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SUMÁRIO:
I – Embora o princípio da especialização dos exercícios se reporte especificamente à “periodização do lucro tributável”, como resulta do artigo 18.º do CIRC, a aplicação das tributações autónomas também tem de ser efetuada relativamente ao período fiscal em que ocorreram as despesas.
II – A tributação autónoma de uma despesa como não documentada não poderá prescindir da demonstração da efetiva ocorrência da mesma, num determinado exercício e num determinado montante.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros, Rui Duarte Morais, Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz e Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral Coletivo, constituído a 20.02.2024, decidem o seguinte:
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RELATÓRIO
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A..., LDA., NIPC..., com sede na Rua ..., ..., ..., ... (doravante “a Requerente”), veio, em 07.12.2023, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante “RJAT”), requerer a constituição do Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”), com vista (1) à declaração de ilegalidade e anulação do ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (doravante “IRC”), n.º 2023..., referente ao ano de 2019, no valor total de €162.980,85 (cento e sessenta e dois mil novecentos e oitenta euros e oitenta e cinco cêntimos).
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A Requerente juntou 3 (três) documentos.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite a 11.12.2023 pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
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A Requerente não exerceu o direito à designação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os ora signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do cargo no prazo aplicável.
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A 31.01.2024 as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.
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Em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído a 20.02.2024.
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Por despacho proferido pelo Tribunal Arbitral a 22.02.2024 foi a Requerida notificada para, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar resposta, juntar cópia do processo administrativo (doravante “PA”) e, querendo, requerer a produção de prova adicional.
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No dia 27.03.2024, a Requerida apresentou a sua resposta, na qual se defendeu por impugnação, e juntou aos autos o PA.
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Em 15.05.2024, o Tribunal Arbitral proferiu despacho, no qual: (i) dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e a produção de alegações finais; (ii) notificou a Requerente para, até 15 de julho, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, dando de tal conhecimento ao processo e; (iii) indicou o prazo para proferir a decisão final arbitral.
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Em 06.06.2024, a Requerente juntou aos autos o comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente.
I.1. ARGUMENTOS DAS PARTES
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A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de IRC aqui em crise, invoca a Requerente, de entre o mais, o seguinte:
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A liquidação impugnada e respetivos juros compensatórios, no montante global de €146.038,59, resulta da errónea consideração pela AT de despesas não documentadas no valor de €292.077,18 e, como tal, sujeitas a tributação autónoma calculada a 50%, por aplicação do disposto no n.º 1, do artigo 88.º, do CIRC.
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Este valor foi apurado tendo por base a divergência entre o saldo contabilístico da conta 11-Caixa reportado a 01.01.2019 (€323.757,47) e o valor que resultou da contagem física das disponibilidades financeiras existentes no estabelecimento a 19.12.2019, no montante de €191,77, deduzido de €31.488,52, correspondente a parte do depósito devolução efetuado pelos sócios-gerentes.
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Torna-se evidente que, tendo em conta, por um lado, a evolução dos sucessivos saldos que a conta “11-Caixa” vinha apresentando nos exercícios anteriores e, por outro lado, a dimensão do desfasamento encontrado, há que admitir que a contabilidade não vinha espelhando os movimentos financeiros ocorridos ao longo dos anos e que deveriam ter sido sujeitos a revelação.
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Veja-se, a este propósito, que a Requerente, conforme evidenciado no RIT, já vinha apresentado saldos de “Caixa” anormalmente elevados e nada consentâneos com uma racionalidade que, por parte de quem gere uma empresa, tem de ser impressa aos negócios: (i) 2014 - €120.614,71; (ii) 2015 - €166.203,31; (iii) 2016 - €226.346,29; (iv) 2017 - €293.660,03; (v) 2018 - €323.757,47.
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Para que ocorra, num determinado ano, a tributação autónoma de uma despesa como não documentada, não se pode prescindir de que seja demonstrada a sua efetiva ocorrência nesse período.
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Deste modo, deveria a AT, na fundamentação formal do ato de liquidação, ter invocado o preenchimento dos pressupostos legais de que depende o seu direito à liquidação, através de elementos de prova claros, seguros e suficientes, e, não, ter-se servido de meros indícios que, embora bastantes para gerar a convicção de que existiram movimentos financeiros subtraídos à contabilidade, nada provam quanto ao seu exato montante e ao exercício em que possam ter ocorrido.
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É que, de facto, a aplicação do artigo 88.º, n.º 1, do CIRC, pressupõe a demonstração que: (i) ocorreram despesas não documentadas; (ii) num determinado exercício e; (iii) num determinado montante.
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Mesmo que se admitisse que está comprovada a existência de despesas não documentadas, é manifesto que a AT não demonstrou cabalmente a respetiva quantificação, nem que as mesmas se verificaram no exercício a que se reporta a liquidação impugnada, ou seja, 2019.
