicador da lei a alterar essa ordem de precedência, sob pena de total ilegalidade, dizem os Requerentes.
Conclui então o Requerente que foi ilegal o procedimento da Inspeção Tributária na medida em que tendo ponderado que determinadas despesas e gastos, devidamente documentados e lançados na contabilidade da sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal interna, não obedeciam aos requisitos legais para poderem ser qualificados como custos fiscais, não procedeu primeiro à correção da matéria colectável da sociedade, só depois procedendo à reforma das liquidações dos respetivos sócios.
A Administração tributária na sua Resposta remete para a resposta dada em sede de direito de audição, no qual concluiu que:
“[...] as correções efetuadas dizem respeito a reembolsos de despesas que são efetuadas pela sociedade ao sócio A, e que sendo o sujeito passivo o destinatário destas despesas jamais poderiam estas ser imputadas aos outros sócios por aplicação das regras do artigo 6.° do CÓDIGO DO IRC, por uma questão de justiça e equidade fiscal. Na verdade o reembolso destas despesas representam um aumento da capacidade contributiva do sujeito passivo, pelo que não faz sentido, repercutir este encargo nos restantes sócios da sociedade F - SOCIEDADE DE ADVOGADOS, NIPC ….
Conclui-se assim, que é pretensão do sujeito passivo, que os gastos com alimentação, combustíveis, viagens e outros divertimentos suportados pela sociedade de advogados, mas cujo gozo/fruição foi do sócio gerente e o seu agregado familiar, sejam desconsideradas na esfera da sociedade e as correções imputadas também aos restantes sócios.
Ora, a bem da equidade fiscal, parece evidente que, tratando-se de rendimentos do sujeito passivo, deverá ser este a suportar o encargo do imposto em falta e não repercuti-lo a terceiros”(Páginas 26-27 do RIT).
Adianta ainda que “Tal como se refere no Relatório Final, “o reembolso de despesas suportadas em nome e por conta da sociedade, está previsto, quer em sede de IRC (para efeitos de dedução do gastos nos termos do artigo 23. ° do CÓDIGO DO IRC), quer em sede de IVA (para efeitos de dedução do IVA suportado, de acordo com as regras previstas nos artigos 19. °, 20. ° 21.° e 22. ° do CÓDIGO DO IVA), para fazer face a situações, em que pela natureza da atividade, o(s) colaboradores da empresa, ou terceiros suportam despesas diversas no exercício da sua atividade, em nome e por conta da sociedade” (página 10 do RIT)
Sustenta então a Administração tributária que:
a) Uma vez que a mencionada sociedade de advogados, por se tratar de uma sociedade de transparência fiscal, embora sujeito passivo de IRC, não é tributada em sede do referido imposto, excepto quanto às tributações autónomas, de acordo com o artigo 12.° do Código do IRC;
b) Que, sendo a matéria colectável determinada nos termos do mencionado Código, integrada no rendimento tributável dos sócios - cfr. o n.° 1 do artigo 6.° do Código do IRC e artigo 20.° do Código do IRS e prevendo-se no n.° 3 do artigo 6.° do Código do IRC, que a referida imputação “(...) é feita aos sócios ou membros nos termos que resultarem do acto constitutivo das entidades aí mencionadas ou, na falta de elementos, em partes iguais”;
c) E que, no que à imputação aos sócios se refere dispõe o artigo 20° do Código do IRS: “1 - Constitui rendimento dos sócios ou membros das entidades referidas no artigo 6. ° do Código do IRC, que sejam pessoas singulares, o resultante da imputação efectuada nos termos e condições dele constante ou, quando superior, as importâncias que, a título de adiantamento por conta de lucros, tenham sido pagas ou colocadas à disposição durante o ano em causa”
d) E ainda que, ainda nos termos do artigo 6°, n° 4 do Código do IRS, se prevê que: “4 - Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.”.
Em sede de IRS, os adiantamentos por conta de lucros são tributados como rendimentos de Categoria E (Capitais) quando têm origem numa sociedade sujeita a IRC, sendo que no caso das sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, tais rendimentos devem integrar o rendimento líquido da Categoria B, de acordo com o n.° 2 do artigo 20.° do CÓDIGO DO IRS: “2 - Para efeitos do disposto no número anterior, as respectivas importâncias integram-se como rendimento líquido na categoria B”.