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Na tributação autónoma de IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, mas, não obstante esta característica da tributação autónoma, está a mesma sujeita aos princípios próprios daquele tributo, designadamente, os relativos à especialização de exercícios e à periodização do lucro tributável, conforme estabelecido nos artigos 8.º e 18.º, do CIRC.
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Não se compadecendo, igualmente, com uma quantificação efetuada por recurso a estimativas para encontrar, por aproximação, a base de incidência da taxa de imposto, já que se terá de enquadrar como uma forma direta de tributação.
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Nos termos do artigo 74.º, da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos do direito a liquidar recai sobre a entidade que o invoca, isto é, a AT, a qual teria de demonstrar cabalmente, que em 2019 ocorreram despesas indocumentadas, bem como o respetivo montante, o que não aconteceu.
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De facto, no que respeita ao momento da ocorrência das ditas despesas, a AT não se socorreu de nenhum concreto movimento contabilística que comprovasse a existência de despesas pagas e não suportadas documentalmente, i.e., a AT não identificou a transferência de disponibilidades patrimoniais da Requerente para terceiros, mas, tão só, invocou a existência de um saldo contabilístico da conta “11-Caixa”, o qual faz pressupor que em dados momentos poderiam ter sido realizadas despesas que não foram contabilizadas. Momentos esses que poderiam referir-se a 2019 ou, como se infere pelo elevado montante que está em causa e pelo histórico dos saldos anormais que a conta “11-Caixa” vinha evidenciando ao longo dos anos, a qualquer exercício anterior.
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Há, pois, que concluir que à AT não era possível determinar, com base no mero saldo contabilístico da conta “11-Caixa” e na falta de quaisquer movimentos financeiros concretos, o momento em que as despesas indiciadas ocorreram.
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A fundamentação da AT recorre, unicamente, aos dados da contabilidade, quando existem sobejos indícios de que esta não é credível, não sendo lícito à AT, sem justificação, considerar que, até determinado momento (31.12.2018), a contabilidade do Requerente era digna de presunção de verdade, e que, a partir de outro (data da contagem), a mesma não era fiável.
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A AT não chega a concretizar o preciso período em que as despesas não documentadas poderiam ter ocorrido, se no próprio dia da contagem, se no período que decorreu entre 01.01.2019 e esse dia da contagem.
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Toda a argumentação antes aduzida quanto ao momento em que as despesas não documentadas poderiam ter ocorrido, será igualmente válida quanto ao montante, pois que, se este não se conhece em concreto, ficará sempre em dúvida o montante que deve competir ao exercício de 2019, se parte ou mesmo nenhum.
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Fica, assim, demonstrado que, também a fundamentação da quantificação encerra vício insanável, porquanto o valor encontrado pela AT, sobre a qual impende o ónus da prova, não se encontra objetivamente determinado e comprovado, quando, face às normas legais aplicáveis, inerentes a uma forma de tributação direta, não se mostra possível o seu apuramento por aproximação e por recurso a estimativas.
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Por sua vez, a AT contra-argumenta com base nos seguintes fundamentos:
Do respeito pelas regras contabilísticas por parte da Requerente – aplicação do Sistema de Normalização Contabilística (SNC)
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A Requerente assumiu – e confessou nos termos do artigo 352.º do Código Civil – a violação dos objetivos (§§12 a 21 da Estrutura Conceptual (EC)) e das caraterísticas qualitativas das demonstrações financeiras (§§24 a 46 da EC), isto é, assumiu a violação do disposto pelo SNC, e concomitantemente, assumiu a violação de lei.
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Não obstante as afirmações proferidas pela Requerente quanto à falta de confiabilidade da sua contabilidade, afirmações essas que não podem ser olvidadas, a verdade é que a mesma, também não veio em momento algum (quer em procedimento inspetivo, quer em sede arbitral) provar o que afirma.
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A Requerente não logrou apresentar reconciliações/regularizações de saldos, que permitissem aferir da credibilidade da sua contabilidade, sendo certo que a alegada (e suposta) falta de credibilidade contabilística não se torna relevante para a correção contestada, porquanto, não é baseada numa incorreta contabilização de qualquer operação/documentação.
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A base da correção resulta justamente da não contabilização de despesas que poderiam justificar as saídas (movimentos a crédito) da conta de SNC 11-Caixa e que fizessem o saldo corresponder ao saldo físico de valores em numerário. A contabilização dessas despesas não ocorreu exatamente porque não há documentação que justifique esse reconhecimento contabilístico (saídas da conta SNC 11-Caixa), motivo esse que justifica por si só a tributação autónoma nos termos do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC.
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Por se tratar de saídas de fundos sem comprovativos documentais que revelem a natureza, origem e finalidade das operações que lhe poderão estar subjacentes, bem como as datas dos movimentos financeiros e a identificação dos seus destinatários, entenderam os SIT, e bem, que as mesmas tinham enquadramento na figura de “despesas não documentadas” sujeitas a tributação autónoma, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC.
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Dos artigos 59.º, da LGT, 48.º do CPPT e 9.º e 48.º, ambos do RCPITA, resulta que as declarações prestadas no momento da contagem dos meios monetários, bem como os factos apurados e os elementos disponibilizados nesse momento, revestem-se de verdadeiros e têm-se como facultados de boa-fé.
Da compensação do valor (€50.000,00) pago pelos sócios
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Importa salientar, desde logo, que foram os próprios gerentes da Requerente que informaram os SIT – para efeitos de quantificação dos valores não justificados apurados durante a análise efetuada à divergência apurada (€323.565,70) entre o saldo contabilístico e a contagem física à data de 19.12.2019 –, de que houve um depósito bancário em numerário, por parte dos sócios, com o fim de compensar as saídas de caixa não justificadas.
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Deste facto resultou um ajustamento no valor apurado pelos SIT de despesas não documentadas (€323.565,70), uma vez que considerou que daquele valor depositado (€50.000,00), parte dele poderia ser considerado para compensar saídas de caixa (física) por conta dos gerentes, no montante de €31.488,52, razão que justifica as despesas não documentadas terem sido fixadas em €292.077,18.
Da aplicação do princípio da especialização dos exercícios e periodização do lucro tributável, enunciado no n.º 1 do artigo 18.º do CIRC
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A Requerente incumpriu a obrigação de contabilizar as “despesas não documentadas” e, é a verificação da falta de meios financeiros detetada pela contagem física que gera, por si mesma, o momento da ocorrência do facto tributário para efeitos do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, não existindo, pois, qualquer ilegalidade do ato de liquidação da tributação autónoma objeto do pedido de decisão arbitral.
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No que concerne à aplicação do princípio da especialização dos exercícios (regime do acréscimo ou também designado regime da periodização económica), entende a AT que esse princípio está associado ao reconhecimento fiscal dos gastos que contribuem para o resultado tributável, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 17.º do CIRC conjugado com o n.º 1 do artigo 18.º do CIRC e não quanto à consideração de despesas (documentadas ou não) – que podem nunca vir a contribuir como gasto para o resultado contabilístico e consequentemente para o resultado tributável.
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O resultado tributável é apurado a partir do resultado contabilístico, cuja elaboração da contabilidade deve estar organizada de acordo com o normativo contabilístico (o SNC), conforme exige a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º do CIRC, o qual concretiza no ponto 2.3.1, que “Uma entidade deve preparar as suas demonstrações financeiras, exceto para informação de fluxos de caixa, utilizando o regime contabilístico de acréscimo (periodização económica)”.
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Afrontaria a própria natureza e finalidade de dissuasão/sancionatória adstrita à tributação autónoma das “despesas não documentadas” “premiar” fiscalmente os contribuintes que se eximem da obrigação básica de contabilização e/ou declaração daquele tipo de despesas, ancorados na convicção de que só mediante uma atuação dos SIT da AT para levar a cabo uma contagem física das existências em Caixa poderá ocorrer a tributação autónoma prevista no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC.
Do ónus da prova previsto no n.º 1 do artigo 74.º da LGT
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Relativamente ao ónus da prova, a Requerente faz assentar a sua inusitada tese num simples teste silogístico: Se as despesas não estão documentadas então não é possível aferir sobre o destino, datas, locais e beneficiários dos meios financeiros não encontrados na esfera empresarial, logo é factual e juridicamente impossível aplicar-lhes o princípio da especialização só porque mais apraz à Requerente.
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Impor à AT o ónus de provar aquilo que só a própria Requerente – que foi instada a tal no procedimento inspetivo – se encontraria em condições de provar, através, nomeadamente, da apresentação de mapas e documentos internos como as folhas de Caixa, assenta num ardil – que prejudica seriamente os cofres públicos e, por conseguinte todo o esforço coletivo – que permite a qualquer sócio de uma qualquer empresa fazer da mesma o seu banco, tirando da esfera patrimonial da empresa o que quiser e quando mais lhe aprouver, sem que o apuramento do exfluxo de tais meios seja possível, porquanto essa mesma entidade e sócios entenderem não documentar as mesmas, impossibilitando o consequente crivo da administração fiscal e sujeição aos tributos devidos.
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Ora, o ónus da prova previsto no n.º 1 do artigo 74.º da LGT apenas recaí sobre a AT, se esta invocar factos que não decorram da contabilidade e declaração apresentada pelo contribuinte. O que não acontece no caso em apreço.