Em resumo, remata a Administração tributária que tendo os Serviços de Inspecção concluído que, de acordo com os princípios da justiça e equidade fiscal, a realização de uma correcção na matéria colectável da sociedade iria fazer imputar aos restantes sócios, compensações que apenas beneficiariam o Requerente marido, que foi na verdade o beneficiário das despesas em causa e tendo em consideração que a Administração tributária não pretende interferir em quaisquer “normais actos de gestão”, pelo que não se opôs a que a sociedade, no exercício da sua actividade, assumisse como gasto, despesas pessoais associadas ao Requerente marido, contudo as mesmas não poderão deixar de ser consideradas como compensações/remunerações dos sócios, determinando as normas tributárias citadas no Relatório de Inspecção Tributária que tais “retribuições” estejam sujeitas a IRS.
Perante os argumentos das partes cumpre então decidir.
Como tivemos oportunidade de referir, com a redacção conferida ao artigo 20.º do Código do IRS, pela Lei n.° 64- B/2008, de 31 de Dezembro, a tributação das sociedades transparentes, e consequentemente, dos seus sócios quando pessoas singulares, passou a fazer-se da seguinte forma:
a) Calcula-se a matéria colectável nos termos do artigo 15.º do Código do IRC;
b) Imputa-se o seu resultado aos sócios na quota parte da sua participação na sociedade;
c) Excepto se o valor a imputar for inferior ao valor que tenha sido pago ou colocado à disposição dos sócios durante o ano a título de adiantamento por conta de lucros…
d) Caso em que é este o valor que é considerado para efeitos de tributação do sócio.
Qualificámos de compreensível o objectivo do legislador com esta alteração. E porquê?
Porque vários eram os casos em que as sociedades ditas transparentes não distribuíam lucros aos sócios fazendo só adiantamentos por conta de lucros. Com este “esquema” evitava-se portanto uma tributação na esfera do sócio pelo regime da transparência fiscal e uma erosão da base tributável na esfera da sociedade.
Compreenda-se a este propósito que se criava com esta antecipação de lucros uma erosão da base tributável das sociedades ditas transparentes porque estes valores distribuídos a título de adiantamentos por conta de lucros, na grande maioria dos casos, nem contabilisticamente, nem fiscalmente, eram/são levados a custo da sociedade e, consequentemente não influenciam a matéria colectável determinada nos termos do Código do IRC. Com efeito, na determinação da matéria colectável o lucro contabilístico (artigo 17.°, n.° 1, do Código do IRC), pode ser negativo, não havendo portanto resultados a distribuir e aquela ser positiva, havendo matéria colectável a imputar. O contrário também é possível, ou seja, o lucro contabilístico pode ser positivo, havendo portanto lucros a distribuir, e a matéria colectável negativa, não sendo esta imputada. É exactamente porque inexiste, uma relação permanente de simetria entre lucro apurado com base na contabilidade e a matéria colectável positiva determinada segundo as regras do Código do IRC e, entre prejuízo apurado com base na contabilidade e matéria colectável negativa determinada segundo as regras do Código do IRC, que se criou esta regra anti-abuso.
Temos portanto uma cláusula travão, uma cláusula que diz que a regra geral do regime especial – a de tributação do resultado da imputação da matéria colectável calculada nos termos do Código do IRC – é afastada, quando o seu valor for inferior ao que resulta caso se considere o valor das importâncias que tenham sido adiantadas por conta dos lucros (aquelas que contabilística e fiscalmente não influenciaram o resultado da matéria colectável).
Ora, não há dúvidas que o que a Administração tributária quis no caso em apreço foi afastar a regra geral – de imputação do resultado da matéria colectável calculado nos termos do Código do IRC – e aplicar a regra excepcional – de tributação do valor adiantado por conta dos lucros. Resta é saber se tinha ou não que fazer em primeiro lugar uma correcção à matéria colectável antes de corrigir na esfera dos Requerentes.
Adiantamos a este propósito que a resposta a esta questão depende de uma outra. Depende de saber o que deve ser entendido como adiantamento por conta de lucros na acepção do artigo 20.º in fine do Código do IRS.
Aqui chegados há que saber então a que "adiantamento por conta de lucros" se refere então a parte final do n.° 1 do artigo 20.° do Código do IRS.
Àqueles que se presumem nos termos do artigo 6.° do Código do IRS?
Ou àqueles efectivos, efectuados nos exactos termos do disposto no artigo 297.° do Código das Sociedades Comerciais? Aqueles que nem contabilisticamente, nem fiscalmente, poderão ser levados a custo da sociedade e, consequentemente nunca poderão influenciar a matéria colectável determinada nos termos do Código do IRC, e, consequentemente a matéria colectável imputada.
Ou aos dois? Aos efectivos do artigo 297.º do Código das Sociedades Comerciais e aos presumidos do artigo 6.º do Código do IRS?
Se é dos que se presumem, então estamos a falar dos "lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escriturados nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais", como se refere do n.° 4 do artigo 6.° do Código do IRS. Se é dos que se presumem então, falamos de lançamentos que em regra têm subjacentes, como o Relatório de Inspecção Tributária abundantemente pretende demonstrar, reembolsos de despesas que são/foram consideradas encargo/custo na sociedade e que influenciaram negativamente a determinação da sua matéria colectável a imputar aos sócios (a matéria colectável foi menor do que aquela que seria na ausência de tais encargos).
Mas se é dos que se presumem e a Inspeção Tributária entende que não respeitam o princípio da indispensabilidade (artigo 23.° do Código do IRC), deve então corrigir a matéria colectável e depois tributar na esfera do sócio. Esta operação ocorrerá sempre que a Administração tributária considere haver distribuição de lucros presumidos e independentemente do tipo de regime a que se encontra subordinada a sociedade sob inspecção:
a) Se for ao regime geral de IRC, deve corrigir a matéria colectável da sociedade por desconsideração dos correspondentes custos, e ao mesmo tempo, acrescentar ao sócio que obteve tais reembolsos o rendimento presumido a título de lucros ou adiantamento por conta de lucros qualificando como rendimento da Categoria E;
b) Se for ao regime de transparência fiscal, deve corrigir a matéria colectável da sociedade por desconsideração dos correspondentes custos, acrescentar ao sócio que obteve tais reembolsos o rendimento presumido a título de adiantamento por conta de lucros qualificando como rendimento da Categoria B na medida em que o artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do Código do IRS.
Ou seja, se se entender que "adiantamento por conta de lucros" a que se refere então a parte final do n.° 1 do artigo 20.° do Código do IRS deve ser lido nos termos do n.° 4 do artigo 6.° do Código do IRS então uma qualquer alteração deve dar lugar à necessidade de rever, em primeiro lugar, a matéria colectável e só depois proceder à reforma da liquidação. Coisa que a Administração tributária não fez.
Por outro lado, se é dos lucros efectivos, i.e., dos efectuados nos termos do artigo 297.° do Código das Sociedades Comerciais, então estamos a falar de uma realidade bastante complexa mas que, para o que aqui interessa, podemos definir como uma antecipação do lucro do exercício, concordando com a tese dos Requerentes, isto é, de adiantamentos por conta do lucro que a sociedade prevê alcançar nesse ano[4]. Aí não haveria necessidade de rever a matéria colectável mas a Administração tributária teria que ter fundamentado a sua decisão de uma outra forma logrando provar que estamos perante antecipação do lucro do exercício nesta prespectiva.
Porém este tribunal entende que no segmento final do artigo 20.º cabem as duas realidades qualificáveis como adiantamento de lucros, a dos adiantamentos de lucros presumidos – os que estão no artigo 6.º n.º 4 – e a dos adiantamentos de lucros efectivos – os que estão no artigo 297.º do Código das Sociedades Comerciais.
Aqui, pese embora a parca Doutrina sobre a temática, não julgamos estar sozinhos.