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Pelo que estão reunidas as condições para as aludidas despesas serem sujeitas a tributação autónoma, nos termos do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, razão porque deve o presente ato de liquidação ser mantido na ordem jurídica.
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SANEAMENTO
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O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
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As partes gozam de personalidade, capacidade judiciária, legitimidade processual e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
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Não foram suscitadas exceções de que deva conhecer-se. O processo não enferma de nulidades. Inexiste, deste modo, quaisquer obstáculos à apreciação do mérito da causa.
III. MATÉRIA DE FACTO
III.1. FACTOS PROVADOS
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Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente desenvolve a atividade de “Arrendamento de Bens Imobiliários”, CAE 68200, desde 16.02.2011, concretizada através do arrendamento das 7 (sete) frações que integram o prédio em propriedade horizontal registado na matriz urbana da União de Freguesias de ... e ... sob o artigo ..., localizado na ..., Valongo, destinadas a armazéns e atividade industrial (Cfr. Relatório de Inspeção Tributária, p. 5 e 6).
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A coberto da ordem de serviço n.º OI2022..., emitida pela Direção de Finanças do Porto, aberta por Despacho de 19.06.2022, com o objetivo de proceder a um “Controlo declarativo de sujeitos passivos com saldos de caixa elevados”, foi levada a cabo uma ação inspetiva de âmbito parcial externa para o exercício de 2019, tendo em vista o imposto de IRC (Cfr. Relatório de Inspeção Tributária).
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Em 19.12.2019, após a contagem física de Caixa, foram os Serviços de Inspeção Tributária (doravante “SIT”), informados de que a Requerente não dispunha de valores monetários enquadráveis no conceito de Caixa, que todos os pagamentos e recebimentos eram concretizados através de movimentação da conta bancária e, que existia um cheque recebido de um cliente que ainda não se encontrava depositado, o que correspondia a um saldo apurado no valor de €191,77 (cento e noventa e um euros e setenta e sete cêntimos) (Cfr. Relatório de Inspeção Tributária, p. 7).
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De acordo com o que foi constatado pelos SIT, o único lançamento contabilístico na conta de caixa, no ano de 2019, foi um lançamento meramente contabilístico (sem operação subjacente) de anulação do saldo da conta 11 – “Caixa” por contrapartida da conta 561 – “Resultados Transitados” (Cfr. Relatório de Inspeção Tributária, p. 9 e 10).
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Na sequência do pedido de elementos contabilísticos e extra contabilísticos solicitados à Requerente, pelos SIT, verificou-se que:
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A conta de Caixa (conta 11 do SNC) regista, com referência à data de diligência externa (19.12.2019) um saldo devedor (existência em caixa) de €323.757,47 (trezentos e vinte e três mil setecentos e cinquenta e sete euros e quarenta e sete cêntimos);
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Existe uma divergência entre o registo contabilístico e a contagem física que se materializa no montante de €323.757,47 (trezentos e vinte e três mil setecentos e cinquenta e sete euros e quarenta e sete cêntimos);
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O saldo devedor da conta “11-Caixa” não se encontrava suportado por notas, moedas ou valores equivalentes.
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Não foi possível identificar os efetivos beneficiários dos referidos valores monetários.
(Cfr. Relatório de Inspeção Tributária).
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Os saldos inscritos na conta de Caixa da Requerente, eram, às datas abaixo indicadas, os seguintes (Cfr. Relatório de Inspeção Tributária, p. 10):
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Os SIT, após lhes ter sido comunicado de que teria havido um depósito bancário em numerário, por parte dos gerentes, no valor de €50.000,00 (cinquenta mil euros), “para minimizar esta situação”, verificaram que também havia sido utilizada a conta de depósitos bancários, durante o ano de 2019, para pagamento de “despesas do foro pessoal dos gerentes e dos seus familiares”, no valor de €18.511,48 (dezoito mil quinhentos e onze euros e quarenta e oito cêntimos) (Cfr. Relatório de Inspeção Tributária, p. 12 e 13).
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Neste conspecto, determinaram os SIT que parte do depósito de €50.000,00 (cinquenta mil euros), efetuado pelos sócios gerentes, para compensação de despesas realizadas e não documentadas teria de ser considerado para compensação das despesas de foro pessoal efetuadas (em 2019) a partir da conta de depósitos bancários, no montante de €18.511,48 (dezoito mil quinhentos e onze euros e quarenta e oito cêntimos) (Cfr. Relatório de Inspeção Tributária, p. 12 e 13).
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Apenas o montante de €31.488,52 (trinta e um mil quatrocentos e oitenta e oito euros e cinquenta e dois cêntimos), foi “considerado a título de reposição de valores retirados do saldo de caixa” (Cfr. Relatório de Inspeção Tributária, p. 13), ascendendo, assim, o saldo de caixa que se encontra por justificar a €292.077,18 (duzentos e noventa e dois mil e setenta e sete euros e dezoito cêntimos) – (€323.565,70 - €31.488,52) – (Cfr. Relatório de Inspeção Tributária, p. 12 e 13).