Diz a este propósito o Professor Xavier de Basto que o designado «regime de transparência fiscal» previsto e regulado no artigo 6.º do Código do IRC “desconsidera, para efeitos de tributação em IRC, a personalidade coletiva relativamente a certas sociedades e outras entidades, imputando os respetivos lucros, mesmo que não distribuídos, aos sócios ou membros, nos termos que resultarem do ato constitutivo ou, na falta de elementos, em partes iguais (cf. n.ºs 1 e 3 do referido artigo 6.º).
Esta desconsideração da personalidade jurídica, ou da personalidade tributária passiva, conduz a que as entidades sujeitas a este regime não sejam tributadas em IRC,, como resulta do artigo 12.º do Código do IRC, apesar de o respetivo rendimento ser determinado de acordo com as regras desse imposto. O rendimento assim apurado, se os sócios ou membros dessas entidades foram pessoas singulares, vai integrar-se no rendimento global dos sócios, sendo considerado, para os efeitos do IRS, como um rendimento da categoria B”[5].
Assinale-se que, tal como sublinha o Professor Saldanha Sanches[6] muito embora o referido artigo 12.º do Código do IRC se inclua no capítulo relativo às isenções de IRC, não se trata aqui de um qualquer benefício fiscal, mas antes de um elemento estruturante do nosso sistema fiscal, nos termos do qual se determina que a obrigação de imposto surja na esfera dos sócios, conjuntamente com os restantes rendimentos que estes tenham obtido individualmente, evitando assim que aquele lucro seja tributado duas vezes – primeiro na sociedade em IRC e depois ao ser distribuído, novamente, na esfera dos sócios –, não sendo estes rendimentos considerados como rendimentos de capitais, como aliás resulta expressamente da exclusão constante da parte final da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS.
Já Rui Morais[7] refere, reportando-se à regra de imputação constante do n.º 3 daquele artigo 5.º do Código do IRC (conjugada com o disposto no artigo 19.º do Código do IRS ― actual artigo 20.º) que “A obrigação de imputação existe independentemente de qualquer distribuição efectiva”.
Na obra atrás referida Xavier de Basto salienta que este regime assegura, ainda, “quando corretamente aplicado, que a interposição de uma sociedade ou outra entidade coletiva, não permite aos sócios ou membros beneficiar de vantagens fiscais”, conduzindo a uma situação de neutralidade relativamente à situação em que a actividade seja exercida diretamente na esfera individual, nomeadamente nos casos em que como sucede nas sociedades profissionais, que como é sabido constituem “o cerne do nosso regime de transparência fiscal”, em que “o elemento pessoal é determinante”, na medida em que “o seu êxito depende, acima de tudo, do trabalho e do prestígio profissional dos seus sócios”, e “o elemento capital não assume relevância para o mercado (pelo menos em termos de clientela)”[8].
Conclusiva é porém a posição defendida pelo Dr. Manuel Faustino, em “A opacidade da transparência fiscal”, Revista CTOC, Junho 2009, páginas 28 a 31. Propugna-se então neste artigo que até à alteração do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IRS a distribuição de lucros das sociedades sujeitas ao regime da transparência fiscal “era absolutamente irrelevante no plano fiscal”. Esta situação mudou contudo com a referida alteração legislativa após a qual não obstante “o cerne do regime da transparência fiscal [continuar] a ser, no IRC, a imputação aos sócios das sociedades a ele sujeitas, «da matéria coletável determinada nos termos deste Código”, o legislador passou a atribuir relevância às importâncias pagas ou colocadas à disposição dos sócios a título de adiantamento por conta de lucros, considerando o mesmo autor que “Se, existindo «adiantamentos» efetivos e «adiantamentos presumidos» não temos dúvida em afirmar que, não tendo o legislador distinguido, e presumindo, nos termos legais que consagrou a melhor solução, deve o somatório de ambos ser considerado”.
Não temos portanto dúvidas que o segmento final do artigo 20.º n.º 1 do Código do IRS quando refere adiantamentos por conta de lucros se refere às realidades mais lactas do artigo 297.º do Código das Sociedades Comerciais – aos lucros efectivos – e às realidades previstas na presunção do n.º 4 do artigo 6.º - aos lucros presumidos.
Esta qualificação não é todavia despicienda ainda que remotamente reconduza à tributação dos sócios das sociedades ditas transparentes por adiantamento por conta de lucros. Não é despicienda por se se tratarem daqueles – os efectivos -, a Administração tributária em sede de liquidação adicional ou oficiosa não terá que proceder a qualquer revisão da matéria colectável porquanto se tratam de realidades que não a influenciaram previamente. Já se se tratar destes – os presumidos - a Administração tributária em sede de liquidação adicional ou oficiosa terá que proceder à revisão da matéria colectável porquanto se tratam de realidades que a influenciaram previamente.
Assim, pese embora este tribunal conclua que no caso de estarmos perante uma aplicação da regra especial de tributação do artigo 20.º in fine do Código do IRS não haverá necessidade de correcção à matéria colectável quando os adiantamentos por conta de lucros sejam os da acepção do artigo 297.° do Código das Sociedades Comerciais, a verdade é que no caso em apreço a Administração tributária sempre defendeu, quer no seu Relatório quer nos articulados ao presente processo, que estamos perante correcções meramente aritméticas à matéria colectável. Isto porque considerou que os adiantamentos por conta de lucros em causa no caso em juízo se tratam dos "lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escriturados nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais", ou seja, dos do n.° 4 do artigo 6.° do Código do IRS. A ser assim, sempre se teria que ter procedido à correcção da matéria colectável da sociedade por desconsideração dos correspondentes custos.
Em resumo, conclui-se, pois, que as liquidações adicionais de IRS e de juros são ilegais por vício de violação de lei na medida em que, não tendo a Administração tributária procedido a qualquer revisão da matéria colectável da sociedade tal só seria legal caso se estivesse no caso em apreço perante adiantamento por conta de lucros na acepção perscrutada pelo artigo 297.º do Código das Sociedades Comerciais, o que manifestamente não sucede.
Em consequência, conclui-se que a correcção efectuada não tem fundamento legal, pelo que enferma de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica sua anulação nos termos do artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e 2.º, alínea c) da LGT.
Procede, assim totalmente o pedido de pronúncia arbitral.
D) Da errónea qualificação e quantificação do rendimento imputado ao sócio
Tal como já anteriormente decidido em sede arbitral em sede do Processo n.º 91/2012-T – CAAD: “A procedência integral dos vícios de violação de lei prejudica o conhecimento dos vícios de forma e procedimentais, como decorre da ordem do conhecimento de vícios prevista no n.º 2 do artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”.
Na verdade, o estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios só se justifica pela eventual procedência dos vícios de conhecimento prioritários tornar desnecessário o conhecimento dos restantes, pois, se fosse sempre necessário conhecer todos os vícios seria irrelevante a ordem do seu conhecimento.
Pelo exposto, procedendo os vícios de violação de lei, fica prejudicado o conhecimento do vício de errónea qualificação e quantificação do rendimento imputado ao sócio.
E) Da ausência ou vício de fundamentação legalmente exigida para as correções efetuadas à matéria colectável imputada
Tal como referido no ponto D supra, procedendo os vícios de violação de lei, fica prejudicado o conhecimento do vício de ausência ou vício de fundamentação legalmente exigida para as correções efetuadas à matéria colectável imputada.
F) Vícios da liquidação de juros compensatórios
Sendo anulada a liquidação de IRS, a liquidação de juros compensatórios passa enfermar supervenientemente de nulidade, como decorre do artigo 133.º, n.º 2, alínea i), do Código do Procedimento Administrativo, aplicável por força do disposto no artigo 2.º alínea c), da LGT.
G) Juros indemnizatórios
Os Requerentes pedem ainda que seja determinado o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, relativamente às quantias de 269,20 € e de 4.830,19 € referentes aos anos de 2009 e de 2010 respectivamente e cuja data limite de pagamento foi o dia 31 de Março de 2014. À semelhança do imposto, as importâncias devidas a título de juros compensatórios foram entretanto pagas, como se vê pelo documento n.º 1 e 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária[9].