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Por forma a fundamentar as suas correções, os SIT descreveram no Relatório de Inspeção que: “a divergência apurada no saldo de Caixa evidencia fluxos monetários que saíram da esfera patrimonial da sociedade, sem suporte documental e sem serem sujeitos a tributação, que tiveram como consequência a diminuição do ativo e consequentemente da situação patrimonial líquida da sociedade. Por outro lado, ao não ser possível identificar o destino dado, não se consegue comprovar para onde os mesmos foram dirigidos, nem os efetivos beneficiários desta verba, o que permite concluir que estamos perante fluxos financeiros não documentados, ou seja, a verba constante da contabilidade não existe efetivamente, mas não é possível aferir para quem e como foi, com a consequente impossibilidade de analisar e controlar a respetiva situação tributária (do ou dos beneficiários efetivos), facilitando assim a evasão fiscal dos reais e efetivos titulares de tais rendimentos”. Acrescentando que na “impossibilidade de identificação dos efetivos beneficiários e do respetivo montante atribuído/auferido por cada um, permite concluir que estamos na presença de despesas com uma inexistência de suporte documental, as quais se enquadram fiscalmente como despesas confidenciais ou não documentadas, encontrando-se sujeitas a tributação autónoma à taxa de 50%, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC” (Cfr. Relatório de Inspeção Tributária, p. 13 e 14).
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Os SIT procederem à correção da tributação autónoma sobre despesas confidenciais ou não documentadas no valor de €146.038,59 (= €292.077,18 x 50%), nos termos do n.º 1, do artigo 88.º, do CIRC (Cfr. Relatório de Inspeção Tributária, p. 14).
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Desta mesma correção resultou a liquidação adicional de IRC n.º 2023..., de 17.07.2023, a que acresce as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2023... e 2023..., e correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2023 ... (com a identificação da nota de cobrança n.º 2023...), no montante total a pagar de €162.980,85 (cento e sessenta e dois mil novecentos e oitenta euros e oitenta e cinco cêntimos), referente ao período de tributação de 2019, objeto do presente PPA (Cfr. Documento n.º 1 junto ao PPA).
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Não se conformando com o entendimento vertido no Relatório de Inspeção Tributária, nem com a sobredita liquidação adicional de IRC, a Requerente apresentou o presente PPA (Cfr. Sistema informático do CAAD).
III.2. FACTOS NÃO PROVADOS
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Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.
III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
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Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão, discriminar a matéria que julga provada e declarar, se for o caso, a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante “CPPT”) e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (doravante “CPC”), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
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Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
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O Tribunal arbitral considera provados, com relevo para a decisão da causa, os factos acima elencados e dados como assentes, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e, a adequada ponderação dos mesmos à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum, e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.
IV. MATÉRIA DE DIREITO
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Considerando a factualidade exposta, bem como as pretensões e posições da Requerente e da Requerida constantes das suas peças processuais, cumpre ao Tribunal Arbitral apreciar se a divergência entre o saldo contabilístico da conta de caixa, a 19.12.2019, e o montante apurado na contagem física realizada aos valores monetários, na mesma data, não justificada documentalmente, pode ser qualificada como “despesa não documentada”, sujeita à tributação autónoma prevista no n.º 1, do artigo 88.º, do Código do Imposto sobre os Rendimentos das Pessoas Coletivas (doravante “CIRC”).
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As correções efetuadas pela AT, e aqui sindicadas, tiveram origem no desfasamento entre o valor contabilizado pela Requerente na Conta 11-Caixa (€323.757,47), e a verificação física operada pela Inspeção Tributária, que constatou a existência em Caixa do montante de €191,77, deduzido de €31.488,52, correspondente a parte do depósito devolução realizado pelos sócios gerentes e aceite pela AT.
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Conclui, assim, a AT que: “a divergência apurada no saldo de Caixa evidencia fluxos monetários que saíram da esfera patrimonial da sociedade, sem suporte documental e sem serem sujeitos a tributação, que tiveram como consequência a diminuição do ativo e consequentemente da situação patrimonial líquida da sociedade (...).” Acrescentando que “(...) na impossibilidade de identificação dos efetivos beneficiários e do respetivo montante atribuído/auferido por cada um, permite concluir que estamos na presença de despesas com uma inexistência de suporte documental, as quais se enquadram fiscalmente como despesas confidenciais ou não documentadas, encontrando-se sujeitas a tributação autónoma à taxa de 50% de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC.”
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A Requerente alega que a existência de elevados saldos da conta Caixa não correspondem a efetivas disponibilidades financeiras, tratando-se, antes, de erros ou irregularidades contabilísticas.