Já nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” mais não é do que o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Nos termos do artigo 43.º da LGT, na parte aqui aplicável, “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IRS e juros compensatórios, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios pois a ilegalidade daqueles actos é imputável à Administração tributária, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.
Está-se perante violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração tributária.
Consequentemente, os Requerentes têm direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou indevidamente, à taxa dos juros legais prevista no artigo 559.º do Código Civil e, actualmente, na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT).
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V. DECISÃO
Termos em que se decide neste tribunal arbitral:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Declarar a ilegalidade dos seguintes actos:
– Liquidação n.º 2014 …, de 2014-02-15, com o montante a pagar de 2.090,14 € e liquidação n.º 2014 …, de 2014-02-15, com o montante a pagar de 49.897,27 €, ambas incluem juros compensatórios;
– liquidação de juros compensatórios relativa ao ano de 2009 no valor de 269,20 € e relativa ao ano de 2010 no valor de 4.830,19 € (cujos valores foram incluídos nos montantes de imposto atrás referidos);
c) Anular a liquidação de IRS referida e declarar nula a liquidação dos juros compensatórios;
e) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou indevidamente, à taxa dos juros legais prevista no artigo 559.º do Código Civil e, actualmente, na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT), desde a data em que efectuou o pagamento até integral pagamento.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 51.987,41, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VII. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.142,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Autoridade Tributária, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa
18 de Março de 2015
A Árbitro
(Carla Castelo Trindade)
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.
[1] Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, pág. 202.
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[2] ALVES PALMA, Ana Paula de Albuquerque, O Regime de Transparência Fiscal - Análise da Eficácia do Regime em Portugal e Perspectivas de Evolução, Dissertação de Mestrado no âmbito do Mestrado em Contabilidade, Fiscalidade e Finanças Empresariais, Lisboa, ISEG, School of Economics & Management, Setembro de 2013, orientação do Prof. Dr. Manuel Henrique Freitas Pereira, disponível na Internet.
Discute-se-lhe a natureza jurídica no quadro do IRC: Uma não sujeição? Uma isenção? Uma sujeição meramente instrumental? Para Saldanha Sanches e Casalta Nabais estar-se-ia perante um caso de não sujeição a IRC quanto à obrigação principal (dívida de imposto) e de sujeição a IRC quanto às obrigações acessórias (deveres de cooperação). Para Jorge Magalhães Correia, tratar-se-ia de uma isenção, pois a exigência legal de que a matéria colectável das entidades transparentes seja determinada nos termos do Código do IRC não teria cabimento se de um caso de não sujeição se tratasse. Esta é no entanto uma questão marginal à questão controvertida.
[3] A este propósito num dos primeiros Pareceres produzidos pelo Centro de Estudos Fiscais - Parecer n.º 18/89, in CTF n.º 354, ABR-JUN 1989, pp. 275/286, e de que foram Autores Maria de Lourdes Correia e Vale e Manuel Henrique de Freitas Pereira, tendo sido sancionado por despacho do DG de 21-03-1989 -, escreveu-se que: “Em consequência deste regime - que assume sempre, entre nós, um caráter obrigatório - as sociedades e outras entidades a que o mesmo se aplica não são tributadas (art.0 12.° do mesmo Código), mas permanecem como sujeitos passivos de IRC. Esta sujeição é necessária por ser instrumento essencial na definição do regime a). Com efeito, as sociedades e outras entidades transparentes são "centros unitários de referência" para calcular os valores de base que deverão ser imputados aos seus sócios ou membros, cálculo que se faz observando as disposições do Código do IRC (n.°s 1 e 2 do artigo 5.° do Código), incluindo as que possibilitam a sua correção (art. 78.° do Código).”
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[4] COUTINHO DE ABREU, Jorge M., (Coord.), Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. V, Almedina, Coimbra, pp. 290/298.
[5] Xavier de Basto: IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, pag. 166-167.
[6] Obra cit. – Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 2005, p. 241.
[7] Rui Duarte Morais - Sobre o IRS, 2ª ed., Almedina, 2008, p. 214 e 215.
[8] Rui Duarte Morais – Apontamentos de IRC, p. 37.
[9] Que estabelece, que “a Administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.