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Ora, em causa nos presentes autos está a aplicação do artigo 88.º, n.º 1, do CIRC (redação em vigor no ano de 2019), que dispõe que: “As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 23.º-A”.
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Nesta medida, importa salientar, desde já, que – no que respeita ao conceito de despesas não documentadas e sua relevância na análise de casos como o que ora nos ocupa – não se desconhece que se divide, de forma relevante, a jurisprudência arbitral.
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Também, no respeitante ao princípio da especialização dos exercícios nestas demandas, o entendimento da jurisprudência está longe de ser uniforme.
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Ainda assim, entende-se, não ser de desviar o rumo argumentativo feito constar no voto de vencido elaborado no Processo n.º 235/2020-T do CAAD, por com ele se concordar:
“(...) Antes de mais, há que esclarecer que, embora o princípio da especialização dos exercícios se reporte especificadamente à “periodização do lucro tributável”, como decorre do artigo 18.º do CIRC, a aplicação das tributações autónomas também tem de ser efetuada relativamente ao período fiscal em que ocorrem. Na verdade, por um lado, às tributações autónomas em sede de IRC aplicam-se todas as normas do CIRC que não sejam incompatíveis, pois elas incluem-se no IRC, como decorre do teor expresso da alínea a), do n.º 1, do artigo 23.º-A do CIRC.
(...), aplicam-se às tributações autónomas em IRC, por exemplo, as regras relativas à apresentação de declarações, autoliquidação, liquidação adicional e todas as outras que sejam necessárias para sua aplicação. Assim, também quanto às tributações autónomas previstas no CIRC vigora o princípio da anualidade, que se enuncia no artigo 8.º do CIRC, em que se estabelece que “o IRC, salvo o disposto no n.º 10, é devida por cada período de tributação, que coincide com o ano civil, sem prejuízo das exceções previstas neste artigo”.
Por isso, as tributações autónomas em IRS são, tal como o imposto que incide sobre o lucro tributável, apuradas na declaração periódica anual, a que se referem os artigos 117.º, n.º 1, alínea b), e 120.º do CIRC, e a respetiva liquidação reporta-se a cada período fiscal. Não se tratará daquele princípio de especialização dos exercícios que, com atenuações derivadas do princípio da solidariedade dos exercícios, se aplica à determinação do lucro tributável, mas trata-se de uma regra que é aplicável generalizadamente em IRC, inclusivamente quanto às tributações autónomas.
(...) O facto tributário, que justifica a tributação, é a existência de despesas, que não se confunde com a prova da sua ocorrência. Na tese que fez vencimento, o momento da ocorrência do facto tributário acaba por ser aquele em que se fez a contagem física da caixa, o que se reconduz à possibilidade de multiplicação ilimitada dos factos tributários, pois sempre que fosse efetuada uma contagem e fosse detetada uma falta de valores na caixa física estar-se-ia perante um novo facto tributário: isto é, houve um facto tributário no dia 17-12-2018, porque foi feita uma contagem, mas, se fosse feita nova contagem no dia seguinte, haveria aí um novo facto tributário, pois ainda não haveria os valores em caixa.
E assim sucessivamente, a mesma apropriação de quantias seria suporte de multiplicação de tributações autónomas todas as vezes (duas, três, cinco, dez ou mais) que fosse efetuada uma contagem física e se verificasse que continuava em falta aquele valor em caixa física.
Esta seria uma hipotética solução legislativa tão desacertada e desproporcionada, por razões que suponho serem óbvias, que tem de se presumir não ter sido legislativamente adotada, por força da presunção que impõe o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas. (...) Esta tese, para além de contrariar o texto do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, que identifica as despesas e não a contagem física da caixa como o facto tributário sujeito a tributação autónoma, é também incompatível com o n.º 14 do mesmo que impõe a conexão das despesas com determinado período de tributação. (...)”
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De facto, considerar a ocorrência do facto tributário no momento da contagem física da caixa, permitindo a tributação autónoma de “despesas ocorridas em qualquer momento do passado, desde que a contagem se faça dentro do prazo de caducidade, é também incompatível com a proibição da retroatividade das leis fiscais (artigo 103.º, n.º 3, da CRP), pois, em última análise, permite, por essa via, tributar, inclusivamente, despesas realizadas antes da introdução no nosso sistema jurídico das tributações autónomas (há 20, 30 ou mais anos) e aplicar as taxas atuais a despesas que foram realizadas quando as taxas eram menores.[1]” (negrito nosso)
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Dito tudo isto, e atendendo ao consagrado no artigo 88.º, n.º 1, do CIRC, a tributação autónoma incide sobre cada despesa efetuada, em si mesmo considerada (e não sobre a contagem física da caixa), e sujeita a determinada taxa, i.e., na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesas considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário).
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Em suma, e por outras palavras, para que uma concreta tributação autónoma do género daquela que ora nos ocupa seja legalmente aplicável, para além da demonstração da ocorrência de despesas não documentadas, torna-se necessário demonstrar a respetiva quantificação, bem como que as mesmas ocorreram no exercício a que se reporta a correspondente liquidação, ou seja, no caso, no exercício de 2019.
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Neste sentido, entendeu-se já, mas não só[2], no acórdão arbitral proferido no processo n.º 287/2017-T do CAAD, que “só as despesas efetuadas n(u)m período de tributação podem ser tributadas com referência a esse exercício.”
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Assim, e em síntese, a aplicação do citado preceito normativo – artigo 88.º, n.º 1, do CIRC – pressupõe a (i) ocorrência de despesas não documentadas; (ii) num determinado exercício; e (iii) num determinado montante.
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Ora, volvendo ao caso dos autos, diga-se, desde já, que nenhuma das ditas circunstâncias está demonstrada.
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É verdade que se apura um desfasamento entre o saldo da conta de caixa e a verificação física do mesmo; contudo, isto é tudo o que se apura no caso concreto.
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Ora, dos elementos carreados aos autos, não é possível, julga-se, extrair o momento em que as despesas tributadas autonomamente ocorreram, sendo que, à falta destes elementos, não é possível concluir, sem mais, que, naquele exercício de 2019, hajam ocorrido despesas correspondentes ao valor assumido pela AT como base para a liquidação de tributações autónomas aqui sindicadas.
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É evidente, que a AT para aplicar este tipo de tributação não tem de, forçosamente, demonstrar a sua ocorrência – da(s) despesa(s) – num determinado dia – o que seria, excessivamente difícil, considerando a necessária ausência de documentação – mas, não se poderá prescindir da demonstração, para lá de qualquer dúvida razoável, da sua ocorrência, no montante considerado, dentro de um período definido, que se situe dentro do exercício económico a que se reporta a liquidação efetuada.
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O que, como é bom de ver, não aconteceu, porquanto, limitou-se (a AT) a situar a ocorrência das despesas, no valor que considerou, na data em que a inspeção tributária procedeu à contagem física de caixa, para concluir pela sua tributação no exercício de 2019.
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Veja-se que, tal entendimento, assenta, essencialmente, na credibilidade da contabilidade da Requerente, no que concerne às inscrições na Conta 11 – Caixa, naquela data.
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Acontece que essa credibilidade está, no caso dos autos, infirmada, desde logo, pelo próprio RIT. Efetivamente, o que se apura é que o conteúdo da Conta 11 – Caixa, não tinha a mínima correspondência com a realidade.
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Na verdade, os SIT não só demonstraram a falta de credibilidade da contabilidade da Requerente, revelando que a mesma não tinha correspondência com a realidade, como sujeitaram a tributação autónoma, desconsiderando tal contabilidade.
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Por sua vez, a evolução dos saldos da Conta 11 – Caixa (Cfr. ponto G dos factos provados), reforça a falta de credibilidade de tais inscrições, dada a anormalidade da evolução dos ditos saldos de caixa.
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Mais, o saldo de caixa à data da contagem física – 19/12/2019 – era, exatamente, o mesmo a 31/12/2018, pelo que, e na medida em que fosse possível atribuir alguma credibilidade ao registo contabilístico em apreço, mais rapidamente se concluiria que as despesas não documentadas teriam ocorrido num período anterior a 2019.
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Dito isto, temos para nós que não é possível dar como assente, sem mais, que as despesas não documentadas incorridas pela Requerente, e consideradas pela AT, tenham ocorrido na data em que foi efetuada a contagem física de caixa, ou, sequer, genericamente no exercício de 2019.
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Para além de que, pretendendo a AT aplicar a tributação autónoma, nos termos do artigo 88.º, n.º 1, do CIRC, é àquela que assiste o ónus de demonstrar os respetivos factos constitutivos, ao abrigo do disposto no artigo 74.º, da Lei Geral Tributária (doravante “LGT”), incluindo, no que para o caso releva, a ocorrência de despesas não documentadas no exercício de 2019, e o respetivo montante.
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Ou seja, era à AT que cabia, enquanto fundamentação formal do ato de liquidação, a invocação do preenchimento dos concretos pressupostos legais que depende o seu direito à liquidação, com elementos claros, suficientes e congruentes, de molde a permitir ao administrado ajuizar da correção/liquidação da mesma de forma a com ela se possa conformar ou vir a impugná-la.
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Só assim não seria (recaindo o ónus da prova sobre o sujeito passivo), se a AT tivesse reunido indícios suficientes de que no ano de 2019, em momento anterior à contagem, o montante por aquela tributado autonomamente estava na disponibilidade da Requerente. Tais indícios assentam, exclusivamente, em elementos da contabilidade da Requerente, que não apresentam credibilidade.
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De igual forma, cumpre salientar que não está em causa a dedutibilidade dos gastos, caso em que o ónus da prova impenderia sobre a Requerente, mas a tributação autónoma de despesas por iniciativa da AT, pelo que, julga-se, não ser de acolher o entendimento de que, a menos que se provasse o contrário, o sujeito passivo haveria de se sujeitar a tal tributação.
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E, como é bom de ver, a AT não comprova: (i) as datas em que as despesas não documentadas, sujeitas a tributação autónoma, ocorreram; (ii) quais os valores de tais despesas em cada momento; (iii) se as ditas despesas não documentadas foram efetuadas em numerário ou se o foram por outros meios, nomeadamente transferências bancárias ou cheques.
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Ou, por outras palavras, a AT não comprova:
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se as despesas não documentadas sujeitas a tributação autónoma foram efetuadas pelo montante global do saldo de caixa evidenciado no final de cada ano;
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se as despesas não documentadas sujeitas a tributação autónoma se deram pelos acréscimos verificados anualmente no saldo da conta de caixa ou;
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não se enquadrando em nenhuma destas situações, quais os quantitativos das despesas não documentadas sujeitas a tributação autónoma em cada um desses anos e os momentos em que foram efetuadas.[3]
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Ora, é evidente, que não se pode ter um determinado nível de exigência e rigor para umas coisas, e não ter, justamente, o mesmo para outras, sendo certo que, como se vem reiterando, é à AT que incumbe o ónus de demonstrar a legalidade da sua atuação, e que tal ónus não pode ser dado por cumprido a contrario, ou seja, determinando exigências probatórias que, a não serem cumpridas, tenham por consequência a prova daquilo com que se está onerado.[4]
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E, como já se afirmou, variadas vezes, o facto tributário a tributar autonomamente, nos termos operados pela AT, não é a constatação pela AT, mas sim a ocorrência da despesa, tida por não documentada, e relativamente a esta, ou estas, nada apurou a AT.
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Aliás, muito se estranha que uma despesa avultada como a do valor considerado, que foi tributada autonomamente, tivesse sido feita, por coincidência, no dia em que a Requerente foi sujeita a uma contagem física da Caixa.
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Dito tudo isto, e conforme refere o Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 241/2020-T:
“(...), o que está em causa é, face à constatação de uma determinada realidade de facto, a AT ter optado por uma forma de tributação que lhe impõe determinados ónus probatórios, que não pode transferir para o sujeito passivo. Estando previstos legalmente outros meios para reagir legalmente à situação constatada, designadamente, e no limite, a tributação por métodos indiretos.
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Em suma, a tributação autónoma de uma despesa como não documentada não poderá prescindir da demonstração da efetiva ocorrência da mesma, num determinado exercício, o que não sucedeu no caso em apreço.
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Neste sentido, dispõe o artigo 100.º/1 do CPPT que: “Sempre que da prova produzida resulte fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado.”
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Desta feita, face a todo o supra exposto, e atenta a fundada dúvida na quantificação do facto tributário efetuada pela AT, conclui o Tribunal Arbitral pela verificação do invocado erro nos pressupostos de facto e de direito, com a consequente anulação da liquidação aqui sindicada e respetivos juros compensatórios.
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Mais, ao abrigo da proibição da prática de atos no processo inúteis e desnecessários, prevista no artigo 130.º, do CPC, subsidiariamente aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões submetidas à apreciação deste Tribunal.
V. DECISÃO
Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:
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Declarar ilegal e anular o ato de liquidação adicional de IRC n.º 2023..., de 17.07.2023, bem como, as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2023... e 2023 ... e, correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2023..., no montante global de €162.980,85 (cento e sessenta e dois mil novecentos e oitenta euros e oitenta e cinco cêntimos).
VI. VALOR DA CAUSA
Fixa-se ao processo o valor de €162.980,85 (cento e sessenta e dois mil novecentos e oitenta euros e oitenta e cinco cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VII. CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €3.672,00 (três mil seiscentos e setenta e dois euros), nos termos da tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.]
13 de agosto de 2024
O Tribunal Arbitral Coletivo,
Rui Duarte Morais
(Presidente)
Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz
(Árbitra Adjunta)
Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho
(Árbitra Adjunta)
[1] Cfr. Voto de vencido elaborado no Processo n.º 235/2020-T do CAAD.
[2] Cfr. Acórdão arbitral proferido nos processos n.º s 241/2020-T e 70/2023-T, ambos do CAAD.
[3] Cfr. Acórdão arbitral proferido no processo n.º 241/2020-T do CAAD.
[4] Cfr. Acórdão arbitral proferido no processo n.º 241/2020-T do CAAD.
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